Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3394/16.2T8STS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
ÂMBITO
Nº do Documento: RP20210125/2294/16.2T8STS-D.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono apenas opera relativamente a uma ação e seus apensos ou na situação inversa e ainda nos casos previstos nos nºs 5, 6 e 7 do artigo 18º da Lei nº 34/2004, mas não relativamente a ações distintas processadas ab initio autonomamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3394/16.2T8STS-D.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3394/16.2T8STS-D.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 16 de novembro de 2016, na Unidade Central de Santo Tirso, Comarca do Porto, invocando o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono, C… propôs ação declarativa sob forma comum contra C… pedindo que o réu seja condenado a reconhecer que a dívida contraída pela autora por empréstimo contraído junto do D…, S.A., no montante de vinte mil euros, na constância do casamento da autora com o réu, com o consentimento deste,é da responsabilidade do ex-casal constituído por autora e réu, alegando ainda que o “fim visado pela A. ao contrair a dívida foi o de prosseguir interesses do casal da A. e R., tendo em vista o interesse comum.”
O réu contestou e após variadas diligências instrutórias junto de entidades bancárias, em 30 de maio de 2018 realizou-se audiência prévia na qual a autora requereu o aperfeiçoamento da petição inicial, pretensão que, com a oposição do réu, foi deferida.
Em 23 de outubro de 2018 foi proferido despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas de provas, apreciaram-se os requerimentos probatórios das partes e designou-se dia para realização da audiência final.
Em 27 de junho de 2019 realizou-se a primeira sessão da audiência final, sendo exarado na ata o seguinte:
“-----Aberta a audiência, concedida a palavra à Il. Mandatária do Réu, pela mesma foi dito que o apoio judiciário e a nomeação de patrono da Autora constante destes autos foi utilizado em dois processos,arguindo a nulidade dos atos praticados, requerimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio[1].-
-----Concedida a palavra ao Il. Mandatário da Autora, pelo mesmo foi requerido prazo para se
pronunciar sobre requerimento do Réu, requerimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio.-
-----Após, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:-
Despacho
-----Concedo o prazo de dez dias para a Autora se pronunciar sobre o requerimento do Réu.-
-----Solicite ao processo identificado no requerimento da Autora, certidão da Petição Inicial com os documentos que a acompanham e data de entrada da mesma em juízo.-
-----Tendo em conta que os presentes autos são de constituição obrigatória de mandatário e tendo em conta a arguida nulidade, entendemos de molde a evitar a prática de atos inúteis, interromper apresente audiência de julgamento, até a questão suscitada esteja resolvida.-
-----Notifique.-”
Em 08 de julho de 2019, a autora pronunciou-se sobre o requerimento do réu exarado em ata nos termos que seguem:
O signatário foi nomeado pela Ordem dos Advogados para patrocinar os interesses da A, sem qualquer especificação – doc. nº 1.
Contactada a A. verificou o signatário que os interesses em litigio da A. eram questões que advinham do inventário que ocorreu por virtude do seu divórcio com o Réu – doc. nº 2.
No entender da A. , que não tem conhecimentos jurídicos, o Réu devia prestar contas referentemente a uma dívida que a A. entende ser da responsabilidade comum da A. e do Réu.
Nesse sentido foi intentada pela A. a acção dos autos.
No tocante à acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – proc. 1427/16.1T8PVZ -, e que terminou por transacção –, a mesma explica-se (por mero acaso e fortuitamente deu entrada antes desta acção ) por o litigio da A. com o Réu que ficava por resolver pendente do inventário com o Réu – cit. doc. nº 2 –implicava para resolução dos interesses da pendência litigiosa com o Réu adveniente do inventário, a propositura de acção para cumprimento de contrato-promessa que a A. e o Réu celebraram com E… e F…–doc. nº3.
Alega o Réu que a A. não podia ter intentado a presente acção porquanto a A. havia intentado a acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim.
Não tem, porém, razão.
O instrumento de nomeação do signatário não estabelecia qualquer processo especifico – cit. doc. nº 1.
Portanto competia ao signatário ajuizar junto da patrocinada quais os interesses que tinha em litigio e de que reclamava resolução.
10º
Destarte a concessão da protecção jurídica à A., que nem sequer foi notificada ao patrono, apenas indicava: propôr acção judicial – prestação de contas (de cujo contexto se colhe que por manifesto lapso omitiu-se um x nessa quadricula ) e também a finalidade de “ Outro “.
11º
Ora o nº 4 do art. 16º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho admite a pluralidade de causas relativas ao mesmo Requerente.
12º
Por conseguinte é evidente o artificio da tese do Réu de que apenas podia ser proposta uma única acção como outrossim salta aos olhos o artificio da argumentação de que o ingresso na Secretaria da acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim impedia a propositura da acção dos autos.
13º
Mas, mesmo que tivesse existido um excesso do patrono – o que se não concebe nem concede e apenas se admite para melhor facilidade de raciocínio - na propositura pela A. da acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, apenas pode ser lançada mão, mas sem conceder por ser obviamente infundado, de comunicar à Ordem dos Advogados para efeitos de na próxima ronda de nomeações passar à frente na nomeação do signatário.
15º
Porém a presente acção em caso algum pode ser legitimamente posta em causa pois na pretensão da A. de prestação de contas do Réu visa a A. a responsabilização do Réu pela dívida comum contraída no Banco D….
Destarte e sem prescindir,
16º
O nº 2 do art. 24 da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, estabelece que não está limitado o número de processos em que o profissional forense, que optou pela nomeação isolada para processos, pode ser nomeado.
17º
Por sua vez o nº 1 do art. 7º da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, dispõe que quando o mesmo facto (no caso sub judicio o inventário da A. com o Réu por virtude do divórcio) der causa a diversos processos, o sistema deve assegurar, preferencialmente, a nomeação do mesmo patrono.
18º
Por conseguinte por a resolução da litigiosidade que advinha do inventário implicar para a sua definitiva resolução para além da presente acção também a propositura da acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim (sendo totalmente irrelevante que a presente acção tivesse dado entrada em data posterior à da acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim) não colhe o argumento do Réu e que é manifestamente absurdo, de que apenas podia ter sido proposta a acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim,quando em caso algum a presente acção pode legitimamente ser posta em causa.
Pelo que o requerimento do Réu não tem qualquer fundamento legal e deve ser indeferido.”
Após diversas diligências instrutórias, em 06 de fevereiro de 2020, foi proferido o seguinte despacho[2]:
Em sede de audiência de julgamento, o Réu C… veio dar conhecimento aos autos que o apoio judiciário de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda nomeação e pagamento de defensor, utilizado nos mesmos pela Autora B… era exatamente o mesmo que aquela havia junto aos autos que correram termos no Juízo Central da Póvoa de Varzim, sob o n.º 1427/16.1T8PVZ. Entende,por consequência, que os atos praticados pelo Patrono poderão ser nulos.
A Autora pronunciou-se no sentido de que efetivamente o apoio judiciário que utilizou para instruir a presente ação é o mesmo que utilizado para instruir a ação que correu termos no Juízo Central da Póvoa.
Defende que tal é admissível ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 16.º da Lei 34/2004, de 29/julho e n.º 2 do artigo 24.º e n.º 1 do artigo 7.º, ambos da Portaria 10/2008, de 3 de janeiro.
Apreciando:
Compulsados os presentes autos, designadamente fls. 8 a 9 e certidão junta a fls.205 a 217, resulta de forma inequívoca que o apoio judiciário com que a Autora instruiu apresente ação é exatamente o mesmo com que esta havia instruído a ação que correu termos sob o n.º 1427/16.1T8PVZ, como aliás a própria Autora admite.
Estabelece o artigo 18.º da Lei 34/2004, de 29 de julho:
“1. O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido concedido à parte contrária.
2. O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual (…).
3. (…)
4. O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.
5. O apoio judiciário mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentenças proferidas no processo em que essa concessão se tenha verificado.
6. Declarada a incompetência do tribunal, mantém-se, todavia, a concessão do apoio judiciário (…).
7. No caso do processo ser desapensado por decisão com trânsito em julgado, o apoio concedido manter-se-á, juntando-se oficiosamente ao processo desapensado certidão da decisão que o concedeu, (…)- ”
Do exposto, resulta de forma manifesta e inequívoca que o apoio judiciário concedido só serve para o processo em que ou para o qual é concedido, seus apensos, recurso e execução. A lei não admite a utilização do mesmo apoio judiciário em ações autónomas e independentes entre si, caso o admitisse tê-lo-ia dito conforme o fez para os apensos, recursos e execuções.
As normas legais citadas pela Autora em nada contrariam o supra exposto, antes o reafirmam porquanto respeitam a pluralidades de causas e pluralidades de decisões de apoio judiciário.
Em face do que se expôs, tendo o apoio judiciário sido usado pela Autora no processo que correu termos pelo Juízo Central da Póvoa de Varzim, aquela não o poderia utilizar nos presentes autos, por inadmissibilidade legal.
Assim, nos presentes autos a Autora não beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e encargos e nomeação e pagamento de compensação a patrono nomeado.
Ora, os presentes autos são de constituição obrigatório de mandatário, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
Impõe-se a regularização dos presentes autos, pelo que:
Notifique a Autora para, em 10 (dez) dias, juntar aos autos procuração forense a favor do Ilustre Mandatário subscritor da petição inicial e demais requerimentos, com ratificação do processado, sob pena de não o fazendo, ficar sem efeito tudo quanto aquele mandatário tiver praticado – cfr. artigo 48.º, n.º 2, ambos do CPC.
Notifique ainda a Autora para no mesmo prazo proceder ao pagamento de todas as taxas de justiça devidas e não pagas até ao momento, sob pena das consequências previstas no artigo 570.º do CPC e 14.º do RCP.
Em 09 de março de 2020, inconformada com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Era ao contestar a acção que o R. devia ter suscitado a questão da protecção jurídica da A. já ter sido utilizada na acção da Póvoa de Varzim;
2) Pois quando o R. foi citado para esta acção e apresentou a contestação, já o R. tinha os elementos que lhe permitiam alegar ter a A. usado a protecção jurídica que lhe foi concedida para esta acção,na acção que correu termos pelo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim;
3) Assim pois a alegação feita pelo R. na audiência de julgamento é intempestiva;
4) Pelo que alegação de que a A. não beneficia na acção de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, para ser tempestiva era na contestação que o R.a devia alegar;
5) Como era na contestação que o R. devia fazer a alegação de a A. não beneficiar na acção de nomeação oficiosa de patrono.
6) O douto despacho recorrido ao mandara A. juntar procuração e pagar as taxas de justiça viola o direito da A. A protecção jurídica reconhecida pela Segurança Social pela sua situação de insuficiência económica;
7) Assim pois a consequência cominada no douto despacho recorrido é ilegal e viola o direito da A. à protecção jurídica consagrado no art 20 nº 1 da Constituição da República;
8) Nem, fazendo qualquer sentido que a A. com a mesma situação de insuficiência económica, tivesse protecção jurídica para uma acção e já não para outra;
9) Com o que seria e é violado, o princípio constitucional da igualdade, pelo qual deve ser tratado de maneira igual acções em que a sua titular para ambas está em idêntica situação de insuficiência económica;
10) Outrossim o douto despacho recorrido viola os casos julgados implícitos, das decisões anteriores ao douto despacho recorrido que transitaram em julgado, e que não puseram em causa a situação de dispensa da A. de taxa de justiça e demais encargos e de beneficiar de patrono oficiosamente nomeado, e cujo pressuposto da insuficiência económica da A. o douto despacho recorrido nunca pôs nem põe em causa;
11) O que importa e é relevante é se a acção ou acções intentadas estão no âmbito para que a protecção jurídica é concedida pela Segurança Social;
12) Ora as duas acções propostas (apresente acção e a acção que correu termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim) não extravasam o âmbito da protecção jurídica concedida à A.,situando-se no seu âmbito, nem o douto despacho recorrido demonstra que estão fora do seu âmbito;
13) A protecção jurídica concedida pela Segurança Social, pode ser para a propositura de mais que uma acção, desde que o âmbito da protecção jurídica concedida o faculte;
14) Interessa pois o âmbito da concessão emanada da Entidade competente o que é dizer, da Segurança Social.
15) Mas ainda que assim não fosse e portanto apenas pudesse ser proposta uma única acção, a A. teve em vista na finalidade da prestação de contas do R.,a responsabilização do R. em dívida comum, pelo que foi proposta a presente acção;
16) Não tendo que estar aqui a ser discutido o âmbito da finalidade de " outro " isto é outra acção, em relação à acção que correu termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim;
17) Não está demonstrado nem o douto despacho recorrido intenta sequer demonstrar que no caso de ser permitida a protecção jurídica apenas numa única acção, não é esta acção que em tal caso não está no âmbito dessa pretensa única acção e que seja antes a acção que correu termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, que está no âmbito da protecção jurídica concedida à A., nem pode redundar em prejuízo da A. A incerteza ou dúvida.
18) Efectivamente o douto despacho recorrido não demonstra nem sequer intenta demonstrar, de que a presente acção se não encontra no âmbito da protecção jurídica concedida à A., como seria mister.
19) O douto despacho recorrido violou o nº 1 do art. 573, do CPC, nº 2 do art 6º, e nº1 segunda parte do art. 29, da Lei nº34/2004, de 29 de Julho, e o art. 20 nº 1e 13, da Constituição da República.
20) Deve pois o douto despacho em crise ser revogado e, em seu lugar, ser proferida decisão que ordene o prosseguimento dos autos.
O recorrido contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A magna questão deste recurso é a de saber se a recorrente goza nestes autos de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono, tendo como subquestões as seguintes: a) a extemporaneidade da suscitação da falta de apoio judiciário da autora; b) a violação do direito da autora à proteção jurídica pela decisão proferida pelo tribunal que não lhe conferiu a oportunidade de demonstrar que goza de apoio judiciário nas aludidas modalidades; c) a violação do caso julgado implícito decorrente das anteriores decisões “que não puseram em causa a situação de dispensa da A.de taxa de justiça e demais encargos e de beneficiar de patrono oficiosamente nomeado”; d) a possibilidade da proteção jurídica concedida pela Segurança Social ser para mais do que uma ação; e) a não demonstração na decisão recorrida de que a presente ação não se encontra dentro do âmbito da proteção jurídica concedida à autora.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e suficientes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão, resultam dos autos, com força probatória plena, nesta parte e não se reproduzem nesta sede por evidentes razões de economia processual, aditando-se aos mesmos mais a seguinte matéria:
A ação que correu termos sob o n.º 1427/16.1T8PVZ foi instaurada em 09 de novembro de 2020.
4. Fundamentos de direito
A recorrente goza nestes autos de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono?
A recorrente insurge-se contra a decisão recorrida pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que determine o prosseguimento dos autos pelas seguintes razões: na sua perspetiva, a dedução pelo réu da questão da falta de apoio judiciário por parte da autora foi feita fora de tempo, devendo ter sido na contestação; a decisão recorrida viola o direito da autora à protecção jurídica ao não lhe permitir demonstrar que goza de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono; a decisão recorrida viola o caso julgado implícito de anteriores decisões que não questionaram a titularidade pela autora de apoio judiciário nas aludidas modalidades; uma só decisão da Segurança Social a conceder apoio judiciário nas aludidas modalidades pode ser usada em mais do que uma ação e, em todo o caso, não se demonstrou que o caso dos autos está fora do âmbito para que foi concedido o apoio judiciário.
A parte contrária contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso argumentando que a falta de procuração pode ser arguida a todo o tempo, que não houve violação do direito à proteção jurídica da autora por parte do tribunal ou qualquer caso julgado implícito sobre esta matéria, porque até a questão ter sido suscitada pelo réu, o tribunal não tinha conhecimento da utilização da mesma decisão de concessão de apoio judiciário para duas ações distintas.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de entrar no tratamento direto das questões e subquestões suscitadas neste recurso, enunciemos o quadro normativo essencial com enfoque especial no regime jurídico do apoio judiciário.
Nos termos do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a “todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
Além disso, “[t]odos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade” (20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).
Em concretização deste direito fundamental, na Lei nº 34/2004, de 29 de julho, além do mais, prevê-se que a protecção jurídica[3] é concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados de lesão (artigo 6º, nº 2, da referida Lei).
No que respeita à extensão do apoio judiciário, nos nºs 4 e 5, do artigo 18º da Lei nº 34/2004, prevê-se que esse benefício se mantém “para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”, mantendo-se também “para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado” e ainda nos casos em que seja declarada a incompetência do tribunal e bem assim quando o processo seja desapensado por decisão transitada em julgado (nºs 6 e 7, do artigo 18º da Lei nº 34/2004).
Sublinhe-se que resulta do nº 1, do artigo 33º da Lei nº 34/2004 que o patrono é nomeado para instaurar uma ação e não uma pluralidade de ações, se assim for entendido como necessário pelo patrono nomeado.
Porém, prevenindo a hipótese de o mesmo facto poder dar causa a diversos processos, na alínea d), do nº 1, do artigo 45º da Lei nº 34/2004 e bem assim no diploma regulamentador da Lei nº 34/2004[4], prescreve-se que o sistema de apoio judiciário deve em tais casos assegurar, preferencialmente, a nomeação do mesmo patrono ou defensor oficioso ao beneficiário (artigo 7º, nº 1 da citada Portaria), regime que porém só se aplica nos casos em que o profissional forense está inscrito para lotes de processos, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 18º da mesma Portaria (artigo 7º, nº 2, da mesma Portaria).
Enunciado o quadro normativo essencial do instituto de apoio judiciário para dilucidação das questões suscitadas, é tempo de entrar na concreta cognição das questões objeto do recurso.
A questão da falta de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono nomeado reconduz-se, na vertente tributária, quanto não seja sanada, a uma exceção dilatória inominada determinante em casos extremos da extinção da instância, como sucede quando a falta seja do autor (vejam-se os artigo 145º, nº 3, 552º, nº 6, 558º, alínea f), 570º, nºs 5 e 6 e 642º, todos do Código de Processo Civil) e, na vertente do patrocínio judiciário, equivale a uma falta de patrocínio judiciário, exceção dilatória sujeita a um regime próprio previsto nos artigos 41º e 48º do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no artigo 578º do Código de Processo Civil, o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias e, por outro lado, em desvio à regra da concentração da defesa do réu na contestação, permite-se a dedução depois da contestação de exceções que sejam de conhecimento oficioso (artigo 573º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Pode assim concluir-se que não foi extemporânea a suscitação pelo réu, no início da audiência final, da questão da falta de apoio judiciário da autora na presente ação, em virtude de ter usado previamente esse benefício em ação que deu origem ao processo nº n.º 1427/16.1T8PVZ.
Por outro lado, uma vez que, ressalvados os casos de superveniência de insuficiência económica, o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual (veja-se o nº 2, do artigo 18º da Lei nº 34/2004), volvidos quase três anos sobre a propositura da ação, pressuposta a impossibilidade do mesmo apoio judiciário poder ser usado para instaurar ações distintas, questão a que voltaremos mais adiante, no estado em que se acham os autos de que foi extraído este recurso, não tinha a autora o direito a poder requerer e subsequentemente demonstrar que era beneficiária de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono. Anote-se que se porventura a autora ainda dispusesse de tal faculdade processual, nada garantia que lhe fosse nomeado o mesmo patrono, desconhecendo-se aliás se o patrono que até agora tem vindo a arrogar-se o patrocínio da recorrente reúne os requisitos para ser nomeado ao abrigo do nº 1, do artigo 7º da Portaria nº 10/2008.
Até ser proferida a decisão recorrida nunca foi apreciada a questão da autora gozar nestes autos de apoio judiciário nas aludidas modalidades e de um não conhecimento não se pode retirar qualquer caso julgado implícito já que, como é sabido, o caso julgado se forma sobre questões concretamente apreciadas (veja-se por exemplo o nº 3, do artigo 595º do Código de Processo Civil).
O problema que eventualmente se pode colocar é o de saber se o desenrolar dos autos sem que a questão que deu origem ao despacho recorrido se tivesse até então suscitado gerou na autora uma situação de confiança que não pode ser agora frustrada por uma decisão judicial.
Porém, não cremos que do simples desenrolar dos autos se possa considerar criada uma situação de confiança para a autora, pois não se vê que tenha havido por parte do tribunal uma tomada de posição vinculante relativamente a uma dada situação futura. O que sucede é que nunca o tribunal havia sido alertado para a hipótese extravagante de um mesmo apoio judiciário, estar a ser usado em ações distintas, pendentes em diferentes tribunais, de forma não declarada, mediante o simples expediente do uso dos pertinentes documentos, como se fossem documentos multiuso e a coberto das fragilidades do processo eletrónico no que respeita à verificação da autenticidade dos documentos[5].
Por outro lado, para que se gere uma situação de confiança, necessário é que a parte que invoca a violação da confiança esteja de boa-fé (por desconhecer a divergência entre a aparência criada e a situação ou intenção reais) e que tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
Ora, o Sr. Advogado conhecia a situação anómala que criou e, agindo com a proficiência que se requer no exercício da atividade forense, estava em condições de concluir que a sua conduta era passível de criar prejuízos para a sua patrocinada, tanto mais que esta problemática já havia sido objeto de apreciação neste Tribunal da Relação, no acórdão de 10 de dezembro de 2009, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Maria Catarina no processo nº 820/08.8TBESP-E.P1, acessível na base de dados da DGSI.
Uma atuação de boa-fé por parte do Sr. Advogado que foi nomeado patrono à autora impunha que logo aquando da propositura da ação fossem expostos todos os factos relativos ao apoio judiciário, a fim de que quer a parte contrária, quer o tribunal pudessem tomar posição o mais cedo possível.
No entanto, toda a argumentação que precede assenta no pressuposto ainda não demonstrado, de que o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e pagamento de compensação a patrono apenas opera relativamente a uma ação e seus apensos ou na situação inversa e ainda nos casos previstos nos nºs 5, 6 e 7 do artigo 18º da Lei nº 34/2004, mas não relativamente a ações distintas processadas ab initio autonomamente.
A nosso ver, esse pressuposto resulta demonstrado desde logo do disposto no nº 4, do artigo 18º da Lei nº 34/2004, confirmando-se ainda no nº 1, do artigo 33º da mesma lei que prevê expressamente a propositura da ação, na sequência da nomeação de patrono e não de ações.
Também do previsto na alínea d) do nº 1, do artigo 45º da Lei nº 34/2004 e no nº 1, do artigo 7º da Portaria nº 10/2008 resulta inequivocamente que para cada processo existe uma nomeação, procurando-se, sempre que possível, que nos casos de pluralidades de processos conexos, essas nomeações recaiam sobre o mesmo patrono.
A previsão do nº 2, do artigo 6º da Lei nº 34/2004 não coloca em xeque o pressuposto que se tem vindo a demonstrar porquanto tem como finalidade precípua definir o âmbito de proteção da proteção jurídica e não o alcance concreto da proteção jurídica concedida, esta regulada especialmente no já citado nº 4, do artigo 18º da Lei nº 34/2004.
Finalmente, não é o requerente do apoio judiciário que define precisamente o âmbito para que é concedido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento de compensação ao mesmo, mas sim o causídico que o vai assistir juridicamente e que determinará qual ou quais os meios processuais adequados à tutela do beneficiário do apoio judiciário.
Se acaso o patrono nomeado ao requerente de apoio judiciário chegar à conclusão de que são necessários diversos e simultâneos meios processuais para tutela do beneficiário do apoio judiciário, deve informar este do meio processual de que vai lançar mão e solicitar-lhe que requeira novo ou novos apoios judiciários para os outros meios processuais a usar, expondo aí os factos necessários, se for caso disso, para que possa ter aplicação o previsto na alínea d) do nº 1, do artigo 45º da Lei nº 34/2004 e no nº 1, do artigo 7º da Portaria nº 10/2008.
A concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono, ao contrário do que sustenta o Sr. Advogado que subscreve as alegações de recurso da recorrente, não constitui um “passaporte” para a instauração de uma pluralidade de ações, por sua iniciativa, ainda que a situação concreta do beneficiário de apoio judiciário assim o exija.
Por isso, ao invés do que afirma o Sr. Advogado subscritor do recurso, o tribunal não violou o direito à proteção jurídica da autora, nem gerou uma situação violadora do princípio da igualdade, ao negar neste pleito, em igualdade de circunstâncias, o benefício de que usufruiu no processo nº 1427/16.1T8PVZ, tendo sido sim o Sr. Advogado que pela sua conduta deu causa à situação em que a autora se vem a encontrar.
Ao agir como agiu, o Sr. Advogado incorre nas consequências jurídicas previstas no nº 2, do artigo 48º do Código de Processo Civil, como aliás resulta do despacho recorrido.
Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida não é passível de censura e deve ser confirmada, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, com custas a cargo da recorrente, já que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo da responsabilidade poder vir a recair sobre o Sr. Advogado que se arrogou o patrocínio judiciário da autora, nos termos do já citado artigo 48º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Será extraída certidão deste acórdão e bem assim da decisão recorrida e remetida aos serviços da Segurança Social para conhecimento da situação dos autos e bem assim à Ordem dos Advogados para apuramento de eventual responsabilidade disciplinar do Sr. Advogado que se arrogou o patrocínio forense da autora.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 06 de fevereiro de 2020.
Custas a cargo da recorrente, já que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo da responsabilidade poder vir a recair sobre o Sr. Advogado que se arrogou o patrocínio judiciário da autora, nos termos do já citado artigo 48º, nº 2, do Código de Processo Civil, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
Extraia certidão deste acórdão e bem assim da decisão recorrida e remeta aos serviços da Segurança Social para conhecimento da situação dos autos e bem assim à Ordem dos Advogados para apuramento de eventual responsabilidade disciplinar do Sr. Advogado que se arrogou o patrocínio forense da autora.
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O presente acórdão compõe-se de treze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 25 de janeiro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Em 05 de novembro de 2019, por determinação da Sra. Juíza a quo, foi junta aos autos a seguinte transcrição do requerimento do réu: “- O Réu, C…, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:-- Autora e Réu tiveram um processo que correu termos, no Juizo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 3, sob o nº 1427/16.1T8PVZ, em que a ora Autora apresentou em tal processo a mesma decisão da concessão de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda nomeação de pagamento compensação de patrono, confrontrar com doc. 1 que se junta nesta audiência.-- Com efeito, aquela decisão de concessão de protecção jurídica é precisamente a mesma dos presentes autos.-- De facto, coube aquele processo o nº 107637/2015, o dia da decisão é o mesmo, a técnica que subscreveu tal decisão é a mesma, em suma o pedido e a finalidade do pedido foi e é precisamente o mesmo destes autos.-- Ora, a nomeação de um processo não pode ser a mesma de outro, em nosso modesto entendimento.-- Entende o Réu que todos os atos praticados num e noutro processo poderão ser nulos, pois poderá ser entendido a atuação pelo patrono como poderes sem representação.-- Quanto à junção do documento, atendendo que o mesmo será necessário, em virtude de o Réu se ter apercebido de tal facto após a realização da audiência prévia, no âmbito deste processo e porque o mesmo se afigura relevante para o que supra se alegou, pede-se a não condenação em multa, pela junção na presente data de tal requerimento.-- Termos em que, face a tudo supra exposto, requer-se a V. Ex.ª que se digne ordenar o que tiver por conveniente quanto ao supra requerido, bem como se requer a não condenação em multa pela junção do documento na presente audiência, atento também o supra alegado.-
[2] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 17 de fevereiro de 2020.
[3] A proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigo 6º, nº 2, da Lei nº 34/2004).
[4] Trata-se da Portaria nº 10/2008, de 03 de janeiro.
[5] De facto, só nos casos pontuais em que se duvide da autenticidade ou genuinidade dos documentos se exigirá a exibição dos originais (artigo 4º, nº 2, alínea a), da Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto).