Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
57/14.7T8AMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO
Nº do Documento: RP2015121657/14.7T8AMT-A.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O administrador da insolvência deve ser escolhido pelo juiz de entre os administradores inscritos na lista oficial e por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha.
II – Só excecionalmente a regra referida deve ser afastada, optando-se pela indicação feita pelo requerente da insolvência.
III – Esta opção pela indicação feita pelo requerente só pode acontecer quando esteja em causa um processo em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, exigindo-se ao requerente que alegue factos (complementares ou resultantes diretamente da petição inicial) que permitam concluir pela aludida previsibilidade.
IV – Estando em causa a insolvência de pessoa singular não será facilmente compreensível a opção pelo administrador da insolvência indicado pelo requerente.
V – Como se impõe a qualquer despacho, a opção do tribunal deve ser fundamentada, mormente se, devidamente requerida a nomeação de determinado administrador da insolvência, não se opta pela mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – O administrador da insolvência deve ser escolhido pelo juiz de entre os administradores inscritos na lista oficial e por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha. 2 – Só excecionalmente a regra referida deve ser afastada, optando-se pela indicação feita pelo requerente da insolvência. 3 – Esta opção pela indicação feita pelo requerente só pode acontecer quando esteja em causa um processo em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, exigindo-se ao requerente que alegue factos (complementares ou resultantes diretamente da petição inicial) que permitam concluir pela aludida previsibilidade. 4 – Estando em causa a insolvência de pessoa singular não será facilmente compreensível a opção pelo administrador da insolvência indicado pelo requerente. 5 – Como se impõe a qualquer despacho, a opção do tribunal deve ser fundamentada, mormente se, devidamente requerida a nomeação de determinado administrador da insolvência, não se opta pela mesma.

Processo n.º 57/14.7T8AMT-A.P1

Recorrente – B…
Recorridos – Ministério Público, Banco C…, SA e outros

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância:
B…, devidamente identificado nos autos, requereu a sua declaração de insolvência e, além do mais, a nomeação, para administrador da insolvência e nos termos do disposto no artigo 52, n.º 2 do CIRE, do Dr. D…, “pessoa de grande experiência, diligente e de reconhecidos méritos, inscrita na lista oficial e com domicílio profissional (...), técnico que tendo analisado a situação económica do requerente, bem como toda a sua história de vida, concluiu pela sua atual situação de insolvência, e aconselhou a sua apresentação, além de que, possuindo conhecimentos relevantes junto dos credores como de facto possui, é pessoa indispensável para gerir, como fiduciário, os pagamentos aos citados credores, com os valores que o insolvente conseguir amealhar ao longo do período de exoneração”.

Na sentença que veio a declarar a insolvência do requerente, e a propósito da indicação referida no parágrafo anterior, escreveu-se: “Não obstante a indicação, por parte do requerente, de pessoa a nomear como administrador de insolvência não tendo sido indicada a provável existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, nos termos previstos no art. 32.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi art. 52.º n.º 2 do mesmo diploma, na redação dada aos preceitos pelo Decreto Lei n.º 282/07, de 7/08 (nos termos do respetivo 3.º), o tribunal não terá em conta tal indicação, sendo a nomeação efetuada de forma aleatória.”

1.2 – Do recurso:
Inconformado, o requerente veio apelar. Pretende a revogação da decisão, na parte em que não acolhe a indicação do Administrador da Insolvência por si feita, e formula as seguintes Conclusões:
1 – O recorrente apresentou-se à insolvência mediante requerimento dirigido ao tribunal a quo em 18.09.2014, tendo indicado como administrador de insolvência o Sr. Dr. D…, por ter do mesmo excelentes referências profissionais.
2 – Contudo, o tribunal fez a nomeação de um administrador de insolvência diferente daquele que foi proposto, não apresentando qualquer fundamento a justificar tal decisão.
3 – O recorrente não se conforma com tal decisão, por não ter qualquer esclarecimento que a fundamente.
4 – Decisão que é ilegal e inconstitucional, pois o tribunal toma uma decisão de suma importância para todo o processo contrária à proposta do recorrente sem qualquer fundamento para a justificar, e apenas porque não se sente obrigado a aceitar tal nomeação.
5 – O tribunal tem o dever constitucionalmente previsto de fundamentar todas as decisões – cfr. art. 205, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
6 – Nos termos do n.º 1 do art. 205 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente têm de ser fundamentadas.
7 – Acresce ainda que o NCPC estatui o dever de fundamentação para todas as decisões que versem sobre pedidos controvertidos.
8 – A fundamentação dos atos judiciais é essencial para o seu destinatário, pois só por esta via pode analisar a decisão e, dessa forma, saber se concorda ou não com a mesma.
9 – Em consonância, sanciona-se com nulidade as decisões que não contenham os fundamentos de facto e de direito – art. 615, n.º 1, al. b) do NCPC.
10 – E assim, a omissão da apresentação de motivos que levaram o tribunal a quo a nomear outro administrador de insolvência tem como consequência a nulidade parcial da sentença.
11 – Refira-se ainda que, tendo em conta a multiplicidade e complexidade das situações concretas de cada insolvência, deve ser dada especial relevância à indicação de determinado administrador de insolvência pelo devedor, pois esta escolha já terá em conta os especiais conhecimentos técnicos do administrador de insolvência, sendo portanto uma escolha consciente e certamente a mais adequada para a insolvência em causa.
12 – No presente caso, o administrador indicado é um profissional de confiança com um conhecimento profundo da situação económica do insolvente, tendo sido o próprio a concluir pela apresentação do insolvente à insolvência. Além de que, tem também um profundo conhecimento da insolvência da antiga fábrica na qual o insolvente era administrador (E…) e que, por via dos avais prestados, originou todo o passivo.
13 – Foi também o mesmo administrador que aconselhou a irmã do recorrente a se apresentar à insolvência, por conhecer a sua situação económica e saber que a mesma se encontra, tal como o recorrente, incapaz de cumprir com as suas obrigações.
14 – Note-se que os factos que fundamentam a insolvência de um são exatamente os mesmo que fundamentam a insolvência de outro, pois que ambos foram sócios e administradores da mesma empresa, na mesma época, a qual contribuiu em larga escala para a sua débil situação económica, resultando as dívidas de ambos os insolventes dessa mesma fonte, sendo os credores os mesmos.
15 – O recorrente e a sua irmã, ambos sócios e administradores da empresa e atualmente insolventes, congregaram todos os esforços para recuperar a empresa, tanto a nível profissional como a nível pessoal, não tendo, não obstante, conseguido evitar a sua insolvência.
16 – Ambos contraíram diversas dívidas por terem sido forçados a darem avais pessoais a muitos dos financiamentos pedidos pela empresa para fazer face aos prejuízos sucessivos que se acumularam.
17 – Encontrando-se, ambos, em situações económicas muito idênticas, incapazes de honrar os seus compromissos.
18 – O processo de insolvência da irmã do recorrente foi instaurado no mesmo exato dia e no mesmo exato tribunal, processo que corre termos no J1 desta mesma Secção de Comércio da Instância Central de Amarante, Comarca do Porto, processo n.º 58/14.5T8AMT.
19 – Sucede que, no processo desta, foi aceite a indicação do administrador de insolvência sugerido na petição inicial.
20 – Concluindo-se que todo o sentido faz que seja o mesmo administrador de insolvência a gerir os seus patrimónios, já que, embora autónomos, encontram-se afetados pelas mesmas dívidas, sendo os credores de um e de outro os mesmos, pois a insolvência de ambos resulta exatamente dos mesmos factos. Sendo, assim, mais adequado, senão mesmo mais célere e eficaz, que seja o mesmo administrador a exercer funções, para que as condições num e noutro processo sejam idênticas.
21 – Reitera-se que o AI nomeado pelo insolvente conhece, também, com profundida toda a situação de insolvência da E…, conhecendo assim todos os avais prestados pelos insolventes e estando com negociações em curso no tocante a vários credores dos insolventes, pelo que nenhum sentido faz, prima facie para os interesses dos credores (que devem ser superiormente tutelados nestes autos), uma nomeação aleatória quando existe uma pessoa muito mais preparada e conhecedora da situação concreta.

No despacho que recebeu o recurso, o tribunal recorrido, dando cumprimento ao disposto no artigo 617, n.º 1 do Código de processo Civil (CPC), embora considerando que “a decisão proferida se encontra minimamente fundamentada”, em complemento da mesma acrescentou o que ora se sintetiza:
Na primitiva redação os n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do CIRE dispunha-se que (...). O Decreto-lei n.º 282/2007 alterou a redação dos citados preceitos, que se mantém com a alteração adveniente da Lei n.º 16/2002 (...) É certo que quer o devedor que se apresente à insolvência, quer o credor que requeira a insolvência do devedor, quer a comissão de credores se a houver, podem indicar/sugerir/ propor pessoa ou entidade para o exercício do cargo de administrador da insolvência. Dúvidas não restam que a reforma do Código, operada pelo DL. 282/2007, veio alargar os poderes decisórios do juiz quanto a este particular aspeto, o que se mantém com a alteração ao CIRE adveniente da Lei 16/2012. Assim, o juiz ao nomear o AI poderá ou não ter em conta a indicação feita pelo requerente, pelo credor ou pela comissão de credores, se a houver, sendo que esta indicação é meramente facultativa. De acordo com o n.º 1 do art. 13.º do Estatuto do administrador Judicial (Lei 22/2013), a nomeação a efetuar pelo juiz (sem prejuízo, porém, do disposto no art. 52.º, n.º 2 do CIRE) processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores nos processos, acrescentando o n.º 3 que não sendo possível ao juiz recorrer ao sistema informático, deve pugnar por nomear os administradores judiciais de acordo com os princípios vertidos no artigo, socorrendo-se das listas a que se refere a presente lei. Da conjugação das normas [citadas] podemos concluir que o juiz poderá ou não acolher a indicação, sendo certo que deverá ter sempre presente, na defesa dos vários interesses em causa, que a nomeação se deve “processar por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos”. Logo, se acolher tal sugestão deverá fundamentar decisão da indicação feita. Caso contrário, se não a acolher, basta-lhe nomear um AI no termos processuais e legalmente referidos, não necessitando de motivar, em termos objetivos, essa sua decisão, pois encontra-se compreendida no âmbito dos seus exclusivos poderes de decisão. No caso em apreço, lendo a petição inicial, constata-se que não é alegada a necessidade/relevância de prática de atos especiais de gestão, sendo certo que se trata de uma insolvência respeitante a pessoa singular. Afigura-se-nos, aliás, que não seja nomeada a mesma pessoa em todos os processos respeitantes a um núcleo interligado de pessoas singulares e coletivas, que se apresentam à insolvência, por a diversidade de perspetivas potenciada por diversas pessoas nomeadas, com formações académicas diversas (uns na área económica, outros, na área jurídica), potenciar outra visão do cenário detetado com vista à defesa dos direitos dos credores, no âmbito dos poderes/deveres que lhes são conferidos pela lei, e que não são necessariamente coincidentes com os dos insolventes. Diga-se, aliás, a seguir-se as indicações constantes das mesmas pessoas a nomear como AI, facto este que tem sido patente e que temos constatado no exercício das nossa funções, gerar-se-ia uma situação de desigualdade por ser muito restrito o número de Administradores que são indicados pelos requerentes, violando-se, a seguir-se tais indicações, a aleatoriedade da escolha e a distribuição equitativa dos administradores da insolvência nos processos. Atualmente, na escolha do administrador, o juiz deixa de estar condicionado pela proposta eventualmente feita na petição, podendo contudo considera-la. Na lei vigente, a utilização da expressão podendo o juiz ter em conta, significa que estamos perante uma situação a resolver de acordo com o prudente critério do juiz, isto é, de um poder discricionário, que o leva a escolher o administrador segundo o seu critério (cf., entre vários acórdãos publicados neste sentido, o do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.02.2013, in dgsi). Assim sendo, e mediante o referido complemento, mantém-se o anteriormente decidido.”

Notificado do despacho acabado de referir, o recorrente veio pedir o “alargamento do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 617.º n.º 3 CPC, em virtude das novas questões invocadas no despacho de admissão, fazendo o presente requerimento parte integrante do recurso, ao qual deve ser dado inteiro provimento, devendo ser revogada a sentença na parte em que nomeia o Sr. Dr. F…, sendo substituída por outra que nomeie o Sr. Dr. D…”.

Em sustentação do seu entendimento, veio acrescentar:
“(...) O despacho de admissão do recurso, onde é feita a fundamentação antes omissa, versa, essencialmente, na ideia de que a sugestão do Administrador de Insolvência, pelo devedor, não passa de uma sugestão, podendo o juiz segui-la ou não. É absolutamente facultativa. E, como tal, o juiz, se não seguir tal indicação, fica dispensado de fundamentar a sua decisão, bastando-lhe nomear um outro administrador da lista os inscritos. Acontece que, e mais uma vez se frisa, qualquer decisão carece de ser fundamentada, sob pena de ser inconstitucional. E, à luz do senso comum, que sentido fará justificar a decisão quando se segue a proposta feita, e não justificar quando não se segue, precisamente quando o destinatário necessita de compreender as razões da decisão?! Atente-se sobre o Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 16.06.2014, Proc. 449/14.1TJPRT-A.P1, relator Carlos Gil, onde se pode ler: «Bem sabemos que para alguns a fundamentação da nomeação do administrador da insolvência é desnecessária por, alegadamente, estar em causa uma decisão proferida no uso de um poder discricionário. A nosso ver, ainda que a decisão em causa seja efetivamente proferida no uso de um poder discricionário, isso não significa que não deva ser fundamentada, sob pena de sob a capa do uso de um poder discricionário, se estar efetivamente a cometer uma arbitrariedade». Deste modo, ainda que a decisão esteja compreendida nos exclusivos poderes de decisão do juiz, a mesma tem de ser fundamentada e adaptada a cada caso em concreto, sendo insuficiente uma fundamentação genérica, igual a todas as outras proferidas pelo mesmo tribunal, apenas porque é prática do tribunal decidir em determinado sentido.
Entende a Mma. Juiz que a escolha de um administrador diverso do proposto potencia “outra visão do cenário detetado com vista à defesa dos direitos dos credores, no âmbito dos poderes deveres que lhes são conferidos pela lei e que não são necessariamente coincidentes com os dos insolventes”. Quererá isto dizer que, porventura, o administrador proposto não terá em conta os interesses dos credores do insolvente?!
Em primeiro lugar, o administrador sugerido é uma pessoa séria, competente, altamente qualificada e com grande experiência em matéria de insolvência, qualidades que se reputam essenciais e que influíram na escolha do mesmo pelo recorrente quando surgiu a necessidade de analisar a sua situação económica e tomar medidas em conformidade. Todos os conhecimentos técnicos do administrador foram essenciais na decisão de apresentação da do devedor à insolvência. E além de o administrador se tratar de pessoa que já conhece todo o historial do Insolvente, tem, ainda, na sua posse toda a documentação inerente à insolvência, o que, senão por outros motivos, torna o processo mais célere e eficaz. Sendo, obviamente, também, do seu interesse que os credores do Insolvente sejam devidamente satisfeitos, para assim se dar o processo por concluído.
Por outra via, a Mma. Juiz refere ainda, numa outra tentativa de justificar a sua decisão infundada, que a escolha de qualquer administrador proposto — não se referindo ao caso em concreto — gera uma situação desigualdade entre os administradores pois é restrito o número indicado pelos requerentes, o que consubstancia uma violação da aleatoriedade da escolha e distribuição equitativa dos administradores de insolvência. Ora, salvo o devido respeito, o Recorrente não pode, de todo, concordar com semelhante afirmação, não só por não ser absurdamente genérica, como não faz sentido falar-se em desigualdade quando é uma faculdade dos devedores sugerirem um administrador para gerir o seu património no âmbito da insolvência, do qual conheçam o trabalho e no qual depositem confiança. A lei permite que o façam! Essa indicação não é discriminatória nem atenta contra princípios constitucionais. É um direito que assiste aos devedores.
Entende o recorrente que não assiste razão à Mma. Juiz neste argumento. Em suma, a decisão, ainda que, agora, fundamentada, é uma decisão arbitrária, desconexa do caso em concreto, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que admita a indicação do administrador e nomeie, então, o Dr. D… como administrador de insolvência do processo em causa.”

Notificado das alegações de recurso e do despacho que o admitiu (notificação nos termos dos artigos 1.º e 3.º, n.º1, alínea l) do Estatuto do Ministério Público) veio este responder-lhe.

Defendendo a decisão recorrida, o Ministério Público escreve o que ora se sintetiza: “(...) o despacho recorrido faz referência à existência de uma indicação de administrador de insolvência pelo recorrente e indica a razão pela qual o tribunal não terá em conta essa indicação, ou seja, o facto de não ter sido indicada a provável existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos. Para além disso, fundamenta a decisão de direito, indicando os preceitos legais (...) Não é, por isso, correta a afirmação de que o tribunal não apresentou qualquer fundamento que justificasse a decisão. Pelo contrário, a decisão está fundamentada. Tal como se afirma no Ac. desse Tribunal, de 16.06.2014, proferido no Proc. 449/14.1TJPRT, “a decisão recorrida não enferma de falta de fundamentação de facto e de direito geradora de ininteligibilidade da decisão. Neste circunstancialismo, a patologia de que a decisão recorrida pode enfermar, não é de ordem lógica e formal, mas antes, eventualmente, um erro de julgamento, seja na seleção dos factos, seja na determinação e interpretação das normas legais aplicáveis”.
Mas também esse erro de julgamento não existe, no caso sub judice. Vejamos, então:
Na petição fundamentou a sua indicação da seguinte forma: O Senhor Administrador é:
1. Um técnico que tem analisado a situação económica do requerente, bem como a sua história de vida;
2. Concluiu pela sua situação de insolvência e aconselhou a sua apresentação;
3. Possuí conhecimentos relevantes junto dos credores;
4. É pessoa indispensável para gerir, como fiduciário, os pagamentos aos credores, com valores que o insolvente conseguir amealhar ao longo do período de exoneração.
Em momento algum refere que:
5. O Sr. Administrador de Insolvência tem um profundo conhecimento de todos os processos que o requerente tem pendentes e que vão gerar liquidez para a massa insolvente;
6. O requerente de insolvência tem uma irmã que se apresentou à insolvência com factos em tudo idênticos aos que determinaram a insolvência do requerente, pois que ambos foram sócios e administradores da mesma empresa, na mesma época, tendo ambos prestado avales pessoais que vieram avolumar as suas dívidas. Estes argumentos apenas agora e em sede de recurso são trazidos à colação, não podendo o tribunal conhece-los e ponderá-los à data da prolação da decisão.
De resto, os elementos que o tribunal dispunha quando nomeou o Administrador, eram apenas os factos descritos na petição inicial (...) Daqui resulta, muito simplesmente, a conclusão a que o tribunal chegou e fez referência na sua decisão de que não foi indicada a existência de atos de gestão que requeressem especiais conhecimentos, única situação que legitimaria que fosse abandonada a regra da nomeação de administrador pelo juiz, recaindo sobre entidade inscrita na lista oficial de administradores, podendo, excepcionalmente, ter em conta uma proposta feita na petição inicial quando se verifique essa, e só essa, circunstância (...) Como assinalava já o Acórdão desse Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2011, proferido no Proc. 860/10.7TYVNG, disponível em dgsi que citamos: “... ao contrário do que sucedia anteriormente (às alterações introduzidas pelo citado Dec-Lei 282/2007) em que o juiz deveria sempre ter em conta a indicação do administrador que, eventualmente tivesse sido feita na petição inicial, a atual redação do art. 32.º, n.º 1 limita a possibilidade de o juiz atender à proposta feita na petição inicial ao caso de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos. Isso mesmo é dito expressamente no preâmbulo do referido diploma, quando ali se afirma que “é restringida a possibilidade de designação de um administrador da insolvência na petição inicial aos casos em que seja exigida a prática de atos que requeiram especiais conhecimentos”.
O recorrente em momento algum referiu ter ações pendentes que pudessem gerar rendimentos para a massa insolvente o que, a verificar-se poderia ter interferência na decisão que veio a ser tomada quanto ao encerramento do processo. Também não fez alusão à existência de um processo com identidade de fundamentos, circunstância que, a ocorrer, poderia ser fundamentado uma oportuna apensação de processos nos termos do art. 86.º, n.º 1 do CIRE. Os factos que alegou apontavam inequivocamente para o desfecho que efetivamente veio a ocorrer, em 12.01.2015, e nunca para a prática de qualquer ato de gestão que pudesse requerer especiais conhecimentos. Os demais fundamentos para a indicação que o recorrente indicou, aos quais fizemos referência, não constituem o fundamento consagrado pelo legislador numa opção, sem margem para dúvidas, ponderada. (...) Um último ponto apenas para assinalar que, pese embora a decisão entretanto proferida de encerramento do processo, o presente recurso mantém utilidade considerando que o Senhor Administrador Judicial nomeado exerce atualmente as funções de fiduciário, de acordo com o previsto nos arts. 239.º e 240.º do CIRE. Por tudo o que foi exposto conclui-se que o recurso não merece provimento (...)”.

Conforme fls. 44, em 4.02.2015, foi ordenada a notificação da resposta ao recorrente e a remessa dos autos a esta Relação.

O recorrente veio ainda responder à resposta do Ministério Público (fls. 46/47), em 24.02.2015, e o recurso foi remetido a 4.11.2015 (!).

Ponderando a natureza urgente dos autos e a simplicidade da questão a resolver, dispensaram-se os Vistos.

Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Atentas as conclusões do apelante, o despacho proferido nos termos do artigo 617 do CPC e a restrição do âmbito do recurso[2], a única questão a resolver é saber se o tribunal decidiu corretamente ao não nomear o administrador indicado pelo requerente.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto:
Os factos pertinentes à decisão do recurso resultam do relatório que antecede e, por isso, remetemos para o mesmo.

2.2 – Aplicação do Direito:
Como se deixou dito, aquando da definição do objeto do recurso, a questão da nulidade parcial da decisão recorrida (no segmento que não atendeu a indicação feita pelo requerente/insolvente) por a mesma padecer de falta de fundamentação, mostra-se agora ultrapassada, como decorre da posição assumida pelo apelante, depois de proferido o despacho previsto no artigo 617, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).

Impõe-se, ainda assim, que façamos, em relação à fundamentação inicial da decisão recorrida e também relativamente ao despacho que a veio a complementar as seguintes considerações:

1 – Como melhor se perceberá adiante, não entendemos que padecesse de falta de fundamentação a decisão inicial que não atendeu à proposta do requerente, indicando um concreto administrador da insolvência. Efetivamente, como se escreveu então, “não tendo sido indicada a provável existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, nos termos previstos no art. 32.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi art. 52.º n.º 2 do mesmo diploma, na redação dada aos preceitos pelo Decreto Lei n.º 282/07, de 7/08 (nos termos do respetivo 3.º), o tribunal não terá em conta tal indicação, sendo a nomeação efetuada de forma aleatória”, e consideramos que o ali dito fundamenta a opção do tribunal.

É claro, com efeito, que a decisão de não atender a indicação vem justificada na circunstância de nem sequer ter sido alegada a existência de atos que requeressem especiais conhecimentos (da parte do administrador da insolvência), preferindo-se, por isso, o regime “normal” da lei, decorrente da aleatoriedade da escolha de entidade inscrita na lista oficial de administradores.

2 – Não acompanhamos, no entanto, as considerações feitas no despacho complementar, quando se defende que o não atendimento da indicação do requerente não carece de qualquer justificação, porque se estaria perante um autêntico poder discricionário[3]. Assim fosse e mal se compreenderia a admissão do recurso, atento o disposto no n.º 1 do artigo 630 do CPC.

Com efeito, podendo o requerente, ainda que em casos contados e até excecionais, indicar o administrador de insolvência, formulada essa pretensão (e não obstante a lei se expressar em moldes que deixam ao juiz o poder de atender tal indicação e, por isso, o poder de a não atender) o seu indeferimento – tal como o seu deferimento -, não pode deixar de ser fundamentado, pressuposto primeiro da sua possível sindicabilidade[4].

Prosseguindo.

Expresso o entendimento que antecede, entremos no âmago da apelação, questionando se o tribunal, no caso, devia ter atendido a indicação do recorrente.

Sem embargo dos casos especiais em que a administração da massa insolvente é feita pelo próprio devedor e em que o administrador da insolvência tem apenas a função de fiscalizar e aprovar os atos mais importantes (artigos 224 e 225 do CIRE[5]), a “nomeação de um administrador da insolvência é necessária, face à desconfiança na capacidade de administração do devedor, que a sua insolvência naturalmente pressupõe. Assim, a administração tem de ser atribuída a um administrador autónomo do devedor, o administrador da insolvência” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 5.ª edição, Almedina, 2013, pág. 103).

A nomeação do administrador da insolvência é competência do juiz (artigo 52, n.º 1), tem lugar na sentença declaratória da insolvência (artigo 36, n.º 1, alínea d)), “recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência” (artigo 32, n.º 1, ex vi, artigo 52, n.º 2), podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir (artigo 52, n.º 2) e podendo ter em conta a proposta eventualmente feita logo na petição inicial “nos casos de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos” (32, n.º 2, ex vi, 52, n.º2)[6].

A escolha deve ser “efetuada por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a igualdade na distribuição nos processos (art. 13.º, n.º 2, da Lei 22/2013).[7]”

O n.º 2 do artigo 52 tem a redação dada pelo DL. 282/2007, “tendo o juiz visto diminuída a sua vinculação às indicações feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores. Agora, o juiz pode ter em conta essas indicações, enquanto na versão originária devia a elas atender” (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Almedina, 2013, pág. 174)[8].

Com efeito, atualmente, “a escolha recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz atender à proposta eventualmente apresentada na petição inicial nos processos em que seja previsível a prática de atos de gestão que requeiram conhecimentos especiais” (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, Almedina, 2014, pág. 59).

Como decorre, a atual redação dos preceitos aplicáveis à nomeação do administrador da insolvência é clara no sentido de vincar sobre quem deve recair a escolha: administrador de insolvência inscrito na lista oficial e escolhido aleatoriamente.

Sendo esta regra, a indicação de outra e concreta entidade feita pelo requerente da insolvência é a exceção e tem como pressuposto primeiro e necessário (podendo, ainda assim, mas fundamentadamente, não ser atendida) a previsibilidade da necessidade de praticar atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.

Não são as qualidades do administrador indicado que estão em causa, na primeira análise a proceder, perante a indicação feita pelo requerente da insolvência, mas as necessidades e caraterísticas do processo. Daí que o requerente tenha necessariamente de concretizar a previsibilidade pressuposta na lei, tenha de articular factos dos quais se retire essa previsibilidade.

No caso presente, estamos perante a insolvência de pessoa singular e logo daí decorre que será difícil pensar em atos de gestão (a palavra não pode deixar de ter significado) que um administrador de insolvência, aleatoriamente escolhido, não tenha conhecimentos para praticar.

Aliás, o requerimento do apelante é completamente omisso nesse ponto (também por isso dissemos anteriormente que o despacho sob censura, mesmo na sua versão inicial, não padecia de falta de fundamentação), pois aquele queda-se nas qualidades da pessoa indicada e olvida as necessidades – mesmo que previsíveis, apenas – do processo de insolvência.

Refere o recorrente no seu recurso que, na mesma ocasião em que se apresentou à insolvência, também a sua irmã o fez, e por razões substantivas semelhantes, mas no processo a ela respeitante foi atendida a indicação do administrador da insolvência.

Ora, mesmo que assim tenha sucedido, não cabe aqui, nesta sede, sindicar essa outra decisão; no entanto, como decorre, entendemos ser a deste processo, em recurso, a que aplicou corretamente a lei, uma vez que – e repetimos – nada justifica (nem o apelante o alega) a prática de atos de gestão que requeressem especiais conhecimentos, a praticar numa insolvência de pessoa singular.

Em suma, e concluindo, não vemos qualquer fundamento para alterar o oportunamente decidido.

A apelação, por tudo quanto ficou dito, revela-se improcedente e a decisão da 1.ª instância deve ser confirmada.

As custas do recurso são encargo da massa insolvente, atenta a regra específica prevista no artigo 304.

3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão proferida em 1.ª instância.

Custas pela massa insolvente.

Porto, 16.12.2015
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] Sublinhado nosso.
[2] Dizemos “restrição do âmbito do recurso”, quando o recorrente lhe chama alargamento, mas pensamos que o fazemos corretamente: no seu recurso, naturalmente antes de proferido o despacho imposto pelo artigo 617, n.º 1 do CPC, o apelante invocava a nulidade da decisão, por falta de fundamentação e o erro de julgamento, por não se ter atendido à sua indicação do AI. Depois de proferido o despacho concomitante ao recebimento do recurso, o apelante vem dizer expressamente que a decisão, agora, se encontra fundamentada, mas mantém o erro recurso por dela discordar. Da nulidade e do erro de julgamento, o recurso, salvo melhor saber, ficou restringido à segunda questão.
[3] No mesmo sentido, mas cuidando de anteceder a sua conclusão com a expressão “em regra”, Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos Freitas Araújo (Juiz de Direito da Instância Central do Comércio de Anadia), A equidade na nomeação do administrador judicial, edição da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais, novembro de 2015, pág. 138. A publicação citada, pelo tema e atualidade da abordagem, justifica que aqui façamos cópia da “síntese conclusiva” que o autor apresenta a págs. 138/139: “A) Em regra, a decisão judicial de nomeação do administrador judicial deve qualificar-se como proferida ao abrigo de um poder discricionário e não admite recurso, fora as exceções que resultam da lei. B) A nomeação do administrador judicial é influenciada por uma múltipla variedade de critérios, desde as indicações dos interessados, a aleatoriedade e diversidade da designação, a subjetividade judicial e os vários critérios que a esta possam legitimamente ser associados, não expressamente mencionados na lei, como a avaliação do desempenho do administrador em processos anteriores. C) Entre estes, a análise das caraterísticas de cada processo, da sua complexidade e dos fins que legitimamente nele são prosseguidos revela-se como precioso auxiliar para a decisão judicial de nomeação, e a sua consideração à luz da nossa lei apenas pode resultar da margem de liberdade ou subjetividade que deve reconhecer-se ao juiz no procedimento de nomeação. D) A distribuição equitativa de processos, embora crescentemente marcada pelo critério da diversidade da designação, não se confunde com a igualdade, mas pela justa consideração de todas as circunstâncias relevantes para a decisão, destinada a obter a melhor composição do processo e a mais equilibrada distribuição de nomeações entre os vários administradores. E) O sistema eletrónico de nomeação apenas é suscetível de contribuir para a distribuição equitativa de processos se for devidamente implementado, com salvaguarda dos critérios relevantes para a designação, incluindo a subjetividade judicial, e acompanhado de outras medidas de semelhante efeito.”
[4] Considerando que o juiz não está obrigado a optar pela indicação do requerente, da comissão de credores ou de alguma delas, entendem Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda que “deverá, como é próprio das decisões, fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste das indicações recebidas ou quando privilegie alguma delas” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, 2013, pág. 329).
[5] Diploma de onde serão todas as normas citadas sem outra referência.
[6] O modo como citámos as normas em causa (artigos 32 e 52) afasta o possível entendimento de a remissão do segundo normativo para o primeiro se restringir à expressão “podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita”. Com efeito, embora admitindo “que não é fácil identificar a melhor forma de articular o disposto nos arts. 32.º, n.º 1 e 52.º, n.º 2”, também entendemos que “se o juiz pode ter em conta as indicações do devedor ou da comissão de credores mas também deve respeitar o art. 32.º, 1, julgamos possível dizer que as indicações do devedor constantes da petição inicial podem apenas ser tidas em conta nos mesmos termos em que o são as propostas mencionadas no artigo 32.º, 1: isto é, apenas quando esteja em causa um processo “em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”” (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, pág. 195).
[7] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob. e loc. cit.
[8] Note-se que a possibilidade, conferida aos credores pelo artigo 53, n.º1, de escolherem outra pessoa, diferente da designada, para exercer o cargo de administrador da insolvência, só pode acontecer, além do mais e quando tal pessoa não esteja inscrita na lista oficial, “em casos devidamente justificados pela especial dimensão da empresa compreendida na massa insolvente, pela especificidade do ramo de atividade da mesma ou pela complexidade do processo” (artigo 53, n.º 2).