Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
695/15.0PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: FACTOS NÃO PROVADOS
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP20160622695/15.0PTPRT.P1
Data do Acordão: 06/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1010, FLS.162-167)
Área Temática: .
Sumário: I - É nula a sentença que deixe de se pronunciar sobre factos relevantes para a decisão da causa usando fórmulas imprecisas como " não resultam provados outros factos relevantes para a decisão da causa".
II - Porém, tal não acontece se o arguido, apesar de ter solicitado prazo para organização da sua defesa, não apresentou contestação e a sentença discrimina os factos dados como provados (alegados na acusação) e os que resultaram da discussão da causa - não tendo que se pronunciar sobre todos os factos que lhe era admissível e possível conhecer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 695/15.0PTPRT.P1
Origem: comarca do Porto- instância local- secção de peq.crim.- J3

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
O Ministério Publico acusou, em processo sumário, B…, casado, antiquário, atualmente desempregado, filho de C… e de D…, nascido em 21/7/1956, freguesia de …, Porto, portador do CC ……., residente em Rua do …, …, V. N. Gaia, imputando-lhe factos consubstanciadores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 292°, n.º 1 e do artigo 69°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, a final da mesma foi proferida sentença oral em que o tribunal da 1ª instância acabou por, na parte dispositiva da mesma, julgar a acusação provada e procedente e, consequentemente:
«- Condenar o arguido, pela prática, em 28/11/2015, de factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (TAS registada de 2,13 g/l, a que corresponde, após dedução do EMA, o valor apurado de 1,96 g/l), previsto e punido pelo artigo 292.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
- Substituir, ao abrigo do artigo 58.° do Código Penal, esta pena de 4 meses de prisão por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, indo o arguido condenado na pena de 120 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, a realizar na instituição, no horário e segundo o plano que vier a ser estabelecido entre a DGRSP, o arguido e a entidade beneficiária do trabalho.
- Condenar o arguido, nos termos do artigo 69.°, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias
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Com tal decisão não se conformou, no entanto, o arguido, que interpôs o presente recurso, cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões:
«A)- Propendemos para considerar ter a Sentença recorrida violado os critérios dosimétricos do artigo 71.º do Código Penal.
B) Tendo ficado provado que o arguido demonstrou sincero arrependimento, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, deve a pena ser especialmente atenuada nos termos do disposto no artigo [7]3.º do mesmo diploma legal.
C) A Sentença recorrida não faz qualquer referência a este normativo legal, entendendo o arguido que, não obstante os seus antecedentes criminais, o facto de os mesmos se reportarem aos anos de 2009 e 2011, e ao facto de ter demonstrado sincero arrependimento, bem como a este preceito legal, não deveria ter sido aplicada ao arguido pena de prisão, mas antes uma pena de multa que satisfaria todos os requisitos de prevenção quer especial quer geral da pena.
D) Assim, e operando a especial atenuação da pena, o seu limite máximo fixa-se em 8 meses.
E) Atendendo ao crime em causa, e a todas as circunstâncias atenuantes, bem como à necessidade de prevenção quer especial quer geral, e mostrando-se o arguido arrependido e com um comportamento de acordo com as regras de vivência em comunidade, não cremos que possa ser aplicada metade da pena máxima, nos termos do disposto nos artigos 292.º e 73.º do Código Penal.
F) A Sentença recorrida substituiu a enumeração dos factos não provados, exigida pelo disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, pela expressão “…Não resultaram provados outros factos relevantes para a decisão da causa.”
G) Contudo, “…enumerar é mencionar os factos, um a um, e não fazer mera remissão para a acusação ou pronúncia…”, pelo que “…não satisfaz a exigência legal a mera afirmação abstrata de que os restantes factos se não provaram, já que apenas se podem considerar como não provados os incompatíveis com os provados, se houver a certeza de que foram investigados” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1995, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ae67dd75fae01262802568fc003ace5e?OpenDocument)».
Terminou o seu recurso pedindo que o mesmo seja considerado provido nos termos enunciados nas conclusões.
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela total improcedência do mesmo, assim condensando a sua contramotivação:
«
1. Dispõe o artigo 389º - A, do Código de Processo Penal que: “1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém: a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada; d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º 2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta. 3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º 4 - É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º 5 - Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”
2. Ora, de uma audição atenta da gravação da audiência de julgamento verificamos que os factos referidos anteriormente foram dados como não provados pelo Mmo. Juiz referindo o mesmo “não resultaram provados outros factos relevantes para a boa decisão da causa”.
3. Assim, é nosso entendimento que deve ser julgada improcedente a violação do n.º 2, do artigo 374º, do Código de Processo Penal invocada, encontrando-se na sentença os factos que foram dados como não provados conforme se referiu, e o motivo por que foram conforme prevê a nossa lei, ou seja, análise das declarações prestadas pelo arguido, da prova documental, vem como a análise de direito no que concerne ao tipo legal de crime pelo qual o arguido foi condenado, não só quanto ao elemento objetivo, como o subjetivo.
4. Quanto à medida da pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido, refere o artigo 292º, do Código Penal que: "Quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gl, e punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
5. O legislador, ao fixar a moldura penal abstrata, valora os bens jurídicos que são postos em perigo com a violação de determinada norma penal, atendendo ao bem jurídico violado e à sua ressonância ético-social.
6. Posteriormente, é tarefa do julgador, face a uma violação da norma penal, encontrar o quantum exato da pena a aplicar.
7. Como se sabe, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, a defesa da sociedade e a reintegração social do agente.
8. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, que continua a constituir, não o fundamento, mas um dos fundamentos irrenunciáveis da aplicação de qualquer pena - cfr. artigo 40º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
9. A referência à culpa decorre do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e faz transparecer a preocupação de a punição não poder ir além do poder de autoconformação do agente, ou seja, a culpa é medida e limite da pena, não podendo o agente ser instrumentalizado em função de finalidades de política criminal ou de socialização forçada se tal não permitir a medida da sua culpa.
10. O texto atual do artigo 70º do Código Penal, introduzido pelo Decreto-Lei 48/95 de 15 de Março, exprime mais vincadamente o pensamento legislativo, no sentido de que a escolha da pena nada tem a ver com determinação da sua medida, a qual depende fundamentalmente da culpa do agente.
11. Com efeito, ficou mais explícito que a opção a tomar em face do texto legal, tem em vista a realização das finalidades da punição, pelo que a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
12. No que tange ao regime legal da determinação da medida da pena, o Decreto-Lei 48/95 de 15 de Março não introduziu alterações de fundo, sendo apenas de realçar a criação do artigo 40º do Código Penal, o qual, explicitando as finalidades da aplicação da pena, veio auxiliar em muito o intérprete, tornando claras as funções da culpa e da prevenção.
13. Com efeito, é de extraordinária importância e relevo a introdução no Código Penal do preceito constante do n.º 2, do artigo 40º, segundo o qual, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, o qual reflete de forma clara o princípio da culpa, nos termos do qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
14. Constituindo este o primeiro critério legal da determinação da medida da pena, reconhece-se, porém, que é à doutrina e à jurisprudência que cabe definir o seu concreto conteúdo.
15. Do exposto decorre, desde logo, que na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja o de que o objeto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito típico praticado.
16. Por outro lado, o preceito que vimos de analisar manda igualmente que o julgador proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu n.º 2.
17. Deste modo, voltamos a sublinhar, os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa).
18. Ora, o arguido conduzia o referido veículo automóvel nas circunstâncias dadas como provadas com uma TAS de pelo menos 1,96 g/l, tendo em momento anterior já sido condenado por duas vezes pela prática de ilícito da mesma natureza dos presentes autos, não podendo ser outra a pena aplicada pelo Mmo. Juiz aquando da graduação do número de meses, sendo quatro meses um número mínimo para o caso, a fim de serem acauteladas as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e que são elevadas.
19. Ora, atendendo aos antecedentes criminais que o arguido possui, nos quais se integram condenações de idêntica natureza aos praticados no âmbito dos presentes autos, que revelam que nenhuma das penas anteriormente aplicadas serviram para o mesmo interiorizar as condenações anteriores e que as penas que lhe foram aplicadas não foram suficientes, teremos que considerar que a pena aplicada ao arguido foi justa e equilibrada, quando muito pecou por benevolência.
20. Desde já se consignando que a presente pena não poderia ser de multa, uma vez que a aplicação da mesma não nos faz concluir que se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que, no presente caso, não se mostra viável. Perante a reiteração deste crime por parte do arguido, as exigências de prevenção só ficaram asseguradas se ao arguido for aplicada pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, num total de cento e vinte horas. O arguido tem que interiorizar que tem que pautar o seu comportamento segundo as regras e normas da sociedade e do direito e que a condução de veículos em estado de embriaguez é crime.
21. Em termos de prevenção geral, as exigências são muito elevadas, dado a alta sinistralidade existente e o número de crimes desta natureza que se verificam. O arguido foi condenado duas vezes na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo esta sua terceira condenação. Por outro lado, não pode a pena aplicada ao arguido ser alterada, somente com base nos factos de o arguido se encontrar sinceramente arrependido, uma vez que as anteriores condenações não foram interiorizadas pelo arguido.
22. Não podemos esquecer que o arrependimento do arguido, para ser valorado como circunstância atenuante da responsabilidade criminal, tem que resultar de um ato interior. O arrependimento tem que ser demonstrado pelo arguido de modo a convencer o Tribunal de que se, no futuro, vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir. O que não é o caso dos autos.
23. Nestes termos, considera-se que a douta decisão recorrida obedeceu aos princípios da culpa, proporcionalidade, tipicidade e necessidade, devendo ser mantida em todos os seus aspetos.»

Idêntica posição assumiu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu já nesta 2ª instância.
Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
As principais questões suscitadas pelo arguido no seu recurso consistem em saber:
- se a sentença recorrida está afetada da nulidade prevista nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do CPP, por falta de enumeração especificada dos factos não provados;
- se o Tribunal recorrido deveria ter optado pela pena de multa ou, em todo o caso, ter atenuado especialmente a pena.
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Previamente, importa conhecer a decisão da matéria de facto incluída na sentença oral recorrida, cujo teor se passa a transcrever:
Resultaram provados os seguintes factos:
1. Todos os descritos na acusação [No dia 28 de novembro de 2015, pelas 01h35m, no Cruzamento entre o Largo … e a Rua …, no Porto, o arguido conduzia o veículo de matrícula n.º ..-..-XP, após ter ingerido bebidas alcoólicas, quando foi interveniente em acidente de viação.
O arguido foi fiscalizado por Agentes da P.S.P., tendo sido submetido de imediato ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através do aparelho de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII P, ARCD, n.º …., devidamente certificado e aprovado pelo I.P.Q., acusando uma taxa de álcool no sangue de 2,13g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,96g/1.
O arguido não desejou contraprova.
Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis em via pública com a TAS que possuía, como fez.
Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.];
2. E ainda que o arguido é casado;
3. Atualmente encontra-se desempregado, exercia a profissão de comerciante antiquário;
4. Vive com a sua mulher, a qual trabalha como maestrina e aufere cerca de 700,00 € mensais;
5. O arguido tem um filho de 27 anos de idade;
6. O arguido vive com a sua mulher;
7. Pediu, há cerca de um mês, a reforma por invalidez, mas ainda não obteve resposta;
8. Demonstrou sincero arrependimento;
9. Tem os seguintes antecedentes criminais:
a. Foi condenado, no dia 26/11/2009, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 12,00 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 meses. Estas penas encontram-se extintas por cumprimento;
b. No dia 11/05/201l, foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 12,00 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 meses. Estas penas encontram-se atualmente extintas por cumprimento.
Não resultaram provados outros factos relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal teve em consideração as declarações do arguido, confessou os factos de forma integral e sem reservas, demonstrando sincero arrependimento.
Esclareceu, ainda, a sua situação socio económica.
Teve ainda em consideração, relativamente à taxa de álcool no sangue, com que o arguido conduzia o talão emitido a folhas 4 e a cópia de certificado de verificação a folha 27, tendo sido realizada a redução de erro máximo admitida.
Relativamente aos antecedentes criminais que o arguido já sofreu, teve em conta o teor do CRC atualizado folhas 18 a 23
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A) A alegada nulidade por não enumeração dos factos não provados
Nos termos do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, a fundamentação consta, designadamente, da enumeração dos factos provados e não provados.
Enumerar é mencionar os factos um a um, não se cumprindo este requisito legal com a mera remissão para a acusação/pronúncia ou para a contestação (quando motivada).
Nos primeiros anos de vigência do Código de Processo Penal de 1987, a maior parte de jurisprudência do S.T.J. veio admitindo que esta exigência legal se cumpria, relativamente aos factos não provados, com declarações genéricas como “nada mais se provou” ou dizeres semelhantes [2].
Ulteriormente, a jurisprudência dominante do S.T.J. veio a inverter-se no sentido da inaceitabilidade de fórmulas imprecisas, como “não se provaram quaisquer outros factos” – considerando que não davam a indispensável garantia de que todos os factos relevantes foram objeto de apreciação – que passaram a ser consideradas redutoras e ineficazes, suscetíveis de conduzirem à nulidade das decisões finais (sentenças ou acórdãos), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal [3].
As relações passaram também a adotar esta posição, como o ilustram, por exemplo, os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação do Porto: de 12/12/1996, proferido no recurso nº 9740260 [4], de 10/11/2004, proferido no recurso nº 0443128 [5], e de 26/05/2010, proferido no processo nº 402/99.3TBBGC.P1 [6].
Repare-se, porém, que, mesmo para esta última orientação, a decisão final só é nula quando deixe de se pronunciar sobre factos relevantes para a decisão de direito, estando, por isso, próxima de um posicionamento intermédio que sustenta que “o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal não exige, relativamente aos factos não provados, a minúcia que preside à indicação dos factos provados, tendo o tribunal apenas que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, maxime na contestação, com interesse para a decisão” [7].
Compulsando os autos, verifica-se que, apesar de o arguido ter solicitado prazo para organização da sua defesa, não apresentou qualquer contestação, fosse escrita, fosse oral.

Já no que tange à enumeração dos factos não provados, verifica-se, em rigor ‘linguístico’, que o tribunal a eles se não refere. Expressa apenas que “[n]ão resultaram provados outros factos relevantes para a decisão da causa”.
Aparentemente, estaríamos, pois, perante uma violação do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, por falta de enumeração dos factos não provados.
Vendo melhor, porém, pode aferir-se que, se, por um lado, foram dados como provados os factos alegados na acusação (o arguido confessou-os integralmente e sem reservas) e os que resultaram da discussão da causa, o tribunal recorrido não deixou, em substância e mesmo em rigor, de se pronunciar sobre todos os factos que lhe era admissível e possível conhecer.
Não teria, realmente, qualquer sentido que enumerasse algo que não existia, sendo bastante duvidoso que o juiz esteja obrigado a declarar a inexistência de factos não provados e sendo indiscutível que não pode enumerar o que não existe.
Não se encontra, pois, qualquer razão para censurar a formulação usada pelo Tribunal recorrido.
Julga-se, assim, improcedente a presente arguição de nulidade.
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B) A escolha da pena e a sua pretendida atenuação especial
O arguido mostra-se particularmente pouco objetivo no que respeita à formulação de uma qualquer pretensão respeitante a esta vertente substancial do seu recurso: a parte dispositiva do mesmo remete para as conclusões e estas não se apresentam com a clareza e a elucidação desejáveis.
Ainda assim, quer na motivação, quer última parte da conclusão C) do seu recurso, o impugnante faz referência à suficiência de uma pena de multa, que, segundo alega, satisfaria todos os requisitos de prevenção quer especial quer geral da pena.
Tendo a questão da opção entre a pena de prisão ou de multa sido enfrentada na sentença recorrida, não podemos senão concordar com a escolha inicial, aí feita, da pena de prisão, por se considerar que, face aos antecedentes criminais apresentados (duas condenações anteriores com preenchimento do mesmo ilícito-típico, em 2009 e 2011), a pena pecuniária não realizava de forma adequada as finalidades da punição. Embora as infrações anteriormente punidas apresentem algum espaçamento entre si e relativamente ao caso presente, torna-se inequívoco que as precedentes penas de multa não foram suficientemente dissuasoras da reiteração de idêntica conduta.
Em todo o caso, o argumento mais incisivamente esgrimido pelo recorrente é o de que, tendo-se dado como provado que este mostrou sincero arrependimento, tal conduziria diretamente à atenuação especial da pena a que se referem os artigos 72º e 73º do Código Penal.
No entanto, em nosso entender, a invocação de tal suposto fundamento de atenuação especial da pena e a polémica que tal atitude alimentou nas peças processuais subsequentes resultam, salvo o devido respeito, de um equívoco interpretativo.
Com efeito, o nº 1 do artigo 72º do Código Penal prevê que o tribunal atenue especialmente a pena, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Como bem assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, “no quadro fáctico anterior ao crime e contemporâneo dele, nada existe, pelo contrário, que permita considerar (…)” a existência de circunstâncias portadoras de tais virtualidades.
Porém, aquele que pretende ser o argumento-chave do recorrente é o de o nº 2 do mesmo artigo 72º prever que sejam consideradas como circunstâncias determinantes da atenuação especial as indicadas nas respetivas alíneas, de que se destacaria, no caso, a constante da respetiva alínea c): “ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente”.
Na sua resposta, o Ministério Público contrapõe que “o arrependimento do arguido, para ser valorado como circunstância atenuante da responsabilidade criminal, tem que resultar de um ato interior”.
Embora admitamos que é desejável que o arrependimento corresponda a uma atitude interior (em contraposição à mera verbalização externa, mas não sincera), entendemos que o que é verdadeiramente relevante para que haja atenuação especial com este fundamento é que o remorso se exteriorize por atos que o demonstrem, como exige a lei [8].
Ora, no caso concreto, nenhum ato nos é apresentado que possa traduzir tal contrição.
Da factualidade assente, apenas se sabe que o arguido interveio num acidente de viação quando conduzia sob a influência do álcool. Não consta que tenha praticado qualquer ato significativo do seu rebate.
Assim sendo, não temos qualquer hesitação em asseverar que não estão, no caso, presentes quaisquer pressupostos que possibilitem a atenuação especial da pena invocada pelo arguido.
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Uma vez que, para a determinação da medida concreta da pena principal (única que o arguido parece pôr em causa), se deve partir da moldura penal e não da moldura atenuada, não se vislumbram argumentos (designadamente esgrimidos pelo recorrente) para censurar a fixação da pena de prisão em 4 meses, isto é, em 1/3 do limite máximo previsto no artigo 292º do Código Penal.
Do mesmo modo, nenhuma reprovação suscita (ou poderia suscitar) a substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
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III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improvido o recurso interposto pelo arguido C…, confirmando a sentença condenatória recorrida.
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Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3,5 U.C.s a taxa de justiça.
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Porto, 22 de junho de 2016
Vítor Morgado
Raúl Esteves
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[1] Ver, nomeadamente: os artigos 412º/1 e 417º/3 do Código de Processo Penal; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição, página 347; jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos do S.T.J. de 28.04.99, CJ/S.T.J., ano de 1999, tomo II, página 196 e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Sobre este entendimento, veja-se Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e comentários, Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 1057-1058, jurisprudência aí citada (dos anos de 1989 a 1994) e ainda os acórdãos do S.T.J. de 12/1/1994, processo nº 45.817, de 17/2/1994, processo 44.994, de 21/4/1994, processo nº 46.105, e de 2/11/1994, processo nº 46.832 (cfr. B.M.J. 437º, páginas 424 e 429).
[3] Assim, por exemplo, o acórdão do S.T.J. de 26/5/1999, proferida no processo nº 98P1488, relatado por Leonardo Dias, acedível em www.dgsi.pt.
[4] Relatado por Teixeira Pinto, em que, em síntese, se decidiu: «Verificando-se que o arguido enumerou na contestação uma série de factos suscetíveis de influenciar a decisão da causa sem que nenhum deles conste da matéria de facto provada, limitando-se a sentença a referir sob a epígrafe de "factos não provados":"não há", fica-se sem se saber se a matéria alegada na contestação foi ou não considerada, constituindo a não enumeração dos factos não provados o invocado fundamento de nulidade de sentença – artigo 379º/1/ a), do Código de Processo Penal».
[5] Relatado por António Gama, acedível em www.dgsi.pt, em que se decidiu, em suma, que «[e]stando em causa factos relevantes para a decisão de direito, a declaração de que "não se provaram quaisquer outros factos de entre os alegados" não satisfaz a exigência de enumeração contida no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal de 1998».
[6] Relatado por Ernesto Nascimento, acedível em www.dgsi.pt, em que se referiu, nomeadamente, que «[a]firmar-se que “não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão, nomeadamente não se provaram os factos que lhe são imputados na acusação pública ou, que o arguido tivesse participado nos factos narrados na acusação pública” não satisfaz a exigência legal contida no artº 374º/2 do Código de Processo Penal»
[7] Assim, veja-se o acórdão do S.T.J. de 12/3/1998, in B.M.J. 475º-233 e seguintes (mormente a páginas 244-245). No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do S.T.J. de 2/11/1994 (processo nº 46.832), de 11/11/1995 (processo nº 48.059) e de 31/1/1996 (C.J./S.T.J., tomo I de 1996, página 195).
[8] A simples declaração proferida em audiência, pelo arguido, de que está arrependido não tem qualquer valor (assim, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários, Almedina, página 376. Também a jurisprudência dos tribunais superiores assim vem entendendo: veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 24/4/2013, recurso 491/07.9PASTS.P1, relatado por Eduarda Lobo, em que se pode ler que “o arrependimento é um ato interior, mas a sua demonstração tem de ser ativa, visível (…)”.