Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1729/19.5T8PNF.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE DA CLÁUSULA
INVALIDEZ
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP202304201729/19.5T8PNF.P2
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As declarações das partes enquanto meio de prova têm de ser ponderadas com todas as cautelas pelo tribunal, não podendo olvidar-se que as partes estão diretamente interessadas no desfecho da acção e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida. Na medida em que incidem muitas vezes sobre factos controvertidos que lhes são favoráveis, as declarações da parte não podem, em regra, ser consideradas como suficientes para determinar a verificação desses mesmos factos, ainda mais se são contrariadas por outros elementos de prova credíveis.
II - Quando estão em causa questões de que o tribunal pode/deve conhecer oficiosamente, como é o caso da nulidade de uma cláusula contratual geral inserida num contrato de adesão, não se coloca uma qualquer situação de excesso de pronuncia, quando o tribunal se pronuncia sobre a mesma, uma vez que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso não há limitação imposta pelo princípio do dispositivo.
III - O regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, a que o contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, se encontra sujeito, sanciona com nulidade as cláusulas contratuais gerais nele contidas cujo conteúdo se mostre contrário à boa-fé.
IV - Na concretização desse princípio a lei aponta dois vectores cruciais de ponderação para expurgar os excessos da parte que pré-estabeleceu os termos do contrato, que se destinam a preservar o equilíbrio e integridade das prestações contratuais: o objectivo negocial visado pelas partes à luz do tipo de contrato utilizado; o critério da confiança em função do normal destinatário.
V - Na acção intentada com vista a obter o cumprimento do contrato de seguro, bem como uma indemnização pelo não cumprimento, cabe ao Autor o ónus da alegação e prova da verificação de uma tal situação de invalidez, por se tratar de facto constitutivo do direito indemnizatório de que se arroga titular (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).”
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:1729/19.5T8PNF.P2


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Companhia de Seguros, S.A. (incorporada na A..., Seguros Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A.), com sede na Avenida ..., Lisboa, onde concluiu pedindo a condenação da Ré:
a) A reconhecer que o sinistro descrito em 3º da petição inicial é abrangido pelo contrato de seguro, o qual se mostra válido e eficaz à data do sinistro, declarando, ainda, que a anulação do seguro é ineficaz em relação ao A.;
b) A reconhecer que o A. padece de uma incapacidade permanente parcial não inferior a 40%;
c) A indemnizar o A. em montante não inferior à aplicação da IPP ao capital contratado, que se estima em €50.000,00, acrescido do ressarcimento da incapacidade permanente parcial e dos danos morais, em montante não inferior a €10.000,00, acrescido de juros de mora vincendos desde a data da citação até integral e efectivo reembolso.
Alegou, em síntese, que celebrou um seguro com a Ré que cobria o risco de morte ou invalidez, sendo certo que no decurso de um acidente de trabalho, de que foi vítima, ficou incapaz, reclamando, por isso, da Ré o pagamento de uma indemnização a esse título e por danos não patrimoniais.
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Citada, contestou a Ré.
Alegou, em síntese, que o A. omitiu lesões anteriores conducentes ao seu estado actual, o que exclui as garantias da apólice, além de que a incapacidade alegada também não está coberta pela apólice, não cobrindo, ainda, quaisquer danos não patrimoniais.
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Foi proferido despacho saneador, tendo, ainda, sido fixado o valor da causa, proferido despacho com a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades prescritas na lei.
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Após a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos formulados.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA veio interpor recurso de apelação.
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Por decisão sumária deste Tribunal da Relação do Porto datada de 02/06/2022 foi decidido determinar a ampliação da decisão de facto.
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Após reaberta a audiência de julgamento, foi proferida nova sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA, veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. O recorrente considera que há factos que devem ser aditados aos factos provados porque alteram a decisão final.

II. Ao abrigo do disposto no art. 640º do C.P.C., dispõe este Venerando Tribunal da Relação do Porto de elementos de prova constantes do processo que determinam que o facto 30º deve ser alterado para Não provado e B) para factos provados.
III. Tais factos têm que ver com o facto de o Recorrente não poder exercer a sua actividade profissional, nem qualquer outra, atendendo aos seus conhecimentos profissionais e idade.

IV. O Tribunal considerou que só podia concluir que o A. tinha sido informado das condições do contrato de seguro.

V. Mas o A. referiu que tinha a certeza que a quando da celebração do contrato referiu a sua concreta profissão e que receberia um valor caso não pudesse exercer a sua profissão de carpinteiro de cofragem.

VI. Competindo à Recorrida, alegar e provar o efectivo cumprimento dos deveres de comunicação e informação.

VII. A testemunha BB referiu que não se lembrava do que tinha explicado ao cliente, mas referiu que a profissão é relevante. A testemunha CC referiu que, não faz atendimentos, mas que o contrato de seguro tem a ver com uma percentagem de incapacidade para a profissão ou profissão habitual.

VIII. O Recorrente não teve dúvidas ao afirmar que lhe foi dito que era para a profissão habitual.

IX. No que se refere à percentagem a incapacidade, nem a testemunha BB corroborou a apólice, pois referia 2/3 da incapacidade.

X. Não existe nenhum documento comprovativo de que o A. tenha sido informado das
condições gerais e especiais da apólice.

XI. O que vale por dizer que a Recorrida não cumpriu o seu dever de informar

XII. Os documentos que provam que o Recorrente não sabia das condições gerais e especiais da apólice relevantes para o accionamento do seguro são o doc. 1 da p.i., porque dali não consta que o seguro só cobre em caso cumulativo de invalidez total e permanente de 65% e que o tomador de seguro tem de estar incapacitado para o exercício de qualquer actividade profissional. Também o doc.3 da pi. não refere qual a ITP exigida, nem do doc. 8 da pi se extrai conhecimento das condições especiais e gerais da apólice.

XIII. Nas alegações, o Recorrente identificou as suas declarações e da testemunha DD, donde consta que o tomador de seguro apenas foi informado de uns valores em caso de morte ou invalidez. Pelo contrário, ficou assente que o seguro cobriria se o Recorrente não pudesse exercer a actividade de carpinteiro de cofragem.

XIV. O Recorrente provou, mais: que não teria celebrado o seguro se soubesse que o seguro não cobriria caso o tomador de seguro tivesse de mudar de profissão.

XV. Mas o infortúnio do Recorrente é tal que, de facto, não pode trabalhar na sua actividade profissional por dores e sofrimento decorrentes do sinistro. Facto provado até pela perícia, nos autos.

XVI. O tribunal deveria ter dado como provado que a R. não tinha cumprido o ónus de
informação previsto no art. 5º e art. 8º do DL 446/85, 25 de outubro e art. 18º e 23º do DL 72/2008, o que determina a nulidade da cláusula prevista na pág. 19 das condições, gerais e especiais do contrato.

XVII. Independentemente de se tratar de seguro de grupo, porque o seguro é da Recorrida.

XVIII. De resto, esta cláusula é contrária ao princípio geral da boa fé, já que obriga cumulativamente a que haja uma incapacidade superior a 65% e que o sinistrado não possa trabalhar e obter rendimentos (independentemente da atividade profissional que saiba ou possa exercer).
Atendendo à idade, e sequelas e lesões decorrentes do sinistro o Recorrente não pode exercer qualquer atividade profissional.

XX. Pelo que deverá considerar a cláusula excluída, nos termos do art. 8º, 15º e 18º a) do DL 446/85, de 25 de outubro.

XXI. Por fim, a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar ao Recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais, ainda que não estivesse previsto no contrato, por ser entendimento jurisprudencial que dita que mesmo não estando prevista, pode ser arbitrada pelo Tribunal se não dever ser excluída face ao teor do contrato de seguro.

XXII. Ora, como este contrato de seguro prevê o ressarcimento em caso de morte ou invalidez, o tribunal o quo deveria ter arbitrado indemnização não inferior a dez mil euros.

XXIII. Ao não decidir como propugnado, o Tribunal violou o disposto no art. 496º do C.C. e art. 8º, 15º e 18º a) do DL 446/85, de 25 de outubro.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Fundamentação de Facto
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. O A. é a pessoa segura com referência ao contrato de seguro celebrado com a R. a que corresponde a Apólice n.º ...19, aderente n.º …..45, com data efeito de 16.9.2016 e prazo de contrato de 31 anos.
2. Em caso de sinistro, a garantia principal é TAR Grupo (morte ou IAD) com capital de €250.000,00 e com garantias complementares para doenças graves com capital de €50.000,00 e invalidez total e permanente de €250.000,00, conforme documento 1 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia 25 de outubro de 2016, pelas 8h30 (hora local), o A. sofreu um acidente na Suíça, quando prestava funções sob a autoridade e direcção de uma empresa de trabalho temporário, denominada B..., em ..., na Suíça.
4. Naquela data, o A. estava a meter tubagem de saneamento depois de ter sido aplicado betão.
5. Estava a chover, o A. usava o equipamento adequado como botas de águas, mas ainda assim escorregou de uma altura de 2 metros e sofreu lesões na perna esquerda e no joelho.
6. Foi transportado para a urgência do Hospital da proximidade onde recebeu tratamento médico e posteriormente fez tratamentos de fisioterapia.
7. A 2 de Junho de 2017 foi submetido a tratamentos de artoplastia do joelho esquerdo, tendo ficado com a sequela de limitação e prótese no joelho esquerdo.
8. O A. apresenta, ainda, como sequelas o facto de estar incapaz para o desempenho da sua profissão habitual de carpinteiro de cofragem, sendo classificada a incapacidade em 40% em termos laborais (que é diferente da incapacidade em direito civil que é de ‘apenas’ 7 pontos), a que poderá acrescer 20% em termos laborais quando a vítima não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho.
9. As concretas funções em que se mostra limitado com referência à sua actividade profissional são: subir e descer escadas, pois sobe degrau a degrau; não consegue pegar em pesos; não consegue subir andaimes; não consegue prestar actividade na cofragem, que é a sua profissão há mais de 20 anos.
10. O sinistro de 25/10/2016 foi participado à Companhia de Seguros, a aqui R., em Fevereiro de 2018.
11. O A. pagava pontualmente os prémios devidos, contudo, a R. declarou ter anulado a apólice e deixou de cobrar os prémios devidos, após o conhecimento do sinistro.
12. A R. alegou, designadamente, que o A. prestou “declarações inexatas e foram omitidos factos importantes aquando da celebração do seguro, que teve início a 09.08.2016, designadamente, no que respeita à existência à data da celebração da apólice, situação que veio a influir na apreciação do risco e consequente aceitação do mesmo”, e considerou o contrato de seguro anulado, conforme doc. 3 da PI, cujo aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. O A. solicitou à R. as respostas dadas em inquérito/questionário, tendo a R. facultado por e-mail a gravação das respostas que o A. deu ao questionário, conforme doc. 4 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. No decurso da mesma gravação com a duração de cerca de 12 minutos, o A. identificou a sua altura; peso; que bebia 1 ou 2 copos à refeição; que fumava cerca de 20 cigarros por dia; as tensões habituais e todas as demais questões que a R. entendeu por relevantes para a avaliação e ponderação do risco, conforme doc. 5 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15. Entre o minuto 6:33 e 7:38 da referida gravação, o A. refere que teve um acidente de mota há cerca de 30 anos (acidente ocorrido em 16.8.1986, quando o A. tinha 19 anos de idade) e referiu ter “partido a perna” (fractura do fémur distal, foi operado e ficou bem).
16. A Enfermeira EE, em representação da R., fez as perguntas do inquérito por telefone e questionou se o A., em virtude do aludido acidente de 1986, ficou com dor ou sequelas; se tomava medicação; se se ausentava do trabalho; se tinha limitações de movimentos; se tinha alguma incapacidade, tendo o A. respondido negativamente a todas as questões.
17. No final do inquérito, não foram agendados exames médicos pela R., que os dispensou, apesar de o A. ter manifestado total disponibilidade.
18. Em virtude do acidente de 1986, são de admitir alterações degenerativas prévias, mas sem qualquer manifestação clínica.
19. O A. trabalhou, conviveu com familiares, amigos, constituiu família, prestou a sua actividade profissional, praticava desporto, corria e jogava à bola, de modo lúdico, sem qualquer impedimento.
20. O A. apresenta como sequelas do sinistro: rigidez do joelho esquerdo (substituído por prótese) 0º-110º, com gonartose secundária a traumatismo; atrofia da coxa de 2 cm; cicatriz cirúrgica mediana; cicatriz cirúrgica na face lateral do joelho e coxa.
21. Não existe qualquer franquia fixada nas cláusulas gerais e particulares da apólice para a cobertura do sinistro em apreço.
22. O A. continua sem estar ressarcido, apesar de ter interpelado a R. para o efeito, conforme doc. 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. O A. passou por sofrimento físico, resultante da dor da lesão, da dor dos tratamentos médicos e cuidados de enfermagem e de fisioterapia.
24. Sentiu desgosto em virtude da sua limitação física durante o tempo em que esteve internado e, posteriormente, durante o período da convalescença, sendo que no primeiro mês esteve em repouso na cama e subsequentemente, durante o tempo em que esteve com a marcha condicionada ao uso de canadianas.
25. O A. tem manifestações de ansiedade, sente-se desgostoso por não poder trabalhar na sua profissão habitual e tem dificuldades económicas.
26. Em 13.01.2016 a sociedade C..., Lda., tomador do seguro, subscreveu um contrato de seguro de grupo com a ré, denominado Plano de Empresas Risco e na sequência da proposta de adesão subscrita pelo autor, em 09.08.2016, bem como nas respostas dadas ao questionário de saúde, a ré aceitou e emitiu o certificado de adesão, com data de efeito de 16.09.2016 que diz respeito ao seguro de grupo com a Apólice n.º ...19, sendo o autor o aderente 3010945, conforme documentos 1 da PI e 2 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. O certificado de seguro garante, nos termos das condições gerais e especiais do contrato, a cobertura de morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva IAD (doença ou acidente), Invalidez Total e Permanente (doença ou acidente) ambas pelo capital de €250.000,00 e diagnóstico de doenças graves €50.000,00, conforme documento 3 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
28. Nas referidas condições gerais e especiais do contrato, fixou-se a definição de invalidez total permanente (ITP), como “a incapacidade total da Pessoa Segura, em consequência de doença ou acidente, com carácter permanente e irreversível e, desde que, cumulativamente:
a) as lesões sofridas, após consolidação, tenham carácter irreversível e correspondam a uma incapacidade funcional permanente de grau superior ou igual a 65%;
b) A Pessoa segura fique permanentemente impossibilitada de exercer quer a sua profissão quer qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos.
A incapacidade será unicamente e exclusivamente determinada através dos critérios constantes da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007 de 23 de Outubro.”
29. Das exclusões da cobertura da Invalidez Total e Permanente da Pessoa segura consta, designadamente: “Acidente ou doença com origem anterior à entrada em vigor deste seguro.”.
30. Aquando da celebração do contrato de seguro foram explicadas ao A. o teor das aludidas cláusulas contratuais gerais e especiais da apólice, designadamente, as relativas às coberturas por morte, invalidez definitiva e absoluta e invalidez total e permanente.
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2.2 Factos não provados
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
a) O A. não fez referência a lesões e sequelas anteriores;
b) O A. não pode exercer qualquer outra actividade profissional, em Portugal, na Suíça ou em qualquer outro país, atendendo aos seus conhecimentos profissionais e idade, ninguém lhe dando trabalho por não poder trabalhar.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:
- da impugnação da matéria de facto;
- do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso
4.1 Da impugnação da Matéria de facto
O apelante, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, reputando de incorrectamente apreciados os factos a seguir enunciados, pugnando que:
- o facto provado sob o n.º 30 “Aquando da celebração do contrato de seguro foram explicadas ao A. o teor das aludidas cláusulas contratuais gerais e especiais da apólice, designadamente, as relativas às coberturas por morte, invalidez definitiva e absoluta e invalidez total e permanente” seja considerado não provado;
- o facto não provado e enunciado na alínea b) dos factos não provados “O A. não pode exercer qualquer outra atividade profissional, em Portugal, na Suíça ou em qualquer outro país, atendendo aos seus conhecimentos profissionais e idade, ninguém lhe dando trabalho por não poder trabalhar.” seja considerado provado.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo apelante e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“Para dar como provada a matéria supra referida o Tribunal considerou os factos aceites pelas próprias partes e comprovados documentalmente, designadamente, quanto aos factos 1º, 2º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 21º, 22º, 26º, 27º, 28º, 29º (contrato de seguro celebrado, participação do sinistro, correspondência trocada).
Tiveram-se em consideração, igualmente, os documentos juntos os autos:
• Apólice de seguro e respectivas condições gerais e especiais, a proposta de seguro e relatório de avaliação, tudo para prova de toda a matéria atinente ao seguro celebrado nos autos, nomeadamente quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 1º, 2º, 21º, 26º, 27º, 28º e 29º (doc. 1 da PI, docs. 1, 2 e 3 da contestação).
• A documentação clínica junta e posteriormente devidamente traduzida, como docs. 2, 7 da PI e 5 da contestação, e de fls. 92 e ss., 196, 203 e ss., para prova designadamente dos factos provados sob os n.ºs 6º a 9º, 18º, 20º, 23º a 25º, quanto às lesões do A., sequelas e consequências.
• A correspondência/e-mails trocados entre as partes, como docs. 3, 4, 5, 6 e 8 da PI e 4 da contestação, para prova, nomeadamente, da matéria dada como provada sob os n.ºs 10º a 17º, 22º, quanto às interpelações e ao não assumir de qualquer responsabilidade por parte da Ré.
• Os documentos de fls. 107/108, 135 e ss./200 e ss., quanto à ocorrência do acidente e situação profissional do A., para prova, nomeadamente, dos factos provados sob os n.ºs 3º a 6º (em conjugação também com as declarações de parte do A. e a prova testemunhal por este produzida).
• O relatório pericial realizado, de fls. 144 e ss., 222 e ss., 225 e ss., 233 e ss. e 238 e ss., para prova dos factos 6º a 9º, 18º a 20º, 23º a 26º dados como provados, nomeadamente quanto às lesões, tratamentos e sequelas (e alínea B) dos factos não provados). Do relatório pericial é perceptível, designadamente pelo complemento realizado em termos de ortopedia (mormente a fls. 226 do autos), que face ao acidente de 1986 podem existir alterações degenerativas prévias, usuais neste tipo de situações, em que uma lesão como a que o A. teve na perna esquerda, vai ‘forçando’ o joelho e condicionar a sua mobilidade um dia mais tarde, como acabou por acontecer. Não obstante, não existe matéria que nos leve a concluir que o A. sentiu ao longo dos tempos essa circunstância, daí se ter referido que não tenha havido manifestação clínica, até porque inexistem elementos de assistência médica do A. nesse âmbito ao longo dos anos anteriores ao acidente em questão nestes autos. No aludido relatório final (fls. 240) conclui-se que o A. apresenta uma incapacidade de 40% mas no âmbito do direito do trabalho inaplicável ao caso concreto, quer pelo âmbito do direito aplicável, quer pela própria fixação no contrato celebrado, em que se remete para a tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil (e no âmbito do direito civil, segundo o relatório do médico especialista em ortopedia e perito em medicina legal, prevê-se que a incapacidade é de ‘apenas’ 7 pontos - fls. 226 dos autos), estando ‘somente’ incapaz para o seu trabalho habitual (sendo manifesto, pois, que o A. não está incapacitado para toda e qualquer profissão, pois, caso contrário, o relatório teria frisado essa questão, e não o fez – daí também o facto não provado sob a alínea B)). Contudo, no relatório a sra. perita aplicou um factor de majoração, atendendo à idade (que considerou de 50 anos), laborando nessa parte em lapso, uma vez que o A. à data do acidente ainda só tinha 49 anos de idade. A sra. perita enquadrou também essa matéria no facto de o A. não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, aplicando uma norma que diz respeito aos acidentes de trabalho, que cai fora do âmbito contratual dos autos (como já frisamos e infra melhor explicaremos) e atribuiu uma incapacidade com majoração, inaplicável, mas que, ainda assim, nunca preencheria os requisitos legais para acionar o seguro em causa, estando abaixo da incapacidade de 65% como contratado, o que, não há dúvidas, o A. bem sabia ser necessário, fazendo parte dos termos contratuais que o mesmo aceitou e compreendeu (como melhor se explicará de seguida, quer pela análise das suas declarações de parte, quer pela análise dos depoimentos das testemunhas BB e CC).
Em declarações de parte, o A. expôs o acidente em causa, bem como o que teve anteriormente, confirmou que deixou de poder trabalhar na sua actividade habitual e que isso o tem afectado também psicologicamente, até pelas dificuldades económicas daí advenientes.
Em conjugação com a prova documental já referida e a testemunhal que apresentou, o seu depoimento foi relevante para dar como provada, nomeadamente, a matéria dos factos 3º a 25º.
Na segunda audiência de julgamento, o A. referiu que não tentou trabalhar outra vez, mas isto não afasta a possibilidade de fazer outras tarefas/trabalho, ter outro emprego para além de carpinteiro de cofragens, não sendo impedimento nem a incapacidade que apresenta, nem a sua idade, nem os conhecimentos técnicos, tal como se verificou do relatório pericial junto aos autos, que não determinou a incapacidade para todo e qualquer tipo de trabalho (sendo usual nestas situações as pessoas adaptarem-se a outras funções/profissões, iniciando outra actividade, ainda que com alguma adaptação/formação inicial) – daí, também, o facto não provado sob a alínea B).
No que concerne à comunicação das cláusulas do seguro, o A. apesar de dizer que ‘não se lembrava muito bem, que já tinha passado algum tempo’, sempre foi dizendo que ‘não sabe quanto tempo demorou o atendimento, foi enquanto ela estava a ler-me as condições, não sei durante quanto tempo’, ‘aceitei as condições que ela me propôs’, ‘sim, ela explicou-me as condições’. Ora isto, em conjugação com o depoimento da funcionária que atendeu o A. (e até mesmo do dono da empresa de seguros que relatou o que fazem habitualmente e as instruções que as suas funcionárias tinham para explicar tudo), só nos pode levar à conclusão que as cláusulas do contrato de seguro foram explicadas ao A., como consta do facto 30º dado como provado.
Foram relevantes, também, para a matéria de facto provada, o depoimento das testemunhas ouvidas nas duas audiências de julgamento.
A testemunha FF, filha do A., depôs de forma credível em relação apenas à matéria de que tinha conhecimento directo, não tendo assistido ao acidente, mas apenas às consequências do mesmo, que foi relatando e circunstanciando de forma espontânea e coerente, daí a matéria de facto dada como provada em 3º, 6º a 9º, 19º, 20º, 23º a 25º.
DD, mulher do A., depôs também de forma credível e espontânea quanto à matéria atinente ao enquadramento do acidente ocorrido, embora não tendo assistido ao mesmo, podendo circunstanciar o que se passou a seguir ao acidente e as consequências para o A., a nível físico, psicológico e economicamente. No que concerne ao inquérito telefónico de saúde relativamente ao seguro, assistiu ao ocorrido e confirmou que o marido sempre fez referência ao acidente anterior de moto, mas que ele nunca teve qualquer problema quanto a isso, porque sempre tinha ‘feito a sua vida normal’ - factos provados sob os n.ºs 1º a 17º, 19º, 20º, 22º a 25º. No que concerne à celebração do seguro, lembrava-se apenas em parte do ocorrido, tendo resultado do depoimento da testemunha BB (completamente isenta e mais distanciada da causa) que fez as comunicações pertinentes em relação ao seguro em causa, tal como apreciaremos e concretizaremos de seguida.
A testemunha GG, gestora de sinistros da R., além de explicar as coberturas do seguro em causa, expôs os motivos pelos quais a companhia de seguros declinou a responsabilidade, uma vez que não preenchia qualquer um dos pressupostos para atribuição de qualquer valor, designadamente o facto de não ter uma incapacidade igual ou superior a 65% e não estar incapacitado para todo e qualquer trabalho, além da existência de patologias prévias – factos provados 1º, 2º, 21º, 26º a 29º.
A testemunha HH, médico especializado em ortopedia e avaliação de dano, que presta serviços para a R., embora nunca tenha observado o A., analisou toda a documentação junta aos autos, que explicou, designadamente quanto ao seu teor médico. Configurou a gonartrose do A., uma artrose do joelho, pela destruição da sua cartilagem, que pode ter origem no acidente anterior, mas pode coexistir com o actual acidente. A testemunha alertou, também, para o facto de o relatório pericial enfermar de um lapso, uma vez que o A. não tinha 50 anos à data do acidente, como aí é referido para aplicação de um coeficiente acrescido de 1,5%, além de que tal coeficiente não é usado no ramo vida, nem nos atestados multiusos, mas apenas para efeitos de direito do trabalho, já que, por exemplo, a reconversão do posto de trabalho tem a ver com as condições da própria empresa empregadora e não só com a incapacidade e isso não é analisado neste processo. A testemunha colocou, também, em evidência o facto de o A. poder exercer outras actividades, o que acontece com muitos dos seus doentes, até com duas próteses (ou seja, o A. está incapacitado para o trabalho habitual, mas não para todo e qualquer tipo de trabalho, o que decorre até do próprio relatório pericial ao identificar que o A. ‘apenas’ está incapacitado para a sua actividade de carpinteiro de cofragem) – factos 8º, 18º, 20º dados como provados e alínea B) dos factos não provados.
Acrescentou, ainda, a testemunha, que a avaliação do dano no direito civil não vai além dos 7 pontos (que é que consta do relatório médico de ortopedia junto aos autos e conforme se deu como provado em 8º) e a ponderação que consta do relatório ao nível do direito do trabalho, de 40 pontos e ainda mais uma valoração pela idade que nem sequer tinha, não poderiam ser considerados no caso concreto.
A testemunha BB, mediadora de seguros, depôs de forma credível, com conhecimento directo dos factos e completamente isenta e imparcial, tendo sido a pessoa perante a qual o A. celebrou o contrato de seguro dos autos e que não teve dúvidas em afirmar que explicou todas as cláusulas como o faz sempre e que por norma lê o contrato (e dizendo mesmo, ‘de certeza que a percentagem li’ e alerta sempre, quanto à incapacidade necessária para acionar o seguro que, in casu, se verifica ser de 65%), embora não se recordasse ao pormenor deste caso em concreto (factos 1º, 2º, 26º a 30º dados como provados), referindo, ainda, que a beneficiária seria a filha, porque o crédito estava em nome da filha ‘e ele queria assegurar qualquer coisa…’.
Também a testemunha CC, dono da empresa de mediação de seguros que fez mediou a celebração deste contrato, explicou de forma credível e isenta o modus operandi nestes casos, confirmando, no fundo, o depoimento da testemunha BB (facto 30º dado como provado) e que têm sempre as condições das apólices disponíveis no sistema da própria companhia de seguros, onde podem averiguar e ler ao cliente.
Por seu turno a testemunha II, funcionário da R., explicou de forma credível, designadamente, as coberturas do seguro contratado e o que era necessário para se acionar o seguro (factos 1º, 2º, 26º a 30º dados como provados).
No que respeita à matéria dada como não provada, além da matéria não considerada por se tratar de matéria conclusiva ou de Direito, também a prova testemunhal produzida não levaram à sua consideração, além de inexistir prova documental idónea para dar tal matéria como provada.
Dá-se aqui por reproduzida, para todos os efeitos legais, toda a fundamentação explanada supra, quer quanto aos documentos, quer quanto à perícia, quer quanto às declarações de parte, quer em relação às testemunhas.
Assim, quanto ao facto A), simplesmente não se fez prova que o A. tenha omitido lesões anteriores, pois referiu o acidente de que tinha sido vítima anteriormente, tal como decorre do próprio depoimento da testemunha DD.
No que concerne à alínea B) e tal como já fomos referindo, não existe qualquer prova que o A. não possa exercer qualquer outra profissão, nem o relatório médico assim concluiu (e teria de o dizer, caso tal acontecesse), nem o médico ouvido em audiência de julgamento assim o concluiu (antes referindo: ‘pode exercer toda e qualquer profissão desde que não tenha sobrecarga sobre os joelhos’), não havendo qualquer prova idónea ou credível que confirmem que o A. não possa exercer outras actividades. Não decorre dos autos, nem decorreu dos trabalhos da audiência de julgamento e da imediação que se fez, nem da concatenação de toda a prova, em conjugação com as regras da experiência comum, o bom senso, o senso comum e as regras da normalidade das coisas.
Daí a matéria dada como não provada.”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos assinalados e prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelo apelante.
Vejamos, então, ponto por ponto.

- Relativamente ao ponto 30.º dos factos dados como provados
Consta do referido ponto da sentença que: “Aquando da celebração do contrato de seguro foram explicadas ao A. o teor das aludidas cláusulas contratuais gerais e especiais da apólice, designadamente as relativas às coberturas por morte, invalidez definitiva e invalidez total e permanente”.
Entende o apelante que o referido ponto dos factos dados como provados na sentença devia ter sido dado como não provado.
Vejamos, então.
Tal como resulta da motivação da sentença proferida, para dar como provado este facto foi tido em consideração as declarações de parte do autor, que referiu: “No que concerne à comunicação das cláusulas do seguro, o A. apesar de dizer que ‘não se lembrava muito bem, que já tinha passado algum tempo’, sempre foi dizendo que ‘não sabe quanto tempo demorou o atendimento, foi enquanto ela estava a ler-me as condições, não sei durante quanto tempo’, ‘aceitei as condições que ela me propôs’, ‘sim, ela explicou-me as condições’.
Isto, em conjugação com o depoimento da funcionária que atendeu o A. (e até mesmo do dono da empresa de seguros que relatou o que fazem habitualmente e as instruções que as suas funcionárias tinham para explicar tudo), só nos pode levar à conclusão que as cláusulas do contrato de seguro foram explicadas ao A., como consta do facto 30º dado como provado.”
Ademais, ouvindo as declarações de parte do autor/Apelante do dia 12.10.2022, confirma-se que o autor afirmou e reafirmou nas suas declarações, que a D. BB (funcionária da C..., Lda.) lhe leu e lhe explicou as cláusulas do contrato de seguro, chegando mesmo a afirmar no minuto 15:40 que aceitou as condições que ela lhe propôs.
De resto, o documento n.º 2 junto com a contestação encontra-se assinado pelo Apelante onde consta que “(…)declara ter recebido, em documento escrito, toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento acerca do contrato de seguro (…)”.
Como também resulta da sentença, para dar como provado o facto constante do ponto 30, foi tido, ainda, em consideração o depoimento da “testemunha BB, mediadora de seguros, que depôs de forma credível, com conhecimento directo dos factos e completamente isenta e imparcial, tendo sido a pessoa perante a qual o A. celebrou o contrato de seguro dos autos e que não teve dúvidas em afirmar que explicou todas as cláusulas como o faz sempre e que por norma lê o contrato (e dizendo mesmo, ‘de certeza que a percentagem li’ e alerta sempre, quanto à incapacidade necessária para acionar o seguro que, in casu, se verifica ser de 65%), embora não se recordasse ao pormenor deste caso em concreto (factos 1º, 2º, 26º a 30º dados como provados), referindo, ainda, que a beneficiária seria a filha, porque o crédito estava em nome da filha ‘e ele queria assegurar qualquer coisa…’.
Também a testemunha CC, dono da empresa de mediação de seguros que mediou a celebração deste contrato, explicou de forma credível e isenta o modus operandi nestes casos, confirmando, no fundo, o depoimento da testemunha BB (facto 30º dado como provado) e que têm sempre as condições das apólices disponíveis no sistema da própria companhia de seguros, onde podem averiguar e ler ao cliente.
De resto, o alegado nos artigos 1º, 2º, 10º e 37º da p.i., é demonstrativo que o apelante tinha conhecimento integral das cláusulas do contrato de seguro, pois alegou que o evento em causa não se encontrava nas causas de exclusão da apólice, o que revela conhecimento das condições gerais e especiais, já que é aí que constam as causas de exclusão do contrato de seguro celebrado.
Acresce que, nos termos do artigo 78º, do Decreto-lei n.º 72/2008, de 16/04 (semelhante ao anterior artigo 4º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 176/95) o dever de informação sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, impende sobre o tomador do seguro (no caso concreto o tomador do seguro é ‘C..., Lda.’), tendo em consideração que se trata de um seguro de grupo.
De resto, como sentenciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 5/4/2016 (proferido no processo n.º 36/12.9TBALD.C1-A.S114, disponível em www.dgsi.pt), “(…), o Supremo Tribunal de Justiça teve já a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de comunicação/informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo, como in casu, tendo decidido que resultava expressamente do nº 1, do 4º do Decreto-Lei nº 176/95 que era ao tomador que incumbia o dever de comunicação/informação dos segurados quanto às coberturas e exclusões contratadas, cabendo-lhe igualmente o correspondente ónus da prova.” (…) Actualmente o n.º 3 do artigo 78º do DL nº. 72/2008 de 18 de Abril, prescreve que, compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores, pelo que salvo o devido respeito por melhor opinião, não incumbia a ré a informação do autor das cláusulas contratuais gerais e especiais da apólice., já que o autor não é o tomador do seguro (C..., Lda.) mas apenas o aderente.
Afigura-se-nos, assim, ser de manter a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto.
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- Relativamente à alínea B) dos factos dados como não provados
Entende o apelante que o facto vertido na alínea b) dos factos dados como não provados deve ser dado como provado.
Consta da referida alínea que: “O A. não pode exercer qualquer outra atividade profissional, em Portugal, na Suíça ou em qualquer outro país, atendendo aos seus conhecimentos profissionais e idade, ninguém lhe dando trabalho por não poder trabalhar.”
Ora, a este respeito, resulta da motivação da sentença proferida do Tribunal a quo, que para dar como não provado o referido facto foi tido em consideração, designadamente:
“O relatório pericial realizado, de fls. 144 e ss., 222 e ss., 225 e ss., 233 e ss. e 238 e ss., para prova dos factos 6º a 9º, 18º a 20º, 23º a 26º dados como provados, nomeadamente quanto às lesões, tratamentos e sequelas (e alínea B) dos factos não provados). (…) No aludido relatório final (fls. 240) conclui-se que o A. apresenta uma incapacidade de 40% mas no âmbito do direito do trabalho inaplicável ao caso concreto, quer pelo âmbito do direito aplicável, quer pela própria fixação no contrato celebrado, em que se remete para a tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil (e no âmbito do direito civil, segundo o relatório do médico especialista em ortopedia e perito em medicina legal, prevê-se que a incapacidade é de ‘apenas’ 7 pontos - fls. 226 dos autos), estando ‘somente’ incapaz para o seu trabalho habitual (sendo manifesto, pois, que o A. não está incapacitado para toda e qualquer profissão, pois, caso contrário, o relatório teria frisado essa questão, e não o fez - daí também o facto não provado sob a alínea B)). Contudo, no relatório a sra. perita aplicou um factor de majoração, atendendo à idade (que considerou de 50 anos), laborando nessa parte em lapso, uma vez que o A. à data do acidente ainda só tinha 49 anos de idade. A sra. perita enquadrou também essa matéria no facto de o A. não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, aplicando uma norma que diz respeito aos acidentes de trabalho, que cai fora do âmbito contratual dos autos (como já frisamos e infra melhor explicaremos) e atribuiu uma incapacidade com majoração, inaplicável, mas que, ainda assim, nunca preencheria os requisitos legais para acionar o seguro em causa, estando abaixo da incapacidade de 65% como contratado, o que, não há dúvidas, o A. bem sabia ser necessário, fazendo parte dos termos contratuais que o mesmo aceitou e compreendeu (como melhor se explicará de seguida, quer pela análise das suas declarações de parte, quer pela análise dos depoimentos das testemunhas BB e CC).”.
Como é sabido, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389º do Código Civil).
Dispõe o artigo 467º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que “as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”.
Comentando esta norma, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, citados pela recorrida, o seguinte: “constitui jurisprudência dominante a asserção de que, nos termos do art. 21º, 1 da Lei nº 45/04 de 19-8, e do art. 467º, nº 3, as perícias médico-legais são obrigatoriamente realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, sendo em regra, singulares, incumbindo a tal instituição a nomeação do perito (cf. RP 34-10-16, 30789/15, RG 27-2-14 1156/13, RG 20-2-14, 3098/12 e RG 21-9-10, 2440/09). (…) A obrigatoriedade da realização das perícias médico-legais no INML não constitui restrição dos direitos processuais das partes porquanto esta instituição tem autonomia e independência técnico-científica, estando numa posição de equidistância perante as partes, sendo que os seus peritos garantem um padrão de elevada qualidade científica. Os direitos processuais das partes são assegurados na precisa medida em que os peritos estão obrigados a fundamentar as suas respostas e conclusões, podendo ser requerida a prestação de esclarecimentos pelas partes, sendo estes meios processuais idóneos a aquilatar o iter seguido pelo perito e a permitir o cabal exercício do contraditório, assistindo ainda à parte o direito de se fazer assistir de técnico, nos termos do art. 50º (RG 13-23-14, 203/12)”.
Assim sendo, a prova pericial é a que está corporizada no relatório pericial do INML, pelo que, comungamos da argumentação da apelada de que não se pode desconsiderar, ainda que parcialmente, um meio de prova a que as partes se entenderam submeter (perícia médico - legal), para avaliar os factos trazidos a Juízo. Isto porque, com a perícia realizada foi obtida uma avaliação objectiva e imparcial quanto às mazelas que o apelante ficou a padecer, sendo que a perícia é um meio de prova mais seguro, ciente e isento do que os depoimentos de familiares (mulher e filha) ou do próprio autor, os quais não possuem conhecimentos médicos.
Acresce, ainda, que, nos diversos registos médicos e hospitalares juntos aos autos, não existe nenhum que afirme que o autor/Apelante está incapacitado para todo e qualquer trabalho.
De resto, de acordo com o disposto no artigo 388º, do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. Isto é, a perícia é um meio de prova que, em regra, exige conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza, que se não espera que o Julgador tenha.
Atribui-se, pois, a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do Julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum.
Assim, a perícia é um meio de prova a que a parte ou/e o tribunal pode lançar mão quando se revele necessário recorrer ao conhecimento técnico de outrem, os peritos, os quais pronunciando-se sobre a questão solicitada expõem as suas observações e as suas impressões pessoais sobre os factos presenciados, retirando conclusões objectivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes.
A este respeito, vem defendendo, a nossa doutrina e Jurisprudência, que esta prova traduz-se na percepção por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas - cf. neste sentido, por todos, Professor Manuel de Andrade, apud, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 135.
De resto, a crescente complexidade da vida social e o carácter omnipresente do direito conferem à prova pericial um papel cada vez mais importante.
No caso vertente, a prova pericial foi requerida pelo apelante, tendo as partes aceitado as conclusões do relatório, uma vez que não houve pedidos de esclarecimentos ao relatório apresentado, nem foi requerida uma segunda perícia, só não se podendo considerar as bonificações atribuídas dado que as mesmas apenas são aplicáveis na legislação laboral, sendo, ainda, certo que o contrato celebrado remete para a tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil.
Ademais, de acordo com a sentença proferida, também foi relevante para dar como não provado o facto constante da alínea b) as declarações de parte do Autor.
Com efeito, o A. expôs o acidente em causa, bem como o que teve anteriormente, confirmou que deixou de poder trabalhar na sua actividade habitual e que isso o tem afectado também psicologicamente, até pelas dificuldades económicas daí advenientes (…) Na segunda audiência de julgamento, o A. referiu que não tentou trabalhar outra vez, mas isto não afasta a possibilidade de fazer outras tarefas/trabalho, ter outro emprego para além de carpinteiro de cofragens, não sendo impedimento nem a incapacidade que apresenta, nem a sua idade, nem os conhecimentos técnicos, tal como se verificou do relatório pericial junto aos autos, que não determinou a incapacidade para todo e qualquer tipo de trabalho (sendo usual nestas situações as pessoas adaptarem-se a outras funções/profissões, iniciando outra actividade, ainda que com alguma adaptação/formação inicial) – daí, também, o facto não provado sob a alínea B).
Por fim, foi igualmente relevante para dar como não provada a referida factualidade o depoimento da testemunha HH, médico especializado em ortopedia e avaliação de dano, que presta serviços para a Ré/Apelada, que analisou toda a documentação junta aos autos, e explicou-a, designadamente quanto ao seu teor médico. Configurou a gonartrose do A., uma artrose do joelho, pela destruição da sua cartilagem, que pode ter origem no acidente anterior, mas pode coexistir com o actual acidente.
A referida testemunha alertou, também, para o facto de o relatório pericial enfermar de um lapso, uma vez que o A. não tinha 50 anos à data do acidente, como aí é referido para aplicação de um coeficiente acrescido de 1,5%, além de que tal coeficiente não é usado no ramo vida, nem nos atestados multiusos, mas apenas para efeitos de direito do trabalho, já que, por exemplo, a reconversão do posto de trabalho tem a ver com as condições da própria empresa empregadora e não só com a incapacidade e isso não é analisado neste processo.
A testemunha colocou, também, em evidência o facto de o Apelante poder exercer outras actividades, o que acontece com muitos dos seus doentes, até com duas próteses (ou seja, o A. está incapacitado para o trabalho habitual, mas não para todo e qualquer tipo de trabalho, o que decorre até do próprio relatório pericial ao identificar que o A. ‘apenas’ está incapacitado para a sua actividade de carpinteiro de cofragem).
É certo, porém, que o apelante pretende que este Tribunal altere a resposta dada pelo Tribunal a quo relativamente à alínea b) dos factos dados como não provados.
Para tanto, transcreve um resumo das suas declarações de parte, bem como um resumo dos depoimentos das testemunhas que arrolou (filha e mulher) FF e DD
No entanto, essas declarações de parte e os depoimentos dos seus familiares são contrariados pelo relatório de ortopedia, pelo relatório pericial, bem como pelo depoimento prestado pela testemunha HH.
Ora, como facilmente se constata pela audição dos depoimentos, nem o declarante, nem os seus familiares têm conhecimentos médicos capazes de infirmar as conclusões do relatório de ortopedia, do relatório pericial e da testemunha HH, que é médico especializado em ortopedia e avaliação do dano.
Isto porque, segundo as conclusões do relatório de ortopedia, solicitado pela Sra. Perita e subscrito pelo Dr. JJ o “examinado apresenta um défice funcional da integridade físico-psíquica de 7 pontos - Mf0617 (2 pontos); presença de endoprótese (5 Pontos), da Tabela Nacional de Avaliações em Direito Civil (anexo II DL nº. 352/07 de 23.10) e está incapaz para o desempenho da sua profissão habitual de carpinteiro de cofragem.”
E, segundo as conclusões do relatório pericial “Relativamente à IPP a fixar pelo estado clínico atual, e tendo em conta a TNI (Anexo I do DL nº 352/07, de 23/10), conforme solicitado na Petição Inicial, sou do parecer que é de atribuir uma IPP fixável em (40% x factor 1.5 = 60%) 60% pelo Capítulo 12.3 a) “Artroplastia” atribuindo-se grau máximo tendo em conta o descrito nesse mesmo Capítulo que “quando houver claudicação da marcha, compromisso dos principais movimentos e eventual dor, a incapacidade será fixada em valores intermédios; quando ocorrerem os deficits anteriores e estiver comprometido o exercício da actividade profissional, incapacidade a atribuir tenderá para o coeficiente máximo”, sendo que o examinado à data dos exames periciais apresentava uma mobilidade do joelho entre os 0º e os 110º, queixas de gonalgia (dor no joelho) à esquerda, e amiotrofia da coxa, encontram-se, segundo opinião da perita signatária e do perito de ortopedia Dr. JJ - “incapaz para o desempenho da sua profissão habitual de carpinteiro de cofragens”, o que consubstancia os motivos à atribuição do valor máximo. O factor 1.5 foi considerado no presente caso tendo em conta a idade do examinando (superior a 50 anos) à data de 25/10/2016 (quando ocorreu o evento traumático de que resultou a necessidade de colocação de prótese no joelho esquerdo), não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho no âmbito da sua profissão e tal factor estar previsto pelas Instruções Gerais da TNI pela sua alínea 5 (“Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.”.
Para aplicar esta bonificação de 1.5 a Sra. Perita baseou-se que o apelante tinha mais de 50 anos, no entanto como se pode constatar, na primeira folha do relatório pericial refere que o apelante nasceu no dia .../.../1967 e, na última folha desse relatório refere que o evento traumático ocorreu em 25/10/2016 (o que também é confirmado nos factos provados nº. 3), o que significa que à data do evento traumático o apelante apenas tinha 49 anos (2016-1967=49) e portanto, não tinha 50 anos ou mais, não se podendo, por isso, aplicar a bonificação de 1.5.
E, relativamente à reconversão do posto de trabalho era necessário que a mesma fosse avaliada neste processo, o que não aconteceu, atento o contrato de seguro celebrado e o tipo de processo judicial em causa, pelo que a avaliação pericial deveria ser, de acordo com o contrato de seguro celebrado, enquadrada no anexo II do Decreto-Lei n.º 352/07, de 23/10 e, não anexo I como a Sra. perita enquadrou.
Acresce que, conforme referiu a testemunha HH “a reconversão do posto de trabalho tem mais a ver com as condições da própria empresa empregadora e não só com a incapacidade”.
Afigura-se-nos, assim, ser, igualmente, de manter a resposta dada à referida alínea da matéria de facto.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é a dada como provada pelo Tribunal a quo.
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4.2. Do mérito da decisão
O Apelante, no caso vertente, celebrou um contrato de seguro de grupo denominado ‘Plano empresas risco sem PR’, com a cobertura, entre outras, de morte e invalidez, podendo configurar o âmbito do seguro de vida.
Pode definir-se o seguro de vida como “o seguro efectuado sobre a vida de uma ou várias pessoas seguras, que permite garantir, como cobertura principal, o risco de morte ou de sobrevivência ou ambos”.
São muitas as classificações possíveis dos seguros de vida, sendo a classificação que atende ao risco a que melhor faz salientar a diversidade do regime jurídico aplicável e a mais idónea a fornecer uma ideia de conjunto da prática seguradora, podendo abranger os casos de morte, de vida e os seguros de vida mistos (Luís Poças, Sobre a evolução do ramo vida, e Almeida e Leitão, Lda., Estudos de Direito dos Seguros, págs. 17 e ss.).
Em caso de morte os seguros de vida consistem “na obrigação de o segurador realizar a prestação a que se obrigou caso a pessoa segura faleça antes de determinada data fixada na apólice”.
Já o seguro de vida em caso de vida “consiste na obrigação assumida pelo segurador de, sobrevivendo a pessoa segura a determinada data fixada no contrato, realizar a sua prestação pelo pagamento do capital contratado. Caso a pessoa segura faleça antes dessa data o segurador terá direito aos prémios percebidos, excepto se for garantido o contra-seguro de prémios”.
Na verdade, a figura do “contra-seguro de prémios” consiste “num seguro acessório através do qual o segurado garante o risco de não-realização do risco principal, isto é: caso a pessoa segura sobreviva ao termo do contrato haverá lugar ao reembolso dos prémios pagos”.
Também nos seguros em casos de vida “o segurador, por vezes, compromete-se a devolver aos herdeiros do segurado, falecido antes de decorrido o prazo convencional, os prémios (...) por este pagos. Diz-se, então, que o contrato é celebrado com contra-seguro”.
O habitual, contudo, é a existência dos chamados seguros de vida mistos, garantindo simultaneamente os riscos de morte e de sobrevivência.
Nos seguros mistos temos os designados seguros dotais, em que o segurador se compromete a entregar ao beneficiário uma certa soma se este se encontrar vivo em data determinada: “os prémios deixam de ser pagos se o segurado falecer e o segurador nada pagará se antes da data referida no contrato existir a morte do beneficiário”. Todavia, há apólices que, “no caso de falecimento do beneficiário antes da data estipulada, prevêem a devolução dos prémios, o que se traduz num verdadeiro contra-seguro”.
Existem, ainda, garantias relativas aos “seguros complementares dos seguros de vida”, isto é, “as modalidades que não podem ser autonomamente contratadas, mas que apenas podem surgir associadas a outros contratos de seguro de vida. A lei prevê, assim, três modalidades de seguros complementares relativos a danos corporais: a) a morte; b) a incapacidade para o trabalho profissional; c) a invalidez em consequência de acidente ou doença” (cfr. Luís Poças, ob. cit., págs. 37 e 38).
O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
No que respeita ao contrato de seguro de grupo, o mesmo entende-se como o contrato entre seguradora e tomador de seguro a que aderem, como pessoas seguras, os membros de um determinado grupo ligado ao tomador.
Trata-se de um contrato sinalagmático (dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando-se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas), comercial (pelo menos quanto à seguradora), de seguro, formal, inominado, típico, oneroso (cada parte prossegue uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra), aleatório (o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação, ou se há certeza da prestação, quando esta se efectuará, não havendo, porém, incerteza na prestação do segurado), formado em dois momentos, trilateral e de boa-fé (a qual é um princípio geral das obrigações - artigos 227º e 762º do Código Civil -, existindo, em matéria de seguros uma tutela reforçada deste princípio, que aí assume um significado muito próprio: o segurador é obrigado a acreditar no segurado e, em contrapartida, este é obrigado a comportar-se com franqueza e lealdade, surgindo uma especial responsabilização do tomador do seguro perante as suas declarações, que, nos termos do disposto no artigo 429º do Código Comercial, devem ser exactas e não reticentes).
Desta forma, o seguro de grupo é um contrato complexo constituído por um plano de seguro e por tantos contratos de seguro quantas forem as adesões (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/09/2008, apelação n.º 4361/08 - 3.ª Secção, in www.trp.pt).
Tal contrato implica que a seguradora e o tomador de seguro celebrem entre si um contrato de seguro de um determinado ramo, embora podendo ter cobertura de vários ramos, com vista à adesão dos membros de um determinado grupo e o tomador de seguro promove as adesões tendo, inclusive, especiais deveres de informação e responsabilidades ao nível da gestão administrativa e de sinistros, sendo o prémio suportado normalmente pelos aderentes, e no caso de adesões conjuntas normalmente o prémio é pago pela primeira pessoa segura e não pelo tomador/beneficiário.
No caso vertente, o Tribunal a quo havia considerado que foi entregue a informação à pessoa segura pela funcionária que atendeu o Apelado.
Tal factualidade manteve-se intacta neste Tribunal da Relação, pelo que consideramos não ter sido violado o referido dever, soçobrando, por isso, o referido fundamento legal passível de justificar a exclusão das cláusulas atrás aludidas do contrato de seguro.
De resto, à luz da doutrina e jurisprudência dominante, nos seguros de grupo o dever de comunicação está legalmente a cargo do tomador e não sobre a seguradora, até porque a seguradora não contacta directamente com os aderentes e, o tomador de seguro neste caso é a C..., Lda.
No caso vertente, no âmbito da sua actividade seguradora a apelada, em 09.08.2016 celebrou com o tomador de seguro, o contrato de seguro de grupo, a que o apelante aderiu em 16.09.2016, o qual se regula pelas condições particulares, gerais e especiais juntas aos autos, que foram dadas como provadas nos pontos 1, 2, 26, 27, 28 e 29 dos factos provados.
Ora, conforme resulta das condições particulares, as garantias contratadas nesta apólice, foram:
- Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva, com o capital seguro de €250.000,00;
- Invalidez Total Permanente, com o capital seguro de €250.000,00;
- Diagnóstico de doenças graves com o capital seguro de €50.000,00.
Deste modo, o contrato de seguro celebrado e que é objecto destes autos, não foi um seguro obrigatório de acidentes de trabalho, o qual responderia pelos acidentes de trabalho sofridos pelo trabalhador, mas antes um seguro facultativo que contém as cláusulas que as partes quiseram contratar.
Nestes seguros facultativos, podem-se incluir os mais variados riscos, desde que previstos e contratualizados, significando isto que a seguradora aqui apelante, apenas cobre os riscos contratados, sempre e só de acordo com as coberturas que estiveram contratadas.
Ademais, nesta acção, a Ré A..., só poderia ser demandada ao abrigo da responsabilidade contratual, sendo que esta responsabilidade civil resulta, fundamentalmente, da falta de cumprimento das obrigações emergentes de contratos.
Assinale-se que à data do evento o referido seguro mantinha-se válido, sendo ineficaz a anulação do mesmo, conforme dimana tacitamente da argumentação do Tribunal a quo, o que não merece considerações adicionais, dado a Ré não ter interposto recurso independente ou subordinado da sentença.
Ora, a definição da Invalidez Total Permanente (ITP), neste caso concreto, foi fixada na página 19 das condições gerais e especiais, e foi dada como provada no ponto 28 dos factos provados.
Assim, foi estipulado que a ITP era “a incapacidade total da pessoa segura, em consequência de doença ou acidente, com carácter permanente e irreversível e, desde que, cumulativamente:
a) as lesões sofridas, após consolidação, tenham carácter irreversível e correspondam a uma incapacidade funcional permanente de grau superior ou igual a 65%;
b) A pessoa segura fique permanentemente impossibilitada de exercer quer a sua profissão quer qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos
A incapacidade referida na alínea a) será unicamente e exclusivamente determinada através dos critérios constantes da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei nº. 3252/2007 de 23 de Outubro.”.
Ora, de acordo com o relatório pericial, o Apelante não preenche nenhum dos requisitos contratuais estabelecidos (e estes são cumulativos), pois foi-lhe atribuída uma I.P.P. muito inferior (em direito civil) e, uma incapacidade para o exercido da profissão habitual, mas não de outras profissões.
A questão que, agora, nos cumpre apreciar traduz-se em saber se é abusiva a cláusula em questão, que impõe os referidos requisitos, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, apurando-se, assim, se estão preenchidos os pressupostos da verificação de invalidez absoluta e definitiva coberta pelo contrato de seguro.
Ora, quando estão em causa questões de que o tribunal pode/deve conhecer oficiosamente, como é o caso da nulidade de uma cláusula contratual geral inserida num contrato de adesão, não se coloca uma qualquer situação de excesso de pronúncia, uma vez que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso não há limitação imposta pelo princípio do dispositivo.
Afigura-se-nos, desde logo, estarem tais contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais contido no Decreto Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 2010, proferido no proc. 1583/06.7TBPRD.L1.S1, cuja orientação perfilhamos, a eventual censura ao objecto ou cobertura principal da apólice do seguro de grupo, através do controlo da sua natureza abusiva, não ofende o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil, porquanto “a liberdade de celebração dos contratos e a liberdade da fixação do seu conteúdo (…) tem de se mover dentro dos limites da lei, encarada na sua letra e no seu espírito”.
Ora, assente que a censura às cláusulas estipuladas pela ré/apelante, no âmbito da sua actividade económica de seguros, nos contratos de seguro de grupo, é legítima, impõe-se, agora, averiguar se a atrás referida cláusula é, ou não, abusiva.
Conforme atrás referimos, nas referidas condições gerais e especiais do contrato, fixou-se a definição de invalidez total permanente (ITP), como “a incapacidade total da Pessoa Segura, em consequência de doença ou acidente, com carácter permanente e irreversível e, desde que, cumulativamente:
a) as lesões sofridas, após consolidação, tenham carácter irreversível e correspondam a uma incapacidade funcional permanente de grau superior ou igual a 65%;
b) A Pessoa segura fique permanentemente impossibilitada de exercer quer a sua profissão quer qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos.”.
É consabido que o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.
Assim e no que respeita ao carácter abusivo das cláusulas gerais expressas neste tipo de contrato, estabelece o artigo 15º, do citado Decreto-lei 446/85, de 25 de Outubro, que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
Estatui o artigo 16º, do mesmo diploma, que “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
E o critério de apreciação da natureza abusiva de uma cláusula encontra-se ínsito no artigo 3º, nº 1, da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril, o qual dispõe que “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.
Tal como nos diz Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 anotado, pág. 172: “Uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada.”
Daqui decorre que o critério a seguir radica no princípio da boa fé, do qual flui a necessidade de averiguar se existe um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa fé.
Seguindo os ensinamentos de Almeno de Sá, in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª Edição, pág. 261, diremos que, nesta ponderação, importa ter em consideração, «todas as circunstâncias que rodeiam o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na óptica de um observador razoável e com referência ao momento em que é feita valer a nulidade da cláusula e não ao momento da celebração do contrato», havendo de «concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador».
Significa isto, no dizer do mesmo autor, que «nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos».
E, segundo Moitinho de Almeida, in Contrato de Seguros, Estudos, pág. 77, há ainda que ponderar a finalidade do contrato, pelo que, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas.
A finalidade deste tipo de contrato de seguro é orientada para a obtenção de um capital em caso de morte ou invalidez permanente do segurado, pretendendo, neste último caso o seguro acautelar a situação de uma eventual incapacidade significativa e geradora da impossibilidade do segurado fazer a sua vida normal e de exercer a sua actividade profissional remunerada o que pode determinar não só a situação do mesmo passar a ter outras despesas em razão das debilidades de saúde geradoras da incapacidade, como também a impossibilidade do mesmo assegurar a sua subsistência por não poder obter rendimentos.
No caso vertente, impõe-se considerar que o que consta da referida cláusula, ao obrigar ao cumular das referidas condições para que o seguro possa ser accionado ((a) as lesões sofridas, após consolidação, tenham carácter irreversível e correspondam a uma incapacidade funcional permanente de grau superior ou igual a 65%; b) a Pessoa segura fique permanentemente impossibilitada de exercer quer a sua profissão quer qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos), é abusiva, no segmento em que exige a cumulação de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 65% e a impossibilidade de exercer não só a sua profissão, bem como qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos, sem a limitação a qualquer actividade remunerada compatível com os conhecimentos e aptidão do segurado, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados, sendo, consequentemente nula.
Ou seja, segundo o nosso entendimento, a cláusula é abusiva ao exigir a cumulação das duas condições, mas não já individualmente quanto à estipulação da percentagem da incapacidade.
No que respeita à interpretação e integração das declarações negociais expressas neste tipo de contrato, estabelece o artigo 10º, do citado Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem”.
Quer isto dizer que a interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos artigos 236º a 238º do Código Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem, devendo ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, ou seja, à luz da “impressão do destinatário”.
E bem se compreende a razão de ser deste regime.
É que, atenta a situação de vantagem técnica e jurídica em que se encontra o predisponente, é justo, conforme flui do princípio da boa fé contratual, que se proteja o segurado aderente, de forma a que a cobertura do contrato de seguro não fique aquém daquilo que o mesmo pudesse contar.
Importa então avaliar, por ser condição da verificação do sinistro, se o A. padece de invalidez total e definitiva e também de invalidez profissional por estar absolutamente incapaz de exercer a sua actividade profissional normal, com uma incapacidade funcional de 40%.
Com efeito, no caso vertente, logrou provar-se que o apelante padece de uma I.P.P. de 40%, manifestamente inferior ao contratualmente estipulado e não de uma I.T.P. de 65% ou mais, como estipula o contrato de seguro.
Provou-se, ainda, que o Apelante encontra-se incapaz para o desempenho da sua profissão habitual de carpinteiro de cofragens, mas pode desempenhar outras profissões.
Assim sendo, apesar de considerarmos abusiva a cláusula ao exigir a cumulação das duas condições, mas não já individualmente quanto à estipulação da percentagem da incapacidade, é certo que atento o grau de incapacidade provado do Apelante (40%) parece-nos que a sua incapacidade não se mostra coberta pelo referido contrato de seguro.
Ou seja, os factos apurados levam-nos a concluir que não se mostra preenchido o conceito de invalidez total e permanente abrangido pelo seguro.
Com efeito, em razão destes factos, não podemos concluir que o Apelante se encontra numa situação de invalidez absoluta e permanente para efeitos de verificação do sinistro coberto pelo contrato de seguro em questão.
Na realidade, os conceitos de invalidez total absoluta e invalidez profissional são distintos, sendo que a exigência, de verificação de uma incapacidade permanente igual num dado grau faz algum sentido quando se discute se o segurado padece de “invalidez absoluta e definitiva”.
De resto, afigura-se-nos que a falta de prova dos factos, constitutivos do alegado direito do Autor é quanto basta para que lhe faleça base e razão no pretendido accionamento do contrato de seguro em causa (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Por último, o apelante defende que a sentença proferida padece, ainda, de erro, por não ter condenado a recorrida a pagar ao recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais.
Ora, conforme já foi alegado, o contrato objecto dos autos é um seguro facultativo que contém as cláusulas que as partes quiseram contratar, pelo que, a apelada só pode ser demandada ao abrigo da responsabilidade contratual.
Nestes seguros podem-se incluir os mais variados riscos, desde que previstos e contratualizados, o que significa que a seguradora aqui apelada, apenas cobre os riscos contratados, sempre e só, de acordo com as coberturas que estiveram contratadas.
Ora, lido e relido o contrato de seguro objecto dos presentes autos, verificamos que não existe nenhuma alusão aos danos não patrimoniais.
Ou seja, não foram negociados entre as partes, não foram incluídos no contrato, não foi estipulado um prémio para o efeito, pelo que não poderá ser ressarcida uma garantia que não foi contratada, devendo a sentença proferida ser mantida.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.

Porto, 20 de Abril de 2023
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
João Venade



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