Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1162/18.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESUNÇÃO DO ART. 10º/1 DA LAT
ACIDENTE DE TRABALHO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DESMAIO
DOENÇA NATURAL
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
Nº do Documento: RP202305081162/18.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada.
II -- Não se encontra estabelecida no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, qualquer presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida, sendo que, sabendo-se que a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho exige a demonstração de um duplo nexo causal, entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte) e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador), a mesma presunção também não abrange esta segunda relação de causalidade, incumbindo ao sinistrado ou seus beneficiários a sua demonstração.
III - Por se tratar de factos constitutivos do direito invocado (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho deverão ser alegados e provados por quem reclama a respetiva reparação (sendo esta a regra), sem prejuízo de a lei facilitar essa tarefa, criando presunções a seu favor.
IV - Em face do conceito de acidente de trabalho, é de concluir que esse não se provou num caso em que se provou que o sinistrado caiu, batendo com a cabeça e corpo no chão, do que resultou traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural, se tal queda tiver tido na sua génese um desmaio que decorreu de doença natural de que aquele padece, pois que esse desmaio, tendo a queda na sua génese o que antes se mencionou, não se traduz em causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima, e súbita, não bastando para se poder concluir em sentido diverso a circunstância de a queda ter ocorrido no local de no tempo de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade patronal em viagem para o local de trabalho.
V - A predisposição patológica a que se alude no n.º 1 do art. 11. Da LAT não é, em si, uma doença ou patogenia, sendo antes uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos longo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer determinadas doenças, funcionando nestes casos o acidente de trabalho como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 1162/18.6T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 3

Autor: AA
Ré: A..., S.A. - Sucursal em Portugal

______
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
___________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Nos presentes autos de processo especial por acidente de trabalho, decorrida a fase conciliatória sem que se tenha logrado acordo, veio AA dar início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, peticionando a condenação da Ré, B... - Companhia de Seguros, S.A.” (atualmente “A..., S.A. - Sucursal em Portugal), no seguinte: “a) Deverá a Ré companhia de seguros ser condenada a reconhecer a incapacidade permanente para o trabalho do Autor, de 14,5%, e em consequência ser condenada a pagar ao aqui Autor indemnização a título de IPP no montante de 13.852.04€ (treze mil oitocentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos). b) Deverá a Ré companhia de seguros ser condenada a reconhecer o período de incapacidade temporária e absoluta do Autor de 24.04.2017 a 30.06.2017, bem como a pagar a título de indemnização por essa incapacidade o montante de 1.198.41€ (mil cento e noventa e oito euros e quarenta e um cêntimos. c) Mais se requer a condenação da Ré seguradora a pagar ao Autor os juros de mora a contar sobre a quantia diária de cada uma das indemnizações nos termos supra explanados, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento. d) Deverá a Ré companhia de seguros ser condenada a pagar ao Autor sinistrado a quantia de 40.00 Euros (quarenta euros) relativa a deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal; e) Deverá também a Ré companhia de seguros ser condenada a pagar ao Autor sinistrado a quantia de 375.00€ (trezentos e setenta e cinco euros), relativos a quantias despendidas com exames médicos e consultas, por conta do acidente descrito nos autos; f) Também deverá as Ré ser condenada no pagamento dos juros de mora à taxa legal em vigor vencidos e vincendos desde a citação das mesmas, sobre as quantias atrás peticionadas e, os que virão ainda a peticionar, tudo até integral e efectivo pagamento.”
Alegou, em síntese: trabalha, desde 2002, por conta e sob as ordens e direção da sociedade “C..., Ld.ª”; foi vítima de um acidente de trabalho, em ..., na estação de serviço de ..., na A1, no dia 24.04.2017, pelas 07:30 horas, quando se encontrava a trabalhar sob ordens, direção e fiscalização de tal sociedade, para a qual trabalhava com a categoria de pintor/servente na área da construção civil; a referida sociedade, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., havia transferido a responsabilidade por acidente de trabalho para a R.; o acidente ocorreu quando seguia em viagem para o trabalho, para a zona de Lisboa, em transporte coletivo cedido pela aludida sociedade e, após ter saído da carrinha, em paragem de descanso na área de serviço, caiu e feriu-se na cabeça, do que resultou uma ferida de 4 cm, na região temporal direita e TCE; ficou, como consequência direta do acidente, com as seguintes sequelas: no crânio, cicatriz na região temporal direita, no couro cabeludo, impercetível, medindo 4 cm de comprimento; e síndrome comocional pós-traumático e epilepsia pós-traumática (sequelas de TCE); foi-lhe fixada a IPP em 14,5%; resultou para si ITA de 24.04.2017 a 30.06.2017; deslocou-se ao Gabinete Médico-Legal de Penafiel e ao Tribunal de Trabalho de Penafiel, tendo tido despesas nessas deslocações no montante de € 40,00; em consequência quer da tentativa de não conciliação por parte da R. quer pela falta de assunção de assistência, efetuou exames médicos e consultas para apurar o seu estado de saúde, pagando à sua custa tais meios de diagnóstico, num total de € 375,00, designadamente por deslocações a consultas médicas no dia 02.05.2017, na Clínica ..., consulta de ORL, cujo custo foi suportado por si no valor de € 55,00, a realização de um exame designado como audiograma tonal e timpanograma com reflexos, em 12.05.2017, no valor de € 45,00, a realização de uma ortopantomografia no valor de € 15,00 no dia 19.05.2017, consulta de ORL na Clínica ... no dia 22.05.2017, no valor de € 55,00 e, ainda, a realização de exame crânio-encefálico na Clínica 1... no dia 26.09.2017, no valor de € 205,00.

Apresentou a Ré contestação, que concluiu no sentido de que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados pelo Autor, declarando-se expressamente que este não sofreu qualquer acidente de trabalho.
Mais uma vez em síntese, invocou que o Autor desmaiou / desfaleceu, resultando evidente que o desmaio/desfalecimento não foi provocado nem teve a sua origem em qualquer acontecimento externo e imprevisto, antes tendo tido a sua génese numa doença natural e, como tal, que não estamos perante qualquer acidente de trabalho.

Citado, deduziu o Instituto da Segurança Social, I.P., pedido de reembolso, no qual peticionou deve a Demandada ser condenada a pagar-lhe a quantia de €730,30, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Respondeu a Ré a tal pedido, pugnando pela sua improcedência.

Notificado da contestação, o Autor apresentou processado, no qual aduziu, para além do mais, que a sua queda é um acidente de trabalho, uma vez que há uma aparente perda dos sentidos involuntária e, mesmo que tal queda ao solo tenha sido consequência de um desmaio, esse tem que considerar-se súbito, imprevisto e involuntário, consubstanciando um acidente de trabalho.

Por despacho proferido, foi decidido que tal processado “irá ser considerada como a resposta à exceção perentória da descaracterização do acidente de trabalho arguida pela R. na contestação, com o que fica precludida a possibilidade de o A. no início da audiência final (voltar a) responder a tal exceção.”.

Proferido despacho saneador, fixou-se de seguida a matéria de facto assente, identificando-se ainda o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Ordenando-se o desdobramento do processo, no respetivo apenso veio a ser proferida decisão final de fixação de incapacidade.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nos termos e com os fundamentos suprarreferidos, decido julgar a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a R. de todo o peticionado quer pelo A. quer pelo interveniente.
Fixo o valor da causa em € 15.465,45 - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., 297º, nºs 1 e 2, 299º, nº 1, 305º, nº 4, e 306º, nº 1, todos do C.P.C., e 120º, do C.P.T..
Custas pelo A., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C..
*
Registe e notifique.”

2. Apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões seguintes:
i. Nos termos do disposto no art.º 607.º do CPC, e por sua vez o art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, aplicável por força do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do CPT que, “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
ii. Cumpre ainda referir que de acordo com os dispositivos consagrados na Constituição da República Portuguesa, mais propriamente o art.º 205.º, n.º 1 as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentas na forma prevista na lei.
iii. Ora, como a sentença em mérito não é de mero expediente, porquanto deveria a mesma ter sido devidamente fundamentada nos termos do dispostos nos artigos 615.º, n.º 1 al. b) do CPC e art.º 205.º, n.º 1 da CRP.
iv. Violou assim o Tribunal recorrido as n.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, normas ínsitas nos artigos 615.º, n.º 1 al. b) do CPC e art.º 205.º, n.º 1 da CRP, o que fere a sentença de nulidade. Pelo que nos termos dos artigos supra citados a sentença é nula, o que aqui expressamente se invoca.
v. O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos a qual considerou em suma, que o Autor não sofreu qualquer acidente e muito menos um acidente de trabalho.
vi. Esta considerou que o Autor, aqui Recorrente não conseguiu provar a existência de um acidente de trabalho.
vii. Contudo, a factualidade foi incorrectamente julgada, dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
viii. Porquanto, o art.º 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
ix. Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instancia e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
x. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instancia, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instancia se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, como corre no caso dos presentes autos.
xi. Ora, art. 8.º, nº 1 da Lei n.º 98/2009, de 4/9, (LAT) contém a definição genérica de acidente de trabalho, dispondo que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
xii. Ou seja, como tem apontado a nossa jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa verificar (a) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (b) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e (c) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
xiii. Perante os factos provados (factos 10., 11. 13. 17. 20. 21. 22.) não podemos deixar de considerar que, no tempo e local de trabalho, ocorreu um evento (queda) que determinou, para o autor, traumatismo, crânioencefalico e hemorragia subdural, que lhe determinam uma IPP de 5, tendo o autor em consequência daquela lesão ficado afectado com ITA de 25.04.2017 a 30.06.2017.
xiv. A própria sentença refere que o evento naturalístico que determinou a lesão foi a queda do autor.
xv. Por outro lado, não se fez prova, nem resultou da provado pela Ré que o Autor sofresse de qualquer doença natural, ou não, que descaracterizasse o acidente sofrido pelo Autor.
xvi. Impondo-se assim, alteração dos factos dados como provados sob os pontos 23.º e 24 deveriam ter sido dados como não provados, atendendo a prova produzida e incorrectamente apreciada pelo Tribunal a quo, a qual se baseia na prova testemunhal, pericial, por depoimento de parte e ainda prova documental.
xvii. Devendo ainda os factos dados como não provados, sob os pontos 1.º, 2.º, 7.º, 8.º, 15.º a 18.º, ter sido dado como provados, a atendendo a prova produzida e incorrectamente apreciada pelo Tribunal a quo, a qual se baseia na prova testemunhal, pericial, por depoimento de parte e ainda prova documental.
xviii. Para alterar a decisão relativa aos factos dados como provados, supra referidos, passando os mesmos a factos não provados, deveria ser tido em conta o seguinte:
xix. No ponto 23.º deveria ter sido valorada a seguinte prova - de forma a ser dado como não provado, pois que dos autos não resulta que o Autor tenha sofrido qualquer doença natural que tenha dado causa à queda – inexistindo assim qualquer tipo de prova que possa dar este facto como provado, a saber:
xx. prova documental, designadamente documento junto aos autos em 16.09.2021, com a referência electrónica n.º 86465957, correspondendo a informação prestada pelo Hospital ... em ..., do serviço de imagiologia com relevo para a informação clínica, bem como fls. designada como um e-mail de “relatóriosclinicos@hospital....min-saude.pt”, com relevo para a informação onde se lê: “nunca teve internamentos e/ou urgências neste Hospital, e ainda “teve somente cinco consultas de Neurologia, sendo a última em 14.05.2018.”,
xxi. prova documental, designadamente documento junto aos autos em 23.07.2021, com a referencia electrónica n.º 86176167, correspondendo à informação prestada Dra. BB, com relevo para a informação constante onde se lê: “Foram feitos estudos quer cardiovasculares quer neurológicos para tentar definir a etiologia da lipotímia mas não se conseguiu.”; bem como a “declaração de doença crónica”, onde se lê: “(Nota: Paciente nunca tivera crises epilépticas antes do TCE).
xxii. Prova documental, designadamente junta aos autos em 07.07.2021, com a referência 86049551, correspondendo à informação prestada pelo Hospital 1..., em particular a informação prestada pelo cardiopneumologista Dr. CC, em 24.04.2017, com relevo onde se lê: “Não foram referidos sintomas”.
xxiii. Prova pericial designadamente o auto de exame por Junta Médica, de especialidade de neurocirurgia, junto aos autos em 25.10.2021, com a referencia electrónica n.º 86813132, com relevo a resposta ao quesito 11.º - a queda do A. ocorrida em 24.04.2017 foi originada por um desmaio, decorrente dos problemas pré-existentes de saúde do A.? Resposta: A queda do Autor foi originada por um desmaio, não sendo possível afirmar que tal desmaio fosse decorrente de qualquer problema de saúde do autor. Mais se refere a existência de um evento prévio pelo próprio sinistrado, assim como é referido na documentação clínica de Neurologia ter sofrido de episódios anteriores”. E, ainda notar a resposta ao quesito 12- No caso de resposta afirmativa ao quesito 11.º, que problemas eram esses?. Resposta: Prejudicado.
xxiv. Prova pericial em particular o esclarecimento prestado pelo perito Dr. DD, perito nomeado para representar o Autor, e, junto aos autos em 09.12.2021, com referência electrónica n.º 7558772, com relevo onde se lê: “.. a questão em que haveria alguma discordância era relativamente à Epilepsia como causa do TCE. Em suma ficou claro que o doente sofreu um Traumatismo Crânio Encefálico na sequência de uma possível síncope, do qual resultou lesão traumática endocraniana aguda (hemorragia subdural e fratura do crânio). No entanto, na minha opinião, tal não se deveu a uma crise convulsiva dada a semiologia médica do episódio. Após o evento não voltou a ocorrer qualquer outra manifestação sugestiva de crise epiléptica pelo que, e apesar das leões traumáticas poderem de fato originar uma epilepsia sequelar, considerei que seria desadequado o diagnostico de Epilepsia sequelar, muito menos Epilepsia como causa do evento traumático.
xxv. Prova pericial em particular o esclarecimento prestado pelo perito nomeado para representar o Tribunal, o Dr. EE, junto aos autos em 16.02.2022, com referência electrónica n.º 7719494, com relevo onde se lê: “.. Na qualidade de perito do Tribunal envolvido na junta médica de especialidade de Neurocirurgia subscrevo a exposição realizada pelo perito do sinistrado, que se encontra fundamentada tendo sido o parecer peritos envolvidos de não considerar o diagnóstico de epilepsia sequelar ao evento ou de que a epilepsia tenha sido a causa do mesmo”. Bem como a resposta/esclarecimento dado pelo perito nomeado para representar a Ré Seguradora, e junto aos autos em 22.02.2022, com a referencia electrónica n.º 7735634.
xxvi. Os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em audiência de julgamento no dia 11.07.2022, e registado em sistema de áudio entre as 10:22:05 às 10:58:44 - 00:00:01 a 00:36:37, com relevo para o recurso desde o min. [00:00:38] ao min. [00:03:41]; do min. [00:03:45] ao min. [00:03:54]; do min [00:04:32] ao min. [00:05:10]; do min [00:06:40] ao min. [00:06:43]; o min. [00:11:30]; do min. [00:18:07] ao min. [00:18:37] o min. [00:24:32] ao min. [00:24:53].
xxvii. O depoimento da testemunha, FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22, com relevo as declarações registadas ao min. 00:01:28 até ao min. [00:01:34]; do min. 00:01:47] ao min. [00:02:35]; do min. [00:05:58] ao min. [00:05:02];
xxviii. O depoimento da testemunha GG, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:56:57 às 12:03:20 - 00:00:01 a 00:06:21.
xxix. O depoimento da testemunha HH, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:25:06 às 11:53:36 - 00:00:01 a 00:28:29;
xxx. Para alterar a decisão relativa aos factos dos pontos 1.º, 2.º, 5.º, 7.º, 15.º a 18.º dados como não provados, supra referidos, passando os mesmos a factos provados, deveria ter tido em conta o seguinte:
xxxi. No Ponto 1.º: deveria ter sido valorada a seguinte prova: depoimento da testemunha FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22, com relevo as declarações registadas do min [00:04:48] ao min [00:05:40]; devendo ser alterado e dar se como provado que o Autor caiu.
xxxii. No Ponto 2.º: deveria ter sido valorada a seguinte prova: depoimento da testemunha FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22. xxxiii. No Ponto 5.º, deveria ter sido valorada a seguinte prova: - depoimento da testemunha FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22. - E o documento junto aos autos como episódio de urgência.
xxxiv. Nos Pontos 6.º, 7.º, deveria ter sido valorada a seguinte prova: - O depoimento da testemunha HH, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:25:06 às 11:53:36 - 00:00:01 a 00:28:29; - e prova documental junta aos autos em particular os documentos relativos e informativos do médica de família.
xxxv. No Ponto 15.º, deveria ter sido valorada a seguinte prova: - auto de exame por Junta Médica, de especialidade de neurocirurgia, junto aos autos em 25.10.2021, com a referencia electrónica n.º 86813132. Nos Pontos 16.º, 17.º e 18, deveria ter sido valorada a seguinte prova:- toda a documentação junta aos autos em particular a carta de 09.06.2017, junta nos autos como fls.58.
xxxvi. Perante os factos provados na sentença ora em crise, (factos 8., 9., 10., 11., e 13.) não podemos deixar de considerar que, no tempo e local de trabalho, ocorreu um evento (queda) que determinou, para o Autor, traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural, que lhe determinaram uma IPP, cujo facto a sentença recorrida omitiu como facto provado, tendo o Autor em consequência daquela lesão ficado afectado com ITA de 25.04.2017 a 30.06.2017.
xxxvii. A própria sentença refere que o evento naturalístico que determinou a lesão foi a queda do autor, não obstante, considera que a queda se deveu ao desmaio, considerando tal como doença de que o Autor padecia, e portanto não ocorreu nenhum acidente de trabalho.
xxxviii. Ou seja, considerou tal como a Ré que o evento lesivo não ocorreu por causa do trabalho e daí não ser de qualificar como acidente de trabalho.
xxxix. Na decisão ora em crise ocorreu erro na decisão da matéria de facto, designadamente na medida em que o ponto 23.º da matéria de facto devem passar a ser dados como NÃO PROVADOS,
xl. E, ainda os pontos 1.º , 2.º, 7.º, 8.º, 15.º a 18.º da matéria de facto dada como não provada, devem passar a ser dados como PROVADOS.
xli. Assim, ao decidir diferentemente, a Mmo. Juiz do Tribunal a quo, errou na apreciação da matéria de facto, e violou o art.º 197.º do Cód. Trabalho, assim como a do art.º 8.º, n.º e 2 e n.º 1 al. a) art.º 9.º e 11.º, n.º 1 da Lei 98/2009.
xlii. Por um lado, impõe tal decisão o depoimento do aqui Autor, das testemunhas FF e HH, por outro os documentos juntos aos autos, designadamente o relatório do IML, bem como os esclarecimentos prestados em particular o esclarecimento prestado pelo Sr. Perito Dr. EE, datado de 13.02.2022, onde se pode ler “Na qualidade de perito do Tribunal envolvido na junta médica de especialidade de Neurocirurgia subscrevo a exposição realizada pelo perito do sinistrado, que se encontra fundamentada tendo sido o parecer peritos envolvidos de não considerar o diagnostico de epilesia sequelar ao evento ou de que a epilepsia tenha sido a causa do mesmo.”, e ainda os esclarecimentos de todos os peritos prestados em audiência de julgamento e que infra se demonstrará.
xliii. E, que determina a alteração da matéria de facto nos moldes que se sugerem designadamente que quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho, falamos de um evento naturalístico, ou uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima -, súbito (que actua num espaço de tempo breve) e que produza uma acção lesiva do corpo humano (v. Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pags. 34 e segs.).
xliv. Ora uma queda que origina uma lesão no corpo é, em si mesma, uma causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima, e súbita, actuando num espaço de tempo breve. E, não se consente que ainda que se entendesse que a única causa das lesões sofridas pelo Recorrente se devessem à queda por conta do desmaio sofrido como consequência de uma doença que o Autor já padecesse – circunstância que não resulta demonstrada nos autos – ainda assim essa predisposição patológica não excluiria o direito do aqui Recorrente à reparação das incapacidades sofridas por conta do acidente sofrido.
xlv. É que sempre resultaria da aplicação do n.º 1 do art. 11.º n.º 1 da LAT, onde cabem todas as situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito, como afirmado no Ac. do STJ de 12 de Setembro de 2013, in CJ/STJ t. III/2013
xlvi. A saber, alterando-se a matéria de facto, temos que o ponto 23.º e 24 dos factos provados, devem passar a ser NÃO PROVADOS.
xlvii. Porquanto o Tribunal a quo, não podia sustentar a sua decisão nos esclarecimentos dados pelos senhores peritos, e em particular no esclarecimento do Senhor perito do tribunal, que interveio na junta médica da especialidade de neurocirurgia, com a invocação de factos ou suposições que não constam dos autos, e nem poderiam constar, justamente porque não terem sido articulados.
xlviii. Designadamente que o desmaio do Autor, aqui Recorrente poderia ter um causa provável cardíaca, circunstância que nunca foi alegada e que só em sede de audiência de julgamento é que foi levantada, e, não como uma certeza, e tão só mais como uma hipótese para justificar o desmaio e a queda do Autor.
xlix. Da prova pericial não resulta que o desmaio seja a doença natural que justifique a queda do Autor/Recorrente, e esta é só apresentada como uma mera probabilidade, que não surge naturalmente concordante por todos os peritos e isso é evidenciado nos esclarecimentos que os três emitem por escrito quando lhes é requerido pelo Tribunal a quo.
l. Ora, de todos os elementos juntos aos autos, do depoimento da testemunha HH, e das declarações do Autor, bem como dos registos clínicos fornecidos pelo Hospital ..., não resulta que o Autor tenha dado qualquer informação de ter sofrido anteriores quedas ou perdas de sentidos, essa informação é veiculada alegadamente pela esposa do Autor, HH, que acaba em declarações prestadas em audiência por confirmar que teriam sido duas situações uma contada pela sua sogra e outra depois já enquanto casada. Contudo nenhuma dessas quedas foram consideras graves e as mesmas tiveram um contexto díspar daquele que ora nos detém em discussão.
li. De igual modo, não se aceita a valoração da matéria de facto realizada pelo Douto Tribunal recorrido, em consequência da incorrecta análise da prova que faz, em concreto do depoimento da esposa do Autor, vejamos o depoimento da Testemunha: HH, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:25:06 às 11:53:36 - 00:00:01 a 00:28:29.
lii. Atente-se desde logo, que a testemunha HH afirma que o sinistrado não sofria de qualquer doença prévia, como seja de epilepsia, nem mesmo se pode dizer que a referida testemunha tenha referido que o mesmo padecia de doença ou de outros episódios semelhantes ao que aqui está em causa nos autos.
liii. A testemunha ao depor de forma calma, clara e objectiva pretendeu esclarecer que o Autor em jovem teria tido um desmaio que lhe foi contado pela sua sogra, pela mãe do Autor, nunca referindo que sofria de epilpesia ou que teria tido qualquer doença que pudesse ser relacionada, até porque o Autor teria realizado exames médicos e nada teria ficado demonstrado de que o mesmo padecesse de qualquer doença.
liv. Demonstrando sim esta testemunha uma clareza de raciocínio e uma objectividade, congruente e credível, revelando ter conhecimento dos factos, revelando um depoimento sério que refuta a teoria apresentada pela Ré.
lv. Ora, do exposto resulta que o Tribunal a quo, deu como provado vários factos supra transcritos, que da prova testemunhal e das declarações de parte produzidas em audiência, inexistem dados ou fundamentos que sirvam para dar como provados tais factos, designadamente que o Autor padecia de doença natural que deu origem à sua queda, e que consequentemente deveria ter sido dado como não provado.
lvi. O Douto Tribunal recorrido fez incorrecta análise da prova, conforme supra exposto, e como consequência do explanado o Douto Tribunal recorrido deveria ter dado como provado os factos que acabou, e que supra se indicaram, por dar como não provados.
lvii. Porquanto ao decidir assim, o Tribunal recorrido, incorreu em errada análise e interpretação da prova testemunhal e documental, violando desta forma o disposto nos art.º 413.º do CPC e 341.º e 362.º do Código Civil. lviii. O Tribunal a quo, fez incorrecta aplicação do direito ao caso concreto, pelo que não podemos, no entanto, acompanhar a argumentação do tribunal recorrrido.
lix. Quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho, falamos de um evento naturalístico, ou uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima -, súbito (que actua num espaço de tempo breve) e que produza uma acção lesiva do corpo humano (v. Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pags. 34 e segs.).
lx. Ora uma queda que origina uma lesão no corpo é, em si mesma, uma causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima, e súbita, actuando num espaço de tempo breve.
lxi. Como é comummente entendido, o regime regra da responsabilidade civil do empregador é o da responsabilidade civil extracontratual objectiva, a qual, no nosso sistema, assenta na chamada teoria do risco económico ou de autoridade que se considera subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no art. 9.º da LAT, teoria que oferece a vantagem proteccionista de não exigir a verificação de um nexo de causalidade entre o acidente (evento) e a prestação do trabalho propriamente dita, apenas exigindo um nexo de causalidade entre o acidente e a relação laboral.
lxii. Ora, no caso dos autos, não há dúvidas que a queda do sinistrado - e que lhe provocou lesão corporal geradora de incapacidades para o trabalho - ocorreu no local de no tempo de trabalho, como dissemos, quando o autor estava a desempenhar a sua actividade laboral, designadamente quando o Autor se encontrava ao serviço da entidade patronal em viagem para o local de trabalho, pelo que não estando o Autor subtraído à autoridade do empregador, o acidente deve, a nosso ver, ser qualificado como de trabalho, independentemente da causa da queda poder ser atribuída a doença de que padecia, qualquer que ela fosse, ou a outra qualquer, endógena ou exógena.
lxiii. No caso dos autos o acidente ocorreu quando o Autor se encontrava ao serviço da entidade patronal, numa viagem já de três horas, estando já acordado desde as 4 da manhã sob a autoridade e direcção do empregador. Pelo que é patente o nexo entre o acidente e a relação laboral, sendo evidente que a concreta queda lesiva que ocorreu não teria sucedido caso o sinistrado não estivesse a trabalhar, sujeito à autoridade do mesmo empregador. lxiv. Por conseguinte, os elementos dos autos são suficientes, a nosso ver, para determinar a existência de acidente de trabalho, mesmo sem recurso à presunção contida no art. 10.º da LAT.
lxv. Diga-se por outro lado que, ainda que se entendesse que a causa única e próxima (o que assim não se demonstra) das incapacidades sofridas pelo autor fosse decorrente do desmaio, como causa de doença natural por lipotímia, ainda assim essa predisposição patológica não excluí o seu direito à reparação destas incapacidades que, aliás, têm origem em sequelas bem distintas daquelas que poderiam advir de essa alegada doença natural que não está provada ou demonstrada nos autos.
lxvi. É que sempre resultaria da aplicação do n.º 1 do art. 11.º n.º 1 da LAT, onde cabem todas as situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito, como afirmado no Ac. do STJ de 12 de Setembro de 2013, in CJ/STJ t. III/2013.
lxvii. Deste modo, é mister que se reconheça que o acidente sofrido pelo Autor deve ser qualificado como acidente de trabalho, o mesmo tem direito à sua reparação como pediu.
lxviii. Logo não resta dúvidas que a sentença ora recorrida padece de razão ou fundamento ao não considerar a queda/desmaio do Autor como elementos com prova bastante nos autos para determinar a existência de acidente de trabalho, mesmo sem recurso à presunção contida no art. 10.º da LAT, e nos termos do disposto no art.º 11.º n.º 1 da LAT.
lxix. Desta forma o Tribunal a quo, fez uma errada e incorrecta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando assim por erro de interpretação e aplicação o disposto no art.º 8.º, 10 e 11.º da LAT
Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente serão supridos deve ser revogada a sentença, fazendo-se assim Justiça!”

2.1. Contra-alegou a Ré, concluindo do modo seguinte:
“NESTES TERMOS, e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exªs doutamente suprirão, mantendo, de forma integral, a Douta Sentença de Primeira Instância, deve o recurso do demandante ser julgado totalmente improcedente por não provado, como é da mais inteira e salutar JUSTIÇA!”

2.2. Depois de se afirmar que “a decisão não padece da nulidade arguida, a qual vai indeferida - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 617º, nº 1, do C.P.C.”, o recurso foi depois admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

3. Subido o recurso a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela procedência do recurso, parecer esse que mereceu resposta do Recorrente, para evidenciar a sua concordância.
***
Respeitadas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) vício da nulidade invocado; (2) recurso sobre a matéria de facto / apreciação; (3) O direito do caso: saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter considerado que não estamos perante um acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, bem como se é aplicável o regime previsto no artigo 11.º da mesma Lei.

III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida consta, como “factos provados” o que seguidamente se transcreve:
“1º- O A. nasceu no dia .../.../1973 (alínea A), dos factos considerados assentes).
2º- O A. trabalha, desde 2002, por conta e sob as ordens e direção da sociedade “C..., Ld.ª” (alínea B), dos factos considerados assentes).
3º- A sociedade “C..., Ld.ª” dedica-se à atividade de construção civil, designadamente na pintura de interior e exterior de edifícios, revestimentos, envernizamentos de pavimentos e paredes e limpeza de fachadas a vapor e areia (alínea C), dos factos considerados assentes).
4º- À data de 24.04.2017, o A. trabalhava para a sociedade “C..., Ld.ª” com a categoria de pintor/servente na área da construção civil (alínea D), dos factos considerados assentes).
5º- À data de 24.04.2017, a sociedade “C..., Ld.ª” tinha a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho em que fosse interveniente o A. transferida para a R., pela retribuição anual de € 557,00 x 14 + € 126,50 x 11, mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº ... (alínea E), dos factos considerados assentes).
6º- Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual a R. esteve representada, teve lugar no dia 19.01.2021 (alínea F), dos factos considerados assentes).
7º- O A. é beneficiário de “Instituto da Segurança Social, I.P.”, estando inscrito no Centro Distrital ... de “Instituto da Segurança Social, I.P.” com o nº ... (alínea G), dos factos considerados assentes).
8º- No dia 24.04.2017, o A. seguia, na companhia de mais colegas de trabalho e numa carrinha fornecida pela sociedade “C..., Ld.ª”, em viagem para o trabalho, para Lisboa, para exercer as funções da categoria de pintor/servente na área da construção civil.
9º- Fazia-o por ordens da sociedade “C..., Ld.ª”.
10º- Pelas 07:30 horas, em ..., na estação de serviço de ..., na A1, após ter saído da carrinha, em paragem de descanso, o A. caiu, batendo com a cabeça e com o corpo no chão, do que resultou traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural.
11º- Dada a distância percorrida, à volta dos 300 quilómetros, o condutor da carrinha entendeu parar, para descanso dos ocupantes da carrinha, entre os quais o A., na estação de serviço de ..., na A1.
12º- O A. auferia, à data de 24.04.2017, a retribuição anual de € 557,00 x 14 + € 126,50 x 11.
13º- Na sequência da queda, o A. foi assistido no Hospital 1..., onde ficou internado até 27.04.2017, data em que teve alta clínica.
14º- A R., por carta datada de 09.06.2017 e enviada à sociedade “C..., Ld.ª”, informou que não poderia assumir a responsabilidade pelo tratamento das lesões reclamadas e que o A. deveria ser tratado a expensas do Serviço Nacional de Saúde.
15º- O A. recorreu ao Serviço Nacional de Saúde, tendo efetuado consultas e exames.
16º- A data da alta é 30.06.2017.
17º- Em consequência direta e necessária da queda, resultou para o A. uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 25.04.2017 a 30.06.2017.
18º- Na fase conciliatória do processo, o A. deslocou-se ao Gabinete MédicoLegal e Forense do Tâmega e à Procuradoria do Juízo do Trabalho de Penafiel.
19º- Em consequência das lesões sofridas na queda, o Centro Distrital ... do interveniente pagou ao A., a título de subsídio de doença, a quantia de € 730,30, no período decorrido de 24.04.2017 a 30.06.2017.
20º- O A. teve um desmaio.
21º- Foi em consequência de um desmaio que o A. caiu ao solo.
22º- A queda do A. foi originada por um desmaio.
23º- O desmaio tem a sua génese numa doença natural.
24º- Caso o A. estivesse consciente no momento da queda, as lesões seriam de menor gravidade, uma vez que apresentaria reflexo de defesa.
25º- A viagem tinha começado, para o A., por volta das 04:00 horas do dia 24.04.2017.
26º- Após a queda, o A. foi encontrado a cerca de 10 metros da carrinha.
27º- Em virtude da falta de assistência pelos serviços clínicos da R., o A. efetuou exames e consultas para apurar o seu estado de saúde, pagando um total de € 170,00 por uma consulta de otorrinolaringologia, no dia 02.05.2017, em “Clínica ..., Ld.ª”, no valor de € 55,00, por um exame designado “Audiograma Tonal + Timpanograma com Reflexos”, no dia 12.05.2017, em “Clínica 1..., S.A.”, no valor de € 45,00, por um exame designado “Ortopantomografia”, no dia 19.05.2017, em “Hospital 2...”, no valor de € 15,00, e por uma consulta de otorrinolaringologia, no dia 22.05.2017, em “Clínica ..., Ld.ª”, no valor de € 55,00.”

Por sua vez, consta como “factos não provados”, o seguinte:
“1º- Quando o A. saí de tal veículo, sendo sua intenção, dirigir-se às instalações sanitárias da referida estação de serviço, o mesmo caí ao solo.
2º- Ficando aí inanimado junto ao veículo.
3º- Do acidente resultou para o A. fratura linear temporal direita, com irradiação transversal para a mastoíde, que condiciionou hemotimpano.
4º- O A. padeceu por conta do referido acidente as seguintes lesões: - crânio: cicatriz na região temporal direita, no couro cabeludo, inperceptível, medindo 4cm de comprimento; - síndrome comocional pós-traumático e epilepsia pós-traumática.
5º- Hospital 1..., onde terá recuperado os sentidos.
6º- Tendo sido reencaminhado para os serviços clínicos da R..
7º- O A., atentando a necessidade de continuação de tratamento clínico é reencaminhado para o Serviço Nacional de Saúde - Centro de Saúde da área da sua residência, por apresentar, constantes cefaleias, onde passa a ser acompanhado.
8º- O A. como consequência do acidente discutido nos autos, padeceu de dores e cefaleias, que são pelo mesmo insuportáveis, o que lhe vem acarretando dificuldades em dormir grande nervosismo e pensamentos negativos de incurabilidade.
9º- Razão pela qual teve que recorrer ao apoio psicológico e psiquiátrico onde se encontra ainda a ser tratado.
10º- O A. padece, em consequência do acidente dos autos, de quadro ansioso, com componente obsessivo e hipocondria.
11º- Ficou, pois o A. como consequência direta do acidente dos autos com as seguintes sequelas: - no crânio cicatriz na região temporal direita, no couro cabeludo, inperceptível, medindo 4cm de comprimento; e, - síndrome comocional pós-traumático e epilepsia pós-traumática.
12º- O A. sofreu e sofre de dores, bem como de dificuldade auditiva fruto do acidente que padeceu.
13º- O A. como consequência do acidente ora descrito, sofre de instabilidade emocional, alternando com certa frequência por estados de alegria e melancolia, sentindo-se assim afectado e perturbado.
14º- O A. nos actos da vida diária sente-se angustiado com a possibilidade de não poder ser mais um homem saudável, sendo que à data do acidente sempre foi um adulto saudável e trabalhador.
15º- As sequelas descritas são causa de incapacidade permanente parcial do A. de 14,5%.
16º- Por via do acidente, lesões e sequelas dele emergentes o A. deslocou-se ao Gabinete Médico Legal de Penafiel e ao douto Tribunal de Trabalho de Penafiel tendo tido despesas nessas deslocações no montante de 40,00€.
17º- Em consequência quer da tentativa de não conciliação por parte da R., quer pela falta de assunção de assistência ao A., este efetuou exames médicos e consultas para apurar o seu estado de saúde, pagando à sua custa tais meios de diagnóstico, num total de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros).
18º- Designadamente por deslocações à consultas médicas nos dia 02.05.2017, na Clínica ..., consulta de ORL, cujo custou foi suportado pelo Autor no valor de 55,00€ (cinquenta e cinco euros); a realização de um exame designado como audiograma tonal e timpanograma com reflexos, em 12.05.2017, no valor de 45,00€ (quarenta e cinco euros); a realização de uma ortopantomografia no valor de 15,00€ (quinze euros), no dia 19.05.2017; consulta de ORL na Clínica ..., Lda., no dia 22.05.2017, no valor de 55,00€, e ainda a realização de exame crânio-encefálico na Clínica 1..., no dia 26.09.2017, no valor de 205,00€ (duzentos e cinco euros).”

B) - Discussão
1. Vício da nulidade invocado
Nas alegações do recurso, o que transpôs também para as conclusões, o Apelante começa por arguir a nulidade da sentença, limitando-se no entanto a referir genericamente o seguinte: “Nos termos do disposto no art.º 607.º do CPC, e por sua vez o art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, aplicável por força do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do CPT que, “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;” Cumpre ainda referir que de acordo com os dispositivos consagrados na Constituição da República Portuguesa, mais propriamente o art.º 205.º, n.º 1 as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentas na forma prevista na lei. Ora, como a sentença em mérito não é de mero expediente, porquanto deveria a mesma ter sido devidamente fundamentada nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1 al. b) do CPC e art.º 205.º, n.º 1 da CRP. Violou assim o Tribunal recorrido as n.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, normas ínsitas nos artigos 615.º, n.º 1 al. b) do CPC e art.º 205.º, n.º 1 da CRP, o que fere a sentença de nulidade. Pelo que nos termos dos artigos supra citados a sentença é nula, o que aqui expressamente se invoca.”
Apreciando, como primeira nota a propósito da fundamentação das decisões judiciais, começaremos por referir que, sem esquecermos que é a própria Constituição da República que dita que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas (n.º 1 do artigo 205.º da CRP), estabelece em conformidade o artigo 154.º do CPC, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”: “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Fazendo uma breve abordagem ao vício invocado pelo Recorrente, pode dizer-se que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[1] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[2], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[3].
Ora, no caso, em face de tão singela invocação do Recorrente que transcrevemos supra, com relativa facilidade se pode dizer que o mesmo nada esclarece, minimamente que seja, o que se lhe impunha para justificar a necessidade da nossa apreciação, sobre as razões e o porquê e já agora em que parte a sentença padecerá do vício que genericamente indica e, segundo o que diz, que não estará então devidamente fundamentada.
Carecendo assim de qualquer sustentação a invocada nulidade da sentença, a mesma terá de improceder.

2. Reapreciação da matéria de facto
2.1. Critérios de admissibilidade do recurso
Começando o Recorrente por dirigir o recurso à impugnação da matéria de facto, importa verificar se foram ou não cumpridos os ónus legais.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Porém, deve o recorrente, nestes casos, observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º, do CPC, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[4]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[5].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[6] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[7].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Socorrendo-nos da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria, poderemos deixar aqui nota de alguns dos critérios a atender, assim, nomeadamente: no Acórdão de 27 de outubro de 2016[8] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto”; no Acórdão de 7 de julho de 2016[9] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c)” (no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão de 27 de outubro de 2016[10] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada–, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe”[11]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto”); no Acórdão de 5 de Setembro de 2018[12] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”; no Acórdão de 1 de outubro de 2015[13] que se exige que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”; no Acórdão de 20 de Fevereiro de 2019[14], como se consignou no respetivo sumário: “I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”. Muito recentemente, assim no Acórdão de 6 de julho de 2022, após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal”[15], veio a ser sintetizado no respetivo sumário o entendimento seguinte: “I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo”.
Assim delimitado o regime legal a que deveremos atender, importando então verificar se esse foi devidamente cumprido pelo Recorrente, não se nos oferecem grandes dificuldades para afirmarmos que foram suficientemente cumpridos os ónus de indicação de quais os pontos de facto que são impugnados e ainda qual a resposta que se pretende, assim, por um lado, os pontos 23.º e 24.º da factualidade provada que se pretende que sejam dados como não provados e, por outro, os pontos 1.º, 2.º, 7.º, 8.º, e 15.º a 18.º dados como não provados no sentido de que devam considerar-se provados – já não quanto a referências a outros pontos da factualidade não provada, a que se alude nas conclusões, mas apenas aquando de indicação de prova (assim, nomeadamente, os pontos 5.º e 6.º), pois que não foram incluídos expressamente nos pontos que são indicados como sendo objeto de impugnação. Por sua vez, constata-se que é indicada, também, quanto aos pontos impugnados, muito embora de forma já menos clara – desde logo porque é feita referência a outros pontos –, a prova em que se diz suportar a alteração, por referência a factos, sendo que, no entanto, quanto a essa indicação quando se trata de prova por declarações ou depoimentos prestados em audiência, seja por peritos seja por testemunhas, transcrevendo-se nas alegações o que se refere que resultará dos registos de gravação, consta-se que se trata em grande medida de transcrições integrais e sem que se indique em concreto, localizando-a, qual a passagem em que se funda a alteração, ou seja, sem adequado cumprimento do ónus estabelecido da alínea a) do n.º 2 do antes transcrito artigo 640.º do CPC – assim, a incumbência, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes) –, do que resulta que, quando tal ocorre, o que melhor concretizaremos de seguida quando procedermos à análise de cada ponto impugnado, o recurso deva ser, na parte afetada, imediatamente rejeitado. O mesmo se verifica quanto faz referência ao que diz resultar de elementos probatórios que refere, mas por referência a temas e não já, como se impõe, a factos concretos que impugne.

2.2. Apreciação
Pontos 23.º e 24.º da factualidade provada:
Estes pontos têm a seguinte redação:
“23º- O desmaio tem a sua génese numa doença natural.
24º- Caso o A. estivesse consciente no momento da queda, as lesões seriam de menor gravidade, uma vez que apresentaria reflexo de defesa.”
Defende o Recorrente que os referidos pontos devem ser considerados não provados, indicando como prova, para suportar a alteração que pretende, o que diz resultar de prova documental – assim: “documento junto aos autos em 16.09.2021, com a referência electrónica n.º 86465957, correspondendo a informação prestada pelo Hospital ... em ..., do serviço de imagiologia com relevo para a informação clínica, bem como fls. designada como um e-mail de relatórios clinicos@hotspital....min-saude.pt”, com relevo para a informação onde se lê: “nunca teve internamentos e/ou urgências neste Hospital”, e ainda “teve somente cinco consultas de Neurologia, sendo a última em 14.05.2018.”; documento junto aos autos em 23.07.2021, com a referencia electrónica n.º 86176167, correspondendo à informação prestada Dra. BB, com relevo para a informação constante onde se lê: “Foram feitos estudos quer cardiovasculares quer neurológicos para tentar definir a etiologia da lipotímia mas não se conseguiu.”; bem como a “declaração de doença crónica”, onde se lê: “(Nota: Paciente nunca tivera crises epilépticas antes do TCE)”; “junta aos autos em 07.07.2021, com a referência 86049551, correspondendo à informação prestada pelo Hospital 1..., em particular a informação prestada pelo cardiopneumologista Dr. CC, em 24.04.2017, com relevo onde se lê: “Não foram referidos sintomas” –, pericial – assim: “auto de exame por Junta Médica, de especialidade de neurocirurgia, junto aos autos em 25.10.2021, com a referencia electrónica n.º 86813132, com relevo a resposta ao quesito 11.º”; “esclarecimento prestado pelo perito Dr. DD, perito nomeado para representar o Autor, e, junto aos autos em 09.12.2021, com referência electrónica n.º 7558772,”; “esclarecimento prestado pelo perito nomeado para representar o Tribunal, o Dr. EE, junto aos autos em 16.02.2022, com referência electrónica n.º 7719494”; “os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em audiência de julgamento no dia 11.07.2022, e registado em sistema de áudio entre as 10:22:05 às 10:58:44 - 00:00:01 a 00:36:37, com relevo para o recurso desde o min. [00:00:38] ao min. [00:03:41]; do min. [00:03:45] ao min. [00:03:54]; do min [00:04:32] ao min. [00:05:10]; do min [00:06:40] ao min. [00:06:43]; o min. [00:11:30]; do min. [00:18:07] ao min. [00:18:37] o min. [00:24:32] ao min. [00:24:53]” – testemunhal – depoimentos das testemunhas FF (“min. 00:01:28 até ao min. [00:01:34]; do min. 00:01:47] ao min. [00:02:35]; do min. [00:05:58] ao min. [00:05:02];”), GG, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022 (“00:00:01 a 00:06:21”, HH (“00:00:01 a 00:28:29;”.
Em face da referida indicação, chamando-se agora à discussão o que referimos anteriormente a respeito do cumprimento do ónus estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, constata-se que o Recorrente, tendo cumprido de modo bastante tal ónus quanto à demais prova que indica, no entanto, diversamente, já tal não se verifica no que diz respeito aos depoimentos prestados pelas testemunhas GG e HH, pois que, não obstante ter incluído nas alegações o que diz serem transcrições do que teriam referido, extraindo-se que se tratará de transcrição integral, não cuidou o Recorrente, em momento algum, diversamente do que era seu ónus legal, de indicar em concreto, localizando-a, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, qual a passagem em que se funda a alteração, razão pela qual o recurso terá de ser rejeitado nesta parte, o que se decide.
Com a aludida limitação, de seguida procederemos à apreciação, na consideração, ainda, de que se pronuncia a Apelada pela adequação do julgado e que o Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Para o efeito constatamos que resulta da motivação constante da sentença o seguinte:
“(…) Relativamente aos factos dos pontos 8º a 27º, a convicção resultou da análise, crítica e conjugada, dos documentos de fls. 47 a 48, 58 a 63, 69 a 71, 75 a 81, 113 a 114, 139 verso a 141 e 149; do relatório pericial de fls. 47 e 47 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, no âmbito do qual são subscritas na íntegra as respostas dadas pela junta médica da especialidade de neurocirurgia; do relatório pericial de fls. 29 e 29 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, do qual constam as respostas dadas pela junta médica da especialidade de neurocirurgia; dos esclarecimentos prestados a fls. 36 e 39 verso a 41, todas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, pelos peritos que intervieram na junta médica da especialidade de neurocirurgia; dos esclarecimentos prestados na audiência final pelos peritos que intervieram na junta médica da especialidade de neurocirurgia; das declarações de parte do A.; e dos depoimentos das testemunhas FF, HH e GG.
Isto posto, desde logo cumpre destacar:
- que o documento de fls. 47 a 48 constitui uma participação de acidente, sendo que decorre de tal documento que, à data de 24.04.2017, o salário base mensal do A. era de € 557,00 e o subsídio de alimentação do A. era de € 126,50 por mês,
- que o documento de fls. 58 é uma carta datada de 09.06.2017,
- que o documento de fls. 59 a 63 é uma informação prestada por “D..., S.A.”, sendo que decorre de tal documento que o A. foi assistido no Hospital 1... de 24.04.2017 a 27.04.2017 e que o A. deu entrada no serviço de urgência de tal hospital no dia 24.04.2017, tendo sido submetido a triagem às 08:06 horas,
- que o documento de fls. 79 a 81 consubstancia uma informação prestada por “Hospital ..., E.P.E.” e
- que o documento de fls. 149 é uma certidão.
Mais cabe realçar que, no relatório pericial de fls. 47 e 47 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, os peritos limitam-se a subscrever na íntegra as respostas dadas pela junta médica da especialidade de neurocirurgia, as quais foram dadas por unanimidade dos peritos, constam do relatório pericial de fls. 29 e 29 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, e mostram-se consentâneas com os elementos, designadamente clínicos, existentes nos autos, devidamente fundamentadas (uma vez concatenadas com os esclarecimentos prestados a fls. 36 e 39 verso a 41, todas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, pelos peritos que intervieram na junta médica da especialidade de neurocirurgia e, em particular, com os esclarecimentos prestados na audiência final por tais peritos) e, bem assim, alicerçadas na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
No que respeita à circunstância de as respostas dadas pela junta médica da especialidade de neurocirurgia constantes do relatório pericial de fls. 29 e 29 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, se mostrarem consentâneas com os elementos, designadamente clínicos, existentes nos autos, importa assinalar:
- que a fls. 60, do documento de fls. 59 a 63, está escrito o seguinte, sob a epígrafe “Triagem”: “Discriminador: História de perda de consciência;” e
- que a fls. 80, do documento de fls. 79 a 81, está escrito o seguinte: “O Sr. AA é referenciado e avaliado na Consulta de Neurologia do Hospital ... em 12 de Junho de 2017 por episódios repetidos de perda do conhecimento vs lipotímias, com quedas subsequentes. Segundo a esposa, estes episódios já ocorrem há longa data, sendo mais frequentes a partir de 2016. Segundo informação, um destes episódios resultou em queda com TCE grave, que motivou internamento no Hospital 1... em Abril de 2017 (...)”.
Há também que deixar consignado que, na audiência final, o perito do tribunal que interveio na junta médica da especialidade de neurocirurgia esclareceu que o mais provável é etiologia cardíaca para o desmaio que o A. sofreu.
Importa ainda salientar que o A., para além do mais:
- contou o que aconteceu no dia do acidente em causa nos autos, esclarecendo que ia numa carrinha, sendo que eram 4 pessoas e iam na A1, para Lisboa, pois iam trabalhar para uma obra em Lisboa; e que, na área de serviço de ..., o condutor da carrinha foi tomar café e, então, caminhou até à parte de trás da carrinha e encostou-se à carrinha e ficou à espera de tal condutor, sendo que, a partir daí, não se lembra de nada e acordou no Hospital 1...,
- descreveu as consultas a que foi e os exames que fez, na sequência do acidente em causa nos autos, e
- afirmou que recebeu baixa da Segurança Social - 300 e poucos euros.
É mister ainda ressaltar que a testemunha FF, para além do mais:
- disse que o A. foi seu colega de trabalho,
- contou o que sucedeu no dia 24.04.2017, esclarecendo que, quando a carrinha saiu das instalações da sociedade “C..., Ld.ª”, em ..., ..., Amarante, às 04:00 horas da manhã, ia a conduzir e conduziu até ..., sendo que, depois, trocou com o seu colega II, o qual passou a conduzir, sendo que a paragem seguinte foi em ...; que o A. foi sempre no mesmo lugar na carrinha - atrás - e não manifestou sinal de indisposição; e que, em ..., foi tomar café e, quando saiu, viu o A. deitado no chão, a cerca de 10 metros da carrinha, sendo que foi o primeiro dos 4 colegas a chegar à beira do A. e sendo que estava lá uma senhora que disse que era médica ou enfermeira e que deu os primeiros socorros ao A., e
- afirmou que o A. foi para o Hospital 1... de ambulância, sendo que foi a acompanhar o A..
É mister outrossim notar que a testemunha HH, para além do mais:
- disse que o A. é seu marido e que está casada quase há 24 anos, - contou como tomou conhecimento do acidente em causa nos autos,
- afirmou que não era recorrente o A. desmaiar, sendo que o A. desmaiou uma vez em casa, uns anos antes do acidente em causa nos autos, e sendo que a sua sogra contou que o A. ainda era jovem e uma altura desmaiou em casa, e
- relatou as consultas a que o A. foi na sequência do acidente em causa nos autos, especificando que acompanhava o A..
Importa também salientar que a testemunha GG afirmou, para além do mais:
- que é empresário e que o A. é seu funcionário há faz agora 22 anos e
- que o que o A. ganhava é o que consta do recibo de remunerações.
Ora, as declarações de parte do A. e o depoimento da testemunha HH apenas mereceram credibilidade nas partes em que se mostraram congruentes com algum(ns) dos documentos de fls. 47 a 48, 58 a 63, 69 a 71, 75 a 81, 113 a 114, 139 verso a 141 e 149 e/ou com o depoimento da testemunha FF e/ou com o depoimento da testemunha GG.
Efetivamente, o A. mostrou-se de tal forma comprometido com a defesa dos seus interesses que as suas declarações de parte acabaram por revelar falta de imparcialidade e a testemunha HH revelou-se de tal forma empenhada na defesa dos interesses do A. que o seu depoimento acabou por demonstrar falta de imparcialidade.
A propósito da falta de imparcialidade quer das declarações de parte do A. quer do depoimento da testemunha HH, há que realçar, a título exemplificativo, que o A. e a testemunha HH acabaram mesmo por divergir em relação aos dois episódios anteriores ao acidente em causa nos autos em que o A. se terá sentido mal, sendo que o A. afirmou que não desmaiou e que sentiu que estava a ficar fraco e chamou a mãe, da primeira vez, e a esposa, da segunda vez, enquanto que a testemunha HH referiu que a sua sogra contou que o A. ainda era jovem e uma altura desmaiou em casa e que o A. já tinha desmaiado uma vez uns anos antes do acidente em causa nos autos, sendo que foi em casa, era verão e estava muito quente.
Ainda a propósito da falta de imparcialidade das declarações de parte do A., importa evidenciar que o A. afirmou que, a partir do momento em que se encostou à carrinha à espera do condutor da carrinha, não se lembra de nada, sendo que acordou no hospital.
Ora, a afirmação do A. acabada de destacar é infirmada quer pelo depoimento da testemunha FF quer pelo documento de fls. 59 a 63.
Efetivamente, a testemunha FF referiu que, quando iam para o hospital, o A. estava acordado, mas meio tonto/desorientado e, nas fls. 60 e 61, ambas do documento de fls. 59 a 63, está escrito o seguinte: “Refere que hoje, cerca das 7.30h da manhã teve episódio de perda da consciência, enquanto se encontrava em pé, parado (...) O episódio terá durado alguns segundos, com recuperação espontânea.” (sublinhados meus).
Quanto ao depoimento de cada uma das testemunhas FF e GG, o mesmo mereceu credibilidade uma vez que foi prestado de forma espontânea, lógica e objetiva.”
Como nota inicial, mas com relevância para a apreciação, importa ter presente, face ao regime aplicável, que, havendo que atender-se às regras de repartição do ónus da prova – pois que a essas se deve atender precisamente no momento da apreciação da prova e sua relevância probatória –, dessas resulta que, salvo pois os casos em que opere presunção legal, os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho hão de ser alegados e provados por quem reclama a respetiva reparação, pois que se trata de factos constitutivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil / CC).
Importa porém esclarecer que, no caso, em face do regime antes mencionado, resulta do artigo 10.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (doravante, LAT), que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – que “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho” (n,º 1) e, por sua vez, que “Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele” (n.º 2)[16].
Acompanhando-se o texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2015[17] – incidindo é certo sobre disposição constante da Lei anterior, assim o âmbito de aplicação do artigo 6.º, n.º 5, da LAT, mas que tem aplicação ao regime agora em vigor, dada a similitude de redações da lei –, que dispensa maiores considerações, diremos também (citando-se) que “tal presunção tem apenas o alcance de libertar os sinistrados ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico, não os libertando, todavia, do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões” – «No dizer de Pedro Romano Martinez, “não se trata de uma presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida”. Por outro lado, sabendo-se que a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho exige a demonstração de um duplo nexo causal, “entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte) e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador)”, a mesma presunção também não abrange esta segunda relação de causalidade, incumbindo ao sinistrado ou seus beneficiários a sua demonstração”.
Ora, neste contexto[18], assume afinal relevância efetiva o regime que antes se referiu, pois que, afinal, por aplicação ainda do que resulta dos artigos 8.º e 9.º da LAT, em face do que se extrai designadamente dos pontos 8.º e 9.º da factualidade provada, gozará no caso o Recorrente / sinistrado da presunção, a que antes nos referimos, estabelecida do artigo 10.º, dado que resulta do ponto 10.º da mesma factualidade – “(…) o A. caiu, batendo com a cabeça e com o corpo no chão, do que resultou traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural” –, razão pela qual, como antes o dissemos, ficará dispensado de ter de provar o nexo de causalidade entre o acidente e o dano reconhecido, impendendo assim sobre a Ré o ónus de ilidir tal presunção.
No entanto, como mais uma vez o referimos anteriormente, não está no caso dispensado do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões, como ainda, do mesmo modo, exigindo a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho a demonstração de um duplo nexo causal, assim entre o acidente e o dano físico ou psíquico / lesão e entre este e o dano laboral, incumbia-lhe ainda demonstrar esta última relação de causalidade (pois que não está também abrangida pela referida presunção).
Neste contexto, regime que temos pois por aplicável, sempre se impondo ao Autor / aqui recorrente desde logo o ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões, afirmando-se na sentença que não logrou cumprir tal ónus, do que este discorda, vejamos então de que lado estará a razão.
Para o efeito deixando-se desde já consignado que se procedeu nesta sede recursiva à reapreciação da prova indicada pelo Tribunal na motivação antes citada, em que se inclui aliás, por ser uma sua parte, aquela a que alude expressamente o Recorrente – com audição (diga-se, integral), no que a essa prova diz respeito, dos registos de gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento (incluindo mesmo, aliás, aqueles em relação aos quais o recurso foi rejeitado nos termos que antes referimos) –, desde já adiantamos que não encontramos razões para divergirmos da convicção que foi firmada em 1.ª instância e que esteve na base da resposta que foi dada aos pontos de facto que agora se apreciam, como melhor explicaremos de seguida.
De facto, e desde logo, importa sinalizar que o Recorrente, na prova que indica para efeitos de fundar a alteração por que pugna, em vez de atender a tudo o que resulta da prova, em particular quanto à que se encontra gravada – assim referente a esclarecimentos prestados pelos Peritos ou a prova por declarações e testemunhal –, seleciona apenas passagens parcelares que, ouvidos integralmente os registos de gravação, acabam por nestes registos não obterem adequado suporte para os efeitos que o mesmo pretende, sendo que, não raras vezes, até se extrai coisa diversa, para não dizermos o contrário.
O que se referiu anteriormente é em particular evidenciado quando invoca que “da prova pericial não resulta que o desmaio seja a doença natural que justifique a queda do Autor/Recorrente, e esta é só apresentada como uma mera probabilidade, que não surge naturalmente concordante por todos os peritos e isso é evidenciado nos esclarecimentos que os três emitem por escrito quando lhes é requerido pelo Tribunal a quo” – e que, mais, “concluem os peritos que o Autor poderá ter padecido de doença natural o que originou a queda, fundamentando esta alegação com base na informação e em alegados registos e episódios anteriores de quedas por lipotímia por parte do Autor/Recorrente, que constará como informação médica e registos médicos fornecidos pelo Hospital ..., e tais registos resultam de informação prestada pelo Autor” –, e que “de todos os elementos juntos aos autos, do depoimento da testemunha HH, e das declarações do Autor, bem como dos registos clínicos fornecidos pelo Hospital ..., não resulta que o Autor tenha dado qualquer informação de ter sofrido anteriores quedas ou perdas de sentidos, essa informação é veiculada alegadamente pela esposa do Autor, HH, que acaba em declarações prestadas em audiência por confirmar que teriam sido duas situações uma contada pela sua sogra e outra depois já enquanto casada”, mas que, contudo, “nenhuma dessas quedas foram consideras graves e as mesmas tiveram um contexto díspar daquele que ora nos detém em discussão”.
Na verdade, constatando-se no registo da gravação que a testemunha HH referiu que o marido (o Autor) já tinha desmaiado uma vez (minutos 6), que teria sido em casa (minutos 7) uns anitos antes… que era verão e estava muito quente… e que ele disse que não se sentia bem… a transpirar… não estava a fazer nada…, como ainda (a minutos 13) que a Sogra também teria contado que ele já tinha desmaiado… que ainda era muito jovem…, no que se refere ao que foi referido pelos Peritos em audiência, extrai-se, para além do mais, não obstante a insistência de perguntas nesse âmbito, a resposta sobre qual era a doença, que essa podia ter várias causas… e diz várias (minutos 1 a 4), que o Autor já era seguido numa consulta de neurologia… que já teria tido vários episódios… sem sinais de epilepsia… e que, por isso, concluíram que era uma sincope por doença natural…, que tem alguma caraterística física, ou ainda que o mais provável será isso …, que não quer dizer que tenha uma doença física (minutos 8)…, e que o sinistrado referiu que já tinha tido desmaios anteriores (minutos 10). . Como resulta também, resultando que após leitura do que resulta do relatório onde consta que a esposa referiu que eram frequentes estes episódios, sendo mais frequentes a partir de 2016 (minutos 14/15), que pode afirmar que se tratará de doença natural, que ele já teve outros episódios (minutos 16/17)…, que existe um problema, pode é não estar identificado… 99,9999 por cento garanto (minutos 17/18), que tem uma doença que não está diagnosticada (minutos 22), que não parece ter causas naturais (minutos 23), resultando ainda, aliás, lida a informação clínica do hospital (minutos 31) que teria sido por epilepsia, mas que entendem que não (minutos 33), que a fls. 80 não estará apenas o que disse a esposa…, ou que não há estigmas de epilepsia. Em face da prova, carece afinal de real suporte, para além do mais, a afirmação do Recorrente de que da prova pericial não resulte que o desmaio seja a doença natural que justifica a queda e que tal doença seja só apresentada “como uma mera probabilidade” “que não surge naturalmente concordante por todos os peritos” e que isso seja “evidenciado nos esclarecimentos que os três emitem por escrito quando lhes é requerido pelo Tribunal a quo”.
Ou seja, sendo inegável que o Autor sofreu um desmaio e que em consequência desse desmaio caiu ao solo (pontos 20.º a 22.º provados e que não foram impugnados no presente recurso), estando aqui em causa provar a ocorrência do evento, em que aquele desmaio será já porventura uma sua consequência, o que se constata é que, afinal, o Recorrente, no presente recurso, dirige os argumentos, bem como a prova em que para esses indica, não propriamente aquele evento causador, antes questionando, diversamente, apenas, que a causa daquele desmaio tenha sido a que se fez constar do ponto 23.º da factualidade provada que impugna, ou seja, que “o desmaio tem a sua génese numa doença natural”, sendo que, mesmo a respeito de saber qual foi a causa desse desmaio, o que se constata, em face do que da prova produzida resulta, em particular aquela a que antes nos referimos e com particular ênfase na pronúncia dos Senhores Peritos, de resto em conformidade com a resposta que havia sido dada aos quesitos nas juntas médicas, em que se inclui a de neurologia, dados os seus especiais conhecimentos científicos e prática neste domínio, é que tal desmaio teria tido na sua génese, como o referem e foi considerado pelo Tribunal recorrido, uma “doença natural”, sendo que, não obstante considerarmos que tal expressão, como aliás o salienta de algum modo o Ministério Público junto desta Relação no parecer que emitiu, se assume com cariz genérico, de resto com necessidade de recurso à aplicação também de qualificações que resultam da própria lei, assim a respeito de se tratar de doença natural por confronto com “doença profissional” – podendo considerar-se doença natural toda a situação mórbida, evolutiva, não decorrente de causa profissional ou de ato da responsabilidade de terceiro pelo qual seja devida indemnização, que determine incapacidade temporária para o trabalho, sendo destes últimos casos que trata o artigo 283.º do Código do Trabalho, resultando desde logo do seu n.º 1 que “o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional” (regime de que trata depois a LAT) –, situação esta que justificará que oficiosamente alteremos a redação que foi dada ao ponto 22.º aqui reanalisado, nos termos que infra faremos, evidencia-se, porém, dando-lhe o substrato possível em face do que resultou da mesma prova, que se trata de doença / patologia do próprio organismo – como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de outubro de 1999[19], devendo aos vocábulos lesão, perturbação funcional e doença conferir-se neste contexto o sentido com que são utilizados em Medicina, traduzindo realidades muito próximas, doença é o estado do organismo “em que existem alterações anatómicas ou perturbações funcionais que o afastam de condições normais”, dando-se, dentro da medicina, por regra, “uma certa limitação ao conceito de doença”, designando-se como tal “os processos anormais existentes no organismo tendo uma certa unidade, e considerados em toda a sua evolução desde as causas iniciais até à sua terminação e complicações” – e não, pois, que tivesse tido como causa um qualquer fator externo a esse, em que se incluiriam, por exemplo, condições climáticas, ou porventura resultantes de condições de transporte ou outras, sendo que, a respeito dessas, não obstante terem sido feitas perguntas sobre se existiriam, não resulta minimamente da prova, assim a indicada pelo Recorrente, que tenham sido efetivamente mencionadas (aliás, esclareça-se, mesmo na demais prova, nomeadamente gravada, que como o referimos ouvimos integralmente, também tal não se extrai). É que, no caso, como aliás o evidencia o Tribunal a quo sem que se encontrem razões para desse divergirmos, num juízo crítico e ponderado em face da prova que foi produzida, tal conclusão dos Senhores Peritos está baseada, importa dizê-lo, para além dos conhecimentos técnicos e científicos que detêm, ainda em elementos que também resultam da prova, como se evidencia na motivação antes transcrita, com particular relevância na constatação de que o Autor já tinha sido vítima de episódios anteriores de desmaio, elemento este que, conjugado com o demais que resulta da prova, é passível de dar também adequado suporte à conclusão a que aqueles chegaram.
Neste considerando, relembrando-se que vigora neste âmbito o princípio da livre apreciação da prova – este que, por apelo a Lebre de Freitas[20], significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova –, mas sem esquecermos que, estando em causa a natureza e força probatória do laudo pericial enquanto meio probatório – a prova pericial tem por objeto, como resulta do artigo 388.º do Código Civil (CC) a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial –, aos peritos médicos, por disporem para o efeito dos necessários conhecimentos médico-científicos, cabe-lhes a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade, cabendo por sua vez ao julgador, realizadas essas perícias, proferir decisão, mas atendendo a que, estando em causa um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade, não vinculando é certo o juiz, ao estarem também sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 389.º do CC e 607.º do CPC), no entanto, na decisão a proferir, deve “a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária”[21], aplicando tais critérios ao caso, não encontramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida não tenha motivado e analisado, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, não padecendo, assim, de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, sendo que, por outro lado, não resulta a nosso ver infirmada tal decisão, na alegação do Recorrente.
De resto, tendo por base o regime legal aplicável, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[22] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[23]).
Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, improcedendo o recurso, altera-se, porém, oficiosamente, a redação dada ao ponto 23.º da factualidade provada, passando este a ter a redação seguinte:
“23º- O desmaio teve na sua génese doença, de que padece o Autor, cuja natureza não foi possível apurar.”

Pontos 1.º e 2.º considerados não provados
Estes pontos têm a redação seguinte:
“1º- Quando o A. saí de tal veículo, sendo sua intenção, dirigir-se às instalações sanitárias da referida estação de serviço, o mesmo caí ao solo.
2º- Ficando aí inanimado junto ao veículo.”
Invoca o Recorrente que, quanto ao ponto 1.º (sendo valorado o depoimento da testemunha FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22, com relevo as declarações registadas do min [00:04:48] ao min [00:05:40]) deve ser alterado e dar-se como provado que o Autor caiu, e, quanto ao ponto 2.º, admitindo-se que se pretenda que seja dado como provado com a redação que tem (pois que outra não indica), que deve valorar-se “o depoimento da testemunha FF, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22”.
Em face da referida indicação, chamando-se de novo à aplicação o que referimos anteriormente a respeito do cumprimento do ónus estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, constata-se que o Recorrente, indicando quanto a ambos os pontos agora analisados o que diz resultar do depoimento da testemunha FF, tendo cumprido de modo bastante tal ónus no que diz respeito ao ponto 1.º da factualidade não provada ( ao referir “com relevo as declarações registadas do min [00:04:48] ao min [00:05:40]”), já porém, no que se refere ao segundo ponto, esse ónus não cumpre, pois que, limitando-se a referir “conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:01:16 às 11:23:38 - 00:00:01 a 00:22:22”, transcrevendo integralmente nas alegações o que diz ter resultado desse depoimento, no entanto em momento algum identifica qualquer passagem desse depoimento em que suporte a alteração. Ou seja, nesta parte, em momento algum, diversamente do que era seu ónus legal, indicou em concreto, localizando-a, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, qual a passagem em que se funda a alteração, razão pela qual o recurso terá de ser rejeitado nesta parte, o que se decide.
Com a aludida limitação, de seguida procederemos à apreciação, na consideração, ainda, de que se pronuncia a Apelada pela adequação do julgado.
Apreciando, importa desde já ter presente que, resultando do ponto 10.º da factualidade provada, não impugnado neste recurso, que, “pelas 07:30 horas, em ..., na estação de serviço de ..., na A1, após ter saído da carrinha, em paragem de descanso, o A. caiu, batendo com a cabeça e com o corpo no chão, do que resultou traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural”, então, se bem se percebe, ao pretender que seja dado como provado que consta dos pontos 1.º e 2.º da factualidade provada, a intenção será apenas a de que se dê como provado que aquela queda, já constante daquele ponto 10.º, teria ocorrido “quando o A. sai de tal veículo, sendo sua intenção, dirigir-se às instalações sanitárias da referida estação de serviço”, “ficando aí inanimado junto ao veículo”. Porém, quanto a esta afirmação de que teria ficado inanimado junto ao veículo, resulta afinal do ponto 26.º da factualidade provada, não impugnado no recurso, que “após a queda, o A. foi encontrado a cerca de 10 metros da carrinha”, sendo que, querendo dar aquela afirmação como provada, se impunha que tivesse dirigido também o recurso ao mencionado ponto 26.º.
Avançando-se na análise, ouvido como o dissemos o registo de gravação do depoimento que é indicado pelo Recorrente para suportar a alteração, constata-se, desde logo, a propósito da passagem que indica quanto ao ponto 1.º da factualidade não provada em que diz que se suportará a alteração, que desse depoimento, diversamente do que diz, nada resulta nesse sentido, pois que em momento algum se refere a que a queda tenha ocorrido, ou não, quando o Autor saiu do veículo ou que fosse sua intenção dirigir-se às instalações sanitárias da estação de serviço – na consideração da transcrição feita nas alegações, a testemunha teria referido, aliás, o que afasta a pretensão do Recorrente, assim a minutos 5, que foi tirar café e quando saiu “já estava o senhor AA deitado no chão”, bem como, a pergunto sobre se o não viu cair, como resposta, aliás já a minutos 7, “Não, não, vê-lo cair não vi”. De resto, ouvido o referido depoimento, não encontramos razão para não considerarmos que tem fundamento o que o Tribunal recorrido fez constar da motivação, assim que “contou o que sucedeu no dia 24.04.2017, esclarecendo que, quando a carrinha saiu das instalações da sociedade “C..., Ld.ª”, em ..., ..., Amarante, às 04:00 horas da manhã, ia a conduzir e conduziu até ..., sendo que, depois, trocou com o seu colega II, o qual passou a conduzir, sendo que a paragem seguinte foi em ...; que o A. foi sempre no mesmo lugar na carrinha - atrás - e não manifestou sinal de indisposição; e que, em ..., foi tomar café e, quando saiu, viu o A. deitado no chão, a cerca de 10 metros da carrinha, sendo que foi o primeiro dos 4 colegas a chegar à beira do A. e sendo que estava lá uma senhora que disse que era médica ou enfermeira e que deu os primeiros socorros ao A.”.
Não se percebe assim, salvo o devido respeito, em que passagem indicada do depoimento da referida testemunha possa resultar suporte, mínimo que fosse, para o que é pretendido pelo Recorrente, carecendo deste modo de qualquer fundamento o recurso nesta parte. De resto, não obstante o que referimos antes a respeito de falta de cumprimento de ónus de impugnação quanto ao ponto 2.º da factualidade não provada, sempre se dirá que, mesmo que tal não ocorresse, mais uma vez as declarações prestadas pela testemunha indicada não dão suporte para que se pudesse considerar que o Autor ficou inanimado junto ao veículo – veja-se minutos 10/11, em que refere, a pergunta sobre a que distância da carrinha o encontra caído no chão, como resposta, que não sabia, ou “dez metros” “mais ou menos, estava estacionada e eu estava logo na porta de, não sei, não faço a mínima ideia agora”.
Nos termos expostos, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso nesta parte.

Pontos 7.º e 8.º, não provados
Estres pontos têm a redação seguinte:
“7º- O A., atentando a necessidade de continuação de tratamento clínico é reencaminhado para o Serviço Nacional de Saúde - Centro de Saúde da área da sua residência, por apresentar, constantes cefaleias, onde passa a ser acompanhado.
8º- O A. como consequência do acidente discutido nos autos, padeceu de dores e cefaleias, que são pelo mesmo insuportáveis, o que lhe vem acarretando dificuldades em dormir grande nervosismo e pensamentos negativos de incurabilidade.”
Nas conclusões, muito embora dizendo “nos Pontos 6.º, 7.º”, admitindo-se que a referência o ponto 6.º seja devida a lapso pois que expressamente foram os pontos 7.º e 8.º os que expressamente impugnou, refere o Recorrente que “deveria ter sido valorada a seguinte prova: - O depoimento da testemunha HH, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:25:06 às 11:53:36 - 00:00:01 a 00:28:29; - e prova documental junta aos autos em particular os documentos relativos e informativos do médica de família.”
Referindo o Recorrente, em termos de prova que indica, que deveria ter sido valorado o depoimento da “testemunha HH, conforme depoimento realizado no dia 11.07.2022, entre as 11:25:06 às 11:53:36 - 00:00:01 a 00:28:29”, mais uma vez se constata, a respeito desse depoimento, que, em momento algum, diversamente do que era seu ónus legal, indicou em concreto, localizando-a, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, qual a passagem em que se funda a alteração, razão pela qual o recurso terá de ser rejeitado nesta parte.
Cumprindo-nos no mais pronúncia, importa esclarecer que os pontos agora analisados têm afinal expressa relação com os pontos 23.º e 24.º provados antes apreciados, como aliás se evidencia com a referência constante do ponto 8.º não provado, logo no seu início, assim que teria sido “como consequência do acidente discutido nos autos” que o Autor “padeceu de dores e cefaleias, que são pelo mesmo insuportáveis, o que lhe vem acarretando dificuldades em dormir grande nervosismo e pensamentos negativos de incurabilidade.” De resto, tal menção extravasa o âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, envolvendo já matéria de direito, com decisiva relevância na presente ação, assim a de saber se ocorreu o acidente, que, enquanto tal, não deverá constar da matéria de facto, muito menos com a afirmação de que o que se acrescenta de seguida tenha sido devido em consequência desse acidente. De resto, não se vislumbra (sendo que não se indica), porque razão resulta da “prova documental junta aos autos” e em particular os documentos relativos e informativos do médico de família, que elementos dariam suporte ao que se pretende.
Improcede, pois, sem necessidade de maiores considerações, o recurso também nesta parte.

Ponto 15.º, não provado
Este ponto tem a seguinte redação:
“15º- As sequelas descritas são causa de incapacidade permanente parcial do A. de 14,5%.”
Sustenta o Recorrente que “deveria ter sido valorada a seguinte prova: - auto de exame por Junta Médica, de especialidade de neurocirurgia, junto aos autos em 25.10.2021, com a referencia electrónica n.º 86813132.”
Apreciando, não explicitando mais uma vez o Recorrente a razão ou fundamento em que sustenta a sua genérica afirmação, em face do único elemento que indica, assim o auto de junta médica que menciona, visto o conteúdo desse auto, não encontramos afinal fundamento para não acompanharmos o Tribunal recorrido quando fez constar da motivação, que o que consta do ponto que se analisa não é corroborado “nem pelo relatório pericial de fls. 47 e 47 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, nem pelo relatório pericial de fls. 29 e 29 verso, ambas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, nem pelos esclarecimentos prestados a fls. 36 e 39 verso a 41, todas do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, pelos peritos que intervieram na junta médica da especialidade de neurocirurgia nem pelos esclarecimentos prestados na audiência final pelos peritos que intervieram na junta médica da especialidade de neurocirurgia.” Aliás, do referido auto, consta: em resposta ao quesito 7.º: “Por neurologia, não existe nexo de causalidade entre o evento e o quadro sequelar. Desconhece-se a causa do desmaio, não sendo certo que seja de causa neurológica uma vez que não existem estigmas de um estado pré-ictal. O evento poderá ser considerado como doença natural e não de etiologia traumática”; que foram consideradas prejudicadas as respostas aos quesitos 8.º a 10.º; Como nota final, que “na eventualidade de ser considerado a existência de nexo de causalidade entre o evento e o quadro sequelar por Neurologia propõe-se 5% de IPP pelo Cap III 2.2 (0,00-0,19)”.
Sendo deste modo, o recurso terá de improceder também quanto a este ponto.

Pontos 16.º, 17.º e 18.º, não provados
Estes pontos têm a redação seguinte:
“16º- Por via do acidente, lesões e sequelas dele emergentes o A. deslocou-se ao Gabinete Médico Legal de Penafiel e ao douto Tribunal de Trabalho de Penafiel tendo tido despesas nessas deslocações no montante de 40,00€.
17º- Em consequência quer da tentativa de não conciliação por parte da R., quer pela falta de assunção de assistência ao A., este efetuou exames médicos e consultas para apurar o seu estado de saúde, pagando à sua custa tais meios de diagnóstico, num total de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros).
18º- Designadamente por deslocações à consultas médicas nos dia 02.05.2017, na Clínica ..., consulta de ORL, cujo custou foi suportado pelo Autor no valor de 55,00€ (cinquenta e cinco euros); a realização de um exame designado como audiograma tonal e timpanograma com reflexos, em 12.05.2017, no valor de 45,00€ (quarenta e cinco euros); a realização de uma ortopantomografia no valor de 15,00€ (quinze euros), no dia 19.05.2017; consulta de ORL na Clínica ..., Lda., no dia 22.05.2017, no valor de 55,00€, e ainda a realização de exame crânio-encefálico na Clínica 1..., no dia 26.09.2017, no valor de 205,00€ (duzentos e cinco euros).”
Sustenta o Recorrente que quanto a estes pontos “deveria ter sido valorada a seguinte prova: - toda a documentação junta aos autos em particular a carta de 09.06.2017, junta nos autos como fls.58.”
Cumprindo-nos pronúncia, importa desde já salientar que, o Tribunal recorrido fez constar da matéria de facto provada, assim no ponto 27.º, que “Em virtude da falta de assistência pelos serviços clínicos da R., o A. efetuou exames e consultas para apurar o seu estado de saúde, pagando um total de € 170,00 por uma consulta de otorrinolaringologia, no dia 02.05.2017, em “Clínica ..., Ld.ª”, no valor de € 55,00, por um exame designado “Audiograma Tonal + Timpanograma com Reflexos”, no dia 12.05.2017, em “Clínica 1..., S.A.”, no valor de € 45,00, por um exame designado “Ortopantomografia”, no dia 19.05.2017, em “Hospital 2...”, no valor de € 15,00, e por uma consulta de otorrinolaringologia, no dia 22.05.2017, em “Clínica ..., Ld.ª”, no valor de € 55,00.” Sendo assim, tratando-se de matéria diretamente relacionada, caso o Recorrente pretendesse que fosse dado como provado o que consta dos pontos 16.º, 17.º e 18.º não provados, assim nomeadamente o que desses consta que extravasa o que resulta do citado ponto provado, impunha-se, sob pena aliás de contradição, que tivesse dirigido expressamente o recurso a esse ponto, indicando então a redação, diversa da que consta, que ao mesmo deveria ser dada, em cumprimento nessa parte do ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º antes citado, o que não fez. Para além disso, sequer evidencia em que termos e por que razão a documentação que menciona seria suscetível de afastar a convicção firmada em 1.ª instância, sendo que se fez constar da motivação, a respeito dos pontos 17.º e 18.º aqui reanalisados, “que decorre do ponto 6º que, na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação teve lugar no dia 19.01.2021 e que cada um dos documentos de fls. 139 verso a 141 tem data muito anterior a 19.01.2021”. Acresce, ainda, por último, a respeito da referência constante do ponto 15.º “por via do acidente”, que estará em causa, se bem se percebe, a relação entre a ocorrência do acidente e o demais que se segue, em termos causa e efeito, valendo aqui o que dissemos antes a respeito da utilização de expressões que possam envolver já, com relevância na ação, a aplicação do direito.
Improcede assim o recurso quanto a estes pontos.

2.3. Por decorrência do decidido no ponto anterior, o quadro factual a atender é aquele que foi fixado em 1.ª instância, mas com a alteração a que procedemos anteriormente de forma oficiosa.

3. Dizendo de Direito
Não considerando os referentes à matéria de facto ou a ao que teria porventura resultado da prova produzida, pois que também relacionados com a fixação da matéria de facto, em face do que resulta das conclusões avança o Recorrente, designadamente, que a sentença violou os artigos “8.º, n.º e 2 e n.º 1 al. a) art.º 9.º e 11.º, n.º 1 da Lei 98/2009”, apresentando os argumentos seguintes:
- Perante os factos provados na sentença (factos 8., 9., 10., 11., e 13.) não podemos deixar de considerar que, no tempo e local de trabalho, ocorreu um evento (queda) que determinou, para o Autor, traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural, que lhe determinaram uma IPP, cujo facto a sentença recorrida omitiu como facto provado, tendo o Autor em consequência daquela lesão ficado afetado com ITA de 25.04.2017 a 30.06.2017;
- Quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho, falamos de um evento naturalístico, ou uma causa exterior – estranha à constituição orgânica da vítima -, súbito (que atua num espaço de tempo breve) e que produza uma ação lesiva do corpo humano (v. Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pags. 34 e segs.), sendo que uma queda que origina uma lesão no corpo é, em si mesma, uma causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima, e súbita, atuando num espaço de tempo breve. O regime regra da responsabilidade civil do empregador é o da responsabilidade civil extracontratual objetiva, a qual, no nosso sistema, assenta na chamada teoria do risco económico ou de autoridade que se considera subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no art. 9.º da LAT, teoria que oferece a vantagem protecionista de não exigir a verificação de um nexo de causalidade entre o acidente (evento) e a prestação do trabalho propriamente dita, apenas exigindo um nexo de causalidade entre o acidente e a relação laboral, sendo que no caso não há dúvidas que a queda do sinistrado - e que lhe provocou lesão corporal geradora de incapacidades para o trabalho - ocorreu no local de no tempo de trabalho, quando o autor estava a desempenhar a sua atividade laboral, designadamente quando se encontrava ao serviço da entidade patronal em viagem para o local de trabalho, pelo que não estando o Autor subtraído à autoridade do empregador, o acidente deve ser qualificado como de trabalho, independentemente da causa da queda poder ser atribuída a doença de que padecia, qualquer que ela fosse, ou a outra qualquer, endógena ou exógena .
- Ainda que se entendesse que a única causa das lesões sofridas se devessem à queda por conta do desmaio sofrido como consequência de uma doença que já padecesse – circunstância que não resulta demonstrada nos autos –, ainda assim essa predisposição patológica não excluiria o direito à reparação das incapacidades sofridas por conta do acidente sofrido, o que sempre resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 11.º da LAT, onde cabem todas as situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito.
Defendendo a Apelada o julgado, concluindo nas contra-alegações pela improcedência do recurso, no parecer emitido o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido da procedência do recurso.
Consta da sentença recorrida, no âmbito da aplicação do direito, o seguinte:
«Em primeiro lugar, cumpre solucionar a questão de saber se o A. sofreu um acidente de trabalho.
Dispõe o artº 1º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09 (vulgarmente conhecida como LAT), que: “A presente lei regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.”.
Já o artº 2º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, estatui que: “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.”.
Quanto ao artº 3º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, o mesmo prescreve que:
“O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.”.
Por sua vez, o artº 7º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, refere que: “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.”.
Sendo que o art 8º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, estabelece que: “1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. 2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por: a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador; b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”.
Quanto ao artº 9º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, o mesmo dita que: “1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte; b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador; c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho; d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência; e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito; f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito; g) Em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso; h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos. 2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego; b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição; d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente; e) Entre o local de trabalho e o local da refeição; f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional. 3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito. 4 - No caso previsto na alínea a) do nº 2, é responsável pelo acidente o empregador para cujo local de trabalho o trabalhador se dirige.”.
Por sua vez, o artº 10º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, refere que: “1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho. 2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”.
O artº 10º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, consagra uma presunção ilidível (cfr. artº 350º, nº 2, do C.C.) de existência de nexo de causalidade entre o acidente e a lesão, mas não dispensa aquele(s) que invoca(m) o direito à reparação do ónus da prova da existência de um acidente, o qual lhe(s) cabe por força do disposto no artº 342º, nº 1, do C.C., uma vez que está em causa um facto constitutivo de tal direito.
A propósito do acidente de trabalho:
- diz Pedro Romano Martinez (in “Direito do Trabalho”, 2017-8ª Edição, Almedina, págs. 864 e 865) o seguinte: “Importa, por conseguinte, apresentar uma noção de acidente de trabalho; para tal, deve partir-se do conceito constante do art. 8º, nº 1, da LAT. O legislador relaciona este infortúnio com o local e o tempo de trabalho, por um lado, e com a produção direta ou indireta de lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças de que resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, por outro. (…) O acidente de trabalho corresponde a uma determinada situação jurídica, legalmente delimitada e geradora de responsabilidade do empregador; a responsabilidade civil objetiva da entidade patronal - bem como a situação especial de responsabilidade baseada na culpa, prevista no art. 18º da LAT - tem como único facto gerador o acidente de trabalho, e só é acidente de trabalho aquele infortúnio que corresponda à definição legal.”,
- diz Manuela Fialho (in “Trabalho sem Fronteiras? O Papel da Regulação”, Coordenação: Manuel M. Roxo, 2017, Almedina, pág. 169) o seguinte: “Comumente aceita-se que o que caracteriza um evento como acidente de trabalho é, por um lado, a subitaneidade no respetivo aparecimento, por outro, a imprevisibilidade na sua verificação. Essencial é também que o acidente produza lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. A característica da subitaneidade remete-nos para ocorrências repentinas, inesperadas, do facto causador da lesão, admitindo-se que, desde que circunscrito o facto a um período curto e delimitado no tempo ainda se possa ter como súbito. Tempos houve em que se lhe associava também a exterioridade, no sentido de que o evento teria que ser produzido por uma força exterior, e a violência na respetiva ocorrência. Contudo, estas características foram sendo progressivamente postas de parte na medida em que se reconheceu que existem manifestações não violentas e súbitas que não são exteriores ao corpo do trabalhador, resultando, em regra, de esforço. Exemplifica-se, normalmente, com as entorses ou as hérnias. Por outro lado, também se vem reconhecendo que há contactos não violentos que podem dar origem a acidentes como é o caso das inalações de gás.”,
- diz Maria do Rosário Palma Ramalho (in “Tratado de Direito do Trabalho Parte II - Situações Laborais Individuais”, 7ª Edição Revista e Atualizada, 2019, Almedina, págs. 778 e 779) o seguinte: “(...) o acidente de trabalho só constitui o trabalhador ou os seus familiares no direito à reparação se do acidente resultarem danos, relevando para este efeito dois tipos de danos, que se podem considerar como danos típicos da responsabilidade civil acidentária (nos termos do art. 8º nº 1 in fine da LAT): - o dano físico ou psíquico, i. e., a lesão corporal, a perturbação funcional, a doença ou a morte do trabalhador, que resultem directa ou indirectamente do acidente; (...) - o dano especificamente laboral, i. e., a incapacidade ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador, que resultem daquela lesão, perturbação funcional ou doença do trabalhador. A complexidade dos danos relevantes para efeitos do surgimento da responsabilidade civil por acidente de trabalho torna também especialmente complexo o estabelecimento do nexo de causalidade entre o sinistro e as suas consequências. Com efeito, terá que haver um duplo nexo de causalidade, entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte), e entre este dano físico ou psíquico e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador). A falta de qualquer destes elementos do nexo de causalidade exclui o dever de reparação.”,
- menciona o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no dia 25.09.2019 no âmbito do processo nº 6061/16.3T8SNT.L1-4, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, na sua fundamentação, o seguinte: “(...) Portanto, entendemos também que, quer o art. 6º-5 da LAT/97, quer o art. 7º-1 do DL nº 143/99, quer o art. 10º-1 da LAT/2009, versam sobre a mesma realidade relativa ao estabelecimento de uma única presunção de existência de nexo causal entre o acidente e as lesões. E tão só. Ou seja, o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão presume-se quando esta for reconhecida logo a seguir ao acidente, isto é, quando a lesão, perturbação ou doença forem aparentes, superficiais ou de evidenciação imediata. Há, neste caso, uma presunção legal iuris tantum a favor do acidentado, cabendo à entidade responsável o ónus de a ilidir. Ela é estabelecida em benefício do sinistrado, ao qual incumbe somente alegar e provar o facto que serve de base à presunção, ou seja, que a lesão foi observada (ou reconhecida, segundo a expressão da LAT/97 ou constatada segundo a LAT/2009) no local e no tempo de trabalho, como decorre do preceituado nos arts. 349° e 350°1 do Cod. Civil. Retira-se dos factos provados nºs 14 e 15 que houve verificação da lesão logo a seguir ao acidente e no local e tempo de trabalho. Ademais os factos provados nºs 15 e 16 estabelecem, sem dúvidas, que as lesões do sinistrado são consequência do acidente. Independentemente deste reconhecimento o que é certo é que a presunção não funciona em relação à incapacidade, isto é, não é legítimo presumir que daquelas lesões ou do acidente resultou determinada incapacidade permanente parcial, cabendo ao sinistrado o ónus de provar o nexo de causalidade entre as lesões ou o acidente e a invocada incapacidade, que as lesões determinativas da mesma resultaram do acidente, não sendo pré-existentes. (...)”,
- refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no dia 09.10.2017 no âmbito do processo nº 326/14.6T8PNF.P1, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, no seu sumário, o seguinte: “Não tendo a seguradora alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, pode-se afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado causador do acidente, de trabalho.”,
- aduz o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no dia 18.02.2019 no âmbito do processo nº 6875/16.4T8VNG.P1, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, no seu sumário, o seguinte: “(...) III - Não tendo a apelante alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, pode afirmar-se que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.”,
- afirma o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no dia 12.06.2019 no âmbito do processo nº 822/12.0TTALM.L1-4, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, no seu sumário, o seguinte: “I - Não tendo a apelante provado que o sinistrado desmaiou, ou que, tendo desmaiado, esse facto foi consequência de doença de que ele padecia, podemos afirmar desconhecer a que se deveu a inopinada queda do sinistrado e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente. (...) IV - Apenas sabemos que o trabalhador sofreu uma queda porque se sentiu mal. Qual a causa de se ter sentido mal? Não resultou provada. E tinha interesse para o caso, para efeitos de poder afastar a sua ligação à relação de trabalho. Trata-se de uma questão que se coloca a montante do funcionamento da presunção prevista no artigo 10º da LAT.A quem incumbia essa prova? À Ré, por se tratar de facto impeditivo do direito do Autor (cfr. 342º do C.Civil).” e
- dita o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no dia 27.03.2014 no âmbito do processo nº 789/10.9TTSTB.E1, o qual está disponível na internet através do site www.dgsi.pt, na sua fundamentação, o seguinte: “(...) É assim que o artº 10º da Lei nº 98/2009 estabelece que: “1 – A lesão constatada no local e no tempo do trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho. 2 – Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele”. A mera verificação do condicionalismo enunciado no transcrito nº 1 demonstra a existência de nexo causal entre o acidente e a lesão, dispensando o beneficiário da sua prova efetiva. Porém, como refere Pedro Romano Martinez (in Direito do Trabalho”, 3.ª edição, página 835, nota 2), não se trata de uma presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida. A questão de saber se o evento infortunístico configura um “acidente de trabalho” fica fora da referida presunção pelo que a respetiva prova fica subordinada às regras gerais. Já dissemos que a noção de acidente de trabalho importa sempre a ocorrência de um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa; “acidente” é, como escrevia Cruz de Carvalho, citando Cunha Gonçalves, um "acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa" (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, Petrony, 1980, pág. 26). Também Vítor Ribeiro, referia que "a doutrina e a jurisprudência, confrontadas com situações frequentes em que não é fácil distinguir se uma certa lesão ou doença constatadas são consequência de acidente ou se, pelo contrário, resultam de um processo qualquer de deterioração da saúde, súbito ou progressivo, mas alheio a qualquer acontecimento exterior ao doente, procuraram fixar uma noção de acidente no sentido naturalístico. Este será o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado" (in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros, 1984, pág. 2008). Estas noções apontam no sentido de que para haver acidente terá de ocorrer uma causa externa à vítima que seja violenta e visivelmente provocadora de determinada lesão. Porém, hoje não é considerado como critério necessário à caracterização de acidente que essa causa externa se consubstancie quer em violência quer até num acontecimento exterior manifesto ou visível. Como refere Carlos Alegre (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2.ª edição, pág. 36), «nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente. Por exemplo, a telha que atingiu o trabalhador (causa exterior da lesão), por ter desabado o telhado, em resultado da força do sopro de uma explosão (causa exterior do acidente). A violência não constitui, pois, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho». (...)”.
Ora, considerando todo o exposto e os vários pontos dos factos provados, não é possível concluir que o A. sofreu um acidente de trabalho.
Aliás, ante os vários pontos dos factos provados, nem sequer é viável a ilação de que o A. sofreu um acidente.
Efetivamente, decorre dos pontos 2º a 4º, 8º a 13º, 16º, 17º e 20º a 26º, todos dos factos provados, que o A. caiu porque desmaiou e desmaiou em consequência de doença de que padecia.
Assim, não se pode afirmar que o A. desmaiou em consequência de um qualquer evento que possa ser considerado um acidente.
Consequentemente, não tem o A. direito a reparação.
Donde, e sem necessidade de maiores considerações, absolvo a R. de todo o peticionado pelo A.. (…)»
Cumprindo apreciar, e desde logo, face ao que resulta da apreciação realizada no presente recurso em sede de reapreciação da matéria de facto, em que improcedeu o recurso a essa dirigido, muito embora com alteração oficiosa de um ponto da matéria de facto, desde já diremos que, em face do quadro factual provado (incluída já tal alteração), sobre o qual deve incidir a aplicação do direito, não encontramos fundamento para divergirmos da solução a que chegou o Tribunal recorrido, no âmbito da aplicação do direito, quando concluiu que, no caso, em face do que se provou, assim referindo nomeadamente o que resulta dos pontos 2.º a 4.º, 8.º a 13.º, 16.º, 17.º e 20.º a 26.º, todos dos factos provados, apenas se sabendo que o Autor / recorrente caiu porque desmaiou e que este desmaio foi consequência de doença de que padecia e não, pois, por decorrência de qualquer outra causa que possa ser tida numa relação de causa e efeito como evento, que, nos termos aliás mencionados na fundamentação da sentença, possa concluir-se que estamos perante um acidente qualificado como de trabalho, por apelo ao regime que resulta da LAT, nomeadamente os seus artigos 8.º e 9.º.
Não obstante a clara suficiência do que se escreveu na sentença, de resto por apelo a pertinente Doutrina e Jurisprudência, para justificar o julgado, admitindo-se que por essa razão possamos cair em algum risco de repetição, sempre diremos o seguinte em termos de melhor justificarmos a nossa posição.
Consagrando o artigo 2.º da LAT o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos previstos nessa lei e demais legislação regulamentar, teve o legislador a preocupação de aí consagrar o próprio conceito de acidente de trabalho, assim expressamente no n.º 1 do seu artigo 8.º – “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” –, sem prejuízo da extensão aos casos previstos no seu artigo 9.º.
Em termos sintéticos, como o temos dito em outros arestos, tem sido entendido que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, ocorrido no local e no tempo de trabalho – entendendo-se estes de acordo com o sentido mais amplo considerado na lei –, do qual resulte, para o trabalhador, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou a redução na sua capacidade de ganho. Pressupõe deste modo a caracterização de um acidente como de trabalho, a verificação de um elemento espacial, em regra o local de trabalho, um elemento temporal, em regra correspondente ao tempo de trabalho, e um elemento causal, este, por um lado, referente ao nexo de causa efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, e, por outro, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Ora, em face do referido conceito, aplicado ao caso, tendo por base a factualidade provada, em que a alteração a que procedemos oficiosamente não assume relevância, não poderemos deixar de concluir que, tal como o entendeu o Tribunal recorrido, e sentido diverso do que é defendido pelo Autor / recorrente, não se provou, ónus que como o dissemos impendia sobre o mesmo Autor, a ocorrência de um qualquer evento, ocorrido no local e tempo de trabalho, que, em face do quadro normativo aplicável, possa ser qualificado como acidente de trabalho, sendo que, com a natural salvaguarda do respeito devido pela divergência manifestada pelo Recorrente no presente recurso, o que resulta dos pontos 8., 9., 10., 11.º e 13, em particular o ponto 10.º, da factualidade provada, assim a queda aí mencionada, batendo com a cabeça e corpo no chão, do que resultou traumatismo crânio-encefálico e hemorragia subdural, não é passível, tal como aliás e bem o evidencia a sentença recorrida, precisamente por tal queda ter tido na sua génese um desmaio que decorreu de doença natural do Autor, de evidenciar que estejamos perante a ocorrência de um evento como tal qualificável, ou seja, como acidente de trabalho.
Na verdade, como aliás também se afirma na sentença, tendo presente o conceito que tem sido dado ao acidente de trabalho, sem que aliás neste âmbito o mencionado pelo Recorrente evidencie propriamente discórdia – pois que afinal também refere que, quando falamos em evento relevante para a qualificação de acidente de trabalho, falamos de um evento naturalístico, ou uma causa exterior (estranha à constituição orgânica da vítima), súbito (que atua num espaço de tempo breve) e que produza uma ação lesiva do corpo humano, por apelo a Carlos Alegre –, não é a queda do Autor ao solo, em si mesma, diversamente já do que defende o mesmo Recorrente, precisamente por ter no caso sido direta consequência de desmaio mas que teve na sua génese doença de que padecia o Sinistrado, que pode ser tido como evento, dentro do conceito antes delimitado, pois que, de novo com salvaguarda do respeito devido, tendo a queda na sua génese o que antes se mencionou, não se traduz, afinal, como o diz, em causa exterior, estranha à constituição orgânica da vítima, e súbita, não bastando para se poder concluir em sentido diverso, a circunstância de tal queda ter ocorrido no local de no tempo de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade patronal em viagem para o local de trabalho, ou seja, num momento em que não estava subtraído à autoridade do empregador – diversamente do que diz, não pode tal queda, em si mesma, ser qualificado como acidente de trabalho, pois que, nas circunstâncias provadas, assim o que lhe esteve na base, assume relevância efetiva saber se a causa da queda pode ser atribuída a doença de que padecia.
Por último, a respeito do argumento avançado pelo Recorrente, agora baseado na previsão do artigo 11.º da LAT – assim no sentido de que, como o diz, ainda que se entendesse que a única causa das lesões sofridas se devessem à queda por conta do desmaio sofrido como consequência de uma doença que já padecesse, ainda assim essa predisposição patológica não excluiria o direito à reparação das incapacidades sofridas por conta do acidente sofrido, o que sempre resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 11.º da LAT, onde cabem todas as situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito –, diremos o seguinte:
Resulta do mencionado n.º 1 que a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada, acrescentando-se no n.º 2 do mesmo artigo que, quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
No entanto, com salvaguarda do respeito devido, desde logo e precisamente por não se ter provado que tenha ocorrido qualquer evento, nos termos antes ditos, que tenha funcionado no caso como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão, a situação que se aprecia não cabe o caso na previsão da invocada norma.
Na verdade, a propósito da referida norma, como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 18 de Fevereiro de 2013[24]: “Quanto ao nº 1, trata ele da predisposição patológica que, como diz Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico, Almedina, 2ª Edição, pág. 69, “não é, em si, uma doença ou patogenia: é, antes, uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos longo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.” Todavia, a responsabilidade pela reparação integral do acidente não é afastada mesmo que a predisposição patológica tenha sido a causa única da lesão. (...) Na situação configurada no nº 2 do art. 11º (e, de forma idêntica, no nº 2 do art. 9º da Lei 100/97 e essencialmente idêntica à que constava da Base VIII da Lei 2127/65) estão previstas duas situações diferentes, não já de predisposição patológica, mas de doença ou lesão: i) quando uma lesão ou doença consecutiva ao acidente é agravada por lesão ou doença anterior; ii) se a lesão ou doença anterior ao acidente for agravada pelo acidente. Em ambas as situações, a doença anterior ao acidente nem exclui, nem restringe o direito à reparação, antes determinando a norma que a incapacidade será avaliada como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por essa lesão ou doença anterior, já estiver o sinistrado a receber pensão ou tiver recebido capital de remição. Esta é a única exceção prevista na lei. Tal norma não estabelece qualquer presunção, ilidível, de nexo de causalidade, antes impondo ou ficcionando, de forma perentória e inilidível, que, em tais situações de agravamento (seja da lesão consecutiva ao acidente, seja da lesão anterior ao acidente), a incapacidade será avaliada globalmente como se, toda ela, fosse imputável ao acidente, o que, aliás, bem se compreende desde logo considerando a dificuldade em estabelecer a fronteira entre o que é, ou não, imputável, e respetiva medida, exclusivamente à doença anterior e ao acidente.”
Tendo na base o mesmo pressuposto, considerou-se, por sua vez, agora no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Setembro de 2019[25], que, tendo havido lesão resultante de anterior doença ou acidente, que não de trabalho, e que foi agravada por novo e posterior acidente rege o disposto no art. 11º-2, 2ª parte, da LAT/97, avaliando-se a incapacidade como tudo resultasse do 2º acidente, este de trabalho (Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ de 21/6/2006, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 06S896, embora referindo-se à equivalente Base VIII da anterior LAT - Lei nº 2127 mas considerando dois acidentes, ambos de trabalho).
Sendo assim, sem necessidade de outras considerações, carece de fundamento bastante o argumento do Recorrente que defendia a aplicação do regime previsto na norma mencionada[26].
Em face do exposto, não se verificando fundamento que justifique o afastamento do julgado em 1.ª instância – incluindo e em particular quando aí se concluiu que, em face da factualidade provada, não se provou a ocorrência de um evento que, por aplicação do disposto nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (LAT), seja de considerar como acidente de trabalho, não cumprindo, assim, o Autor /recorrente o ónus que sobre si impendia de provar a ocorrência do evento que pudesse ser qualificável como acidente de trabalho, daí decorrendo por consequência o juízo afirmado de improcedência da presente ação (na justa medida em que a responsabilização da Ré / recorrida só poderia assentar no caso na demonstração daquele pressuposto, ou seja, que tivesse ocorrido um evento qualificável como acidente de trabalho do qual tivessem advindo as lesões e sequelas) –, resta-nos concluir, sem necessidade de outras considerações, pela improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Decaindo, o Recorrente responde pelas custas no recurso (artigo 527.º do CPC)
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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV. Decisão:
Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, com alteração oficiosa de ponto da matéria de facto, rejeitando parcialmente o recurso dirigido à matéria de facto no que se refere a parte da prova indicada, em declarar no mais improcedente o presente recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 8 de maio de 2023
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
________________
[1] In www.dgsi.pt
[2] In www.dgsi.pt
[3] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[5] Op. cit., p. 235/236
[6] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[7] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[8] www.dgsi.pt
[9] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[10] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[11] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[12] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[13] Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt
[14] proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt
[15] que aí se considera consolidada entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1]
[16] Tratando-se de uma presunção legal ou de direito, pois que é a própria lei que deduz de um facto conhecido a ilação (conclusão ou inferência) da verificação de um facto desconhecido, quem a tem a seu favor escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do CC, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido, sem prejuízo, como resulta do n.º 2 do mesmo artigo, de tal presunção poder ser ilidida mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir. Ou seja, a presunção importa a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1, do CC).
[17] processo 112/09.5TBVP.L2.S1 – disponível em www.dgsi.pt
[18] Em que entendemos se também oportuno esclarecer, para efeitos de eventual aplicação da supra aludida presunção estabelecida do artigo 10.º da LAT, distinguir entre o que possa ser lesão propriamente dita e o que, diversamente, se possa traduzir apenas em sintoma ou sintomas dessa lesão, pois que, podendo a causa destas últimas ser diversa, a mera demonstração desses sintomas não se deverá confundir com a real demonstração da lesão, assim para efeitos de se poder porventura considerar, sem mais, que estaríamos, para efeitos de aplicação do regime previsto naquela norma, perante lesão constatada / verificada no local e no tempo de trabalho.
[19] Relator Conselheiro Sousa Lamas, in www.dgsi.pt.
[20] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[21] Entre muitos, veja-se o recente acórdão desta Secção de 30.05.2018, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho.
[22] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[23] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[24] processo 118/10.1TTLMG.P1, acessível em www.dgsi.pt:
[25] processo 6061/16.3T8SNT.L1-4, acessível em www.dgsi.pt,
[26] De resto, esclareça-se por último, é também pressuposto da aplicação do regime previsto no artigo 14.º nº1, alínea c), da LAT (o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação), a demonstração de que se esteja perante um evento tido como acidente de trabalho.