Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
636/14.2TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: COOPERATIVA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
ORGANISMO PÚBLICO
DIRIGENTES
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RP20220406636/14.2TDPRT.P1
Data do Acordão: 04/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Uma cooperativa, pessoa coletiva de direito privado, ainda que lhe tenha sido atribuído o Estatuto de Utilidade Pública, não é abarcada pelo conceito de organismo de utilidade pública que consta da parte final da al. d) do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal.
II - Consequentemente, os seus dirigentes não são funcionários para efeitos penais, designadamente para o preenchimento do tipo de crime de peculato, p. e p. pelo art.º 375.º do Código Penal.
III - Uma cooperativa que faça parte do sector comunitário e social (ou autogestionário), onde se integra o sector cooperativo, está excluída da área de tutela da incriminação do art.º 234.º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 636/14.2TDPRT.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, por acórdão de 25.11.2021, julgada improcedente a acusação pública, foram os arguidos AA, BB e CC absolvidos da prática dos crimes de peculato de que foram acusados.
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Inconformado com a absolvição dos arguidos AA e BB, o Ministério Público recorreu.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:
1- O Tribunal a quo deu como provado que os arguidos AA e BB geriam, de facto, a Cooperativa X ..., a qual foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública por despacho de 2.10.1991;
2- Mais deu como provado que estes dois arguidos, aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, formularam o propósito de se apropriarem indevidamente de parte do produto da venda dos bilhetes de acesso ao festival internacional de cinema ...;
3- De tal forma que, no período compreendido entre Novembro de 2011 a Dezembro de 2012, em execução do plano cogitado por estes dois arguidos, foi transferido indevidamente para a conta bancária com o n.º ....., co-titulada por ambos, a quantia global de €2810,00 que estes arguidos fizeram coisa sua;
4- O Tribunal a quo deu ainda como provado que estes dois arguidos agiram de forma voluntária, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de se apoderarem da sobredita quantia de €2.810,00.
5- Não obstante, o Tribunal a quo ter dado como provado que estes dois arguidos receberam numa conta pessoal quantias que eram pertencentes à Cooperativa que representavam, absolveu-os dos crimes de peculato pelos quais foram julgados, por entender que os arguidos, enquanto representantes da Cooperativa X ..., não assumem a qualidade de funcionários para efeitos penais;
6.- O Tribunal a quo alicerçou este entendimento na linha argumentativa do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020 que transpôs para o caso concreto;
7- A noção de funcionário para efeitos penais está prevista no artigo 386.º do Código Penal;
8- Da leitura do citado artigo 386.º do Código Penal ressalta que o conceito de funcionário aí plasmado é deveras mais amplo que o conceito meramente administrativo e relacionado com a actividade do Estado;
9- De acordo com a alínea d) do normativo legal em apreço, concluímos que é considerado funcionário quem desempenhar funções em organismos de utilidade pública;
10- A declaração de utilidade pública confere às pessoas colectivas que dela beneficiam uma série de direitos, como sejam algumas isenções fiscais, mas, por outro lado, também lhes confere uma série de deveres, nomeadamente, prestações de contas previstas na lei;
11- A Cooperativa X ..., tendo por objecto a promoção cultural e social dos seus membros desenvolve uma actividade que é de interesse público, com enfoque para o Festival Internacional de Cinema do ..., o ...;
12- Sendo assim, não pode vingar o raciocínio de que a ilegítima apropriação de parte do produto da venda dos bilhetes do ... consubstancia uma questão privatística que apenas se relaciona com a vida interna e receitas da Cooperativa X ..., tal como fez o Tribunal a quo no Acórdão de que se recorre;
13- O projecto ... trata-se de uma iniciativa cultural de grande interesse público e é subsidiada por apoios públicos;
14- Este festival é sustentado em grande medida por dinheiros públicos, provenientes de subsídios que lhe são atribuídos;
15 -Estando em causa o exercício de uma actividade de utilidade pública que envolve o uso de fundos públicos, o Estado acaba por ser indirectamente lesado com condutas como a dos autos, daí não se concordar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido de que estamos em presença de uma questão meramente privatística que apenas releva para a vida interna da Cooperativa X ... e para as suas receitas;
16- Estando em causa a realização de um evento cultural como o ..., com inegável interesse público e cultural e subsidiado com dinheiros públicos, não se pode conceber, como fez o Tribunal a quo, que estão apenas em causa interesses privados dos seus cooperantes;
17- Dispondo o artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do Código Penal que a expressão funcionário abrange quem desempenhar funções em organismos de utilidade pública, devem os arguidos AA e BB ser considerados funcionários para efeitos penais pois ambos são representantes da Cooperativa X ..., pessoa colectiva a quem foi reconhecida utilidade pública, inserindo-se a sua actuação apropriativa no prosseguimento de um evento cultural de reconhecido interesse público e decorrente do estatuto de utilidade pública da Cooperativa X ...;
18- A jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/20 apenas versa sobre a responsabilidade criminal dos funcionários das IPSS e o raciocínio que lhe subjaz não pode ser transposto para o caso concreto até porque a natureza e regime legal que norteiam as IPSS e as Cooperativas é distinto;
19- No caso concreto estão verificados todos os elementos, objectivos e subjectivos, constitutivos do tipo legal de crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal;
20- O arguidos AA e BB são considerados funcionários para efeitos penais à luz do disposto no artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do Código Penal;
21- Tendo sido dado como provado no Acórdão de que agora se recorre que os mesmos, a partir do início de Novembro de 2011 até Dezembro de 2012, aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, apropriaram-se da quantia global de €2810,00 devem os mesmos ser criminalmente responsabilizados pela prática, em co- autoria, de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal; 22- Decidindo em sentido contrário, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do Código Penal;
23- Mesmo que assim não se entenda, sempre se imporia ao Tribunal a quo equacionar a subsunção da factualidade dada como provada na previsão do tipo legal de crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 234.º do Código Penal;
24- A incriminação em análise encontra-se inserida no capítulo dos “Crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente”;
25- Estamos em presença de um crime de natureza pública;
26. Encontrando-se integralmente preenchidos todos os elementos constitutivos de tal tipo legal de crime;
27- Com efeito, foi dado como provado que os arguidos AA e BB, geriam de facto a Cooperativa X ..., sendo a imagem pública do festival ...;
28- Mais se provou que estes dois arguidos, aproveitando-se das funções que exerciam na cooperativa dos autos, formularam em conjunto o propósito de se apropriarem de parte do produto da venda dos bilhetes do festival ...;
29- Nessa sequência, foi transferida para uma conta bancária pessoal dos arguidos a quantia global de €2.810,00;
30- Mais se deu como provado que os arguidos AA e BB agiram com o propósito conseguido de fazer sua a referida quantia de €2810,00 que estava ao seualcance em razão das funções que exerciam na Cooperativa X ...;
31- Concluímos pela verificação integral de todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 234.º, n.º 1 do Código Penal;
32- Termos em que, mesmo a considerar que os arguidos AA e BB não podem ser responsabilizados penalmente pela prática de um crime de peculato por não poderem ser considerados funcionários para efeitos da lei penal, sempre se impunha enquadrar juridicamente o acervo factual dado como provado no figurino do tipo legal de crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 234.º do Código Penal;
33. E condenar estes arguidos pela prática de tal ilícito criminal, em co-autoria;
34. Uma vez que estamos em presença de um crime de natureza pública, sem que tenha ocorrido a prescrição do procedimento criminal;
35. Absolvendo estes arguidos e deixando de equacionar a subsunção dos factos dados como provados no supramencionado ilícito criminal de apropriação ilegítima, violou o Tribunal a quo o artigo 234.º do Código Penal.
Termos em que e nos mais de direito, concedendo provimento ao presente recurso deverão V. Exªs:
- condenar arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria, de crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto os mesmos são considerados funcionários para efeitos penais nos termos do artigo 386.º, n.º 1 alínea d) do referido diploma;
- Ou, caso se entenda, como entendeu o Tribunal a quo, que os arguidos AA e BB não são considerados funcionários para efeitos penais, condená-los pela prática, em co-autoria, de um crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 234.º do Código Penal. Decidindo em consonância com as conclusões acima tecidas e delas extraindo as legais consequências, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, JUSTIÇA
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Os arguidos AA e BB apresentaram resposta ao recurso, que se dá como reproduzida, pugnando no sentido de que deve negar-se provimento ao mesmo.
Terminam a motivação nos seguintes termos [transcrição]:
1- Relativamente aos factos dados como provados, constantes dos pontos 14, 15 e 17 a 19 da respectiva relação, entendemos que não o deveriam ter sido, por manifesta incompatibilidade com os também provados, mas certos, dos pontos 56 a 59.
2- A formação académica de ambos os arguidos, sendo de nível superior, mas em áreas alheias ao rigor contabilístico, não é incompatível com o juízo de normalidade do procedimento adoptado.
3- O qual, agora informados, reconhecem ter sido profundamente irregular e dele se penitenciam.
4- A devolução evidenciada do facto provado sob o nº 43, da conta dos arguidos, é correcta (porque incorrecta fora a transferência para esta) e é indício de que não houve intuito de apropriação.
5- Como bem se diz no douto acórdão, “a intenção tem de ser deduzida de factos exteriores, perceptíveis e provados”.
6- Entre esses factos, exteriores, perceptíveis e provados, estão os referidos nos pontos 56 a 59, dos quais avulta o empréstimo (naturalmente voluntário) pela quantia de setenta mil euros, do qual fará parte o cheque cuja cópia constitui o documento de fls 2048, emitido a favor da Cinema X ... pelo arguido AA, pelo montante de eur. 2 000,00€, em 2 de Julho de 2011.
7- Não é compreensível que, em Julho de 2011, os arguidos tivessem depositado na conta da Cinema X ... aquela importância, facto sabido, e que, poucos meses mais tarde, tivessem arquitectado um plano no sentido de se apropriarem das importâncias ora em causa, ou que, tendo, no total, emprestado voluntariamente setenta mil euros para que a Cooperativa pudesse prosseguir a sua actividade, fossem desviar ilicitamente do património desta a importância (insignificante, em boa verdade) aqui em causa.
8- É o que resulta das regras da experiência comum.
9- Nesta parte, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não fez a adequada apreciação da prova produzida, devendo ter considerado como não provados os factos que, ao contrário, considerou provados e que constam dos pontos 14, 15 e 17 a 19 da relação do douto acórdão.
10- O que teria levado à conclusão de que os arguidos não cometeram qualquer ilícito criminal.
11- A importância total – eur. 2 810,00€ - da relação constante do facto provado nº 16 inclui a entrega de DD, no montante de eur. 110,00€, que - factos 43 e 44 – foram restituídos em 5 de Março de 2013, pelo que, à data da Inspecção Tributária, apenas estavam indevidamente na conta dos arguidos o total de eur. 2 700,00€.
12- Consequentemente, a entrega de eur. 2 774,00€ feita em 19 de Setembro de 2013 - facto provado nº 20 - foi até superior ao que os arguidos teriam a restituir.
13- Não se encontra provado o Festival ... seja “sustentado em grande medida por dinheiros públicos, provenientes de subsídios que lhe são atribuídos”.
14- Como consta do Acórdão Uniformador de Jurisprudência nº 3/2020 “as Instituições Particulares de Segurança Social inserem-se no sector cooperativo e social, ainda que sob fiscalização do Estado (artigos 63.º, nº 5, e 82.º, nº 4, alínea d), da Constituição), integrando-se a sua actividade actualmente, no âmbito da economia social (também conhecido por “terceiro sector”) autónoma e distinta da actividade do Estado, embora em cooperação com ele na prossecução de finalidades de interesse geral, a que foi dada expressão jurídica pela Lei nº 30/2013, de 8 de Maio” .
15- Sendo que esta Lei nº 30/2013, identifica em paralelo as cooperativas às demais entidades integrantes da economia social, entre as quais as IPSS, estabelecendo um regime geral uniforme para todas,
16- Não há razão para que deixe de aplicar-se a doutrina do Douto Acórdão ao caso dos autos
17- Perfilhamos e, com a devida vénia, subscrevemos o que a este respeito é vertido no douto acórdão ora em crise.
18- O crime previsto no art. 234.º, nº 1, do Código Penal constitui agravação, pela qualidade do agente, de um outro crime, não definido, de que resulte a apropriação ilegítima, pelo próprio ou por terceiro, de bens do sector público ou cooperativo.
19- Esse crime não definido há-de, porém, ser tipificado e constar de qualquer norma incriminadora.
20- Salvo o devido respeito, a Senhora Procuradora limita-se a uma reprodução genérica dos factos dados como provados e não alude ao crime neste não definido nesta norma, cujos elementos constitutivos teriam sido preenchidos.
21- Ficamos sem saber se o procedimento criminal estaria dependente de queixa ou quais as consequências da restituição do montante apropriado.
22- Nesses termos, não pode ser sustentada uma condenação, por ausência dos elementos necessários à sentença, previstos no art. 374.º, nº 1, alíneas c) e d), nº 2 e nº 3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal,
23- A decisão que condenasse os arguidos na sequência da alteração da qualificação jurídica dos factos nunca poderia ser proferida sem observância do disposto no art. 358.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, procedimento que não foi encetado.
24- Os arguidos procederam à restituição total do montante indevidamente recebido, ainda antes de qualquer inquérito ter tido início.
Pelo exposto e pelo douto suprimento que se pede e espera, deverá ser negado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais.
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O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer.
Em síntese, acompanhando a resposta apresentada na Primeira Instância, pronuncia-se no sentido de que o recurso merece provimento.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
Objeto do recurso
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, importa decidir, em primeira linha, se o conceito de funcionário para efeitos penais previsto no art.º 386.º, n.º 1, al. d), do Código Penal abrange quem exerce funções numa cooperativa de direito privado a quem foi atribuída utilidade pública.
Em segunda linha, caso se considere que não, se se mostram preenchidos os elementos típicos do crime de apropriação ilegítima previsto e punido pelo artigo 234.º do Código Penal.
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Factos provados no acórdão recorrido [transcrição]:
Factos constantes da acusação/pronúncia:
1- No dia 2/01/1989 foram publicados no D.R. II Série os Estatutos da Cooperativa X..., CRL (doravante apenas designada por Cinema X ...), alterados em 29/11/2000.
2- A Cinema X ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., é uma cooperativa do ramo cultural, com sede na Rua ..., ..., ..., tendo como objecto a promoção cultural e social dos seus membros através da criação, produção e difusão de audiovisuais, bem como das actividades editoriais correlativas e, designadamente (arts. 1.º a 4.º dos Estatutos da Cooperativa):
a) a participação simultânea dos cooperadores na colocação de fundos, no trabalho material e no trabalho de direção, de acordo com os princípios cooperativos, com a partilha dos riscos e dos retornos, nos termos definidos nos presentes estatutos;
b) a formação dos seus quadros profissionais, quer ao nível cooperativo, quer ao nível técnico;
c) a organização do Festival Internacional de Cinema do ... - ..., de programas de divulgação cinematográfica, de formação de cursos ligados ao ensino do audiovisual, edição de publicações, produção e distribuição de filmes e videogramas;
d) a realização em comum e em termos cooperativos de quaisquer outras atividades que sejam úteis para as finalidades da cooperativa.
3- A Cinema X ... foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, por despacho de 2/10/1991, conforme publicação no Diário da República, II Série, N.º 243, de 20/10/1991.
4- Para o triénio de 2009 a 2011, em 19/03/2009, foram designados como membros da Direcção:
- Arguida BB (Presidente);
- EE (Secretário);
- FF (Tesoureiro).
5- Como membros do Conselho Fiscal foram designados:
- GG (Presidente);
- HH (Secretária);
- II (Vogal).
6- Para o triénio de 2012 a 2014, em 6/12/2011, foram designados como membros da Direcção:
- Arguido AA (Presidente);
- HH (Secretária);
- Arguida CC (Tesoureira).
7- Como membros do Conselho Fiscal foram designados:
- A arguida BB (Presidente);
- EE (Secretário);
- JJ (Vogal).
8- Em actos de mero expediente, a Cinema X ... obrigava-se com a assinatura de um dos membros da Direcção (art. 48.º, n.º 2 dos Estatutos da Cooperativa).
9- Assumindo os arguidos AA e BB os poderes de administração, gerência e disposição, de direito e de facto, do património da Cinema X ....
10- E, independentemente dos cargos que ocupavam, os arguidos AA e BB geriam, de facto, a Cinema X ..., por serem a imagem do Festival Internacional de Cinema do ... – ....
11- Nos anos de 2011 e 2012 as decisões respeitantes à gestão/administração da Cinema X ..., designadamente, contratação de pessoal, ordens de trabalho, pagamento de salários, impostos, despesas, afectação dos meios financeiros e receitas eram tomadas, sempre e conjuntamente, pelos arguidos AA e BB, casados desde 5/06/1976.
12- Nos anos de 2011 e 2012 a Cinema X ... era titular das seguintes contas bancárias:
a) Conta com o NIB ...... do banco ...: conta que, até ao início de 2012, foi utilizada com mais frequência no que toca à gestão corrente da Cooperativa;
b) Conta com o NIB .... do banco ...: conta através da qual foram recebidas as transferências respeitantes aos subsídios concedidos pelo ICA-Instituto do Cinema e do Audiovisual.
c) Conta com o NIB .... do banco ...: conta destinada a receber os subsídios atribuídos pelo Instituto de Turismo de Portugal.
d) Conta com o NIB .... junto do banco ..., criada com o intuito de possuir uma conta bancária em que a moeda base fosse o dólar.
13- Enquanto a venda de bilhetes era efectuada através de um sistema de bilhética, propriedade do Teatro Municipal ..., sendo o seu apuro efectuado eletronicamente e testado/controlado pelo ICA-Instituto do Cinema e do Audiovisual, a venda de cartões de participante era efectuado directamente pela Cinema X ..., estando disponível a sua aquisição após solicitação do interessado e podendo o seu pagamento ser efectuado através de numerário, cheque ou transferência bancária para as contas da Cooperativa, designadamente para a conta com o NIB ...... do Banco ....
14- Em data não concretamente apurada, mas que se situará, pelo menos, a partir do início de Novembro de 2011 até Fevereiro de 2012, inclusive, (Festival Internacional de Cinema do ... – ... 2012), e do início de Outubro de 2012 até Dezembro de 2012, inclusive (Festival Internacional de Cinema do ... – ... 2013), os arguidos AA e BB, aproveitando-se da natureza e do tipo de tarefas inerentes às suas funções, de direito e de facto, formularam o desígnio de se apropriarem ilegitimamente do produto das vendas de cartões de participante/bilhetes.
15- Movidos daquele propósito e no âmbito do estratagema que então planearem, os arguidos solicitaram à arguida CC que nos contactos, via electrónica, efectuados pelos interessados, com o fim de se inteirar das condições para adquirir o cartão de participante/livre-trânsito/bilhetes do Festival de Internacional de Cinema ... – ..., fornecesse o NIB da conta bancária do Banco ... n.º ...., co-titulada por ambos, para efectuar o pagamento por transferência bancária.
16- Assim, nos anos de 2011 e 2012, o produto das vendas de cartões de participante/livre-Trânsito/bilhetes Festival de Internacional de Cinema do ... – ..., obtido na sequência dos contactos dos adquirentes com a arguida CC, foi transferido para a conta a conta com o NIB .... do banco ..., co-titulada pelos arguidos AA e BB, conforme quadro seguinte:

MêsMontante
Dezembro 2011

1- KK (Data - 05/12/2011- TRF P/O, no valor de €120,00: fls. 456 do Anexo V)
2- LL (Data – 09/12/2011 – TRF, no valor de €60,00: fls. 456 do Anexo V)
3- MM (Data – 16/12/2011 – TRF P/O, no valor de €60,00: fls. 456 do Anexo V)
4- NN (Data – 16/12/2011 – TRF, no valor de €180,00: fls. 456 do Anexo V)
5- OO (Data – 23/12/2011 – TRF.P/O, no valor de €60,00: fls. 457 do Anexo V)
6- PP (Data – 28/12/2011 – TRF.P/O, no valor de €120,00: fls. 457 do Anexo V)
7- QQ (Data – 28/12/2011 – TRF, no valor de €120,00: fls. 457 do Anexo V)
8- RR (Data – 30/12/2011 – TRF, no valor de €60,00: fls:457 do Anexo V)
Total €780,00
Janeiro 2012

1- SS (Data - 02/01/2012 - TRF P/O, no valor de €60,00: fls. 458 do Anexo V)
2- TT (Data – 11/01/2012 – TRF, no valor de €60,00: fls. 458 do Anexo V)
3- UU (Data – 26/01/2012 – TRF, no valor de €80,00: fls. 459 do Anexo V)

Total €200,00
Fevereiro 20121- VV (Data - 27/02/2012 – TRF.P/O, no valor de €80,00: fls. 461 do Anexo V)
€80,00
Total ... 2012€480,00+€780,00+€200,00+€80,00=
€1.540,00
Outubro 2012

1- WW (Data - 23/10/2012 - TRF P/O, no valor de €30,00: fls. 478 do Anexo V)
2- XX (Data – 23/10/2012 – TRF. P/O, no valor de €120,00: fls. 478 do Anexo V)
3- YY (Data – 30/10/2012 – TRF. P/O, no valor de €65,00: fls. 1010, Fls. 478 do Anexo V)
Total €215,00
Novembro 2012

1- ZZ (Data - 01/11/2012 – TRF, no valor de €65,00: fls. 480 do Anexo V)
2- AAA, Data-23/11/2012-TRF, no valor de €65,00: Fls. 481 do Anexo V)
Total €230,00
Dezembro 2012

1- BBB (Data- 04/12/2012 - TRF P/O, no valor de €55,00: fls. 483 do Anexo V)
2- CCC (Data – 06/12/2012 – TRF, no valor de €110,00: fls. 484 do Anexo V)
3- DDD (Data – 07/12/2012 – TRF.P/O, no valor de €55,00: fls. 484 do Anexo V)
4- EEE (Data- 07/12/2012- TRF.P/O, no valor de €55,00:fls.484 do anexo V)
5- FFF (Data- 17/12/2012- TRF.P/O. no valor de €55,00:fls.484 do Anexo V)
6- DD- TRF.P/O. no valor de €110,00:fls.484 do Anexo V)
7- GGG (Data- 17/12/2012-TRF.P/O., no valor de €110,00: fls.484 do Anexo V)
8- HHH (Data- 18/12/2012-TRF.P/O. no valor de €55,00: fls.484 do Anexo V)
9- III (Data- 21/12/2012- TRF, no valor de €55,00: fls.484 do Anexo V)
10- AAA (Data- 21/12/2012- TRF.P/O. no valor de €165,00: fls.484 do Anexo V)
Total €825,00
Total ... 2013€215,00 + €230,00 + €825,00= €1.270,00
Total ... 2012 e 2013
Total €2.810,00

1- Estes montantes, que da forma descrita foram sucessivamente creditados na conta bancária acima referida, foram subtraídos pelos arguidos à Cinema X ..., que deles se apropriaram, tendo-os destinado, como lhes aprouve, em benefício próprio na aquisição de bens e serviços.
2- Ao procederem como descrito, os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, concretizado, de apropriarem-se das quantias acima referidas, que lhes tinham sido confiadas ou estavam ao seu alcance no exercício das suas funções na Cinema X ..., bem sabendo que o faziam sem conhecimento, contra a vontade e sem o consentimento desta.
3- Agiram em execução de um plano previamente traçado, bem sabendo que as suas condutas não eram legalmente permitidas e que incorriam em ilícito criminalmente punível.
4- Em 19/09/2013, no decurso da análise prévia efectuada pelo inspector tributário JJJ à Cinema X ..., a arguida BB emitiu o cheque n.º ....., do banco ..., a favor da Cinema X ..., no montante de € 2.774,00.
Das condições pessoais dos arguidos (relatórios sociais):
5- O arguido AA é o único descendente de um casal de equilibrada condição socioeconómica, residente no .... Retrata dinâmicas familiares positivas e uma educação de acordo com os valores sociais vigentes, com imposição de regras e níveis de supervisão ajustados. Integrou a escolaridade em idade regular, tendo concluído o liceu, sem retenções. Após ano propedêutico, ingressou na licenciatura em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Belas Artes do ..., onde frequentou até ao 2º ano.
AA teve o seu primeiro emprego aos 17 anos de idade, como escritor freelancer, mantendo uma coluna semanal no jornal “...”, um programa na ... e um momento televisivo dedicado ao cinema na .... Manteve atividade em gabinete de arquitetura, durante cerca de 4 anos, foi professor de Educação Visual durante cerca de 2 anos e trabalhou na área de marketing e comunicação numa empresa de seguros. Trabalhou como jornalista generalista e também especificamente na área da cultura (cinema e espetáculos) cerca de 12 anos e até 2013 relata ter mantido atividade como profissional liberal, escrevendo artigos para várias entidades da comunicação social. Foi vereador, na área da cultura, na Câmara Municipal ..., onde efetuou dois mandatos, de 2005 a 2013.
Movido pela sua paixão pelo cinema criou, com o cônjuge/coarguida, em 1978, a revista “Cinema X ...”, trabalhando com os colaboradores a partir de sua casa e mobilizando-se para a criação de iniciativas culturais, como ciclos de cinema. Em 1981, criaram a Cooperativa X ..., desenvolvendo iniciativas/projetos, dos quais o mais proeminente é o Festival Internacional de Cinema do ..., “...”, concebendo uma estrutura comercial de distribuição de cinema e constituindo um arquivo de texto e imagem e uma videoteca com um vasto espólio dedicado ao cinema.
Aos 16 anos de idade conheceu BB no Circulo ..., do qual faziam parte, estabelecendo relacionamento de namoro e vindo a contrair matrimónio aos 21 anos de idade, relacionamento do qual têm um descendente, presentemente com 38 anos de idade.
À data dos factos pelos quais vem acusado, AA residia com o cônjuge, coarguida, na atual morada. O casal reporta uma situação económica equilibrada, subsistindo o agregado da atividade profissional do arguido como vereador da Câmara Municipal ..., escritor (trabalhador independente) e presidente da direção da Cooperativa X ..., a partir de 2012, e dos rendimentos do cônjuge, coarguida, presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa X... e reformada da sua atividade de docência.
A partir de 2013, na sequência de notícia de irregularidades na gestão da Cooperativa X ... e consequente instauração de processo crime, gerou-se uma situação de descrédito da imagem deste e do cônjuge, com impacto negativo na atividade realizada pela Cooperativa X ..., nomeadamente no Festival Internacional de Cinema do ..., “...”, que terá perdido percentagem significativa dos apoios financeiros e pela necessidade de efetuar despedimentos.
Presentemente, AA reside com o cônjuge, coarguida, na morada constante nos autos, moradia geminada de construção antiga, propriedade do casal, tipologia 2, com condições básicas de habitabilidade, não obstante problemas de infiltrações, referindo não deter capacidade financeira para os solucionar. A habitação localiza-se numa zona residencial sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. O casal subsiste dos rendimentos provenientes da pensão de invalidez do arguido, cerca de 1380 euros líquidos, e da pensão de aposentação, cerca de 1500 euros líquidos, e salário da arguida, na categoria de Chefe de Escritório, da Cooperativa X..., CRL, cerca de 800 euros líquidos, apresentando como despesas fixas mensais os encargos com a habitação, cerca de 300 euros mensais, prestação dos veículos automóveis, cerca de 471 euros, encargos com habitação secundária, localizada em ..., da qual são proprietários, cerca de 80/100 euros mensais, empregada doméstica, cerca de 200 euros/mês, medicação e despesas com consultas e exames médicos, as despesas anuais com seguros dos veículos automóveis e património, na ordem do 2000 euros, IMI e IUC, em valores que não soube precisar. O cônjuge do arguido reporta ainda prestar apoio financeiro ao filho e à irmã, em valores que não serão fixos. A situação financeira do agregado é avaliada como muito modesta, exigindo uma criteriosa gestão dos recursos, reportando uma elevada perda de rendimentos após a mediatização das acusações constantes no presente processo, atendendo à ausência de oportunidades/convites de trabalho que anteriormente eram consideráveis, como as crónicas e artigos jornalísticos. Relatou ainda a tentativa de venda de património imobiliário, nomeadamente a moradia que detêm em ..., até ao momento sem sucesso.
Ao nível da saúde, AA relata padecer de problema cardíaco, sendo acompanhado nas especialidades de cardiologia e ortopedia, tendo sido recentemente operado para colocação de prótese, cirurgia da qual se encontra em fase de recuperação. O quotidiano do arguido é ocupado maioritariamente em casa, dedicando-se a ler e ver televisão e cinema.
Face a este confronto com o sistema da administração da justiça penal, AA verbaliza reatividade e indignação, percecionando o presente processo como lesivo da sua imagem social e profissional, uma vez que foi amplamente noticiado na comunicação social, com elevado impacto pessoal, familiar e social. Em abstrato, o arguido reconhece a ilicitude da natureza dos factos pelos quais vem acusado, identificando danos e vitimas. O arguido revela no seu discurso expectativas positivas relativamente ao desfecho do presente processo judicial, não obstante pronunciou-se, em caso de eventual condenação, favoravelmente sobre a sua adesão a uma medida de execução na comunidade.
AA revela um percurso vivencial normativo e sem fatores disruptivos a apontar, sendo a sua trajetória de vida aparentemente pautada pela conformidade aos valores sociais vigentes, com forte valorização e investimento no desempenho laboral e participação ativa na vida social e cultural da cidade ....
Presentemente o arguido, não obstante mencione debilidade da situação financeira, encontra-se familiar e socialmente integrado, aspetos que se constituem como positivos no seu contexto vivencial.
6- O processo de desenvolvimento de BB decorreu no seio da família de origem, composta pelos progenitores e dois irmãos, residente na cidade .... Retrata uma situação socioeconómica equilibrada, dinâmicas positivas e uma educação assente nos valores católicos, com imposição de regras e níveis de supervisão ajustados. Integrou a escolaridade em idade regular e, após conclusão do liceu, ingressou no ensino superior, habilitando-se com licenciatura em Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade ....
BB começou a trabalhar aos 18 anos de idade, como professora de inglês, tendo lecionado ao longo de 34 anos, em várias escolas, em diferentes pontos do território português. Reformou-se da atividade de docência em 2009, sendo que, após a aposentação, passou a exercer função remunerada na Cooperativa X ....
Movida pela sua paixão pelo cinema criou, com o cônjuge/coarguido, em 1978, a revista “Cinema X ...”, trabalhando com os colaboradores a partir de sua casa e mobilizando-se para a criação de iniciativas culturais, como ciclos de cinema. Em 1981, criaram a Cooperativa X ..., desenvolvendo iniciativas/projetos, dos quais o mais proeminente é o Festival Internacional de Cinema do ..., “...”, concebendo uma estrutura comercial de distribuição de cinema e constituindo um arquivo de texto e imagem e uma videoteca com um vasto espólio dedicado ao cinema.
BB manteve ainda, ao longo dos anos, atividade como escritora e escultora, tendo vários textos, crónicas e livros publicados e participado em várias exposições. Conheceu o cônjuge no Círculo ..., do qual faziam parte, estabelecendo relacionamento de namoro e vindo a contrair matrimónio, em 1976, tendo deste relacionamento um descendente, presentemente com 38 anos de idade.
À data dos factos pelos quais vem acusada, BB residia com o cônjuge, coarguido, na atual morada. O casal reporta uma situação económica equilibrada, subsistindo o agregado da atividade da arguida como presidente da Direção da Cooperativa X ..., de 2009 até 2011, e presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa X..., de 2012 a 2014, da sua reforma e rendimentos do cônjuge, coarguido, vereador da Camara Municipal ..., escritor (trabalhador independente) e presidente da direção da Cooperativa X ..., a partir de 2012.
BB reporta que, a partir de 2013, na sequência de noticia de irregularidades na gestão da Cooperativa X ... e consequente instauração de processo crime, gerou-se uma situação de descrédito da imagem desta e cônjuge, com impacto negativo na atividade realizada pela Cooperativa X ..., nomeadamente no Festival Internacional de Cinema do ..., “...”, que terá perdido percentagem significativa dos apoios financeiros e pela necessidade de efetuar despedimentos.
Presentemente, BB reside com o coarguido na morada constante nos autos, moradia geminada de construção antiga, propriedade do casal, tipologia 2, com condições básicas de habitabilidade, não obstante problemas de infiltrações, referindo não deter capacidade financeira para os solucionar. A habitação localiza-se numa zona residencial sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais.
O casal subsiste dos rendimentos provenientes da pensão de aposentação, cerca de 1500 euros líquidos, e salário da arguida, na categoria de Chefe de Escritório, da Cooperativa X..., CRL, cerca de 800 euros líquidos, e a pensão de invalidez do cônjuge, cerca de 1380 euros líquidos, apresentando, como despesas fixas mensais, os encargos com a habitação, cerca de 300 euros mensais, prestação dos veículos automóveis, cerca de 471 euros, encargos com habitação secundária, localizada em ..., da qual são proprietários, cerca de 80/100 euros mensais, empregada doméstica, cerca de 200 euros/mês, medicação e despesas com consultas e exames médicos, despesas anuais com seguros dos veículos automóveis e património, na ordem do 2000 euros, IMI e IUC, em valores que não soube precisar. O casal reporta ainda prestar apoio financeiro ao filho e à irmã da arguida, em valores que não serão fixos. A situação financeira do agregado é avaliada como muito modesta, exigindo uma criteriosa gestão dos recursos, reportando uma elevada perda de rendimentos após a mediatização das acusações constantes no presente processo, atendendo à ausência de oportunidades/convites de trabalho que anteriormente eram consideráveis, como as crónicas e artigos jornalísticos. A arguida relata ainda a tentativa de venda de património imobiliário, nomeadamente a moradia que detêm em ..., até ao momento sem sucesso.
Ao nível da saúde, BB relata padecer de doença crónica pulmonar desde 1980, sendo acompanhada em consulta de especialidade e efetuando tratamento farmacológico diário. O quotidiano da arguida é ocupado maioritariamente em casa, dedicando-se à jardinagem e apreciando ler e ver cinema.
Face a este confronto com o sistema da administração da justiça penal, BB manifesta desconforto face às diligências judiciais, considerando o presente processo como nocivo da sua imagem e preocupando-se com o impacto que eventual condenação da sua irmã e do cônjuge, coarguidos no presente processo, poderá ter nas suas respetivas vidas.
Ao nível da inserção sociofamiliar, refere continuar a beneficiar do apoio familiar e de amigos, não obstante, identificar o impacto negativo da sua constituição como arguida na imagem pública, pela mediatização de que o presente processo foi alvo. Em abstrato, a arguida reconhece a ilicitude da natureza dos factos pelos quais vem acusada.
A arguida revela no seu discurso expectativas positivas relativamente ao desfecho do presente processo judicial, no entanto, solicitada a equacionar a possibilidade de condenação, manifestou adesão a eventual medida de execução na comunidade.
O processo de desenvolvimento de BB decorreu em agregado familiar de origem estruturado, que lhe proporcionou condições para a aquisição de valores e normas adequadas, havendo da sua parte valorização e investimento no desempenho laboral e participação ativa na vida social e cultural da cidade .... Presentemente, a arguida, não obstante referir a fragilidade da sua situação financeira, apresenta-se inserida ao nível familiar e social, aspetos positivos no seu contexto vivencial.
(…)
Dos antecedentes criminais dos arguidos:
24- Do Certificado do Registo Criminal dos arguidos AA, BB e CC nada consta.
Factos considerados provados constantes da contestação:
25- O ... – Festival Internacional de Cinema ... é um evento de grande dimensão que implica estruturas e meios organizativos diversificados e complexos.
26- Desde uns dias antes do início da cada edição do festival e até uns dias após o seu encerramento, há tarefas que não são atribuídas a quaisquer membros da direcção da Cooperativa X ... nem ao pessoal desta, mas, apenas, aos seus elementos encarregados da direcção do Festival – os arguidos AA e BB.
27- Essas tarefas eram múltiplas e o núcleo organizativo que delas se ocupava era designado como “Direcção Executiva”.
28- Nos anos a que se reporta a acusação o arguido AA exercia funções de Vereador na Câmara Municipal ....
29- O Festival tinha sempre vários convidados, alguns dos quais eram estrangeiros.
30- Esses convidados chegavam no início do Festival, alguns uns dias antes, e voltavam aos seus países após o termo ou uns dias depois.
31- Os convidados eram acolhidos e acompanhados durante todo o seu tempo de permanência na cidade ..., sendo-lhes prestada a hospitalidade conforme aos usos em todos os festivais de cinema e adequada ao estatuto profissional ou artístico que lhes era reconhecido.
32- Todo este trabalho exigia a colaboração de um número elevado de pessoas, cerca de quinze, que a Cooperativa não tinha nos seus quadros.
33- A solução encontrada foi o recurso a trabalho voluntário, para o que a Cinema X ... estabeleceu um protocolo com a Escola Profissional ..., estabelecimento que se dedicava ao ensino profissional.
34- A dita Escola viu como útil para os seus alunos este tipo de experiência e, por isso, divulgava a iniciativa junto deles, para que os interessados pudessem candidatar-se.
35- Do seu lado, a Cinema X ... conseguia essa colaboração sem custo económico.
36- Eram escolhidos os voluntários para as diversas tarefas em diversos sectores (convidados, secretariado, gabinete de imprensa), as quais eram distribuídas pelos arguidos AA e BB.
37- Toda a gente na Cinema X ... sabia da existência dos voluntários e das tarefas que estes executavam.
38- A arguida CC não tinha qualquer interferência nesse processo.
39- Todo o trabalho referido exigia frequentemente dispêndio de dinheiro - as deslocações dos voluntários, muitos deles de fora do ..., as conduções dos convidados, passeios, refeições, compras de bens e serviços.
40- Esse dinheiro era pedido pelos voluntários, encarregados de os pagar, à arguida BB. Esta dava em dinheiro as importâncias que lhe eram solicitadas e, mais tarde, aqueles prestavam-lhe contas, entregando-lhe os recibos respectivos.
41- Estas entregas de dinheiro eram múltiplas, em importâncias imprevisíveis e a qualquer hora do dia ou da noite. Eram diversos movimentos, alguns de importâncias muito reduzidas.
42- Durante o tempo do Festival, o escritório estava encerrado e todo o pessoal deslocado nas instalações do Teatro Municipal ..., com outras tarefas administrativas. Era inviável o uso de cartões de crédito ou de débito, quer pela multiplicidade de pessoas a fazer compras, quer porque tal exigiria que o portador soubesse o código respectivo, o qual não podia ser revelado.
43- Depois de ter feito o pagamento por transferência para a conta da arguida BB e obtido o título respectivo, o comprador de cartão de participante, DD, comunicou que, por imprevisto, não poderia ir ao Festival. Foram-lhe devolvidos €110,00, que este declara ter recebido na mensagem de 5 de Março de 2013.
44- Esse cheque foi emitido pela arguida BB da sua própria conta e não da conta da Cooperativa.
45- A arguida CC foi trabalhadora da Cooperativa entre 1 de Março de 2001 e 25 de Junho de 2013, tendo o seu contrato de trabalho cessado na sequência de despedimento colectivo.
46- As suas funções eram de secretária e as instruções que deu a alguns dos compradores de passes para proceder à transferência para a conta da sua irmã, a arguida BB, foram resultado de ordens desta, a que obedeceu.
47- As suas funções, como trabalhadora, não comportavam qualquer tomada de decisões relativamente a matéria alguma.
48- As que assumiu como membro da direcção não tinham qualquer interferência no decisório do destino de dinheiro ou na ordem de pagamentos.
49- Após eleita membro da direcção, as suas funções laborais não se alteraram. Continuou a executar as tarefas que já vinha desempenhando, como é o caso dos contactos com os interessados na aquisição de cartões de participante.
50- Não obstante directora (da Cooperativa, não do Festival), pedia instruções e observava-as.
51- O arguido AA estava ciente deste procedimento e concordante com ele.
52- Para além da venda dos cartões de participante, constituía receita da Cooperativa X ...” a venda de bilhetes no local.
53- Durante a Inspecção Tributária, os arguidos AA e BB foram abordados pelo Senhor Inspector JJJ relativamente às transferências versadas na acusação.
54- Prestaram-lhe as explicações suprareferidas em 39. a 42. e foram informados da irregularidade que tal constituía.
55- Tendo a arguida BB procedido à emissão do cheque referido em 20. supra.
56- A 26 de Março de 2012 os arguidos AA e BB eram credores da Cinema X ... pelo montante de setenta mil euros, de sucessivos empréstimos efectuados.
57- No ano de 2013, a Cooperativa teve de proceder a despedimento colectivo, que obrigou ao pagamento de indemnizações cujo montante total ascendeu a mais de €85 000,00.
58- Para tanto, a Cooperativa contraiu um empréstimo junto do Banco ..., mediante a garantia de hipoteca devidamente autorizada pela sua Assembleia Geral.
59- Aquele banco exigiu, como garantia adicional, para que concedesse o empréstimo, que os arguidos AA e BB avalizassem livrança subscrita sem preenchimento de valor ou data de vencimento, o que estes fizeram.
*
Quanto à motivação, no acórdão recorrido consta a seguinte fundamentação da decisão de facto [transcrição]:
Na formação da sua convicção, baseou-se este Tribunal Colectivo na análise conjugada de toda a prova produzida, valorada à luz das regras de normalidade e de experiência comum, tendo atendido, desde logo, à prova documental constante dos autos, nomeadamente:
- Fls. 59-68 e 814-821 (certidão comercial da Cooperativa X ...”); - Fls. 138 a 153 (quadro de pessoal da Cooperativa X ...”);
- Fls. 262-268 e 542-549 (Estatutos da Cooperativa X ...”);
- Fls. 300 a 307 (Relatório da Inspecção Tributária);
- Fls. 516 a 532 (Declaração de Utilidade Pública da Cooperativa X ...”);
- Fls. 565 (Acta da Cooperativa “Cinema X ...” de eleição dos Corpos Gerentes para o triénio 2011/2013);
- Fls. 566-641 e 838-849 (Actas e diversas versões dos Estatutos da Cooperativa X ...” ao longo do tempo);
- Fls. 966-990, 995-1020, 1069, 1071-1076, 1078-1082, 1085-1118, 1142-1164 (informações e extractos bancários de diversas contas bancárias tituladas pela Cooperativa X ...” no “Banco...”, “Banco 2 ...”, “Banco 3 ...”, “Banco 4 ...” e “Banco 5 ...”);
- Fls. 1180 a 1184, 1187, 1188, 1305, 1311 a 1316, 1319, 1320, 1322 a 1334, 1341,1342, 1360 a 1367, 1369 a 1375, 1380 a 1384, 1387 a 1391, 1394, 1397 a 1408, 1412, 1413 a 1421, 1424 a 1428, 1500 a 1502, 1516 a 1519, 1571 a 1575, 1583 a 1590, 1611, 1612, 1617, 1618, 1631 a 1634, 1659 a 1674, 1678, 1694, 1755 a 1770 (informações prestadas pelos vários participantes do Festival ... de 2012 e 2013 acerca da forma como adquiriram os passes e procederam ao respectivo pagamento, bem como diversos e-mails trocados com a co-arguida CC a esse respeito e comprovativos das transferências desses pagamentos para conta da arguida BB);
- Fls. 1790 a 1807 (actas, relatórios de contas de exercício e relatórios de gestão de 2010 a 2012 da “Cinema X ...”;
- Fls., 1818 a 1825 (extracto de remunerações/pensões do co-arguido AA);
- Fls. 96A a 96H do Anexo I (fichas de assinaturas e extractos bancários de conta titulada pela Cooperativa X ...” no “Banco ...).
- Fls. 89, 90, 93, 94, 97, 98, 101, 102, 105, 106, 109, 110, 113, 114, 117, 118, 121, 122, 125, 126, 129, 130, 133, 134, 137, 138, 141, 142, 145, 146, 149, 150, 153, 156, 157, 158, 161, 162, 165, 166, 169, 170, 173, 174, 177, 178, 181, 182, 185, 186, 189, 190 do Anexo II (cópia dos recibos de vencimento).
- Fls. 454 a 457, 459, 461, 478, 480 a 484, 490A a 490G do Anexo V-Vol.2 (Extractos bancários da conta bancária do Banco ... com o NIB .....).
- Anexo III (contas da cooperativa).
- Documentos juntos pelos arguidos com o requerimento de abertura da instrução e para os quais remetem na contestação, designadamente:
- Docs. 1 e 2 (Fls. 1904 e ss. - Programas dos Festivais “...”);
- Doc. 3 (Fls. 1908 - Declaração emitida pela Escola Profissional ..., comprovativa da colaboração de alunos daquela Escola como voluntários nas edições do “...”);
- Docs. 4 a 21 (Fls. 1959 e ss. - diversos recibos de pagamento de várias despesas realizadas com os Festivais “...” e de pagamento de despesas dos voluntários);
- Fls. 1667 a 1669 (troca de e-mails entre a arguida CC e um comprador de cartão de participante, comprovativo de que este fez o pagamento de €110,00 para a conta da arguida BB, quantia que depois lhe foi devolvida por esta da sua conta bancária pessoal);
- Docs. 25 e 26 (Fls. 1973 e ss. - decisão de despedimento colectivo enviada pela “Cinema X ...” à arguida CC);
- Doc. 1 junto com a contestação (Fls. 2201-mails datados de 06/12/2012 nos quais a arguida CC pede instruções ao arguido AA sobre como proceder acerca da fixação do preço dos cartões de participante);
- Doc. 2 junto com a contestação (Fls. 2202 - cópia da acta da reunião da Assembleia Geral da Cooperativa “Cinema X ...” de 26/03/2012, na qual os sócios reconhecem que, naquela data, os arguidos AA e BB eram credores da “Cinema X ...” pelo montante de €70.000,00, de sucessivos empréstimos efectuados);
- Doc. 29 junto com o requerimento de abertura da instrução (Fls. 1981 e ss – condições de contrato de mútuo bancário, no montante de €175.000,00, concedido à “Cinema X ...), com hipoteca livrança em branco avalizada pelos arguidos AA e BB).
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos na sua vertente objectiva, ancorou-se nas declarações prestadas em audiência de julgamento pelos arguidos AA e BB; no depoimento das testemunhas JJJ (inspector tributário que procedeu à inspecção tributária à Cooperativa X ...” entre 2013 e 2014), FF (a qual exerceu funções administrativas na “Cinema X ...” desde 1990 a 2019, tratando da facturação e dos pagamentos), EEE, NN, MM, RR e WW (os quais adquiriram passes para as edições de 2012 e 2013 do “...”) e na prova documental existente nos autos.
Assim e quanto ao recebimento pelos arguidos AA e BB de dinheiros pertencentes à Cooperativa X ...”, os mesmos assumiram em julgamento a prática dos factos respeitantes às transferências para contas bancárias pessoais de parte da receita arrecadada pela Cooperativa X ...” com a venda de cartões de participantes do Festival “...”, das edições de 2012 e 2013, no total de €2.810,00, tendo no entanto negado qualquer intuito de se apoderarem daqueles montantes.
Para além da confissão dos arguidos (nesta parte), as referidas transferências encontram-se documentadas nos autos a fls. 454 a 457, 459, 461, 478, 480 a 484, 490A a 490G do Anexo V-Vol.2 (Extractos bancários da conta bancária do Banco ... com o NIB .....) e vêm assinaladas no relatório de inspecção tributária de fls. 300 a 307.
A testemunha FF relatou a intervenção dos voluntários no desempenho de diversas tarefas durante a edição dos Festivais “...”, tendo explicado que os mesmos lhes entregavam (a ela e à arguida BB) os documentos comprovativos das despesas realizadas, elas entregavam-lhes o dinheiro para pagamento dessas despesas e eles assinavam os respectivos recibos e, após, entregavam todos estes documentos na contabilidade da Cooperativa.
As testemunhas EEE, NN, MM, RR e WW explicaram em audiência de julgamento que contactaram a “Cinema X ...” para se inteiraram do modo como poderiam adquirir os cartões de participante para o Festival “...” de 2012 e 2013, tendo sido instruídos pela arguida CC a procederam ao pagamento através de transferência bancária para determinado NIB, o qual correspondia a conta bancária co-titulada pelos arguidos AA e BB no Banco ...”, conforme se extrai dos diversos e-mails, já acima aludidos, trocados com a co-arguida CC a esse respeito e comprovativos das transferências desses pagamentos para aquela conta bancária com o NIB ....; tal como, de resto, foi confirmado por todos os arguidos.
Os arguidos AA e BB relataram em julgamento, de forma essencialmente coincidente, que até à edição do Festival de 2011, inclusive, a prática que era seguida na Cooperativa X ...” era a de que os arguidos AA e BB adiantavam “do seu bolso” o dinheiro que era necessário para custear as despesas correntes do Festival, tais como as despesas tidas com os convidados (deslocação, refeições, etc.) e, após o encerramento do Festival, entregavam na contabilidade da Cooperativa as respectivas facturas/recibos para serem reembolsados do dinheiro que haviam despendido. Afirmaram que durante as edições do “...” era necessário recorrer ao trabalho de voluntários que desempenhavam algumas daquelas tarefas, as quais requeriam o pagamento de inúmeras despesas correntes de valores reduzidos, o que tornava inviável – ou, pelo menos, muito difícil - os pagamentos através de multibanco ou transferência bancária. Dessa forma, a arguida BB entregava aos voluntários o dinheiro (seu e de seu marido) necessário para pagar tais despesas e, no final do Festival, esses pagamentos eram acertados em “encontro de contas” com a Cooperativa. Tal foi assim até à edição de 2011 do “...” e, na edição seguinte, os arguidos AA e BB resolveram que não tinham de continuar a adiantar “do seu bolso” o dinheiro para as ditas despesas, razão pela qual deram instruções à co-arguida CC (que na altura era Tesoureira e recebia os pedidos de aquisição dos passes pelos participantes do Festival) para que os pagamentos respeitantes à aquisição dos passes fossem efectuados directamente para as suas contas bancárias. Dessa forma, continuavam a entregar aos voluntários o dinheiro necessário para as despesas (que saía daquelas suas contas pessoais) e depois faziam contas com a Cooperativa, repondo o dinheiro recebido em excesso (se fosse o caso).
Os arguidos AA e BB reconheceram em audiência de julgamento que esta prática constituiu um erro e uma “asneirada”, mas que só ficaram cientes de que a mesma era ilegal aquando da inspecção tributária realizada em 2013 às contas da Cooperativa X ...”, quando foram confrontados pelo Sr. Inspector Tributário[1].
Ora, apelando às regras de normalidade e de experiência comum, esta explicação não se afigura razoável, posto que os arguidos AA e BB sempre poderiam ter procedido ao levantamento de dinheiro da Cooperativa para terem “fundo de maneio” para custear as despesas do Festival, sem necessidade de adiantarem dinheiro seu para aquele efeito. Na verdade, da mesma forma que, na sua versão, a arguida BB tinha que levantar dinheiro seu para entregar aos voluntários que executavam diversas tarefas no âmbito dos Festivais “...”, também o poderia fazer levantando dinheiro da Cooperativa e destinando esse dinheiro ao pagamento das referidas despesas. Dessa forma, tinha “fundo de maneio” para custear tais despesas e evitava ter de efectuar transferências bancárias e utilizar cartões de crédito/débito para o efeito.
Questionados os arguidos em audiência de julgamento sobre a razão pela qual assim não procederam, não deram explicação cabal.
Da análise de toda a prova produzida avulta uma certa “confusão” entre as contas/dinheiro da Cooperativa e as contas pessoais dos arguidos AA e BB, de que é demonstrativo o facto, acima considerado provado, de um dos adquirentes de cartão de participantes (DD) ter feito o pagamento de €110,00 por transferência bancária para a conta da arguida BB e, não tendo podido comparecer no Festival, ter-lhe sido devolvido aquele montante através de cheque emitido pela arguida BB da sua própria conta (e não da conta da Cooperativa). Este tipo de procedimento é revelador de falta de rigor na gestão das contas da Cooperativa por parte dos arguidos AA e BB e, em particular, da “confusão” entre as esferas patrimoniais da Cooperativa e daqueles arguidos.
Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da infracção, o tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos, respeitantes aos elementos objectivos da infracção, fazendo uso também das regras de lógica e experiência (compatíveis com os princípios que se reconhece regularem mentalmente a gnose) para alcançar a conclusão da intenção dos arguidos de utilizarem parte da receita arrecadada com a venda de cartões de participante dos Festivais “...” de 2012 e 2013 como se fosse coisa sua, integrando-a no seu património, bem como alcançar a conclusão da actuação livre, voluntária e consciente dos arguidos e com conhecimento do carácter ilícito (e penalmente punível) das suas condutas.
Destarte e no que concerne à intenção de apropriação dos aludidos montantes por parte dos arguidos AA e BB relevou decisivamente a circunstância de, no final das edições do Festival “...” de 2012 e 2013, os arguidos não terem procedido à reposição daquelas quantias ou efectuado qualquer “acerto as contas” com a Cooperativa relativas aos montantes indevidamente recebidos das aquisições dos cartões e, só quando foi confrontada com a “irregularidade” da prática seguida, a arguida BB ter emitido um cheque no valor de €2.774,00 a favor da “Cinema X ...” para repor aqueles montantes. Com efeito, não consta dos autos qualquer elemento documental comprovativo da reposição daquelas quantias nem desses “encontros de contas” e a testemunha JJJ, que procedeu à inspecção tributária, afirmou que, da documentação a que teve acesso, não detectou qualquer tipo de “acerto de contas” entre os arguidos AA e BB e a Cooperativa posto que não havia saídas de dinheiro das contas bancárias daqueles para a Cooperativa nos períodos considerados.
Como avulta do acervo documental acima aludido e foi, de resto, assumido pelos próprios, é inegável que os arguidos AA e BB receberam nas suas contas bancárias pessoais dinheiro proveniente da aquisição dos passes dos Festivais ... de 2012 e 2013, dinheiro esse que lhes não pertencia, antes pertencia à Cooperativa X ...”, de que eram membros da Direcção.
É certo que os arguidos AA e BB não têm formação contabilística/fiscal nem jurídica, mas são pessoas esclarecidas e com formação superior[2], pelo que não é, de todo em todo, crível que desconhecessem que não poderiam integrar em contas pessoais suas dinheiro que não lhes pertencia, antes pertencia à Cooperativa.
É certo, também, que os arguidos AA e BB são credores da “Cinema X ...” pelo montante de €70.000,00 de empréstimos que lhe foram fazendo ao longo dos anos e garantiram pessoalmente um empréstimo bancário contraído pela Cooperativa de €85.000,00. Todavia, tais circunstâncias não são susceptíveis de infirmarem o facto, comprovado, de terem integrado nas suas contas bancárias pessoais a quantia de €2.810,00, que pertencia à Cooperativa X ...”, e de só a terem restituído (na quase totalidade) quando foram confrontados pelo Sr. Inspector Tributário.
É sabido que a determinação da componente subjectiva do crime suscita, por vezes, especiais dificuldades (no caso do crime de abuso de confiança/peculato, está em causa a intenção [ilegítima] de apropriação). Afirma-se, a propósito, que, não sendo possível escrutinar os pensamentos do agente no momento em que actuou (a intenção com que o agente actua habita nos arcanos inexpugnáveis do ser humano), a intenção tem de ser deduzida de factos exteriores, perceptíveis e provados. É aqui que entra a prova “indirecta” ou “indiciária”.[3] Como é facilmente reconhecido, a ausência de prova directa não implica necessariamente o fracasso da acusação; nem o recurso à prova por presunções naturais, de facto, simples ou de experiência equivale, particularmente no caso do Direito Penal, à condenação com base em simples conjecturas, meras suspeitas, ou equívocas aparências. É que pode dar-se o caso de ocorrência de vários indícios numa mesma direcção, possuindo tais indícios uma elevada carga de persuasividade, permitindo, pois, que se alcance a certeza jurídica que legitima a condenação do arguido.
Dir-se-á, a propósito, que a falta de restituição dos montantes recebidos pelos arguidos AA e BB (levada a cabo através de atitude omissiva consubstanciada na não entrega dessas quantias ou, pelo menos, na não realização de “encontro de contas” no final de cada Festival “...”) constitui uma atitude que manifesta claramente a intenção de apropriação na medida em que implica a vontade de o agente se comportar como proprietário daqueles montantes. Admite-se, no entanto, a existência de situações de recusa motivada (por ex., pela existência de conflitos contratuais entre as partes ou pela existência de circunstâncias que impedem o cumprimento da obrigação de entrega), situações em que o elemento subjectivo da infracção será afastado.
No caso dos autos, porém, e tal como acima visto, existem indícios suficientes que levam a concluir pela verificação dos apontados elementos subjectivos da infracção. De facto, os arguidos AA e BB, dando ordens expressas nesse sentido, receberam nas suas contas bancárias pessoais pagamentos destinados à Cooperativa X ...”, sendo certo que, no momento em que tais transferências foram detectadas (aquando da inspecção tributária realizada em 2013) tais montantes não tinham sido restituídos à Cooperativa nem estavam realizados quaisquer “acertos/ encontros de contas” dessas transferências[4].
Os arguidos bem sabiam que as receitas arrecadadas com a venda de cartões de participante dos Festivais “...” de 2012 e 2013 eram receitas que pertenciam à Cooperativa X ...” e não aos próprios, não existindo qualquer razão juridicamente atendível[5] para que tais receitas tivessem sido “canalizadas” para as contas bancárias pessoais dos arguidos AA e BB. Como quer que seja e independentemente dessas “razões”, certo é que os arguidos AA e BB não podiam ignorar que tinham de entregar tais montantes à entidade sua proprietária, a Cooperativa X ...”.
Ora, sucede que os arguidos não entregaram essas quantias, no total de €2.810,00, à sua legítima proprietária, sendo que as mesmas só foram repostas/recuperadas (na sua quase totalidade) no âmbito da inspecção tributária de que foi alvo a Cooperativa X ...” no ano 2013, depois de estarem durante largos meses em poder dos arguidos.
O que tudo isto é de molde a concluir pela verificação dos elementos subjectivos da infracção: a intenção dos arguidos AA e BB de se apropriarem das sobreditas quantias em proveito próprio.
No que concerne à actuação da arguida CC em todo este procedimento, cabe notar que não foi produzida qualquer prova no sentido da imputada colaboração desta arguida no invocado plano de apropriação dos valores em causa. Efectivamente, todos os arguidos negaram veemente em julgamento esta factualidade e as testemunhas KKK e FF foram categóricas e concordantes em afirmar que a arguida CC sempre exerceu as funções de Secretária na Cooperativa e, mesmo quando formalmente aí desempenhou funções de Tesoureira (entre 2012 e 2013), continuou a exercer a actividade de Secretária, limitando-se a cumprir as ordens que lhe eram dadas pelos co-arguidos AA e BB. Tal foi enfatizado pela testemunha FF, ao referir que a arguida CC era e sempre foi uma simples funcionária da Cooperativa, sem quaisquer poderes de decisão e sem que o pagamento de facturas passassem pela sua mão. Apesar de, formalmente, ter sido Tesoureira da Cooperativa, não tomava quaisquer decisões, apenas obedecia às ordens que lhe eram dadas pelos co-arguidos AA e BB, que eram as pessoas que, de facto, “mandavam” na Cooperativa.
Tal versão dos factos é ainda corroborada pelos elementos documentais constantes dos autos, designadamente, pelo teor dos e-mails datados de 06/12/2012, nos quais a arguida CC pede instruções ao arguido AA sobre como proceder acerca da fixação do preço dos cartões de participante (doc. 1 junto com a contestação).
Acerca dos empréstimos concedidos pelos arguidos AA e BB à Cooperativa X ...”, totalizando €70.000,00, e da livrança em branco avalizada pelos mesmos como garantia de um empréstimo bancário de €85.000,00 concedido à Cooperativa, atendeu-se ao teor da cópia da acta da reunião da Assembleia Geral da Cinema X ...” de 26/03/2012, na qual os sócios reconhecem que, naquela data, os arguidos AA e BB eram credores da “Cinema X ...” pelo montante de €70.000,00, de sucessivos empréstimos efectuados, (doc. 2 junto com a contestação); bem como condições de contrato de mútuo bancário, no montante de €175.000,00, concedido à “Cinema X ..., com hipoteca livrança em branco avalizada pelo arguidos AA e BB, (doc. 29 junto com o requerimento de abertura da instrução).
Sobre a situação laboral da arguida CC na Cinema X ...”, teve-se em conta o contrato de trabalho celebrado entre a arguida CC e a Cooperativa X ...” e declaração de despedimento colectivo (docs. 25 e 26 juntos com o requerimento de abertura da instrução).
Quanto à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, valorou o Tribunal o teor dos respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.
Acerca dos factos relativos às condições pessoais, familiares, sociais e económicas dos arguidos, o Tribunal teve em consideração o teor dos relatórios sociais dos arguidos juntos aos autos.
Em relação às imputadas resoluções distintas das apuradas condutas dos arguidos AA e BB nenhuma prova foi produzida nesse sentido, tendo aqueles arguidos sido categóricos e coincidentes em afirmar que a decisão de receberem na sua conta pessoal os pagamentos dos cartões foi tomada pelos próprios após o Festival “...” de 2011, resolução essa que vigorou para os Festivais de 2012 e 2013, tendo sido, pois, uma decisão única.
Também no que concerne à factualidade acima considerada não provada sob as alíneas g), h) e i), não foi produzida qualquer prova, sendo que a única testemunha que lhe fez alusão foi a testemunha FF, a qual referiu ter conhecimento que a arguida BB pagava aos voluntários com dinheiro próprio; não soube, todavia, explicar a razão pela qual o dinheiro para custear essas despesas não saía das contas da Cooperativa, já que se tratava de despesas do Festival “...” organizado pela “Cinema X ...”. Nenhuma outra testemunha corroborou esta factualidade, sendo que a testemunha KKK afirmou que nunca se apercebeu que os arguidos AA e BB adiantassem do “seu bolso” valores para pagamento de despesas da Cooperativa e não existe evidência documental nos autos desses alegados adiantamentos.
Sobre a demais factualidade considerada não provada não foi produzida qualquer prova, sendo certo que as testemunhas inquiridas não lhe fizeram a menor alusão e inexistem nos autos elementos documentais susceptíveis, por si só, de a demonstrarem.
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Quanto à fundamentação de direito [enquadramento jurídico dos factos], no acórdão recorrido consta o seguinte [transcrição]:
3.1.1. Do crime de peculato.
A acusação/pronúncia imputa a cada um dos arguidos AA, BB e CC a prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, nº1, com referência ao artigo 386º, nº1, al. d), 26º e 30º, todos do Código Penal (... de 2012), e de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º1, com referência ao artigo 386º, nº1, al. d), 26º, 28º e 30º, todos do Código Penal (... de 2013).
Dispõe o artigo 375º, nº 1, do Código Penal: “o funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de um a oito anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”.
Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a integridade (probidade) do exercício de funções públicas pelo funcionário e, acessoriamente, o património alheio (público ou privado). O bem jurídico supra-individual assume aqui prevalência (sendo o interesse da fidelidade associado aos direitos patrimoniais do Estado que predominantemente se tutela nesta incriminação), mesmo quando é afectado reflexamente o bem jurídico individual (património do particular). Pretende-se, assim, garantir um sério e adequado funcionamento dos organismos públicos, pois só preservando o correcto (eficaz, eficiente, servindo os interesses da colectividade, de acordo com o direito e com a lei) funcionamento dos respectivos organismos públicos é que o Estado está em condições de oferecer e merecer a confiança que nele foi depositada pela comunidade.[6]
O crime de peculato distingue-se dos crimes comuns de furto e de abuso de confiança, não só pela qualidade especial do agente (funcionário), como também por se reconduzir a um abuso do exercício de funções decorrente do cargo que o agente ocupa ou à violação dos deveres funcionais (inerentes ao cargo que exerce e aqui também resultantes da relação de fidúcia que se estabeleceu quando lhe foi entregue o bem em razão das suas funções). Por isso se afirma que o crime de peculato constitui “um crime qualificado de furto ou de abuso de confiança, em função da qualidade de funcionário do agente”.[7] As acções ilícitas descritas no tipo, que constituem o crime de peculato, revelam precisamente que o funcionário actuou com abuso da função ou com violação dos inerentes deveres.
O preenchimento do tipo objectivo previsto no nº1 do artigo 375º do CP ocorre quando o funcionário ilegitimamente se apropria (em proveito próprio ou de outra pessoa) de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel (pública ou particular) que lhe tiver sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível em razão das suas funções. Pressupõe o peculato que os “objectos” ali referidos (“dinheiro ou qualquer outra coisa móvel”) foram entregues ao funcionário, estejam na sua posse ou lhe sejam acessíveis em razão das suas funções. Portanto, é preciso provar essa ligação do agente aos bens (“dinheiro ou qualquer outra coisa móvel”), ligação essa que assenta na relação de fidúcia estabelecida entre o Estado e o agente (ou seja, é por causa das funções do agente, decorrentes do cargo que ocupa, que o bem lhe é entregue, chega à sua posse ou lhe é acessível).
Objecto do crime é o “dinheiro” ou “qualquer outra coisa móvel” propriedade do Estado ou que está na posse legítima do Estado (e, nessa medida, tratando-se de coisa alheia ao agente). Indiferente é a forma como esse dinheiro está guardado (v.g. em cofre ou depositado) ou, por exemplo, se a apropriação se consuma através de transferência bancária para conta particular do agente. Tratando-se o dinheiro de coisa fungível, coloca-se sempre a questão central de saber se, quando alguém recebe dinheiro por título não translativo da propriedade[8], a sua mera confusão no património do tomador, ou mesmo o seu uso por este, devem ter-se por actos concludentes de apropriação, integrantes do tipo objectivo de ilícito. Ora, entende-se que aquela mera confusão ou o simples uso são, em si mesmos, insuficientes para integrar o elemento objectivo da apropriação, mostrando-se necessário a prova da disposição da coisa fungível de forma injustificada ou da não restituição no tempo e sob a forma juridicamente devidos, devendo ainda acrescer, é claro, o dolo correspondente.
Finalmente, saliente-se o facto de o agente dever ter conhecimento de todos os elementos do tipo, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo (artigo 16º, nº1 do CP) — saber que é funcionário, ter consciência de que se trata de bem alheio de que tem a posse em razão das suas funções e que o está a usar (ou a permitir o seu uso) para fins alheios àqueles a que se destina.
O caso dos autos.
A primeira questão que importa esclarecer é a de saber se os arguidos AA, BB e CC podem ou não ser considerados “funcionários para efeitos penais” pelo facto de, à data dos factos em discussão nos autos, desempenharem funções, como Presidente da Direcção, Tesoureira e Presidente do Conselho Fiscal, respectivamente, numa Cooperativa, pessoa colectiva de direito privado a quem foi atribuída utilidade pública.
A razão de ser da existência de uma definição legal de “funcionário” para efeitos penais reside no seguinte: alguns preceitos da legislação penal restringem o seu âmbito de aplicação aos “funcionários”, como é o caso do crime de peculato, exigindo na pessoa do agente a qualidade de funcionário. O conceito jurídico-penal de funcionário destina-se, assim, a delimitar o campo de aplicação dos diferentes tipos de crime que restringem o círculo de possíveis agentes aos “funcionários” e que, por esta razão, integram a categoria dos crimes específicos, especiais ou próprios. Daqui resulta que o preceito que a acolhe esteja sujeito aos princípios gerais de Direito Penal sobre as normas penais incriminadoras, em particular, o princípio da legalidade, com expresso reconhecimento constitucional (artigo 29º, nº1 da CRP) e legal (artigo 1º, nº1 do CP), nomeadamente, no seu corolário da tipicidade. Quer isto dizer que a existência de um conceito legal de “funcionário” para efeitos penais é uma verdadeira exigência constitucional. Do mesmo modo, uma vez que a definição que consta do artigo 386º do CP está sujeita ao mesmo princípio constitucional, ela deve ser certa, precisa e determinada, ou seja, deve traçar com todo o rigor os seus limites de aplicação, de modo a que se tornem objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objectivamente motivável e dirigível a todos os cidadãos.
Prescreve o já citado artigo 386.º do Código Penal[9]: “1. para efeitos da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar. (…)”.
Ora sucede que, tal como afirmado pelo Sr. Prof. Damião da Cunha[10], “Resulta, pois, desta legislação, mas também de uma mais correcta interpretação dos dados legais, que, ao contrário, do que defendemos no Comentário Conimbricense sobre o conceito de funcionário (cf. §§ 23 e 27 do art. 386.º), não podem nele ser integradas as pessoas colectivas de mera utilidade pública e as denominadas instituições particulares de solidariedade social (…). De facto, pressuposto essencial para a afirmação do exercício de tarefas administrativas era a base legal da sua atribuição. Nestes casos (de mera “utilidade pública”), do que se trata é de “distinguir” pessoas colectivas sem escopo lucrativo, cujos fins estatutários correspondem a interesses sociais”. (negrito e sublinhado nossos).
Como daqui se vê, em 2008, Damião da Cunha reviu a sua concepção de “funcionário” para efeitos penais, sustentando a partir daí um conceito restrito de “funcionário”, do qual excluiu as pessoas colectivas de utilidade pública, mesmo as de utilidade pública administrativa, partindo de que elas eram pessoas colectivas de direito privado e de que a inclusão no anteprojecto da referência ao desempenho de funções nos organismos corporativos e em instituições de previdência social, que o desempenho de funções em organismos de utilidade social substituiu, “foi sempre o de estar em causa uma pessoa colectiva de direito público”.
Tal entendimento foi seguido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Julho de 2010[11], em que estava em causa um crime de peculato imputado ao Presidente de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, tendo-se aí afirmado a concordância “(…) com esta nova orientação, mais restrita do conceito de funcionário para efeitos da lei penal e que aliás se insere no âmbito do principio da ultima rácio que norteia o direito penal. In casu é imputado ao arguido um crime de peculato tipificado no art. 375º do C. Penal. Esta infracção reporta-se a crimes cometidos no exercício de funções públicas. Logo, para que este crime se mostre preenchido, necessário se torna que haja o exercício de um poder um de uma função pública. A APVG é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, de direito privado que prossegue fins de utilidade pública (cfr. os art.s 2º e 5º dos seus estatutos a fls. 1425). Ora, como bem se fundamentou na decisão recorrida “Dir-se-á que a razão fundamental para que não se preencham os elementos de quaisquer crimes cometidos no exercício de funções públicas, concretamente o de peculato, reside na inaplicabilidade do conceito de funcionário (para efeito da lei penal) ao arguido, porquanto apesar de o conceito de funcionário, para efeito da lei penal, sempre ter exigido, para legitimar essa qualificação, o desempenho de funções ou actividades no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, no caso dos autos a pessoa colectiva de utilidade pública “APVG” é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal, tanto mais que o aspecto privatístico é o único a considerar, no caso dos autos, na medida em que estamos apenas perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesse privados dos seus associados, sendo unicamente no âmbito desses interesses particulares que importa circunscrever a actuação do arguido nos presentes autos, na medida em que não está em causa qualquer concreto exercício de funções públicas (eventualmente decorrentes da utilidade pública, a qual se destina a conferir essencialmente cobertura legal para uma ajuda à própria associação, quer ao nível fiscal quer ao nível de subsídios estatais, assegurando assim a sua viabilidade existencial com vista a assegurar o escopo fundacional, ou seja os interesses dos respectivos associados) – (cfr. fls. 1711). Não está em causa a utilidade pública da APVG; nem que esta, para além da função privada, também desempenha funções públicas (fins de solidariedade social). Mas in casu o objecto delineado no requerimento de abertura de instrução não respeitava àquelas funções públicas ou àquelas finalidades de solidariedade social; mas, outrossim, tinha a ver com a vida interna da APVG, com o seu património em suma com a alegação de que o arguido tinha feito suas certas quantias da APVG, tituladas por três cheques, para com elas contratar uma sociedade de advogados e pagar os seus serviços, o que teria feito no interesse dele, arguido, e em prejuízo da Associação. É, destarte, esta natureza privada (que, repete-se, tem a ver com a vida interna da APVG, com o seu património e contratos) que está aqui em causa; não a vertente respeitante ao exercício de funções públicas ou ao prosseguimento de finalidades de solidariedade social. Não pode, assim, o arguido ser considerado funcionário para efeitos penais, (,..)”. (negrito e sublinhado nossos).
Esta interpretação mais restrita do conceito de “funcionário” veio a ser consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2020[12], que fixou a seguinte jurisprudência: «O conceito de 'organismo de utilidade pública', constante da parte final da actual redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal, não abarca as instituições particulares de solidariedade social, cujo estatuto consta hoje do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de Novembro, alterado pela Lei n.º 76/2015, de 28 de Julho.». Aí se ponderou que “Se as funções em instituições particulares de solidariedade social podiam propiciar a prática de crimes de corrupção e de peculato (Secções I e II do Capítulo IV do Título V do Livro II do Código Penal), para os quais a qualidade de funcionário também é relevante, há que notar que esses mesmos comportamentos são em geral igualmente puníveis quando assumidos por não funcionários, uns como crimes patrimoniais e os outros como crimes de corrupção no sector privado). Ficaria então por explicar a razão de ser de uma punição agravada para os trabalhadores e os titulares de órgãos de pessoas colectivas de direito privado que, nem orgânica, nem funcionalmente, fazem parte da Administração Pública. Como ficaria por explicar a punição do abandono de funções, estabelecido pelo artigo 385.º do Código Penal, quando as instituições particulares de solidariedade social não se encontram obrigadas à prestação de um serviço público e podem mesmo ser extintas por vontade dos seus membros.
Não se vê por isso razão para os equiparar, mesmo que apenas para efeitos penais, aos «trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado» a que se referem os artigos 269.º a 271.º da Constituição.
A nosso ver, as Instituições Particulares de Solidariedade Social inserem-se no sector cooperativo e social, ainda que sob fiscalização do Estado [artigos 63.º, n.º 5, e 82.º, n.º 4, alínea d), da Constituição], integrando-se a sua actividade, actualmente, no âmbito da economia social (também conhecido por "terceiro sector"), autónoma e distinta da actividade do Estado, embora em cooperação com ele na prossecução de finalidades de interesse geral, a que foi dada expressão jurídica pela Lei n.º 30/2013, de 8 de Maio, desenvolvida, quanto às Instituições Particulares de Solidariedade Social, pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de Novembro.
Tal como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, referindo-se às IPSS, «[o] facto de desempenharem tarefas de interesse público não as transforma em órgãos da administração indirecta do Estado, o que de resto não se compaginaria com o enquadramento constitucional destas instituições no sector cooperativo e social (e não no sector público)»(32).
Por tudo isto, entende este tribunal que as instituições particulares de solidariedade social não devem ser consideradas «organismos de utilidade pública» e, por essa via, não deve ser considerado funcionário, para efeito da lei penal, quem desempenhe ou participe no desempenho da sua actividade.”.
A linha argumentativa utilizada pelo STJ no referido AUJ pode ser inteiramente transposta para o caso dos autos, já que, do que aqui se trata é de um crime de peculato imputado a titulares de órgãos sociais de uma Cooperativa, pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública.
De acordo com os respectivos Estatutos, a Cooperativa X..., CRL, é uma cooperativa do ramo cultural, tendo como objecto a promoção cultural e social dos seus membros através da criação, produção e difusão de audiovisuais, bem como das actividades editoriais correlativas e, designadamente:
a) a participação simultânea dos cooperadores na colocação de fundos, no trabalho material e no trabalho de direção, de acordo com os princípios cooperativos, com a partilha dos riscos e dos retornos, nos termos definidos nos presentes estatutos;
b) a formação dos seus quadros profissionais, quer ao nível cooperativo, quer ao nível técnico;
c) a organização do Festival Internacional de Cinema do ... - ..., de programas de divulgação cinematográfica, de formação de cursos ligados ao ensino do audiovisual, edição de publicações, produção e distribuição de filmes e videogramas;
d) a realização em comum e em termos cooperativos de quaisquer outras atividades que sejam úteis para as finalidades da cooperativa.[13]
Seguindo de perto a fundamentação do acórdão do TRG, acima parcialmente transcrito, dir-se-á que, no caso dos autos, a Cooperativa X ...”, pese embora tenha sido reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal. Para além disso, em causa nestes autos está apenas uma questão privatística, sendo unicamente no âmbito de interesses particulares que importa circunscrever a actuação dos arguidos. Com efeito, estamos perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesses privados dos seus cooperantes, não estando aqui em causa qualquer concreto exercício de funções públicas, eventualmente decorrentes do seu estatuto utilidade pública.
Não está em causa a utilidade pública da “Cinema X ...”; nem que esta, para além da função privada, também desempenhe funções públicas (fins de interesse e divulgação cultural). Mas, in casu, o objecto do processo, recortado na acusação pública (para a qual remete a decisão instrutória), não respeita àquelas funções públicas ou àquelas finalidades de interesse cultural, antes tem que ver com a vida interna da “Cinema X ...”, com o seu património, em suma, com a alegação de que os arguidos tinham feito suas certas quantias pertencentes à “Cinema X ...”, provenientes dos pagamentos efectuados pelos adquirentes dos cartões de participante para o Festival “...” de 2012 e 2013, o que teriam feito no interesse deles, arguidos, e em prejuízo da Cooperativa. É, destarte, esta natureza privada (que, repete-se, tem a ver com a vida interna da “Cinema X ...”, com o seu património e receitas) que está aqui em causa; não a vertente respeitante ao exercício de funções públicas ou ao prosseguimento de finalidades de interesse público (cultural).
Não podem, assim, os arguidos BB, AA e CC serem considerados “funcionários” para efeitos penais. E, não detendo os mesmos essa qualidade de “funcionários” para efeitos da lei penal, não se mostra perfectibilizado o elemento objectivo do tipo de crime de peculato de que vêm pronunciados.
No caso, não é configurável a convolação da conduta dos arguidos AA e BB14 para outro tipo de crime, nomeadamente o crime de abuso de confiança ou de furto, porquanto, o procedimento criminal pelos referidos ilícitos criminais depende de queixa - artigos 205º, nº3 e 203º, nº3 do CP, respectivamente -, a qual não foi apresentada pela respectiva titular (a Cooperativa X ...”) – artigo 113º do CP e 49º do CPP.
Assim sendo, não se verificando preenchido um dos pressupostos do tipo legal do crime de peculato imputado aos arguidos, impõe-se, sem mais delongas, por julgadas desnecessárias, a sua absolvição.
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Decidindo as questões objeto do recurso
Os arguidos AA e BB foram absolvidos na Primeira Instância da prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, com referência aos artigos 386.º, n.º 1, al. d), 26.º e 30.º, todos do Código Penal (... de 2012), e de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, com referência aos artigos 386.º, n.º 1, al. d), 26.º, 28.º e 30.º, todos do Código Penal (... de 2013), pelos quais haviam sido pronunciados. Para o efeito, entendeu o Tribunal a quo que o tipo não se mostra preenchido porque os referidos arguidos não podem ser considerados funcionários para efeitos penais, qualidade essa exigida, entre outros, ao agente do crime peculato[14]. Refere, em síntese, que a definição de funcionário que consta do art.º 386.º do C.Penal está sujeita ao princípio constitucional da legalidade, devendo ser certa, precisa e determinada, e socorre-se da interpretação restrita do conceito de “funcionário” consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020[15], cuja linha argumentativa considera aplicável ao caso dos autos, muito embora o crime de peculato seja imputado a titulares de órgãos sociais de uma cooperativa e não de uma instituição particular de solidariedade social. Diz que pese embora a Cooperativa X ... tenha sido reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal. Acrescenta que, para além disso, em causa nestes autos está apenas uma questão privatística, sendo unicamente no âmbito de interesses particulares que importa circunscrever a actuação dos arguidos. Com efeito, estamos perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesses privados dos seus cooperantes, não estando aqui em causa qualquer concreto exercício de funções públicas, eventualmente decorrentes do seu estatuto utilidade pública. Sem por em causa a utilidade pública da Cooperativa X ..., nem que esta, para além da função privada, também desempenha funções públicas (fins de interesse e divulgação cultural), acrescenta ainda que, in casu, o objecto do processo, recortado na acusação pública (para a qual remete a decisão instrutória), não respeita àquelas funções públicas ou àquelas finalidades de interesse cultural, antes tem que ver com a vida interna da “Cinema X ...”, com o seu património, em suma, com a alegação de que os arguidos tinham feito suas certas quantias pertencentes à “Cinema X ...”, provenientes dos pagamentos efectuados pelos adquirentes dos cartões de participante para o Festival “...” de 2012 e 2013, o que teriam feito no interesse deles, arguidos, e em prejuízo da Cooperativa. É, destarte, esta natureza privada (que, repete-se, tem a ver com a vida interna da “Cinema X ...”, com o seu património e receitas) que está aqui em causa; não a vertente respeitante ao exercício de funções públicas ou ao prosseguimento de finalidades de interesse público (cultural).
Entendimento diferente tem o Ministério Público, sustentando no recurso que os arguidos AA e BB devem ser considerados funcionários para efeitos penais à luz do disposto no artigo 386.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, dado serem representantes da Cooperativa X ..., a quem foi reconhecida utilidade pública. Discorda também de que a ilegítima apropriação pelos arguidos de parte do produto da venda dos bilhetes do ... consubstancie uma questão privatística que apenas se relaciona com a vida interna e receitas da cooperativa, na medida em que a sua atuação apropriativa se insere no prosseguimento de um evento cultural de reconhecido interesse público e decorrente do estatuto de utilidade pública da Cooperativa X .... Remata dizendo que a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020 apenas versa sobre a responsabilidade criminal dos funcionários das IPSS e que o raciocínio que lhe subjaz não pode ser transposto para o caso concreto até porque a natureza e regime legal que norteia as IPSS e as Cooperativas é distinto.
Vejamos.
O conceito de funcionário para efeitos penais encontra-se previsto no artigo 386.º do Código Penal, sucessivamente alterado desde 1982[16], abrangendo[17]:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
Não existindo dúvidas interpretativas em relação aos agentes referidos nas alíneas a), b), e c), o mesmo já não acontece relativamente à previsão da al. d) do citado normativo, no que concerne ao conceito de organismo de utilidade pública e, consequentemente, à atribuição da categoria de funcionário a determinadas pessoas. São duas as posições em confronto na doutrina e na jurisprudência sobre essa questão. De um lado temos a corrente que defende um conceito amplo de organismo de utilidade pública, que abarca as pessoas coletivas de direito público e, dentre as pessoas colectivas de direito privado, os entes coletivos de fim desinteressado – pessoas colectivas de utilidade pública em geral e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa[18], incluindo na categoria de funcionário todas as pessoas que ali desempenhem funções ou nelas participem. Do outro lado, temos a corrente que defende um conceito restrito de organismo de utilidade pública, considerando que a definição de funcionário não pode resultar de uma mera aplicação automática, devendo, antes, atender-se à concreta norma penal onde o comportamento típico do agente se mostra previsto, por forma a ficar demonstrado que exercia um poder público de autoridade ou uma função de natureza pública. Sufragam o primeiro entendimento Leal-Henriques e Simas Santos[19] e Paulo Pinto de Albuquerque[20], dizendo este, logo na primeira edição do seu Comentário do Código Penal, que organismo de utilidade pública é a pessoa colectiva de direito privado que é objeto de uma declaração de utilidade pública. No mesmo sentido era a posição de Damião da Cunha, expressa no Comentário Conimbricense do Código Penal[21], posição que, todavia, alterou posteriormente no estudo O conceito de Funcionário para Efeito da Lei Penal e a Privatização da Administração Pública[22]. Na primeira obra, este autor escreve que organismo de utilidade pública corresponde ao conceito, corrente no direito administrativo, de pessoa coletiva de utilidade pública, isto é, pessoas colectivas de direito privado que mereçam a qualificação de interesse público, ou seja, a declaração de utilidade pública, independentemente do substracto que lhes presida. No indicado estudo escreve, porém, que resulta de uma mais correta interpretação dos dados legais, que, ao contrário do que defendemos no Comentário Conimbricense sobre o conceito de funcionário (cf. §§ 23 e 27 do art.º 386.º), não podem nele ser integradas as pessoas coletivas de mera utilidade pública e as denominadas instituições particulares de solidariedade social (…). De facto, pressuposto essencial para a afirmação do exercício de tarefas administrativas era a base legal da sua atribuição. Nestes casos (de mera “utilidade pública”), do que se trata é de “distinguir” pessoas coletivas sem escopo lucrativo, cujos fins estatutários correspondem a interesses sociais. Em suma, exclui as pessoas coletivas de direito privado do conceito de organismo de utilidade pública. A nível jurisprudencial a questão também não é pacifica. Decidiram com base no primeiro entendimento, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2010[23] e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.02.2020[24]. Decidiram com base no segundo entendimento, entre outros, os acórdãos do STJ de 12.02.1998[25], do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.07.2010[26] e o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2020[27], sufragado pela decisão recorrida.
Considerando as posições em confronto, e muito embora os argumentos válidos em que cada uma delas se alicerça, entendemos que a Cooperativa X ..., de que os arguidos eram dirigentes, apesar do seu reconhecimento como pessoa coletiva de utilidade pública[28], não integra, de facto, o conceito de organismo de utilidade público para efeito do disposto na parte final da al. d) do n.º 1 do art.º 386.º do C.Penal. Efetivamente, sendo certo que a situação tratada e decidida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2020 não é a mesma dos presentes autos, dado dizer respeito às Instituições Particulares de Solidariedade Social e não a uma cooperativa, não podemos, todavia, deixar de concordar com o Tribunal a quo quando afirma que a linha argumentativa utilizada pelo STJ no referido AUJ pode para aqui ser inteiramente transposta. Na verdade, e em primeiro lugar, a Lei n.º 30/2013, de 8.05.2013, que estabelece, no desenvolvimento do disposto na Constituição quanto ao sector cooperativo e social, as bases gerais do regime jurídico da economia social, bem como as medidas de incentivo à sua atividade em função dos princípios e dos fins que lhe são próprios, coloca em paralelo as cooperativas e as IPSS como entidades integrantes da economia social. Ora, tal como as IPSS referidas naquele AUJ, a Cooperativa X ...”, pese embora tenha sido reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal. Acresce, para além disso, como é afirmado no acórdão recorrido, que em causa nestes autos está apenas uma questão privatística, sendo unicamente no âmbito de interesses particulares que importa circunscrever a actuação dos arguidos. Com efeito, estamos perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesses privados dos seus cooperantes, não estando aqui em causa qualquer concreto exercício de funções públicas, eventualmente decorrentes do seu estatuto utilidade pública. Refira-se, também, que não pode afirmar-se que no caso em apreço foram lesados bens jurídicos conexos com os interesses do Estado. Ainda que a Cooperativa X ... integrasse a noção de organismo de utilidade pública, como refere a Conselheira Helena Moniz na sua declaração de voto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2020, sabendo-se que o conceito de funcionário previsto no art. 386.º, al. d), do CP, resulta do conteúdo material da função exercida, impõe-se que apenas possa ser subsumida à conduta proibida pelo tipo aquele comportamento em que o agente exerça uma função no âmbito da IPSS lesando bens jurídicos conexos com os interesses do Estado. O que significa que nem todos os comportamentos podem assim ser integrados no âmbito daqueles crimes. Na verdade, o desvio de dinheiro, por exemplo, ou a utilização indevida de um bem móvel, quando se trate de dinheiro ou bem não obtido através de financiamento público, não poderá constituir um comportamento onde se possa concluir que foram lesados bens jurídicos conexos com os interesses do Estado (…). Em suma, “o conceito de funcionário não incrimina ninguém. O que “incrimina” são os próprios tipos legais de crimes, ou seja, as condutas proibidas, à luz do bem jurídico protegido pela norma”. Ora, como resulta dos pontos 16. a 18. dos factos provados, in casu, os arguidos apropriaram-se do produto das vendas de cartões de participante/livre-trânsito/bilhetes Festival de Internacional de Cinema ... – ..., produto esse que não resultou de financiamento público, mas assume natureza privada. Como sublinha o acórdão recorrido, tem, pois, a ver com a vida interna da “Cinema X ...”, com o seu património e receitas, que é o que está aqui em causa, e não a vertente respeitante ao exercício de funções públicas ou ao prosseguimento de finalidades de interesse público (cultural).
Considerando todo o exposto, concluímos que, enquanto pessoa coletiva de direito privado, a Cooperativa X ... não é abarcada pelo conceito de organismo de utilidade pública que consta da parte final da al. d) do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal. Consequentemente, os arguidos AA e BB não são funcionários para efeitos penais, não merecendo censura o acórdão recorrido na parte em que decidiu absolve-los da prática do crime de peculato pelo qual foram pronunciados, por falta de preenchimento de um dos elementos objetivos do tipo.
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Subsidiariamente, para o caso de os arguidos AA e BB serem absolvidos da prática do crime de peculato, por não preencherem legalmente a noção de funcionários para efeitos penais, entende o Ministério Público que sempre se imporia ao Tribunal a quo condená-los pela prática, em co-autoria, do crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelo artigo 234.º, n.º 1, do Código Penal, cujos elementos típicos considera estarem preenchidos. Sublinha ainda que se trata de um crime de natureza pública e cujo procedimento criminal ainda não ocorreu. Conclui que não tendo equacionado a subsunção dos factos dados como provados no supramencionado ilícito criminal, o Tribunal a quo violou aquele artigo 234.º do Código Penal.
Na sua resposta, os arguidos rebatem, alegando que o Ministério Público se limita a fazer uma reprodução genérica dos factos dados como provados, subsumindo-os na previsão do art.º 234.º do Código Penal, sem, todavia, fazer, como seria suposto, qualquer referência ao crime respetivo referido naquele preceito. Referem que não tendo sido feita tal alusão, fica-se sem saber se o procedimento criminal estaria dependente de queixa ou quais as consequências da restituição do montante apropriado, o que obsta a uma condenação, por ausência dos elementos necessários à sentença, previstos no art. 374.º, nº 1, alíneas c) e d), nº 2 e nº 3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal. Referem ainda que a decisão que os condenasse na sequência da alteração da qualificação jurídica dos factos nunca poderia ser proferida sem observância do disposto no art. 358.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.
Vejamos.
O crime de apropriação ilegítima p. e p. pelo art.º 234.º do Código Penal encontra-se inserido no capítulo V [Dos crimes contra o sector público ou cooperativo agravados pela qualidade do agente]. Dispõe a referida norma que preenche os respetivos elementos típicos quem, por força do cargo que desempenha, detiver a administração, gerência ou simples capacidade de dispor de bens do sector público ou cooperativo, e por qualquer forma deles se apropriar ilegitimamente ou permitir intencionalmente que outra pessoa ilegitimamente se aproprie. Segundo Figueiredo Dias[29], tendo em conta os propósitos politico-criminais que lhe presidiram e a essência da sua estrutura típica, tal crime constitui fundamentalmente uma forma agravada ou qualificada de crimes comuns contra a propriedade ou contra o património; não um tipo de qualquer modo “autónomo” perante aqueles[30], em nome de eventuais especificidades politico-ideológicas (porventura mesmo jurídico-constitucionalmente credenciadas) da propriedade colectiva (“socialista”) perante a propriedade privada. A doutrina expendida, acrescenta o ilustre professor, parece tornar-se indubitável quando se atenta em que para o crime em exame não comina a lei uma punição autónoma, antes derivada (e, na verdade, agravada em função) da “pena que ao respetivo crime corresponder” – o que quer que tal deva, em último termo, significar. Em boa técnica legislativa isso implica, no mínimo, que, no pensamento da lei, são essencialmente os mesmos dos crimes comuns respetivos o bem jurídico protegido, o fim e a área de proteção da norma, a estrutura típica objectiva e subjectiva. De especifico intervêm aqui apenas os elementos determinantes da qualificação ou agravação.
Feita a introdução, importa, antes de mais, esclarecer que o Tribunal a quo equacionou a convolação da conduta dos arguidos AA e BB para outro tipo de crime, nomeadamente o crime de abuso de confiança ou de furto. Não refere expressamente o crime de apropriação ilegítima p. e p. pelo art.º 234.º do Código Penal, embora a utilização do advérbio nomeadamente não exclua a hipóteses de que também o tenha feito quanto a este ilícito. Certo é, porém, que nada nos autoriza a dizer que ponderou efetivamente essa hipótese, o que, de todo o modo, como veremos de seguida, não se justificaria.
Como escreve Manuel da Costa Andrade[31], no que respeita ao referido crime, o legislador de 1982 optou por construir a infração através duma formula geral de qualificação e agravação, a partir das manifestações correspondentes dos homólogos crimes comuns contra a propriedade. Explicando o que deve entender-se como sector cooperativo para efeitos de preenchimento do tipo, diz abranger as unidades económicas “possuídas e geridas por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos (CRP, art.º 82º-4)”, caindo sob a área de tutela da incriminação as unidades económicas que, sendo propriedade pública ou privada, estão cometidas à posse e gestão de uma cooperativa. Porém, logo de seguida, fazendo apelo aos princípios hermenêuticos próprios do direito penal, refere que deve adscrever-se ao sector cooperativo o sentido específico e mais restrito, com exclusão dos chamados sector comunitário e social (ou autogestionário), que hoje, máxime depois da revisão constitucional de 1989, integram (a par do sector cooperativo sricto sensu), o complexivo e compósito “sector cooperativo e social”[32]. Inversamente, já não deve questionar-se a pertinência à factualidade típica das chamadas “régies” cooperativas ou “cooperativas com participação pública” (DL 31/84, de 21-1). Pois na medida em que não pertencem ao sector cooperativo, pertencem ao sector público, estando eo ipso cobertas pela tutela da incriminação. No mesmo sentido, podemos ver Damião e Cunha, que até vai mais longe. Escreve o referido autor que, para além de entender que o crime se mostra revogado, não tem atualmente sentido e conteúdo útil[33]. No que concerne à revogação, diz decorrer da circunstância de o regime cooperativo e outras formas societárias terem sido integrados unitariamente num sector especifico, designado sector social – completamente independente do Estado – cf. Lei 30/2013, de 8 de maio, onde segundo o art. 4.º se incluem: “As cooperativas; As associações mutualistas; As misericórdias; As fundações; As instituições particulares de solidariedade social; As associações com fins altruísticos qua atuam no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do desenvolvimento local; As entidades abrangidas pelos subsectores comunitário e autogestionário, integrados nos sectores da Constituição no sector cooperativo e social; e ainda outras entidades dotadas de personalidade jurídica, que respeitem os princípios orientadores da economia social previstos no artigo 5.º da presente lei e constem da base de dados da economia social” [34]. No que concerne à falta de sentido útil, resultará da sua falta de autonomia ou vazio de conteúdo, dado que a remissão prevista no art.º 234.º do Código Penal para efeito do preenchimento do tipo apenas pode ser para o furto ou o abuso de confiança. Ora, nem uma nem outra tipicidade se aplicam necessariamente ao caso. De facto, a coisa ilegitimamente apropriada tem que ter estado na administração, gerência do agente ou então este ter detido a capacidade para dispor dela. Assim, parece-nos que, no caso, dificilmente há furto (porque pouco plausível a afirmação da subtração) mas também só com alguma dificuldade se poderá entrever a concretização de uma hipótese de abuso de confiança, porque não há “entrega” com obrigação de restituir (adotando a posição de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS).
No caso concreto, a Cooperativa X ..., para além de ser duvidosa a sua qualificação como unidade económica, desde logo por não ser liquido que constitua uma unidade produtiva[35], faz parte do sector comunitário e social (ou autogestionário), onde se integra o sector cooperativo, que, seguindo Manuel da Costa Andrade, entendemos estar excluída da área de tutela da incriminação do art.º 234.º do Código Penal.
Assim sendo, não se mostrando preenchido um dos elementos objetivos do tipo legal de apropriação ilegítima p. e p. pelo art.º 234.º do Código Penal, não faria sentido equacionar a subsunção dos factos dados como provados no supramencionado ilícito criminal, como pretende o Ministério Público. Consequentemente, o acórdão recorrido não padece do vício de omissão de pronúncia, como sustenta no seu parecer o Senhor Procurador Geral Ajunto nesta Relação.
De todo o modo, sempre se dirá que sendo o crime em causa, como acentua Figueiredo Dias[36], uma forma agravada ou qualificada de crimes comuns contra a propriedade ou contra o património; não um tipo de qualquer modo “autónomo” perante aqueles, não vemos razões para que se lhe não aplique na integra o respetivo regime, designadamente, se for o caso, a necessidade de queixa para efeitos de procedimento criminal. No recurso o Ministério Público omite por completo qual ou quais os crimes comuns contra a propriedade ou contra o património cujos elementos típicos possam ter sido preenchidos pelos arguidos. No seu parecer, o Senhor Procurador Geral Ajunto refere como crimes base supostos pelo tipo, em ambas as suas possíveis modalidades de ação – furto e abuso de confiança, na primeira, e de infidelidade ou burla, na segunda, todos eles de natureza semipública, face aos valores em causa. Argumenta, porém, socorrendo-se da citada doutrina de Figueiredo Dias, que o crime de apropriação ilegítima é um crime específico impróprio, exigindo, pois, para a sua verificação, a presença dos elementos objetivos dos crimes base de que depende a respetiva punição, mas em tudo o mais é deles autónomo, nomeadamente quanto à natureza, que é indiscutivelmente pública[37]. Não é, porém, o que se extrai do que escreve o ilustre professor. Com efeito, em parte alguma afirma que o crime de apropriação ilegítima só não é autónomo dos crimes base no que concerne aos respetivos elementos objetivos, sendo-o quanto ao demais, designadamente, quanto à natureza. Pelo contrário, acentua e sublinha, como vimos, que é fundamentalmente uma forma agravada ou qualificada de crimes comuns contra a propriedade ou contra o património; não um tipo de qualquer modo “autónomo” perante aqueles. Em suma, tratando-se de uma forma especial dos crimes de furto e abuso de confiança[38], sempre seria de ponderar se o procedimento criminal não dependeria de queixa, tendo em conta os crimes base referidos no parecer [artigos 202.º, n.º 3, 205.º, n.º 3, 217.º, n.º 3, e 224.º, n.º 3, do Código Penal, respetivamente].
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Considerando todo o exposto, improcede o recurso.
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Sumário (da responsabilidade do relator):
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III - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

Sem custas.
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Porto, 6 de abril de 2022
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman

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[1] A testemunha JJJ.
[2] A arguida BB é licenciada em Filologia Germânica e o arguido AA frequentou o curso de Arquitectura até ao 2º ano, contando com vasto percurso como escritor, jornalista, professor, vereador, etc.
[3] Entendendo-se aqui o “indício” no rigoroso sentido de “circunstância certa a partir da qual, por indução lógica, se pode alcançar uma conclusão acerca da existência de um facto a provar”.
[4] Diga-se, ainda, em jeito de parêntesis, que a terem existido esses “acertos/encontros de contas”, sempre os mesmos teriam que ser previamente autorizados e aprovados pela Cooperativa X ...” e devidamente reflectidos nos relatórios de contas e gestão da mesma, o que nada disso se evidencia nos autos, sendo ainda certo que a testemunha KKK (o qual foi contabilista da Cooperativa X ...” durante mais de 10 anos e acompanhou a inspecção tributária de 2013) referiu em julgamento que só teve conhecimento das transferências das receitas da aquisição dos cartões para a conta bancária pessoal dos arguidos AA e BB aquando da inspecção tributária, quando tal lhe foi transmitido pelo inspector tributário. [5] Nem os arguidos a apresentaram, como acima melhor explicitado.
[6] Tal como se assinala no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2006, relatado pelo Sr. Conselheiro Dr. Santos Cabral e disponível in www.dgsi.pt, “I - O tipo legal do crime de peculato, p. e p. pelo art. 375.º do CP, configura uma dupla protecção: por um lado, tutela bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios; por outro, tutela a probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e a imparcialidade da administração pública, ou, por outras palavras, a "intangibilidade da legalidade material da administração pública", punindo casos de abusos de cargo ou função. II - Para se preencher esse tipo legal, esses dois elementos (o crime patrimonial e o abuso duma função pública ou equiparada) terão de se relacionar entre si: assim, há abuso de função pelo facto de o agente se apropriar ou onerar bens de que tem a posse em razão das funções que exerce, violando, com esse comportamento, a relação de fidelidade pré-existente - o agente "viola os limites intrínsecos do exercício da posse que lhe foi conferida em razão do seu ofício ou serviço". III - Pode dizer-se que o crime de peculato é um crime de furto qualificado ou de abuso de confiança, qualificados em razão da especial qualidade do agente.”.
[7] Acórdão do STJ acima citado.
[8] Quando a entrega de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel (sobre as quais incidam direitos patrimoniais do Estado legítimos) é feita ao agente, por causa das suas funções, mesmo que se venha a apurar que essa entrega foi ilícita (por exemplo, porque deveria ter sido antes entregue a outra pessoa), nem por isso o agente fica desonerado do seu dever de actuar como fiel depositário.
[9] O qual tem sofrido alterações, concretamente através da Lei n.º108/2001, de 28/11, e da Lei 59/2007, de 04/2007.
[10] No seu estudo “O Conceito de Funcionário para Efeito de Lei Penal e a Privatização da Administração Pública”, Coimbra Editora, 2008, alterando a sua posição vertida no Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 56, nota 69.
[11] Prolatado no processo nº1015/07.3TABRG.G1, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Proferido no processo nº733/12.9TAPFR.P1-A,S1, publicado na I Série do Diário da República de 18 de Maio de 2020, seguindo a orientação do citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/07/2010, como acórdão fundamento.
[13] Cfr. artigos 1º a 4º dos Estatutos.
[14] Como escreve Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, 2001, o agente do tipo terá de ser um funcionário (sobre este conceito cf. art. 386º), Não basta, no entanto, que se trate de um funcionário; necessário é que o funcionário, em razão das suas funções, tenha a posse do bem (cf. infra § 11 s.) objeto do crime.
[15] O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2020 [DR 1.ª Série, de 18 de maio de 2020], fixou a seguinte jurisprudência: «O conceito de 'organismo de utilidade pública', constante da parte final da actual redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal, não abarca as instituições particulares de solidariedade social, cujo estatuto consta hoje do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de Novembro, alterado pela Lei n.º 76/2015, de 28 de Julho.».
[16] O referido artigo (originário de 1982, revisto em 1995) foi alterado por três vezes, sempre numa lógica de acrescentamento, alargamento, de adição, extensão das noções precedentes. O intróito do n.º 1 e alíneas a), b) e d) e o n.º 4 actual do artigo 386.º do CP correspondem ao artigo 437.º do CP de 1982, com ligeiras alterações introduzidas em 1995. O n.º 2 do art. 386.º foi introduzido em 1995, tendo por fonte o DL 371/83, de 6 de Outubro. O n.º 3 e alíneas a), b) e c) foram alteradas em 2001. A alínea d) do n.º 3 foi aditada em 2007. E a al. c) do n.º 1 foi aditada em 2010 [Decisão Sumária STJ de 17.04.2015, do Conselheiro Raul Borges, disponível in www.dgsi.pt].
[17] Cf. n.º 1 do referido artigo.
[18] Leal-Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, Rei dos Livros, 1987, pág. 607.
[19] Loc. cit..
[20] Cf. Comentário do Código Penal…., primeira edição, 2008, pág. 914, e terceira edição, 2015, pág. 1234.
[21] Vol. III, pág. 815, 2001;
[22] Coimbra Editora, 2008;
[23] Relatado pela Desembargadora Maria da Graça Silva, disponível in www.dgsi.pt.
[24] Relatado pelo Desembargador Jorge Jacob, disponível in www.dgsi.pt.
[25] Relatado pelo Conselheiro Sá Nogueira, disponível in www.dgsi.pt.
[26] Relatado pela Desembargadora Teresa Baltazar, disponível in www.dgsi.pt.
[27] Publicado no DR n.º 96/2020, Série I, de 18.5.2020, relatado pelo Conselheiro Carlos Almeida.
[28] Despacho de 2.10.1991, publicado no DR, II Série, n.º 243, de 20.10.1991.
[29] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 515 e 523.
[30] Sublinhado nosso.
[31] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 525.
[32] Sublinhado nosso.
[33] Direito Penal Patrimonial, Sistema e Estrutura Fundamental, Universidade Católica Editora - Porto, 1:ª edição, 2017, pág. 103 a 105.
[34] Loc. cit., pág. 103.
[35] V.g. art.º 285.º, n.º 4, do Código do Trabalho, que define unidade económica como o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
[36] Loc. cit. Idem José António Barreiros, Crimes Contra o Património, 1996, pág. 245.
[37] Sobre a natureza pública do crime de apropriação ilegítima, Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, 2.ª Ed., 2015, pág. 1024.
[38] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal….., 3.ª edição atualizada, pág. 896.