Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3728/13.1TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL
PERÍODO DE REFERÊNCIA
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP201805073728/13.1TBGDM.P1
Data do Acordão: 05/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º674, FLS.48-50)
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea c) do nº 4 do artigo 239º do CIRE impõe ao devedor a obrigação de entregar imediatamente os rendimentos recebidos ao fiduciário.
II - O período de referência a ter em conta para o apuramento do rendimento disponível do insolvente deve ser mensal.
III - Os subsídios de férias e de Natal devem ser adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3728/13.1TBGDM.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Por sentença proferida a 14 de outubro de 2013, foi declarada insolvente B… e, por decisão de 18 de novembro do mesmo ano, deferido o pedido de exoneração do passivo restante, com os efeitos decorrentes do disposto no artigo 239º do CIRE, tendo sido fixado o valor correspondente a uma vez o salário mínimo nacional o montante necessário para a insolvente fazer face às suas despesas diárias.
A 30.11.2017, foi proferido o seguinte despacho:
« Requerimento de 11.01.2017 – Informe que se considera o montante indisponível reportado a 12 meses, ou seja, os valores recebidos a título de 13º e 14º mês, devem ser tidos como rendimento disponível e assim adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário. Neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 15.09.2015 e da Relação de Coimbra de 11.02.2014.
Notifique.
O fiduciário é nomeado nos termos do artigo 239º/2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Nos termos do disposto no artigo 241º/1/b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas resulta que é admissível o pagamento de remunerações ao fiduciário por adiantamentos do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor – artigo 240º/1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Não obstante, sendo constitucionalmente consagrado o direito a remuneração pela prestação de trabalho, tem o fiduciário direito a remuneração.
De facto, tem-se entendido que nos casos de inexistência de rendimento cedido não poderá deixar de ser auferida pelo Fiduciário retribuição que represente a contraprestação do seu trabalho.
Como bem consta da douta promoção que antecede, não obstante já termos adotado critério diferente, tem vindo a fixar-se jurisprudência no sentido de encontrar a solução para estas situações nas fundamentais regras relativas à fixação da remuneração constantes do Estatuto do Administrador judicial aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, ao que aderimos. Neste âmbito tem-se defendido a aplicação do disposto no artigo 30º/4 daquela Lei, com reporte ao artigo 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se preceitua que “Nos casos previstos no art.39º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador de insolvência é reduzida a um quarto do valor fixado pela portaria referida no nº1 do artigo 23º”.
Assim, decidiu-se no Acórdão da RG., de 04.05.2017, Proc. 58/14.5T8VNF.G2, disponível em www.dgsi.pt, que “(…) aplicando-se ao fiduciário o limite máximo de remuneração imposto ao administrador de insolvência nestas situações (…) – por se verificar uma identidade de situações que o justifica – não poderá aquele receber mais do que 500,00 a repartir pelos cinco anos em que durar a cessão”.
Em sentido idêntico, mas lançando mão da unidade de conta processual (1 UC por cada período anual de fidúcia), cf. Ac. da mesma RG., de 02.03.2017, Proc. 3261/11.6TJVNF.G1, também disponível em www.dgsi.pt.
Para além disso, considerando que haverá sempre despesas a suportar pelo Fiduciário, no âmbito da aplicação do mesmo normativo – artigo 30º/2 da Lei nº 22/2013, entendemos dever ser fixada também a compensação anual tendencialmente equivalente a €50,00 ou, a usarmos a unidade processual de conta e o valor mais aproximado, o correspondente a ½ UC.
Pelo exposto, fixo a título de remuneração do Exmo. Fiduciário e compensação de presumidas despesas inerentes à atividade desenvolvida o valor de 4,5 UC, a adiantar pelo IGFEJ.
Notifique».

Inconformada, a insolvente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. A insolvente não se conforma com o douto despacho, na medida em que este validou as contas e forma de cálculo do valor mensal que se encontra dispensado de cessão aos credores, na pessoa do fiduciário.
2. O valor mensal deve ser calculado numa base anual (de ano civil e fiscal) por forma a que seja possível assegurar a existência todos os meses do valor que foi estabelecido como sendo o quantum indispensável para a sobrevivência do insolvente e seu agregado familiar.
3. Assim não sendo tal cálculo efectuado dessa forma será colocada em causa a dignidade do insolvente e a sua sobrevivência, esquecendo-se o fim da criação da norma em causa (artigo 239º do CIRE).
4. Gerando-se, igualmente, para os credores uma vantagem patrimonial que de outra forma não existiria, com o correspondente prejuízo para o insolvente (na mesma medida e proporção do rendimento que perde ou poderá, num futuro, perder).
5. O douto despacho recorrido viola, assim, o vertido nos artigos 235º, 239º, 241º do CIRE e artigos 1º e 13º da Constituição da República Portuguesa, artigo 70º do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
A única questão a decidir consiste em saber se o período de referência para o apuramento do rendimento disponível da insolvente deve ser mensal ou, como aquela pretende, anual.

I. No despacho de fls. 344 a 350 foi fixado no montante equivalente a um salário mínimo nacional o rendimento que a insolvente pode dispor para prover à sua subsistência.
Considerou-se dever ser fixado o valor correspondente a uma vez o salário mínimo nacional o montante necessário para a insolvente fazer face às suas despesas diárias.
Apesar de ter sido levantada no requerimento da insolvente de 9.1.2017, a questão acabou por não ser decidida no despacho recorrido e não foi arguida a nulidade deste por omissão de pronúncia.
Não obstante, sempre se dirá que a pretensão da insolvente de que a verificação dos valores recebidos apenas seja efetuada anualmente não tem qualquer fundamento legal.
É claro que o nº 2 do artigo 240º, conjugado com o nº 1 do artigo 60º, ambos do CIRE, impõe ao fiduciário o dever de prestar anualmente informação a cada credor e ao juiz sobre a situação da exoneração do passivo restante. E no artigo 241º, nº 1, do CIRE, se estabelece-se que o fiduciário deve afetar os rendimentos recebidos a determinados pagamentos e que tal afetação é feita no final de cada ano de duração da cessão.
No entanto, os citados preceitos legais dizem respeito, exclusivamente ao estatuto e às funções do fiduciário, não dando resposta ao período de referência a ter em conta no apuramento do rendimento disponível.
A alínea c) do nº 4 do artigo 239º do CIRE dispõe expressamente que durante o período da cessão, o devedor fica obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
Impõe este preceito ao devedor a obrigação de entregar imediatamente os rendimentos recebidos ao fiduciário e, portanto, a pretensão de que o valor de tais rendimentos seja, como refere a insolvente, «analisado numa perspetiva anual», numa equiparação ao dever de apresentação de relatório anual por parte do fiduciário previsto no artigo 241º do CIRE, não tem qualquer fundamento.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, o nº 4 do citado artigo 239º, «impõe ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, às quais preside, genericamente, a preocupação de assegurar a efetiva prossecução dos fins a que é dirigida.
Neste plano, e para esses fins, importa, desde logo, que o tribunal e o fiduciário tenham conhecimento dos rendimentos efetivamente auferidos pelo devedor. Assim, não devendo este ocultá-los ou dissimulá-los, está ainda obrigado a prestar todas as informações que aquelas entidades lhe solicitem, não só quanto aos rendimentos, mas também quanto ao seu património (alínea a); cfr., ainda, alínea d))». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 906.
Deste modo, «sempre que há entradas de rendimentos no património do devedor (periódicas, esporádicas ou ocasionais), coloca-se a questão do apuramento do rendimento disponível a ceder ao fiduciário.
E a resposta a tal questão, quando o apuramento se fizer por força da combinação do corpo do nº 3 com a alínea b), i), do artigo 239º, não pode deixar de ter por referência o rendimento disponível de um determinado período. No caso, o período de referência é o de um mês». Acórdão da Relação de Coimbra, de 28.3.2017, in www.dgsi.pt.
Quanto à consideração dos valores recebidos a título de 13º e 14º mês como rendimento disponível não se vê que belisque o direito às férias ou à subsistência e dignidade humana.
Os subsídios de férias e de Natal, sendo um complemento da retribuição com a finalidade de ajudar ao gozo de férias e auxiliar nas despesas, normalmente acrescidas na quadra natalícia, nem por isso devem ser considerados imprescindíveis à satisfação das necessidades básicas da insolvente e, nesse sentido, como foi decidido, devem ser adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário.
Nem a obrigação de entregar imediatamente os rendimentos recebidos ao fiduciário, nem a consideração dos valores recebidos a título de 13º e 14º mês como rendimento disponível violam o disposto no artigo 70º do C.C., nem os princípios constitucionais previstos nos artigos 1º e 13º da CRP.
Improcede, assim, o recurso da insolvente B….
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
Sumário:
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Porto, 7.5.2018
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido