Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
184/13.8GAMGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
PROVA INDIRECTA
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RP20150114184/13.8GAMGD.P1
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova e não aos factos objecto de prova.
II - Não existe impedimento legal a que a convicção do juiz sobre a existência de um facto seja feita com recurso a presunções naturais baseadas nas regras da experiência;
III – Para tal funcione há-de existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 184/13.8GAMGD.P1
________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) n.º 184/13.8GAMGD.P1, da secção Única do Tribunal Judicial de Mogadouro o arguido B… foi submetido a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente e, em consequência, decide:
a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punível pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de € 585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros).
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil C… e, em consequência, condenar o demandado civil B… a pagar àquele o montante global de € 500,00 (quinhentos euros), acrescido de juros legais, assim discriminada:
i) € 350,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento;
ii) € 150,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.
c) Condenar o arguido B… nas custas criminais do processo, fixando-se em 2 UC a respetiva taxa de justiça, nos termos do disposto nos artigos 513.º, n.º 1 do CPP e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais por referência à tabela III.
d) Sem custas na parte civil, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea n) do Regulamento das Custas Processuais.
(…)
*
Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, no qual retira da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela pratica em autoria material na forma consumada de um crime de dano previsto e punível pelo artigo 212 nº1 do Código Penal.
O tribunal "a quo" considerou provado que:
"1. No dia 27. 10.2013, entre as, 20: 00 horas e as 20:30 horas, por motivos relacionados com desavenças anteriores de conteúdo não apurado entre ambos, o arguido B… dirigiu-se à …, em …, Mogadouro, mais concretamente nas proximidades do D…, onde munido de um objeto de características não concretamente apuradas, abeirou-se do veiculo de matricula ..-MS-.. da pertença do ofendido C…, que aí se encontrava estacionado, e riscou a pintura e a chapa das suas duas portas laterais direitas, provocando um prejuizo no valor de cerca de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros)."
2. Ao atuar da forma descrita, o arguido teve o propósito concretizado de riscar a pintura e a chapa das referidas portas do veiculo do ofendido, o que conseguiu, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu legitimo dono.
- Transcrevendo a sentença textualmente toda a acusação, sem que em audiência de julgamento se tivessem provado tais factos e para condenação a lei exige uma prova cabal e não meros indícios, como para sustentar uma acusação.
• Tal convicção do Tribunal, assentou apenas e somente no depoimento da única testemunha da acusação, depoimento prestado na audiência de julgamento em 17-03-2014, e gravado através do sistema integrado de gravação digital em CD, de 00.00.01 a 0.35.41.
- Depoimento este, prestado de forma indireta, já que a testemunha nenhum ato em concreto presenciou, nem narrou ao tribunal.
- Assim a convicção formulada pelo Tribunal, pese embora na sentença ora em crise se refira a todas as testemunhas, a única que prestou depoimento sobre os eventuais factos, foi apenas e somente a testemunha da acusação, E…,
- E esta testemunha, E…, no seu depoimento não revela conhecimento direto dos factos, ou até mesmo de um só facto, mas apenas a sua mera intuição, tanto mais que quando refere ter avistado o ora recorrente, diz que se encontrava dentro do seu veículo a fazer um telefonema ao mesmo tempo que procurava dinheiro Junto ao banco, e a alguma distancia pois havia mais carros a separa-los.
7. Assim o depoimento da testemunha E…, não pode ser suficiente para dar como provados o factos referido em 1 e 2 da sentença, nomeadamente que “munido de m objeto de características não concretamente apuradas, abeirou-se do veículo de matrícula ..-MS-.."
8.Já que a própria testemunha, E…, apenas em sede de processo referiu a pintura do veículo, pois e quando agora em julgamento referiu um gesto, não tendo referido a visão ou percepção de qualquer ato de destruição ou de danificação.
9. Tanto mais que, se a testemunha E…, tivesse presenciado ou visualizado qualquer dano, teria referido tal ao denunciante, seu amigo e proprietário do veículo, C…, e até a própria testemunha teria ido de imediato surpreender o arguido, ou pelo menos verificar e certificar-se de eventual atitude danosa.
10. Assim se a testemunha tivesse visualizado o ora recorrente a riscar o veiculo tê-lo referido de imediato ao seu amigo C… e não referido "algo" o que necessariamente levaria a que o denunciante se deslocasse á porta do D…, onde estavam, na aldeia de …, para averiguar o que se tinha passado com o seu veiculo.
11. Pois nem a testemunha, E…,- nem o próprio denunciante proprietário veículo C…, se abeiraram do mesmo para averiguar alguma eventual situação.
12- Sendo certo que e como o próprio denunciante refere que estava no café a ver um jogo da bola, mas que não liga ao futebol. (Como consta da gravação do seu depoimento minuto 00.16.14)
Mesmo assim não cuidou de ir ver o seu veículo, nem foram confirmar o estado da viatura ou se alguma coisa de estranha se passava com o veiculo, bem pelo contrario tranquilamente permaneceram no dito café.
13 - E mesmo depois de ter saído do café e com o arguido por perto nada viram, no veiculo, nem a testemunha E… nem o denunciante C….
Assim a testemunha E… prestou um depoimento comprometido no sentido de culpar o arguido B…, para desforra de vingança do seu amigo, depoimento leste baseado em meras convicções pessoais e subjetivas, não revelando conhecimento dos factos em causa nos autos, razão pela qual o seu depoimento não se revelou credível e não! pode servir para uma convicção livre do tribunal.
Do depoimento do denunciante C…:
Prestado em audiência de julgamento e gravado em suporte digital de 00.00.01 a 00.39.43., ele próprio refere que nada viu e que nada observou em relação aos factos nos presentes autos.
14- O denunciante C…, referindo-se ao denunciado / arguido, e aos factos em causa nos presentes autos que:
"eu não digo que foi ele" como consta da gravação do seu depoimento em audiência de julgamento a 17-03-214 (00.18.15)
15- Aliás o próprio denunciante em sede de audiência e julgamento refere perentoriamente que nunca foi sua intenção levar a presente questão a Tribunal, referindo expressamente:
_ "Apresentei queixa na GNR, mas a minha intenção não era vir para Tribunal, porque há coisas mais importantes para se tratar aqui"
_ "Nunca me passou pela cabeça que vinha aqui a parar". Como consta do seu depoimento prestado em audiência de julgamento em 17-03-2014 gravado em suporte digital aos minutos, 00. 24.12.
16 - Sendo sua intenção apenas participar do ora recorrente por quem nutre um grande ódio como consta do seu depoimento em sede de audiência de Julgamento e ainda das suas declarações nos presentes autos a folhas 10.
17 - Por motivos relacionados com trabalho tendo referido ter sido empregado do ora recorrente em Espanha, a quem começou por tratar por entidade patronal e imputar factos criminosos de falsificação de faturas e outros, mas que em sede de julgamento quando confrontado com a pergunta quem era a sua entidade patronal em Espanha; já referiu ser empregado de uma Empresa chamada "F…", e que esta empresa estava em nome de um senhor G…, e que este era a sua entidade patronal.
18- Assim todo o depoimento do denunciante revela uma grave animosidade, agressividade e hostilidade para com o ora recorrente,
19 - E depois de lhe ter sido perguntado quem emitiu faturas falsas, se foi o ora recorrente que falsificou faturas?
já referiu: "se não foi ele, foi o outro o G…. " (como consta da gravação do seu depoimento a 00.27.35)
20 - Assim o depoimento do denunciante foi um depoimento indireto, sem isenção que revelou elevada animosidade e sede de vingança, para com o ora recorrente, desde que trabalhou na mesma empresa que o ora recorrente em Espanha, revelando-se um depoimento sem credibilidade incoerente, apaixonado e comprometido.
21 - E como o próprio denunciante referiu, não queria que o presente processo chegasse a Tribunal, pois bem sabia carecer de razão, apenas pretendia denegrir a boa imagem e elevada reputação e bom nome de que o ora recorrente goza quer em Portugal, quer em Espanha, onde efetivamente trabalhou e por todos quantos o conhecem.
22- Assim do depoimento do denunciante, depoimento indireto, pois nada viu e de nada tomou conhecimento, referindo ainda que desconhece quando tais riscos teriam aparecido no seu veiculo, tanto mais que tem vários riscos e amolgadelas,
23 - Do seu depoimento nada resultou que possa levar o Tribunal á quo a estribar ou concluir para dar como provados os factos constantes do ponto 1 e 2, dos tactos dados provados na douta sentença ora em crise.
Tanto mais que nenhuma das testemunhas presenciou tal facto, que é imputado ao ora recorrente e que o condenou.
24- Ora não pode o Tribunal á quo fundamentar e dar como provados os factos constantes dos pontos 1 e 2 dos factos provados da sentença apenas na sua livre convicção sem que haja um único depoimento direto dos factos. Pelo que tais factos foram incorretamente julgados como provados.
25- Deste modo, face aos depoimentos quer da testemunha d acusação E… quer das declarações prestadas pelo denunciante impõe-se uma decisão diversa da recorrida, pois há erro notório na apreciação da prova e na fundamentação da sentença.
Assim a livre convicção do tribunal tem necessariamente que se fundar e estribar em depoimento de factos e não na mera elação retirada por uma única testemunha.
A livre convicção do tribunal tem necessariamente que se subordinar à razão e à lógica, e não a meras elação da própria testemunha, que nada viu. Tanto mais que na fundamentação a própria decisão enferma de vicio pois refere basear-se na convicção da testemunha e não nos factos pela mesma relatados (que não relatou) já que a única testemunha da acusação nada presenciou ou viu em concreto.
Tendo apenas referido ser sua convicção porque o recorrente trabalhou até 2008 em Espanha na mesma empresa onde trabalhou o denunciante.
26 - Sem prescindir do supra alegado e admitindo, por mera hipótese académica, que a testemunha, E…, tivesse observado qualquer ato, o que se não concede, e sempre e por via do princípio "in dúbio pro reo" sempre seria de absolver o ora recorrente dos factos dados como provados e da pratica em autoria material na forma consumada de um crime de dano previsto e punível pelo artigo 212 nº1 do Código Penal, porquanto da prova produzida não resulta elemento fundamental do preenchimento daquele tipo legal, nem foi produzida prova cabal sobre tais eventuais factos.
27- Em suma, duvidas não restam que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado e não tendo este sido também devida e cabalmente provado deve o mesmo ser absolvido do pedido de indemnização civil.
28 - Mesmo assim a prova sobre tais danos, na sentença, fundamenta-se apenas numa mera folha de fatura mas que refere ser "orçamento" e que o tribunal "a quo" considerou corno se de fatura/recibo se tratasse.

Nestes termos e nos mais de direito por Vexa supridos deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele ser revogada a sentença recorrida e, em consequência ser o recorrente absolvido do crime de dano previsto e punível pelo artigo 212 nºl do Código Penal, em que foi condenado bem como do respetivo pedido de indemnização civil.
(…)
O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
1.Factos Provados
Da discussão da causa e com relevância para a decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 27.10.2013, entre as 20:00 horas e as 20:30 horas, por motivos relacionados com desavenças anteriores de conteúdo não apurado entre ambos, o arguido B… dirigiu-se à …, em …, Mogadouro, mais concretamente nas proximidades do D…, onde munido de um objeto de características não concretamente apuradas, abeirou-se do veículo de matrícula ..-MS-.. da pertença do ofendido C…, que aí se encontrava estacionado, e riscou a pintura e a chapa das suas duas portas laterais direitas, provocando um prejuízo no valor de cerca de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
2. Ao atuar da forma descrita, o arguido teve o propósito concretizado de riscar a pintura e a chapa das referidas portas do veículo do ofendido, o que conseguiu, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu legítimo dono.
3. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
4. C… ficou angustiado por o arguido riscar o veículo automóvel sua pertença.
5. O arguido é casado e tem dois filhos com 31 e 25 anos de idade.
6. O arguido vive com a esposa.
7. O arguido está desempregado e faz trabalhos de agricultura para consumo doméstico.
8. A esposa do arguido é doméstica.
9. O arguido e a esposa não recebem subsídio de desemprego nem rendimento social de inserção.
10. O arguido vive de rendimentos de poupanças.
11. O arguido vive em casa própria e não paga empréstimo bancário pela aquisição da habitação.
12. O arguido tem dois veículos automóveis de marca Opel, modelos … e …, respetivamente dos anos de 2009 e 2000.
13. O arguido tem um trator agrícola.
14. Do certificado de registo criminal do arguido não constam registadas anteriores condenações em juízo.
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2. Factos não Provados
Nada mais se provou, designadamente com relevância para a decisão da causa não se provou que:
A. Ao constatar o risco na sua viatura, C… ficou em estado de choque e dormiu mal nessa noite;
B. A viatura referida em 1) era tratada com zelo e cuidado pelo ofendido;
C. O ofendido viveu com a ideia de que ao riscarem o veículo referido em 1) estavam a infligir uma agressão na sua pessoa;
D. O ofendido sentiu medo por ver a sua viatura riscada.
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Uma vez determinados os factos resultantes da prova produzida em sede de audiência de julgamento, cumpre salientar que apenas foram levados à factualidade provada e não provada os factos que o Tribunal considerou relevantes para a boa decisão da causa, sendo que os demais factos alegados pelo demandante civil no pedido de indemnização civil e pelo arguido na contestação à acusação pública eram conclusivos, e/ou integravam matéria de direito e/ou eram factos impertinentes e irrelevantes para a boa decisão da causa[1].
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3. Motivação
No apuramento da factualidade julgada como provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na apreciação crítica das declarações prestadas pelo arguido em conjugação com as declarações do demandante civil C… e com os depoimentos das testemunhas E…, H…, I…, J… e K…, bem como da prova documental junta aos autos, apreciada segundo as regras da experiência comum.
Assim, relativamente à prova documental junta aos autos e considerada para a formação da convicção do Tribunal, importa notar que a mesma assentou nos documentos de fls. 6 a 8 (fotografias da viatura em causa nos autos); fls. 17 (orçamento da reparação do veículo); e fls. 20 (correspondente ao registo automóvel do veículo em causa nos autos).
No que respeita à prova testemunhal, a convicção do Tribunal baseou-se na apreciação livre da prova testemunhal, tal qual a mesma se produziu em sede de audiência de julgamento, na qual sobrelevou o conhecimento pessoal e direto dos factos perguntados, a convicção e a transparência do depoimento prestado pelas testemunhas.
Assim, para prova dos factos que integram o ilícito criminal imputado ao arguido, o tribunal atendeu às declarações do demandante civil C…, em conjugação com o depoimento da testemunha E…, e com os documentos de fls. 6 a 8 (correspondentes a fotografias do veículo), de fls. 17 (correspondente ao registo automóvel) e fls. 20 (correspondente ao orçamento para reparação do veículo em causa nos autos).
Vejamos a prova produzida:
Nas declarações que prestou, o arguido negou a prática dos factos em causa nos autos.
O arguido referiu que conhece C…, por viver na mesma aldeia que ele, e que aquele trabalhou para a sua empresa, nos anos de 2004 a 2010.
Não obstante, o arguido inicialmente começa por referir que não conhece os veículos automóveis do ofendido C…, mas, no decurso do seu depoimento acaba por revelar e descrever as marcas, modelos e cores dos veículos pertença do ofendido, confirmando que C… tem um veículo automóvel de marca Toyota …, de cor azul.
O arguido revelou ainda que chegou a ver as portas laterais do lado direito do carro de C… riscadas, mas quando confrontado com as fotografias de fls. 6 a 8, o arguido refere que não reconhece o carro nelas retratado.
Por sua vez, o demandado civil C… nas declarações que prestou, confirma que, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, tinha-se deslocado no veículo em causa nos autos até ao D…, sito na localidade de …, em Mogadouro, tinha estacionado a viatura a cerca de 20 metros de distância e estava no interior do D… quando foi abordado por E…, que lhe relatou que o arguido tinha feito “algo” ao seu carro.
O demandante civil C… confirmou ainda que, na sequência do que E… lhe relatou, saiu e dirigiu-se para o seu carro, esteve a verificar a viatura e foi diretamente para casa, altura em que constatou que a viatura tinha as duas portas do lado direito riscadas.
O demandante civil C... revelou ainda que ele e o arguido estão de relações cortadas, que no dia e hora em causa nos autos, o arguido também estava no D… e revelou ainda que o arguido conhecia bem o seu veículo automóvel, porque o tinha comprado na altura em que trabalhava com o arguido e, inclusivamente, chegou a guardar esse seu carro na garagem da casa do arguido.
E, confrontado o demandante civil C… com as fotografias de fls. 6 a 8, o mesmo confirmou ainda que o risco existente na parte lateral direita da sua viatura, visível nas fotografias de fls. 7 e 8, foi causado na noite em causa nos autos e que quando se dirigiu para o D…, cerca de uma hora antes da ocorrência, foi acompanhado pelo pai e não tinha aquele risco no carro.
Por sua vez, as declarações do demandante civil C… ganham a necessária sustentabilidade em confronto com o depoimento da testemunha E… que confirmou que, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, encontrava-se no interior da sua viatura, estacionada a cerca de 6 a 7 metros de distância do carro de C…, e viu o arguido a aproximar-se daquela viatura, a olhar para os dois lados da rua, tendo em seguida o arguido metido a mão no bolso e, quando a retirou, fez um movimento com a braço, ao longo de todo o comprimento das portas do lado direito do carro de C…, e depois voltou a olhar para os dois lado da rua, tendo de seguida entrado no D….
A testemunha E…, no depoimento que prestou, descreveu a atuação do arguido quando se aproximou da viatura de C… e, pese embora revelasse que não conseguiu ver o objeto que o arguido retirou do bolso, a testemunha fez um movimento de braço, a exemplificar o movimento efetuado pelo arguido quando se aproximou do carro de C…, fazendo um movimento de braço em todo o comprimento e a deslizar.
A testemunha E… revelou ainda que depois de observar a descrita atuação do arguido, entrou no interior do D… e foi avisar C… do que havia sucedido.
A testemunha E… prestou um depoimento desapaixonado, descomprometido, espontâneo, muito seguro, consistente, objetivo e sem contradições, revelando com precisão e rigor tudo o que viu e o que não viu, tendo revelado conhecimento pessoal e direto dos factos relatados. Na verdade, a testemunha E… prestou um depoimento descomprometido e pormenorizado na descrição factual que efetuou, não revelando qualquer interesse em prejudicar nem em beneficiar o arguido nem o demandante civil, razão pela qual se revelou sincero e credível, tendo logrado o convencimento do tribunal quanto aos factos relatados.
A mais disso, o depoimento da testemunha E… ganha a necessária sustentabilidade em confronto com as declarações do demandante civil C… que, apesar de ser parte na causa, prestou um depoimento desapaixonado, seguro, logico, objetivo, coerente e sem contradições, descrevendo apenas o que viu e admitindo as circunstâncias que não assistiu, não revelando qualquer interesse em prejudicar o arguido, sendo as suas declarações consentâneas com o depoimento da testemunha E…, razão pela qual se revelou sincero e credível.
Por sua vez, impõe-se referir que as declarações do arguido não lograram o convencimento do tribunal quanto aos factos relatados, nem sequer para colocar o tribunal em estado de dúvida quanto aos factos em causa nos autos, porquanto as declarações do arguido não se revelaram lógicas, nem consentâneas, nem credíveis. Na verdade, o arguido iniciou o seu depoimento a dizer que não conhecia os veículos pertença do demandante civil, confrontado com as fotografias de fls. 6 a 8 referiu que não reconhecia o veículo nelas retratado, mas no decurso do seu depoimento acabou por descrever as marcas, modelos e cores dos veículos pertença de C… e acabou, inclusivamente, por revelar em que ano é que o veículo em causa nos autos foi comprado por C…, facto que não é consentâneo com o alegado desconhecimento dos veículos pertença do ofendido pelo arguido.
A mais disso, nas declarações que prestou, o arguido prestou declarações comprometidas, seletivas, sem espontaneidade, incoerentes e inverosímeis, não se revelando sincero nem credível face ao supra exposto e face às próprias declarações do demandante civil e ao depoimento da testemunha E…, razão pela qual o arguido não logrou o convencimento do tribunal quanto à sua versão factual, nem sequer logrou colocar o tribunal em estado de dúvida sobre os factos em causa nos autos.
A prova em Tribunal não é aritmética e não é uma soma de depoimentos, mas sim uma convicção que se afora das palavras, dos gestos, dos comportamentos e das atitudes das testemunhas e, por isso, conforme acima referimos, consideramos que o demandante civil C… e a testemunha E… foram verdadeiros nas declarações e relatos que efetuaram, atenta a forma segura, espontânea e convincente com que assumiram o que viram e o que não presenciaram, havendo coincidência nas declarações prestadas.
Desta feita, face às declarações do demandante civil em conjugação com o depoimento da testemunha E…, o Tribunal ficou convicto que a versão por eles apresentada é verdadeira, ao contrário da versão aduzida pelo arguido que, pelas razões expostas, prestou declarações seletivas, comprometidas, interessadas, incoerentes e com contradições nos moldes supra referidos, razão pela qual não logrou o convencimento do tribunal.
Por sua vez, para prova do valor dos prejuízos causados na viatura do demandante civil, o tribunal atendeu às declarações do demandante civil C… e aos depoimentos das testemunhas E… e H…, em conjugação com o orçamento de reparação junto a fls. 17.
Na verdade, a testemunha H… confirmou que acompanhou o demandante civil a uma oficina na localidade de …, Miranda do Douro, e o valor da reparação do risco existente nas duas portas laterais da viatura de C… ascendia ao montante de € 350,00, o que foi corroborado pelo demandante civil C….
A testemunha H… prestou um depoimento desapaixonado, seguro, descomprometido e sem contradições, tendo revelado conhecimento pessoal dos factos relatados, razão pela qual se mostrou credível e logrou o convencimento do tribunal.
A mais disso, impõe-se ainda referir que tal montante afigura-se consentâneo e adequado tendo em conta o valor de mercado para a reparação e pintura de uma viatura e a extensão dos danos causados pelo arguido.
Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo do arguido foram considerados provados pelo Tribunal a partir das circunstâncias de facto supra assentes, analisadas à luz das regras da experiência comum, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem e impõem concluir pela sua verificação.
Os factos relativos ao estado de espírito do demandante civil em consequência dos factos em causa nos autos, resultaram provados pelos depoimentos das testemunhas E… e H… que, sendo amigos de C…, revelaram conhecimento pessoal e direto desses factos e dada a forma espontânea e descomprometida com que depuseram, lograram o convencimento do tribunal quanto aos factos relatados.
Os factos relativos às condições socioeconómicas do arguido resultaram das declarações do arguido que, nesta parte, lograram o convencimento do tribunal, o que o tribunal valorou em conjugação com os depoimentos das testemunhas I…, J… e K…, amigos e conhecidos do arguido.
No que concerne à prova dos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal baseou-se no certificado de registo criminal, junto a fls. 19 e 69.
Quanto aos factos não provados, o Tribunal considerou não ter sido produzida prova sobre os mesmos, não tendo nenhuma das testemunhas inquiridas revelado conhecimento de tais factos
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Erro notório na apreciação da prova;
Impugnação da matéria de facto;
Violação do princípio da livre apreciação da prova;
Violação do princípio in dubio pro reo;
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
O Recorrente alega que a sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova e fundamentação.
Todos os vícios do artº 410º nº2 são vícios relativos à matéria de facto e a sua existência tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.[2]
Para que ocorra o vício do erro notório na apreciação da prova, exige-se a evidência de um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores da decisão recorrida e que se traduza em uma conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, 200.
O recorrente em momento algum indica em que parte da decisão o mesmo ocorre, invocando o referido vício do artº 410º nº2 al.c) do CPP fora das condições legais, uma vez que se limita a divergir do modo como o tribunal recorrido valorou a prova produzida em audiência, sendo que aquilo que o recorrente alega ao longo da motivação é uma incorrecta valoração da prova, e a existência de erro de julgamento, designadamente por entender que as provas que indica na motivação do recurso impõem diferente decisão, alegação que será apreciada em sede de impugnação da matéria de facto.
Quanto àquilo que o recorrente designa de erro notório na fundamentação da sentença, parece ser ainda do erro notório na apreciação da prova que o recorrente quer invocar entendido este nos termos supra expostos como a existência de distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, detectável à simples observação do homem médio.
Do texto da decisão recorrida não resulta pois a existência do vício do erro notório na apreciação da prova nem de qualquer outro dos vícios do artº 410º nº2 do CPP.
O recorrente impugna os factos provados sob os pontos 1, 2 e 3 da decisão recorrida alegando que os mesmos se encontram incorrectamente julgados.
E como provas que impõem diferente decisão indica o depoimento do demandante C… e da testemunha E….
Não obstante os tribunais da Relação conhecerem de facto e de direito nos termos do disposto no artº 428º do CPP, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” Fórum Justitiae, Maio 99.
Na verdade, fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância; não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso. Ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.
Para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a lei prevê a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência – cfr. artº 363º e 364º, ambos do CPP.
Neste caso, o recorrente tem o ónus de especificar, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, cfr. artº 412º nº 1 e 3, als.a) e b) do CPP, sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, havendo que ter em conta a interpretação afirmada no Acórdão de Fixação de jurisprudência nº 3/2012, 8 de Março de 2012 publicado no DR 1º série de 18 de Abril de 2012, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artº 412º nº3 alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”
Lidas as passagens transcritas pelo recorrente e tendo procedido à audição integral dos depoimentos indicados nos termos do artº 412º nº6 do CPP, estamos em condições de afirmar que as provas indicadas não impõem uma diferente decisão daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido.
Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º do CP, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados. Com efeito, no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, No sentido apontado, veja-se o Acórdão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.
E a lei refere provas que «impõem» e não as que «permitiriam» solução diversa, pois casos haverá em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
As declarações transcritas pelo recorrente não impõem por si uma diferente decisão, já que conforme resulta da fundamentação da sentença, o recorrente não indica diferentes provas daquelas que foram valoradas pelo tribunal, antes se limita a discordar da valoração efectuada pelo tribunal e a transcrever passagens esparsas, que não reflectem o sentido das declarações efectuadas.
Foi isso mesmo que o recorrente fez quando do depoimento do demandante C…, transcreve a passagem “eu não digo que foi ele”, pretendendo retirar da mesma a ilação de que não feita prova da dos factos provados, alegando que “na fundamentação a própria decisão enferma de vício pois refere basear-se na convicção da testemunha e não nos factos pela mesma relatados (que não relatou) já que a única testemunha da acusação nada presenciou ou viu em concreto.”
Ouvido integralmente o depoimento do demandante, verifica-se que o mesmo referiu “ eu não digo que foi ele, a testemunha é que me disse que foi ele” referindo-se à testemunha E…. Ora a testemunha E… relatou em tribunal como “viu o arguido aproximar-se daquela viatura, a olhar para os dois lados da rua, tendo em seguida metido a mão ao bolso, e quando a retirou, fez um movimento com o braço, ao longo de todo o comprimento das portas do lado direito do carro de C…, e depois voltou a olhar para os dois lados da rua, tendo de seguida entrado no D….” E como também consta da fundamentação da sentença, “A testemunha E…, no depoimento que prestou, descreveu a atuação do arguido quando se aproximou da viatura de C… e, pese embora revelasse que não conseguiu ver o objeto que o arguido retirou do bolso, a testemunha fez um movimento de braço, a exemplificar o movimento efetuado pelo arguido quando se aproximou do carro de C…, fazendo um movimento de braço em todo o comprimento e a deslizar”.
A convicção a que o tribunal chegou assentou como resulta da fundamentação, do confronto das declarações do demandante C… com o depoimento da testemunha E…, não sendo nenhum dos depoimentos indirectos, face ao que dispõe o artº 129º do CPP.
Nos termos do artº 128º do CPP, a testemunha é inquirida sobre os factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova.
Por sua vez no artº 129º do CPP estabelecem-se as situações em que o depoimento indirecto pode ser valorado, aí se prevendo no nº1 que «Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.» e no nº3 do preceito que “ Não pode, em caso algum servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.”
Como se escreveu no acórdão do STJ de 3/3/2010,[3] “O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova, e não aos factos objecto de prova, pois que o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou mas sim o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos. Assim, o depoimento indirecto não incide sobre os factos que constituem objecto de prova mas sim sobre algo de diferente, ou seja sobre um depoimento.”
Ou, socorrendo-nos das palavras do Prof. Germano Marques da Silva [4] “Conhecimento directo dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos próprios sentidos. No testemunho indirecto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos.”
No caso em análise o demandante referiu que a testemunha lhe disse que o arguido tinha feito “algo” ao seu carro. Não se trata de depoimento indirecto, pois está relatar o que percepcionou directamente da testemunha, a qual por sua vez relatou em tribunal aquilo que visionou o arguido fazer, e nessa parte também não é depoimento indirecto.
A constatação dos riscos no carro pelo demandante civil, já posteriormente em sua casa é também um facto percepcionado pela testemunha.
Afigura-se com o devido respeito que o recorrente confunde depoimento indirecto com prova indirecta, que são realidades processuais diferentes.
A prova indirecta ocorre quando o tribunal extrai de um facto conhecido um outro desconhecido que é a consequência lógica daquele.
Sobre a distinção entre prova directa e prova indirecta escreve o Prof. Germano Marques “Se se tratar de prova directa, a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal; na prova indirecta a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção.”[5]
Nada impede que a convicção sobre a existência de um facto seja feita com recurso a presunções naturais, baseadas em regras de experiência ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra[6] que “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência”. Mas “a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada por impressões.”[7].
Também a jurisprudência se vem pronunciando no sentido da admissibilidade da prova indirecta, acentuando contudo as especiais exigências que se deve ter na apreciação deste tipo de prova.
A título de exemplo no ac do STJ de 7/4/2011 proferido no proc. nº 936/08.0JAPRT.S1 em que foi relator o conselheiro Santos Cabral, para além de se acentuar que “A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas”, escreveu-se “Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente, para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.”
No caso dos autos, o facto provado de que o arguido riscou o carro do ofendido resulta inabalável da conjugação daquilo que foi visionado e relatado pela testemunha E…, com o que foi percepcionado pelo demandante cível, não se vendo outra conclusão possível da aproximação do arguido à viatura do ofendido e do gesto do braço deslizar ao longo de todo o comprimento do lado direito do carro, com o aparecimento do riscos na viatura.
É certo que o ofendido referiu que nesse dia e no dia anterior não teve a preocupação de ir verificar se a porta do lado direito tinha riscos, já que como salientou entrou pela porta do condutor e não estava com tal preocupação, tanto mais que conforme explicou o carro estava na garagem, pois tem mais de um carro e saiu naquele dia com o pai para ir ao café e o pai que entrou pelo lado do passageiro não se apercebeu de nenhum risco. Anota-se aliás que o depoimento do ofendido ao referir não ter verificado nesse dia nem no anterior se o carro tinha riscos, o que se afigura conforme às regras do normal acontecer, revelou isenção e não a animosidade que o recorrente pretendeu assacar-lhe, sendo o “episódio” das facturas a que o ofendido fez referência uma manifestação de espontaneidade estranha ao objecto deste processo, e que apenas releva no sentido de confirmar a existência de desavenças anteriores.
Em suma, a convicção formada pelo tribunal no sentido da ocorrência dos factos assenta nas provas produzidas e constantes da fundamentação, não se detectando erros de julgamento nem valoração de provas proibidas ou das regras da experiência nos termos do artº 127º do CPP.
Por fim, do texto da decisão recorrida não ressalta que o tribunal a quo tivesse tido dúvidas sobre a existência dos factos impugnados. Daí que não se vislumbre em que medida é que existiu violação do princípio in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal -cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213.
Daí que a violação deste princípio só ocorra quando resulta da decisão que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Impugna ainda o recorrente a matéria relativa ao pedido cível. Porém nesta parte não pode este tribunal conhecer da impugnação.
Nos termos do disposto no nº 2 do art. 400º do CPP, “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Sendo a alçada do Tribunal recorrido de € 5000, e uma vez que o valor do pedido é de 550 € (quinhentos e cinquenta euros), e tendo o recorrente sido condenado em 500 € (350 +150) claro se torna não estarem verificados no caso em apreço os requisitos pressupostos por lei para a admissibilidade do recurso relativo ao pedido cível, pelo que o recurso, nesta parte não se conhece.
Improcedente que é a impugnação, e mostrando-se correcta a subsunção jurídica efectuada, improcedendo pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e confirmar a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em custas fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs

Porto, 14-01-2015
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] O n.º 2 do art. 374.º do CPP determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do n.º 2 do art. 368.º do CPP, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação ou na pronúncia, ou tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
Nessa conformidade, é entendimento pacífico na jurisprudência, dada a uniformidade da orientação desde há muito sufragada pelo S.T.J. sobre este ponto (v.g. acórdãos do S.T.J. de 03.04.1991 e de 05.02.1998, CJSTJ, 1991, Tomo II, pág. 19, e CJSTJ, 1998, Tomo II, pág. 245), que aquela enumeração visa a exaustiva cognição o thema probandum, isto é, a demonstração de que o Tribunal analisou especificadamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que se revestia de interesse para a decisão da causa. Pelo que, a obrigação legal de na sentença se fazer a descrição dos factos provados e não provados se refere apenas “(…) aos que são essenciais à caracterização do crime e suas consequências juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação” (acórdão do S.T.J. de 15.01.1997, CJSTJ, 1997, Tomo I, pág. 181).
[2] Cfr. Ac.STJ de 24 de Março de 2004, proc.03P4043 (relator Henriques Gaspar)
[3] Ac. STJ de 3/3/2010, proferido no processo 886/07.8PSLSB.L1.S1, (relator Santos Cabral).
[4] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, editorial Verbo 2008, pág. 180.
[5] Curso de Processo Penal,II, editorial Verbo 2008, pág.109,110.
[6] Direito Probatório Material – BMJ 112/190.
[7] Ac. do STJ de 17/03/04 (Processo nº265/03), in http://www.dgsi.pt/jstj,nsf