Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1228/12.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: REFORMA POR VELHICE
APOSENTAÇÃO ANTECIPADA
Nº do Documento: RP201410131228/12.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não podem estender-se os efeitos que o artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho faz operar para a hipótese nele expressamente mencionada da “reforma por velhice”, à verificação da aposentação antecipada que determinou o desligamento do serviço no vínculo público que o trabalhador cumulativamente desempenhava.
II – Não é possível estender a outros contratos de trabalho de natureza privada os efeitos a que tende a aposentação voluntária antecipada, os quais se restringem ao vínculo de natureza pública no âmbito do qual a mesma foi concedida pela Caixa Geral de Aposentações.
III – A aposentação antecipada da autora por parte da Caixa Geral de Aposentações, requerida no âmbito de um vínculo laboral de natureza pública, que mantinha em acumulação com as funções docentes exercidas em execução do contrato de trabalho a tempo indeterminado estabelecido com a ré, não produz ope legis a conversão deste último em contrato a termo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1228/12.6TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… – entretanto falecida e agora representada pelos seus herdeiros habilitados C…, D… e E… –, propôs a presente acção declarativa, emergente de contrato de trabalho sob a forma de processo comum, contra F…, peticionando que seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indemnização por cessação ilícita do contrato, correspondente a um mês por cada ano de trabalho, no montante global de € 29.550,00 (vinte e nove mil quinhentos e cinquenta euros), bem como a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão judicial e, bem assim, as retribuições vencidas e vincendas, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, até ao trânsito em julgado, todas relativas a créditos laborais emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
Para o efeito alegou, em síntese: que foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, em 01 de Outubro de 1996, embora o nomen iuris do contrato celebrado nessa data fosse de “prestação de serviços”, para exercer funções de docência, como efectivamente exerceu, até 15 de Outubro de 2011; que prestava o seu trabalho nas instalações da ré, nos moldes definidos pela ré e auferindo desta uma retribuição que, à data da cessação do contrato, era de € 1.970,00; que em 11 de Agosto de 2011 a ré, sem que nada o fizesse prever, comunicou à autora por escrito a cessação do vínculo laboral, com invocação do artigo 348.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho e efeitos a partir de 15 de Outubro de 2011 e que tal comunicação configura um despedimento, que é ilícito, uma vez que a aposentação antecipada voluntária de que beneficiou com 58 anos junto do G…, onde também desempenhava funções públicas em regime de acumulação, não afectou o vínculo privado com a R.
Realizada a audiência de partes, foi comprovado nos autos o falecimento da A. verificado em 2012.10.02 e, uma vez habilitados os seus sucessores já identificados através de decisão judicial documentada a fls. 69, a R. veio a apresentar contestação na qual impugnou os factos da petição inicial e alegou, em suma, que tendo a autora requerido a sua reforma antecipada no âmbito do Estatuto da Aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública, que lhe foi deferida, o que aconteceu na pendência do contrato de trabalho que mantinha com a ré, e sendo a ré conhecedora da situação de reformada da autora, tal situação é subsumível à previsão normativa do art. 348.º, n.º 1 do CT, considerando-se, a partir de então, a termo o contrato de trabalho que vinculou autora e ré, e sendo permitido à ré fazê-lo cessar por caducidade, conforme comunicou à autora. Termina defendendo a sua absolvição do pedido.
Os herdeiros habilitados da A. responderam nos termos de fls. 84 e ss.
Foi proferido despacho saneador, não se tendo fixado a matéria de facto assente ou organizado a base instrutória.
Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto sem reclamação (fls. 110 e ss.) foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a presente acção, julgando ilícito o despedimento da autora promovido pela ré e condenando a ré a pagar aos sucessores habilitados da autora – C…, D… e E… - uma indemnização em substituição do direito à reintegração que se computa (com referência à presente data) em € 21.013,28 (vinte e um mil e treze euros e vinte e oito cêntimos) e a pagar ainda a quantia correspondente às retribuições que a autora deixou de auferir, no montante de € 4.594,33 (quatro mil quinhentos e noventa e quatro euros e trinta e três cêntimos), acrescendo juros de mora, à taxa legal, quanto ao valor das retribuições (ou parte) em dívida, a calcular desde a data do respectivo vencimento, e quanto ao valor da indemnização em substituição do direito à reintegração a calcular desde a data desta sentença, sempre até efectivo e integral pagamento.
Custas pela autora e pela ré na proporção de 1/4 e 3/4, respectivamente.
Valor da acção: € 29.550,00.
Registe e notifique.»

1.2. A R., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A autora requereu a sua reforma ou aposentação antecipada (cfr. art.ºs 21º a 24º da PI e docs nºs 5 e 6 juntos a tal articulado) no âmbito do Estatuto da Aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública aprovado pelo DL nº 498/72 de 9 de Dezembro, com as suas alterações.
2. A reforma antecipada (do Estatuto da Aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública) resulta do direito desses trabalhadores de anteciparem a sua reforma por velhice, a sua reforma ordinária.
3. A reforma antecipada de trabalhador da função pública que atingiu uma determinada idade e completou determinados anos de serviço, cabe, pois, na previsão do artigo 348º, nº 1 do CT.
4. Não existe nenhuma norma que limite os efeitos da reforma antecipada à relação laboral no âmbito da qual ela é requerida.
5. A reforma voluntária é uma condição pessoal, ligada portanto à pessoa do trabalhador e não à função desempenhada; não é sequer necessário encontrar-se empregado para requerer a reforma antecipada.
6. E também não existe nenhuma norma jurídica que limite os efeitos da reforma voluntária a contratos sujeitos ao mesmo regime de Previdência e não relativamente a contrato sujeito a regime de previdência diferente ao regime de Previdência no âmbito do qual a reforma foi requerida.
7. A condição da autora é, pois, subsumível à previsão normativa constante do artigo 348º, nº 1 do CT pelo que, tendo-se ela reformado na pendência do contrato de trabalho que mantinha com a ré, conhecida pela ré a reforma o contrato se converteu por força da lei em contrato a termo pelo período de seis meses, sem sujeição a exigências de forma nem a limites máximos de duração, dependendo a sua caducidade da simples observância de aviso prévio com a antecedência prevista na lei.
8. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 348º, nº 1 e nº 2, alínea c) do Código do Trabalho, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente, porquanto o contrato de trabalho entre recorrente e recorrida se tem de considerar a termo decorridos 30 dias sobre o conhecimento da condição de reforma voluntária da autora por velhice, tendo caducado por efeito da denúncia tempestiva da ré, sem que isso confira à autora o direito a qualquer indemnização.”
1.3. Os herdeiros habilitados da A. apresentaram contra-alegações nas quais concluiram do seguinte modo:
“1.ª) A cessação da relação jurídica estabelecida entre a primitiva Autora e o G..., em virtude de aposentação antecipada requerida no âmbito e ao abrigo do estatuto dos trabalhadores da Administração Pública não se comunica à relação laboral privada que a primitiva Autora estabelecera com a Recorrente.
2.ª) Por um lado, analisado o regime protecional da Previdência e da função pública, como bem faz a douta sentença recorrida, verifica-se que beneficiando a primitiva Autora de uma pensão de reforma antecipada pelo trabalho prestado no regime da função pública, não fica impedida de continuar a exercer outra actividade laboral – de raiz privada – que até então também vinha exercendo.
3.ª) Por outro lado, importa realçar que a reforma antecipada não se pode equiparar substancialmente à reforma por velhice prevista no n.º 1 do artigo 348.º do Código do Trabalho.
4.ª) Na verdade, o legislador ao considerar como causa de caducidade do contrato de trabalho (relação privatística) a reforma por velhice quis claramente evidenciar que a teleologia da norma é a de considerar que a partir de determinada idade (65 anos) o trabalhador poderá já não reunir as condições físicas e funcionais para o exercício da sua profissão e, por isso, não seria justo ou adequado onerar a entidade patronal ad perpetuam com as responsabilidades, designadamente, económicas desse contrato.
5.ª) Contrariamente, na reforma ou aposentação antecipada não se encontra verificada a ratio daquele preceito normativo citado.
6.ª) Para além do mais, importa realçar que a relação jurídica estabelecida entre a primitiva Autora e a Recorrente se sustenta em uma natureza contratual diversa da relação jurídica estabelecida entre a referida primitiva Autora e o G..., este último Instituto de natureza pública.
7.ª) Mais se diga que foi precisamente no âmbito da relação laboral estabelecida entre a primitiva Autora e o G... em que foi requerida a aposentação antecipada, cujos efeitos necessariamente se produziram em esse mesma relação jurídica e ao abrigo do Estatuto de Aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública.
8.ª) Este regime não pode, pois, aplicar-se à relação contratual do sector privado, razão pela qual, salvo o respeito que sempre será devido, carece de fundamento a posição assumida pela Recorrente.
9.ª) Em jeito conclusivo dir-se-á que a vicissitude operada na relação jurídica pública não se propaga à relação jurídico-laboral estabelecida entre a primitiva Autora e a Recorrente, isto é, não constitui causa de caducidade do contrato de trabalho.
10.ª) Assim sendo, a decisão unilateral da Recorrente em fazer cessar a relação de trabalho estabelecida com a primitiva Autora, sem precedência de processo disciplinar que conduzisse a justa causa de despedimento, é ilícita.
11.ª) Ilicitude que a douta sentença declarou, com as consequências legais, designadamente, decidindo condenar a Recorrente no pagamento da indemnização devida, assim como nos salários intercalares.
12.ª) Razão pela qual a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, porquanto fez correcta aplicação do Direito. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente e, por conseguinte, a douta sentença recorrida confirmada, com as legais consequências.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 2014.05.05, com efeito devolutivo.
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em douto parecer que não mereceu resposta das partes, opinou pela improcedência do recurso.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[1], aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que incumbe enfrentar consiste em saber se a aposentação antecipada da autora por parte da Caixa Geral de Aposentações, requerida no âmbito de um vínculo laboral de natureza pública que mantinha em acumulação com as funções docentes exercidas em execução da relação estabelecida com a ré, é relevante para efeitos de aplicação do regime previsto no art. 348.º, n.º 1, do CT, no âmbito desta relação laboral privada.
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3. Fundamentação de facto
3.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1 - Em 1 de Outubro de 1996, a Autora outorgou com a Ré o denominado contrato de "prestação de serviços”, que está junto sob o doc. n.º 1 da petição inicial (doc. de fls. 17 e 18), dando-se aqui todo o seu conteúdo por integrado e reproduzido, designadamente que aí (cláusulas 1ª e 2ª) a Autora declara comprometer-se a prestar à ré serviços de docência consubstanciados na leccionação das disciplinas de Estatística Aplicada e Estatística, com 6 unidades de crédito cada, correspondendo a 12 horas semanais no primeiro semestre e a 12 horas semanais no segundo semestre, durante o ano lectivo de 1996/1997, ainda a proceder à realização das avaliações periódicas, correcção de provas, lançamento de notas e comparência a reuniões indispensáveis à boa efectivação do serviço contratado.
2 - Em 1 de Fevereiro de 1997 a Autora e a Ré outorgaram o denominado contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 19 e 20 (doc. junto com a petição inicial sob o nº 2) para a Autora exercer, como efectivamente exerceu, as funções de Docência, dando-se aqui todo o seu conteúdo por integrado e reproduzido.
3 - Desde 1 de Fevereiro de 1997, pelo menos, a Autora obrigou-se, para além da leccionação das aulas, a proceder à realização de avaliações periódicas, correcção de provas, lançamento de notas e a comparecer a reuniões, tudo de acordo com as indicações e directivas da Ré.
4 - A Autora desde, pelo menos, 1 de Fevereiro de 1997, executou as suas funções de acordo com as ordens recebidas por parte da Ré, uma vez que era, como foi, esta quem estabelecia o horário de trabalho e o local da sua prestação, bem como a marcação de exames e reuniões.
5 - A Autora, pelo menos desde 1 de Fevereiro de 1997, prestava serviço sob orientação, direcção, instrução e subordinação da Ré, à qual devia obediência e respeito às ordens por esta emanadas, através dos seus responsáveis, correspondentes à vontade da Ré.
6 - A aqui Autora prestou o seu trabalho, desde 1 de Fevereiro de 1997, mediante uma retribuição mensal paga directamente pela Ré, sendo que à data da comunicação da cessação do vínculo laboral, a quantia a título de vencimento base era de € 1.970,00 (mil novecentos e setenta euros).
7 - Em 11 Agosto de 2011, a Ré, de modo unilateral, sem instauração de qualquer processo disciplinar contra a aqui Autora, comunicou a cessação do vínculo laboral, com efeitos a partir de 15 de Outubro de 2011, através de missiva remetida para o efeito, cuja cópia está junta a fls. 22 (doc. n.º 4 junto com a petição inicial) dando-se aqui o seu conteúdo por reproduzido.
8 - Para além do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré, a Autora exercia ainda funções públicas, integrada no quadro de pessoal, com nomeação definitiva, junto do G…, EPE.
9 - A Autora exercia funções públicas, em regime de acumulação com o exercício de funções privadas junto da Ré, consubstanciadas no exercício da docência, devidamente autorizado.
10 - Autora, relativamente ao vínculo jurídico da função pública que também detinha, formulou pedido de aposentação antecipada, junto da respectiva Instituição.
11 - À data do invocado pedido, a Autora desempenhava as funções inerentes à categoria de assessora principal do quadro de pessoal do referido G…, EPE.
12 - O seu pedido de aposentação antecipada foi deferido, tendo a Autora cessado o seu vínculo jurídico que havia estabelecido com a entidade pública para a qual exercia as suas funções públicas, conforme decisão da CGA que reconheceu o direito à aposentação voluntária comunicada ao G… nos termos do documento cuja cópia se encontra a fls 24 e 25 dos autos, datado de 2010.10.26 e do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Assunto: Pensão definitiva de aposentação, B…, TÉCNICA SUPERIOR
Informo V. Exa. que, ao abrigo do disposto no artigo 97.º do Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei nº498/72, de Dezembro -, lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2010-10-26, da Direcção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no D.R. II Série, nº50 de 2008-03-11), sendo sido considerada a situação existente em 2010-10-26, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redacção dada pelo D.L. 238/2009, de 16 de Setembro. O valor da pensão para o ano de 2010 é de € 1.997,17 e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 2, da Lei nº 60/2005, de Dezembro, alterado pela Lei nº 52/2007 e com a redacção dada pelo artigo 30º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, com base nos seguintes elementos: (…)»[2].
13 - A Autora, à data da comunicação da decisão referida em 12, tinha 58 anos.
[...]».
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a decisão de facto e não ocorre qualquer das situações que autorizam o Tribunal da Relação a alterá-la oficiosamente ou a determinar a sua ampliação (cfr. o artigo 662.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Os factos em análise nestes autos ocorreram no âmbito da vigência do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 [cfr. o artigo 7.º, n.ºs 1 e 5, alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro].
Deverá ainda ter-se presente:
- a Lei n.º 4/2009, de 29/01 (Regime de protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas),
- o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro[3] e
- o Estatuto do Aposentado que se mostra regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro[4]
- Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio (define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social)[5].
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4.2. Alega a recorrente, essencialmente, que a A. requereu a sua reforma ou aposentação antecipada no âmbito do Estatuto da Aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública aprovado pelo DL nº 498/72 de 9 de Dezembro, com as suas alterações, o que cabe na previsão do artigo 348º, nº 1 do CT, pois não existe nenhuma norma que limite os efeitos da reforma antecipada à relação laboral no âmbito da qual ela é requerida (sendo a reforma voluntária uma condição pessoal, ligada à pessoa do trabalhador e não à função desempenhada) e também não existe nenhuma norma jurídica que limite os efeitos da reforma voluntária a contratos sujeitos ao mesmo regime de Previdência e não relativamente a contrato sujeito a regime de previdência diferente do regime de Previdência no âmbito do qual a reforma foi requerida.
E daqui conclui que, sendo a condição da autora subsumível à previsão normativa constante do artigo 348º, nº 1 do CT, tendo-se ela reformado na pendência do contrato de trabalho que mantinha com a ré, conhecida pela ré a reforma, o contrato se converteu por força da lei em contrato a termo pelo período de seis meses, dependendo a sua caducidade da simples observância de aviso prévio com a antecedência prevista na lei.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 343.º, alínea c) do Código do Trabalho, o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
Por seu turno o artigo 348.º do Código do Trabalho dispõe nos seguintes termos:
«Conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos
1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma».
A sentença recorrida considerou que este regime se mostra previsto para a situação «normal» de a reforma do trabalhador ser concedida no âmbito do regime geral da Segurança Social, para trabalhadores adstritos a contratos de trabalho sujeitos ao Código do Trabalho, no âmbito dos quais são efectuadas as quotizações e contribuições com vista a garantir a pensão de reforma.
E, depois de referir que “a situação regra da vida, que houve necessidade de regular, é a das relações laborais singulares – um contrato de trabalho; (um)trabalhador/(um)empregador – e não por reporte a vários vínculos laborais que o trabalhador possa ter com diversos empregadores e ainda menos com diversos contratos de trabalho sujeitos a diferentes regimes de Previdência”, enunciou que a questão fundamental consiste em saber “se as normas que existem (v.g. as supra mencionadas) atribuem o efeito pretendido pela ré a relação de trabalho diversa, e sujeita a um regime de Previdência diferente, daquela no âmbito da qual foi concedida a reforma antecipada” e analisou as normas legais pertinentes nos seguintes termos:
«Desde logo o Estatuto da Aposentação (DL 498/72, de 09/12) prevê, no art. 78.º/1 sob a epígrafe de Incompatibilidades que “Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.”
Donde, não se prescreve aí a impossibilidade de um aposentado da função pública permanecer como trabalhador de uma entidade privada.
Também, no preâmbulo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, que define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, adiante designado por regime geral (cf. art. 1.º/1) pode ler-se que “No sentido ainda de moralizar a opção pelo regime e atendendo às suas consequências quer no sistema de pensões quer no mercado de trabalho, estabelece-se agora a proibição de acumulação da pensão antecipada com a continuação imediata de prestação de trabalho na mesma empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua actividade profissional antes da reforma”.
Isto é, mesmo no domínio do mesmo regime (regime geral da segurança social) a lei veio estabelecer, neste particular, a proibição de acumulação da pensão antecipada com a continuação imediata de prestação de trabalho na mesma empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua actividade profissional antes da reforma, mas não proíbe tal acumulação caso se trate de continuação de prestação de trabalho a empregador diferente, isto é, noutra empresa em que já trabalhasse mas que não a empresa ou grupo empresarial onde o pensionista desenvolvia a sua actividade profissional antes da reforma.
“1 - A acumulação da pensão de velhice com rendimentos de trabalho é livre, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (…)
3 - É proibida a acumulação de pensão antecipada de velhice, atribuída no âmbito da flexibilização, com rendimentos provenientes de exercício de trabalho ou actividade, a qualquer título, na mesma empresa ou grupo empresarial, por um período de três anos a contar da data de acesso à pensão antecipada.
(…)” – art. 62.º
Como, a nosso ver, em consonância e harmonizando-se com o defendido supra, se defendeu em Ac. do STJ de 07/02/2007 (in www.dgsi.pt/jstj, Proc. 06S3320) “sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos do trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo” (cf. ponto II do respectivo sumário).
Depois, convenhamos que se é verdade que a aposentação ordinária do trabalhador é voluntária (cf. art.s 36.º/2, 1.ª parte, e 39.º/1 do Estatuto da Aposentação) – como voluntária foi no caso da autora – a aposentação antecipada não é bem a mesma coisa que a aposentação ordinária.
Estabelece o Estatuto da Aposentação no art. 37.º/1, que rege sob as Condições de aposentação:
“1. A aposentação pode verificar-se, independentemente de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar, pelo menos, 65 anos de idade e 15 de serviço.”
O mesmo Estatuto, no seu artigo 37.º-A, e sob a epígrafe Aposentação antecipada prevê:
“1. Podem requerer a aposentação antecipada, independentemente de submissão a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, os subscritores da Caixa Geral de Aposentações com, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço.
2. O valor da pensão de aposentação antecipada prevista no número anterior é calculado nos termos gerais e reduzido pela aplicação de um fator de redução determinado pela fórmula 1 - x, em que x é igual à taxa de redução do valor da pensão.
(…)” (sublinhado meu)
Outrossim no que tange ao regime do DL 187/2007 este estabelece, no seu art. 2.º, que rege sobre a Caracterização das eventualidades:
“(…)
2 - Integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima legalmente presumida como adequada para a cessação do exercício da actividade profissional.
(…)”
E o seu artigo 20.º acrescenta:
“Idade normal de acesso à pensão de velhice
O reconhecimento do direito a pensão de velhice depende ainda de o beneficiário ter idade igual ou superior a 65 anos, sem prejuízo dos seguintes regimes e medidas especiais de antecipação:
a) Regime de flexibilização da idade de pensão de velhice;
b) Regimes de antecipação da idade de pensão de velhice, por motivo da natureza especialmente penosa ou desgastante da actividade profissional exercida, expressamente reconhecida por lei;
c) Medidas temporárias de protecção específica a actividades ou empresas por razões conjunturais;
d) Regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração.”
Ademais prescreve, no artigo 21.º:
“Flexibilização da idade de pensão de velhice
1 - A flexibilização da idade de pensão de velhice, prevista na alínea a) do artigo anterior, consiste no direito de requerer a pensão em idade inferior, ou superior, a 65 anos.
2 - Tem direito à antecipação da idade de pensão de velhice, no âmbito do número anterior, o beneficiário que, tendo cumprido o prazo de garantia, tenha, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaça esta idade, tenha completado 30 anos civis de registo de remunerações relevantes para cálculo da pensão.
3 - A flexibilização da idade de pensão de velhice pode verificar-se no âmbito do regime da pensão unificada.” (são também meus os realces)
Das normas legais citadas, interpretadas de forma conjugada, e com o devido respeito por diverso entendimento, uma coisa se retira de forma clara:
O legislador entendeu como idade mínima legalmente presumida como adequada para a cessação do exercício da actividade profissional a idade de 65 anos, e é com referência a esta idade que, em ambos os casos, e atendendo a essa presunção, faculta aos trabalhadores requererem a aposentação ordinária/reforma por velhice.
Não se desconhecendo que políticas de emprego (dar lugar aos mais novos) poderão entrar também em linha de conta para o achamento dessa «adequação», e mesmo que (apurado casuisticamente) o trabalhador pode ter envelhecido mas continuar um trabalhador válido e quiçá valioso (como diz João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª Ed., Coimbra Editora, pág. 373), não é menos pacífico o entendimento de que o avançar da idade, e considerando a normalidade das coisas, condiciona o grau de aptidão, v.g. física, para o exercício de funções, e que esta questão entra também na equação para encontrar a idade adequada para a reforma (consagra-se uma espécie de presunção de que o trabalhador já não está tão apto para continuar a desenvolver a sua actividade, não se impondo ao empregador uma prestação que, nessas condições, pode já não lhe interessar).
A aposentação antecipada, como a reforma antecipada, aliás, sendo também voluntária, assenta em diferentes pressupostos e exige diferentes requisitos – podendo acontecer tendo o trabalhador tão só a idade de 55 anos, e assim quando, em princípio e à partida, seria expectável que o trabalhador permanecesse no mercado de trabalho por mais uns bons anos, e sendo natural que o trabalhador isso mesmo almeje.
E o que a autora requereu, e lhe foi deferido, no âmbito do vínculo na função pública que também tinha, foi a aposentação antecipada, e sendo que a autora tinha então 58 anos de idade – cf. pontos 8, 10, 12 e 13 da matéria de facto.
E porque as situações são substantivamente diferentes, parece-nos inócua, sem quebra do devido respeito, a asserção exposta pela ré em 22.º da contestação, e inidónea para alcançar a conclusão a que chega em 23.º do mesmo articulado.
Daí que afigura-se sem sustentação legal a equiparação sufragada pela ré.
Até porque, também no regime geral de segurança social o reconhecimento do direito à pensão de velhice depende (para além dos outros requisitos previstos, como o do preenchimento do prazo de garantia) de apresentação de requerimento por parte do trabalhador – cf. art. 10.º do DL 187/2007 – e a entender-se como defende a ré está-se a impor a reforma numa situação em que a lei a estabelece como voluntária.
E tendo ainda presente que a autora no I.P.O. exercia funções inerentes à categoria de assessora principal e na ré funções de docência (cf. pontos 8, 9 e 2, 3 e 11 da lista dos factos provados), bem pode acontecer que a autora se sentisse capaz de exercer as funções de docência mas já não aquelas no I.P.O., parecendo de uma violência injustificada obrigá-la a deixar de trabalhar na ré tão só porque requereu a aposentação da função pública.
Face a todo o exposto, entendemos que a questão supra enunciada tem resposta negativa, e que a comunicação da ré à autora de cessação do vínculo laboral constitui um despedimento ilícito – cf. art. 381.º c) do CT.»
Sufragamos, na sua essencialidade, estas considerações que, aliás, estão em consonância com jurisprudência já emitida pelos tribunais superiores no sentido de que o artigo 392.º do Código do Trabalho de 2003 [equivalente ao art. 348.º do Código do Trabalho de 2009], por referência também ao disposto na al. c) do art.º 387.º do mesmo código [equivalente ao art. 343.º, alínea c) do Código do Trabalho de 2009], regulam uma situação muito específica e concreta – a da existência de uma relação laboral fundada num contrato de trabalho por tempo indeterminado que, apesar da reforma por velhice comunicada ao trabalhador e ao empregador e que geraria normalmente a caducidade do correspondente vínculo, se continua a desenvolver por um período superior a 30 dias contado desde a última das comunicações feita a um deles pela Segurança Social, com referência à concessão da dita reforma em razão da idade do empregado – e de que a empregadora não pode considerar, por sua auto recriação e em virtude da aposentação do trabalhador da função pública, que havia caducado o contrato de trabalho por tempo indeterminado de natureza privada que mantinha, paralelamente, correspondendo a denúncia oportunamente feita, nessa medida, a um despedimento ilícito, porque não precedido de procedimento disciplinar e de invocação de justa causa – cfr. os Acórdãos da Relação de Lisboa de 24 Abril de 2013, Processo n.º 881/11.3TTLSB.L1-4 e de 18 de Dezembro de 2013, Processo n.º 751/12.7TTLSB.L1-4, ambos in www.dgsi.pt.
Partem estes arestos da constatação de que, do ponto de vista dos regimes legais contributivos e de protecção social dos funcionários públicos e dos trabalhadores assalariados do sistema privado, resultam uma lógica e regulamentação próprias e independentes da dos demais, concluindo da interpretação e confronto dos diplomas envolvidos – o citado Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, a Lei n.º 4/2009, de 29/01 (regime de protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas), a Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro (código contributivo), que revogou as normas e diplomas elencados no artigo 5.º de tal Lei, entre eles, o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9/05 e o Decreto-Regulamentar n.º 12/83, de 12/02 (regime jurídico das contribuições para a Previdência), Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro (regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social), depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio (regime de protecção nas eventualidades de invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social), Decreto-Lei n.º 141/91, de 10/04 (regime de acumulação de pensões), Decreto-Lei n.º 199/99, de 08/06 e Decreto-Regulamentar n.º 26/99, de 27/10 (taxas contributivas) e o Decreto-Lei n.º 8-B/2002 de 15 de Janeiro (estabelece normas destinadas a assegurar a inscrição das entidades empregadoras no sistema de solidariedade e segurança social e a gestão, pelo instituto de gestão financeira da segurança social, do processo de cobrança e pagamento das contribuições e quotizações devidas à segurança social) – que “o legislador tem mantido a distinção entre o sistema contributivo e de proteção dos funcionários públicos e equiparados (situação em que o Autor se encontrava face ao Estado) e o seu congénere, gizado para os trabalhadores por conta de outrem, que prestam serviço ao abrigo de um contrato de trabalho, como era o caso do vínculo firmado entre a Apelada e a Ré”[6].
Deve ainda acrescentar-se que, como bem nota a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a letra do artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho não inclui a situação sub judice na sua previsão que expressamente prevê as situações de “reforma por velhice”, já que como resulta dos ponto 10. e 13. dos factos provados, a recorrida formulou pedido de “aposentação antecipada” no âmbito da função pública e o mesmo foi-lhe concedido aos 58 anos.
Na verdade, a interpretação feita pela recorrente de que a reforma antecipada de trabalhador da função pública cabe na previsão do artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho não tem o apoio mínimo no teor literal da norma que qualquer interpretação deve ter para se manter dentro do quadro hermenêutico consagrado no artigo 9.º do Código Civil. O artigo 348.º do Código do Trabalho menciona expressamente a “reforma por velhice” e não faz qualquer menção, ainda que indirecta, susceptível de nele abarcar a situação do trabalhador que se aposentou no âmbito da função pública, maxime do trabalhador que se aposentou voluntariamente e longe ainda de atingir os limites de idade pressupostos no artigo 348.º.
Tais limites situam-se nos 65 anos (assim o pressupõe o n.º 1 do artigo 348.º, interpretado em consonância com o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, segundo o qual “o reconhecimento do direito a pensão de velhice depende ainda de o beneficiário ter idade igual ou superior a 65 anos”, sem prejuízo dos regimes e medidas especiais de antecipação previstos nas suas alíneas[7], e que, no caso, se não verificam) e nos 70 anos (assim o referencia expressamente o n.º 3 do mesmo artigo 348.º).
Acresce que é esta a interpretação que melhor se coaduna com a teleologia da norma.
Com efeito, o regime da caducidade do contrato de trabalho por reforma (artigo 343.º) e o regime especial de precarização da relação laboral estabelecido para os casos em que o trabalhador continua ao serviço do empregador depois do conhecimento por ambas as partes da “reforma por velhice” (n.ºs 1 e 2 do artigo 378.º), ou depois de o trabalhador atingir os “70 anos de idade” (n.º 3 do artigo 378.º) encontram a sua razão de ser na preocupação de promoção do emprego inter-geracional, facilitando o acesso dos mais jovens ao mercado de trabalho[8]. Assim sucedia já no âmbito do Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho, que consagrou no artigo 8.º, n.º 1, a caducidade do contrato de trabalho por reforma do trabalhador e com o artigo 5.º, n.º 2 da LCCT aprovada pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que pela primeira vez previu a sujeição do contrato de trabalho a um termo com um regime específico.
Como escreve Monteiro Fernandes[9], do ponto de vista político-legislativo, entreviu-se na consagração da caducidade do contrato de trabalho por reforma por velhice [em 1975] “a preocupação de libertar postos de trabalho a partir de certo momento – o da obtenção da reforma – no contexto de uma grave crise de desemprego” e no regime especial da sujeição ope legis a termo do contrato [em 1989] existe “uma afinidade funcional com o regime da caducidade por reforma”, ou seja, surpreende-se nele o objectivo de promover a distribuição do emprego entre gerações elegendo uma determinada idade, já avançada, como causa de caducidade do contrato de trabalho ou do estabelecimento de um regime laboral especial caso o trabalhador idoso se mantenha ao serviço.
Em perspectiva não totalmente coincidente, o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 581/95[10] (que analisou a constitucionalidade de algumas normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), situou a razão de ser da norma na tutela da “relação comutativa das prestações no contrato”, referindo que:
«Não se trata de assentar a argumentação numa ideia de «incapacidade presumida». Trata-se de, em consonância com as ponderações que subjazem ao próprio instituto da reforma, afirmar que a idade avançada leva em si a eventualidade do cansaço e da diminuição de capacidade e que isso dá ao trabalhador o direito de ir descansar, com garantia de subsistência.
Esta recuperação do status da pessoa por via da segurança social em nome da dignidade, que se constitui no sistema como direito, combina-se, aqui, no controlo de constitucionalidade, com a análise de «perspectiva comutativa» do contrato de trabalho (e isso sem prejuízo da especial feição do equilíbrio das liberdades neste tipo de contrato). É que, se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de trabalho, não seria razoável que a partir da criação do pressuposto de facto que justifica aquela alternativa — a idade da reforma— a entidade empregadora fosse obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com mais de 65 anos.»
Apesar desta diferente perspectiva, este aresto não deixa de situar também a causa que justifica estes regimes no atingimento de uma determinada idade avançada que tornará o trabalhador, em princípio, menos produtivo, justificando a caducidade do contrato de trabalho ou a sua sujeição a termo com um regime específico[11].
Assim, não só porque a aposentação antecipada da A. no âmbito da função pública não encontra guarida literal no invocado artigo 348.º do Código do Trabalho, mas também porque a trabalhadora não havia atingido os limites etários nele pressupostos, em correspondência com a teleologia do preceito, e porque, em consonância com a jurisprudência citada, os regimes legais contributivos e de protecção social dos funcionários públicos e dos trabalhadores assalariados do sistema privado, têm uma lógica e regulamentação próprias e independentes, entendemos, como a primeira instância, que a aposentação antecipada da A. na função pública (factos 10. a 12.) não fez operar a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado que as partes mantinham em contrato de trabalho a termo.
Na medida em que se verifica, por um lado, uma conexão entre o estatuto de aposentada da função pública da A. e a actividade por si desenvolvida para o Estado, na qualidade de técnica superior no G…, a qual é distinta da conexão que, por outro lado, se descortina entre a actividade que a A. exercia para a recorrente e os descontos para a Segurança Social a que procedeu ao longo da execução do correspondente vínculo de natureza privada e laboral, os quais lhe permitiriam a obtenção ulterior de reforma por velhice e conduziriam à caducidade deste vínculo, caso não houvesse entretanto falecido, nada justifica que, lançando mão de uma regra aplicável apenas ao vínculo laboral de natureza privada, se importe para preencher a sua hipótese um evento nela não previsto e específico do regime da função pública.
Ao invés de afirmar, como a recorrente, que “não existe nenhuma norma que limite os efeitos da reforma antecipada à relação laboral no âmbito da qual ela é requerida” (afirmação que se mostra já inquinada pela incorrecção decorrente de À A. não ter sido concedida pela CGA a reforma, mas a aposentação) diremos, antes, que não existe nenhuma norma que permita estender os efeitos que o artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho faz operar no vínculo laboral privado para a hipótese nele expressamente mencionada da “reforma por velhice”, à verificação da aposentação antecipada que determinou o desligamento do serviço no vínculo público que o trabalhador cumulativamente desempenhava.
E ao invés de afirmar, como a recorrente, que “não existe nenhuma norma jurídica que limite os efeitos da reforma voluntária a contratos sujeitos ao mesmo regime de Previdência” (afirmação que se mostra também inquinada pela incorrecção decorrente de, num caso se tratar de reforma e, noutro, de aposentação voluntária) diremos, antes, que não existe nenhuma norma que permita estender os efeitos da aposentação voluntária antecipada a outros contratos para além do vínculo de natureza pública no âmbito do qual a mesma foi concedida pela Caixa Geral de Aposentações.
Pelo que é negativa a resposta à questão supra enunciada de saber se a aposentação antecipada da autora por parte da Caixa Geral de Aposentações, requerida no âmbito de um vínculo laboral de natureza pública que mantinha em acumulação com as funções docentes exercidas em execução da relação estabelecida com a ré, é relevante para efeitos de aplicação do regime previsto no art. 348.º, n.º 1, do CT, no âmbito desta relação laboral privada.
Assim, uma vez que o caso sub judice não se subsume à previsão deste preceito legal em que a recorrente fundou o seu direito de proceder em 11 de Agosto de 2011 à denúncia do contrato de trabalho vertida na carta de fls. 22 (facto 7.), cabe concluir, como a sentença sob censura, que quando a ora recorrente pôs fim ao contrato de trabalho que vinculava as partes através da missiva documentada a fls. 22, nada mais fez do que proceder ao despedimento da trabalhadora sem procedimento disciplinar e sem invocação de justa causa, despedimento que é ilícito nos termos do artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho de 2009.
As consequências dessa desvinculação ilegal são as previstas nos artigos 389.º e 390.º do Código do Trabalho, como decidiu o Mmo. Julgador a quo, que quantificou os valores devidos nos termos que houve por pertinentes, os quais não se mostram questionadas no presente recurso de apelação.
4.3. Porque ficou vencida no recurso que interpôs, deverá a recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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4. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença da 1.ª instância.
Custas a cargo da recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 13 de Outubro de 2013
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Diploma a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual na medida em que, em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013.
[2] Transcreve-se a parte relevante do documento, ao invés de o dar totalmente por reproduzido, para melhor esclarecimento e tendo em consideração que a mera remissão para documentos, dando "por reproduzido o seu conteúdo” sem que o tribunal indique os factos que, com base neles, julgou provados e não provados, não dá efectivamente cumprimento ao artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil. Como tem sido reiteradamente sublinhado pelos tribunais superiores, os documentos não são factos, mas simples meios de prova de factos e, por isso, na fixação da matéria de facto há que indicar os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” estes documentos, razão por que se concretiza no presente acórdão o facto que o documento reproduzido no ponto 12. plenamente comprova.
[3] Alterado pela Lei n.º 119/2009 de 30 de Dezembro que adia a entrada em vigor do Código para 1 de Janeiro de 2011, Decreto-Lei n.º 140-B/2010, de 30 de Dezembro e Leis n.ºs 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012 e 20/2012, de 14 de Maio, com início de vigência em 15 de Maio de 2012 (in www.datajuris.pt).
[4] Diploma que foi alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 508/75, de 20-09, 543/77, de 31/12, 191-A/79, de 25-06, 75/83, de 08-02, 101/83, de 18-02, 214/83, de 25-05, 182/84, de 28-05, 40-A/85, de 11-02, 198/85, de 25-06, 20-A/86, de 13-02, 215/87, de 29-05, Leis n.ºs 30-C/92, de 28-12 e 75/93, de 20-12, Decretos-Lei n.ºs 78/94, de 09-03, 180/94, de 29-06, 223/95, de 08-09, 28/97, de 23-01, 241/98, de 07-08 e 503/99, de 20-11, Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, Decreto-Lei n.º 8/2003, de 18-01, Lei n.º 1/2004, de 15-01, Decreto-Lei n.º 179/2005, de 02-11, Lei n.º 60/2005, de 29-12, Despacho Normativo n.º 5/2006, de 30-01, Lei n.º 52/2007, de 31-08, Decretos-Lei n.ºs 309/2007, de 07-09, 377/2007, de 09-11 e 18/2008, de 29-01, Leis n.ºs 11/2008, de 20-02 e 64-A/2008, de 31-12, Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16-09, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decretos-Lei n.ºs 72-A/2010, de 21 de Junho e 137/2010, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 29 de Dezembro de 2010, alterado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1-1-2011, Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, com produção de efeitos a 1 de Janeiro de 2011 e entrada em vigor em 2 de Março de 2011, Decreto-Lei n.º 68/2011, de 14 de Junho, que aprova uma norma interpretativa relativa à alteração aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012, e Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro, com entrada em vigor em 14 de Janeiro de 2012 e produção de efeitos em 1 de Janeiro de 2012 (in www.datajuris.pt).
[5] Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 59/2007, de 26 de Junho e alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Decretos-Lei n.ºs 323/2009, de 24 de Dezembro e 85-A/2012, de 5 de Abril (in www.datajuris.pt).
[6] Vide o citado acórdão de 13 de Dezembro de 2013.
[7] São elas as seguintes: “a) Regime de flexibilização da idade de pensão de velhice; b) Regimes de antecipação da idade de pensão de velhice, por motivo da natureza especialmente penosa ou desgastante da actividade profissional exercida, expressamente reconhecida por lei; c) Medidas temporárias de protecção específica a actividades ou empresas por razões conjunturais; d) Regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração.”
[8] Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 531 e 534, nota 2.
[9] In ob. e loc citados.
[10] In DR, I série-A, de 22 de Janeiro de 1996.
[11] Vide Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, 2.ª edição revista e actualizada, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, Lisboa, 2014, p. 746.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Não podem estender-se os efeitos que o artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho faz operar para a hipótese nele expressamente mencionada da “reforma por velhice”, à verificação da aposentação antecipada que determinou o desligamento do serviço no vínculo público que o trabalhador cumulativamente desempenhava.
II – Não é possível estender a outros contratos de trabalho de natureza privada os efeitos a que tende a aposentação voluntária antecipada, os quais se restringem ao vínculo de natureza pública no âmbito do qual a mesma foi concedida pela Caixa Geral de Aposentações.
III – A aposentação antecipada da autora por parte da Caixa Geral de Aposentações, requerida no âmbito de um vínculo laboral de natureza pública, que mantinha em acumulação com as funções docentes exercidas em execução do contrato de trabalho a tempo indeterminado estabelecido com a ré, não produz ope legis a conversão deste último em contrato a termo.

Maria José Costa Pinto