Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3875/15.5T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTENTICIDADE CONFERIA PELO AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP202001233875/15.5T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Vale como título executivo o acordo de pagamento celebrado entre exequente e executada ao abrigo do disposto no artigo 703º, n.º 1 al. b) do CPCivil em que interveio o agente de execução apondo nele o seu carimbo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 3875/15. 5T8MAI-A.P1 - 2019.
Relator: Amaral Ferreira (1290).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. “B…, S.A.instaurou, em 16/3/2015, contra “C…, S.A.”, execução comum, para pagamento de quantia certa, para haver desta o pagamento de €44.362,00, acrescidos de juros de mora, apresentando como título executivo o contrato de arrendamento que junta e que, como senhoria, celebrou com a executada, esta como arrendatária, e a comunicação à executada da resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas e a exigir desta esse pagamento.

2. Tendo os autos prosseguido termos, em 14/7/2016, informando que, até então, a executada apenas havia cumprido parcialmente o acordo celebrado a 7/7/2015, requereu a exequente à agente de execução que fossem penhorados saldos bancários da executada e da garante “D…, S.A.” e, renovada a instância, dirigiu aos autos requerimento em que, alegando que, nos termos do acordo celebrado nos autos, a execução havia sido garantida pela “D…, S.A.” e que o seu incumprimento havia originado o prosseguimento dos autos, requereu que fosse ordenado também o seu prosseguimento contra a garante.

3. Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho:
O incumprimento do acordo celebrado - cujo teor se desconhece, por não ter sido junto ao processo-, permite a renovação da instância em relação à executada, mas não incorpora título executivo bastante no que respeita à alegada garante, em relação à qual não dispõe a exequente de título executivo, passível de ser incluído na previsão do artº 703º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, indefere-se a requerida inclusão da indicada D…, S.A.” como executada nos presentes autos”.

4. Tendo a exequente reiterado o anterior requerimento, agora invocando que a agente de execução havia junto ao processo o acordo celebrado, juntando-o de novo, e que o mesmo havia sido celebrado ao abrigo do disposto nos artºs 806º e seguintes do Código de Processo Civil, designadamente o artº 807º, nº 2, foi proferido o seguinte despacho:
Mantém-se a posição já assumida no despacho de 25.09.2018, dado que o acordo escrito não ultrapassa a condição de documento particular não autenticado, pelo que não dispõe a exequente de título executivo em relação à garante que preencha qualquer dos requisitos previstos pelo artº 703º do Código de Processo Civil.
Em consequência, nada há a acrescentar ao já decidido”.

5. Inconformada, apelou a exequente, que formulou nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
1. “Acordo de pagamento”, junto pela Exmª Agente de Execução em 22.10.2018, sob a refª 20348268, o mesmo foi celebrado entre a exequente, a executada e a “D…, S.A.”, tudo no âmbito do presente processo judicial, sob o exercício de poderes de autoridade pública, a supervisão, elaboração e certificação da própria Agente de Execução, a qual, no final, assina e apõe o seu carimbo.
2. Nos termos do nº 1 do artº 162º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovado pela Lei nº 154/2015, de 14 de Setembro, “O agente de execução é o auxiliar de justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, na notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios”.
3. Ainda nos termos do nº 2 do artº 363º do Código Civil, são autênticos os documentos “exarados, com formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites das suas competências …”.
4. A garantia prestada pela “D…, S.A.”, no acordo de pagamento realizado pela Exmª Agente de Execução, no âmbito do presente processo, foi realizado perante autoridade pública, no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, pelo que tal “acordo de pagamento” é um documento autêntico.
5. O “Acordo de pagamento” constante dos autos deve ser qualificado como título executivo, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 703º do Código de Processo Civil.
6. Ao não decidir deste modo, o despacho “sob censura” viola o nº 1 do artº 162º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovado pela Lei nº 154/2015, nº 2 do artº 363º do Código Civil, e al. b) do nº 1 do artº 703º Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que ordene que a presente execução prossiga contra a garante “D…, S.A.”, que se fará por obediência à lei e imperativo da JUSTIÇA.

6. Não tendo sido oferecidas contra-alegações, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Os factos a considerar na decisão do recurso são os que se deixaram relatados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, bem como os seguintes:
- No “Acordo de Pagamento” celebrado na execução em 7/7/2015, intervieram, assinando-o, além da exequente e da executada, «D…, S.A.», esta como fiadora do cumprimento de todas as obrigações nele previstas, nele designados, respectivamente, primeira, segunda e terceira outorgantes, e a agente de execução, que nele apôs o seu carimbo, dele constando que o mesmo se destina a regular a forma e condições de pagamento da dívida do processo executivo nº 3875/15.5T8MAI;
- O ponto 1º do acordo é do seguinte teor:
“A segunda outorgante obriga-se a pagar à primeira outorgante o montante de 26.448,85, da seguinte forma:
a) 4 (quatro) prestações iguais e sucessivas, no valor de 6.612,21 € cada, com o vencimento da 1ª prestação em 08.07.2015, 2ª prestação em 08.08.2015, 3ª prestação em 08.09.2015 e a 4ª prestação em 08.10.2015.
b) As prestações serão pagas pela emissão de 4 cheques iguais, mensais e sucessivos pré-datados e entregues à senhoria, nesta data.
c) No dia 30.10.2015, extinguir-se-á o débito no valor de 46.749,99€, relativo ao remanescente das rendas em dívida, por conta da caução que havia sido entregue e que perfaz o mesmo valor, na condição de, naquela data, a segunda outorgante entregar o locado à primeira outorgante em perfeitas condições”.

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões e não razões, e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se o acordo de pagamento celebrado na execução é título executivo relativamente à fiadora.

Insurge-se a recorrente contra o entendimento sufragado na decisão recorrida de que o acordo de pagamento referido nos factos a considerar, celebrado no processo de execução em apreço, não constitui título executivo relativamente à garante “D…, S.A.”, sustentando que, tendo tido a intervenção da agente de execução, o acordo é título executivo quanto à garante, por integrar o elenco dos títulos executivos previsto na al. b) do nº 1 do artº 703º do Código de Processo Civil (CPC).

O título executivo é um documento que tem de observar determinados requisitos formais constantes no artº 703º do CPC, que lhe conferem exequibilidade.
Incorpora uma relação jurídica obrigacional que lhe confere a presunção de que existe. É uma presunção juris tantum, mas que garante a viabilidade da acção executiva, até prova em contrário.
Essa obrigação, que se incorpora no título, vincula os seus subscritores, nomeadamente o executado ou executados. Há como que um reconhecimento por parte deste ou destes, da sua constituição, nos termos exarados no título.
Daí que o título executivo seja condição necessária e suficiente da acção executiva, definindo o fim e limites da mesma.
Só pode ser objecto de execução, constituir obrigação exequenda, tudo o que se encontrar no documento ou título.

Prescreve o artº 703º nº 1, al. b), do CPC, além do mais que ao caso não interessa, que à execução podem apenas servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Podendo ser autênticos ou particulares, são autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública - artº 363º, nºs 1 e 2, do Código Civil (CC).
A autenticação de documentos particulares, era anteriormente da competência atribuída ao notário pelo artº 363º nº 3 do CC, que permite atribuir ao documento, nos termos do artº 377º do mesmo código, a força probatória dos documentos autênticos, ainda que não os substituam quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato.

O processo de autenticação dos documentos particulares encontra-se regulado nos artºs 150º e segs. do Código do Notariado (CN), exigindo-se que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário (artº 150º, nº 1, do CN), o qual deve lavrar termo de autenticação (artº 150º, nº 2) e obedece aos requisitos previstos nos artºs 150º e 151º do CN, devendo ainda ser efetuado o registo informático, previsto na Portaria 657-B/2006, de 29 de junho.
Tal Código estipula, no artº 3º, nº 1, al. d), que, excepcionalmente, desempenham funções notariais as entidades a quem a lei atribua, em relação a certos actos, a competência dos notários.
O artº 38º do DL nº 76-A/2006, de 29/3, procedeu à extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, além de outras entidades ou profissionais, aos solicitadores.
Na verdade, nele se dispõe que:
1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei nº 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial.
2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3 - Os actos referidos no nº 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
4 - Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos Decretos-Leis nºs 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março.”.
A Portaria referida no nº 3 é a nº 657-B/2006, de 29/6.

Por sua vez, dispõe o artº 162º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), aprovado pela Lei nº 154/2015, de 14/9, que “O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios”.

Sendo indiscutível que o “acordo de pagamento” em causa nos autos, celebrado ao abrigo do disposto no artº 806º e segs. do CPC e assinado pela agente de execução, importa, como dele resulta, o reconhecimento de uma obrigação por parte da sociedade “D…, S.A.” perante a exequente, cuja exequibilidade, no que se reporta a obrigações futuras se encontra prevista no artº 707º do CPC, temos também por inquestionável, face ao que dispõem as normas jurídicas citadas do CC, do CN e do EOSAE, que ele reveste a qualidade de título executivo, pois enquadra-se na previsão do artº 703º, nº 1, al. b), do CPC, na vertente, senão de documento exarado (autêntico), seguramente na de documento particular autenticado por profissional com competência para tal.
Nesta conformidade, não pode subsistir a decisão recorrida.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir termos subsequentes previstos na lei.
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Custas pela parte vencida a final.
Porto, 23/01/2020
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira