Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
111/22.1PTAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Nº do Documento: RP20230111111/22.1PTAVR.P1
Data do Acordão: 01/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: DECLARADA NULA A SENTENÇA E REENVIADO O PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Uma sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia quando não tenham sido conhecidos e apreciados na sua totalidade todos os antecedentes criminais do arguido, essenciais para a avaliação do seu comportamento, anterior ou posterior aos factos, na medida em que tais antecedentes são relevantes para efeitos da determinação da sanção, como claramente resulta do disposto no art.71,º, n.º 2, e) e f), do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 111/22.1PTAVR.P1

1. Relatório
No processo sumário do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Aveiro, Juiz 1, foi o arguido AA, condenado por sentença depositada em 21/06/2022, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no n.º 1 do artigo 292 do Código Penal, na pena principal de 100 (cem) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário da multa em € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) e descontando-se 1 (um) dia ao cumprimento dessa pena, em virtude da detenção, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 69 do Código Penal, pelo período de 9 (nove) meses.
Foi ainda condenado no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça, fixada em 1,5 UCs, nos termos do art. 8º do RCP.
Inconformado com esta decisão, da mesma veio interpor recurso, o MP, extraindo-se, em síntese, das conclusões elaboradas, os seguintes argumentos:
O Tribunal a quo apenas considerou como antecedente criminal, a condenação no âmbito do processo n.º 52/21.0PTAVR, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses.
Do processo constavam elementos, designadamente, a lista de processos pendentes e a acusação referente ao processo n.º 81/22.6PTAVR que impunham que, em cumprimento do princípio da investigação, plasmado no art.º 340, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo mandasse oficiar ao processo n.º 81/22.6PTAVR, solicitando certidão da decisão proferida no mesmo para, desse modo, se certificar do teor de tal decisão a fim de a tomar em consideração aquando da escolha e determinação da medida da pena.
Deste modo, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 340 n.º 1, porque não ordenou a junção da certidão da decisão proferida no âmbito do processo n.º 81/22.6PTAVR, quando tinha pleno conhecimento da sua existência, optando por não a tomar em consideração.
Ao não considerar tal condenação como fazendo parte do elenco dos antecedentes criminais do arguido, violou o consagrado no art. 379 n.º 1, c), do Código de Processo Penal, pois que deixou de conhecer e de se pronunciar na sentença, sobre uma questão de conhecimento oficioso, sendo que esta omissão implica a nulidade da sentença.
Por outro lado, não estando munido de todo o histórico criminal do arguido, sendo este um elemento probatório fundamental, consideramos que a matéria de facto provada mostrou-se insuficiente para a decisão, consubstanciando o vício previsto no art. 410 n.º 2, a) do Código de Processo Penal.
Sem prejuízo, considerando que se trata de questão que a decisão recorrida podia (e devia) conhecer, tem pleno enquadramento, também, no art.º 410 n.º 1 do Código de Processo Penal.
Assim, devia ser incluído na matéria de facto dada como provada, o seguinte facto:
- O arguido já foi condenado por sentença transitada em julgado em 27/05/2022, pela prática em 11/04/2022, do crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 8 (oito) meses, nenhuma delas ainda extinta.
No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral e também de prevenção especial positiva.
As anteriores condenações a que o arguido foi sujeito, não foram por si convenientemente interiorizadas, demonstrando este uma total indiferença pela solene advertência ínsita em tais condenações, revelando, igualmente, insensibilidade ao efeito admonitório das penas não detentivas.
Pelo que, a pena de multa não apresenta potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se, por isso, a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Fazendo uma ponderação global das circunstâncias a favor e em desfavor do arguido, reforçando a insensibilidade demonstrada pelo mesmo às penas de multa que lhe foram aplicadas e a insusceptibilidade de ser por elas influenciado, não deverá ser aplicada pena de prisão inferior a 3 (três) meses.
O tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção que se façam sentir.
A substituição da pena de prisão, quer por multa, quer por prestação de trabalho a favor da comunidade, não cumpre o objetivo de intimidação e interiorização da validade e eficácia das normas penais, pelo arguido, pelo que, resta a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art. 50 do Código Penal, por assegurar e realizar as finalidades da punição sentidas no caso.
A pena adequada no presente caso, que realiza suficientemente as finalidades da punição é a pena de prisão, por período não inferior a três meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 40 n.º 1 e 2, 50 n.º 1, 2 e 5, 53 e 71 n.º 1 e 2, todos do Código Penal.
Pretende o recorrente que na procedência do recurso:
- se inclua na matéria de facto provada que o arguido já foi condenado por sentença transitada em julgado em 27/05/2022, pela prática em 11/04/2022, do crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 8 (oito) meses, nenhuma delas ainda extinta;
- e que seja alterada a pena principal em que o arguido foi condenado para pena de prisão por período não inferior a três meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 40 n.º 1 e 2, 50 n.º 1, 2 e 5, 53 e 71 n.º 1 e 2, todos do Código Penal.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 14/09/2022.
O arguido não apresentou resposta ao recurso.
Nesta Relação a Srª Procuradora-geral-adjunta refere no seu parecer:
«Compulsados os autos apura-se que o CRC oportunamente requisitado pelo Ministério Público foi emitido em 02/06/2022, cerca de 20 dias antes da realização do julgamento, sendo que dele apenas constava, então, a condenação proferida no Processo Sumário nº 52/21.0PTAVR.
Todavia, o Tribunal recorrido tinha conhecimento, porque oportunamente também foi pedida listagem de processos pendentes, que o arguido tinha sido acusado, em 26/04/2022, para julgamento em processo sumário, pela prática, em 11/04/2022, na mesma comarca, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a) do Código Penal (cfr. fls. 16, 19 e 20).
É evidente que o desfecho deste processo, pela natureza do crime e pela proximidade da data dos factos com a data daqueles que constituem objeto do presente processo, era relevante para a determinação da pena a aplicar ao arguido nos presentes autos.
Ora, dos autos não consta nem a decisão final proferida naquele processo nem a certificação do seu trânsito em julgado, sendo certo que se trata de facto que só pode ser demonstrado com prova documental.
Impunha-se, pelo exposto, ao Tribunal recorrido que averiguasse o desfecho daquele processo até porque, considerando os prazos do processo sumário, era de prever a existência de decisão já transitada em julgado.
Não o tendo feito, dir-se-á que foi violado o princípio da investigação judicial ínsito no artigo 340º nº 1 do CPP.
Sucede que sobre o julgador impende, também oficiosamente, a instrução do processo com toda a documentação relativa aos antecedentes criminais do arguido, concretamente para efeitos de determinação da sanção e tal como o impõe o artigo 369º nº 1 C.P.P.
Nesta medida, a apontada omissão inquinou a sentença, posto que o tribunal não conheceu, podendo e devendo tê-lo feito, de todos os antecedentes criminais do arguido relevantes para efeitos de determinação da sanção.»
E conclui com a opinião de que: «a sentença está ferida de nulidade nos termos do artigo 379º, nº 1 al. c) do CPP que se impõe declarar, determinando-se, na sequência, que o processo seja instruído com os elementos em falta relativos aos antecedentes criminais do arguido e que seja proferida nova sentença com ponderação de todos os antecedentes criminais.»
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.
2. Fundamentação
A- Circunstâncias com interesse para a decisão
Pelo seu inegável interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a reproduzir a sentença recorrida quanto à decisão de facto e respetiva motivação que foi ditada para a ata nos seguintes termos:
«Realizada a Audiência de Discussão e Julgamento, provou-se que:
- No dia 01 de junho de 2022, cerca das 18h55m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Ford ..., com a matrícula ..-JP-.., na Rua ..., em ..., Aveiro, após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,785 g/l, correspondente a uma TAS registada de 1,94 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível do aparelho
- O arguido sabia que havia ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior ao ato de condução, em quantidade que o impedia de conduzir veículos na via pública e, não obstante, quis conduzir o veículo automóvel, como fez.
- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se apurou que:
- O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas,
- Aquando da condução, o arguido percorreu apenas alguns metros da rua onde reside, estacionando de seguida,
- O arguido tem 48 anos de idade; é licenciado em gestão e marketing; está desempregado desde mais de um ano; não recebe apoios do Estado e não tem qualquer fonte de rendimentos; reside em casa de família; mora com o pai (reformado); tem dois filhos (de 12 e 14 anos de idade), mas estão a cargo da mãe, não pagando neste momento pensão de alimentos aos mesmos; a sua subsistência é assegurada pela reforma do seu pai.
- O arguido já foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/10/2021, pela prática em 29/04/2021, do crime de condução em estado de embriaguez na pena principal de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses, tendo a pena principal sido extinta por cumprimento em 26/04/2022 e a pena acessória sido extinta por cumprimento, em 28/12/2021.
Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
O tribunal na convicção dos factos teve em conta as declarações prestadas pelo arguido que confessou os factos por que foi acusado e explicou as circunstâncias em que conduziu de forma que é credível tendo em conta que o local da infração corresponde à rua da sua residência.
Ademais a taxa de álcool resultou do talão do teste de ar expirado e do resultado do aparelho de medição de fls 6 e 7, e os antecedentes criminais do Certificado junto a fls 23 a 26 dos autos
A situação económica do arguido foi dada como provada pelas declarações do mesmo que pareceram credíveis por terem sido espontâneas lógicas e coerentes.»
B – Fundamentação de direito
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente invoca nulidade da sentença por omissão de pronúncia no que respeita à falta de antecedentes criminais do arguido e vicio de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Dado que os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP têm de resultar apenas do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência sem qualquer recurso a outros elementos processuais desde já excluímos a existência deste tipo de vício.
O que sucede no caso em análise é que o Tribunal baseou a sua decisão no que respeita à medida e determinação da pena apenas no certificado de registo criminal do arguido junto aos autos de fls. 23 a 26 do qual apenas consta a condenação no processo nº 52/21.0PTAVR por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que foi dado como provado na matéria de facto.
Porém, da lista de processos pendentes junta aos autos fls. 14 consta também o processo nº 81/22.6TAVR por crime de condução de veículo estado de embriaguez registado no MP de Aveiro e atribuído à magistrada Luísa Martins.
Impunha-se efetivamente ao Tribunal de julgamento, oficiosamente ou a requerimento do MP, apurar o estado de tais autos, tanto mais que versavam sobre crime da mesma natureza do julgado neste processo, sendo tal elemento relevante para a determinação da pena a determinar neste processo.
Porém, dos autos nada consta sobre o estado de tal processo desconhecendo-se se foi proferida decisão e se a mesma transitou.
Nestes termos concordamos com o recorrente no sentido de que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não terão sido conhecidos e apreciados na sua totalidade todos os antecedentes criminais do arguido essenciais para a avaliação do seu comportamento anterior ou posterior aos factos, o que releva para efeitos da determinação da sanção como claramente resulta do disposto no art.71alíneas e) e f) do CP.
Assim, impõem-se declarar a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia que foi devidamente invocada nos autos.
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, com base nos argumentos que supra ficaram expressos, acordam os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do MP e em consequência declaram a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no art.379 nº1 al c) do CPP, devendo os autos baixar à primeira instância a fim de o processo ser instruído com os elementos em falta e proferida nova decisão que tenha em conta e aprecie todos os elementos com relevância para a determinação da sanção a aplicar.
Sem tributação.

Porto 11/01/2023
Paula Guerreiro
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo