Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3880/13.6TBVFR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: LEGITIMIDADE
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RP201410093880/13.6TBVFR-B.P1
Data do Acordão: 10/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Invocando o autor, como fundamento do pedido de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação, o incumprimento pela ré, concessionária da auto-estrada onde ocorreu o despiste do seu veículo, do dever que afirma ser dela, por isso a responsabilizando, de assegurar as condições de segurança e manutenção, designadamente relativos ao funcionamento do sistema de escoamento das águas da chuva, que esteve na origem da formação de um lençol de água e daquele resultado, e defendendo-se aquela alegando que não é responsável pelo evento e seus danos uma vez que tal obrigação fora transferida contratualmente para empresa terceira, ela tem legitimidade processual passiva para a causa, pois que é titular da relação material controvertida, tal como o autor a configurou, independentemente do respectivo mérito.
II - Pedindo a ré, com aquele alegado fundamento, ao abrigo do artº 325º, nº 1, CPC, a intervenção principal provocada da referida entidade terceira, o incidente não deve ser admitido, por os factos alegados não preencherem a dita norma.
III - Se, ao apreciar tal requerimento, o tribunal recorrido aludiu desnecessariamente também aos pressupostos do nº 2 da mesma norma, mas fundamentou a decisão na não verificação dos do nº 1, não ocorre nulidade por oposição nem obscuridade.
IV - Defendendo a ré, apenas no recurso, que, caso se confirme a decisão de indeferimento de tal incidente, então deve ser admitida a intervenção acessória provocada da dita entidade, trata-se de questão nova, insusceptível de conhecimento nesta instância.
V - De todo o modo, invocando, apenas, como fundamento para esse chamamento, a sua irresponsabilidade e a concomitante responsabilidade da entidade terceira, por lha ter transferido pelo contrato, não se verificam os pressupostos do artº 330º, nº 1, pois tal não legitima acção de regresso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3880/13.6TBVFR-B.P1– 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 187)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

Na ex-Comarca de Santa Maria da Feira (2º Juízo Cível), pende acção declarativa (sumária) instaurada, em 25-07-2013 (antes, portanto, da entrada em vigor do novo CPC) por B… contra C…, SA, na qual formulou o pedido de condenação dela a pagar-lhe a quantia de 8.055,00€ (e juros).

Invocou, como causa de pedir, o não cumprimento, por parte da ré (que não se dispôs a ressarci-lo, não assumiu a sua responsabilidade civil emergente da exploração da via nem lhe indicou a seguradora para a qual a tivesse transferido), da obrigação de a indemnizar pelos danos que alega ter sofrido, derivados do acidente com o seu veículo numa auto-estrada de cuja exploração é concessionária e em que aquele, por causa de um “lençol de água” existente na faixa de rodagem, não sinalizado, e, assim, do incumprimento do dever que sobre ela impendia de garantir as condições de segurança, maxime o de fazer a eficaz manutenção e garantir o funcionamento do sistema de escoamento das águas da chuva que caíra – e que, devido à obstrução das respectivas sarjetas e caixas com terras e detritos, gerou aquele efeito –, se descontrolou, despistou, embateu nos railes centrais e ficou estragado (“perda total”).

Ao contestar, em 30-09-2013 (estando já em vigor o novo CPC), a ré “C…” alegou[2] que, sendo embora a concessionária (doc. 1), não é responsável por tais danos porque as obrigações, por culpa ou risco, nos termos da lei geral, derivadas da prestação de serviços de operação e manutenção da via, entre as quais se inserem as de promover a vigilância e segurança das condições de circulação rodoviária, já haviam sido, por contrato celebrado em 28-12-2007 (doc. 2), transferidas para a Brisa (ao abrigo da Base 49º, nº 1, do DL nº 392-A/2007, de 27 de Dezembro) e, por subcontrato (doc. 3), para a “D… (cfr. itens 17 a 26).

Daí que qualquer responsabilidade pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso das obrigações atinentes à operação e manutenção do lanço de auto-estrada, no local do acidente, nunca poderia ser invocada pelo autor contra a ré, que não podia, nem tal lhe é exigível, assegurar as condições de circulação por não ter qualquer controlo sobre o funcionamento da via nem, assim, responder pela violação da obrigação de as manter, mas apenas contra a referida “D…”.

Ademais, sendo a responsabilidade das operadoras entendida na jurisprudência como extracontratual[3], não se verifica, em relação a si, qualquer dos pressupostos inerentes.

Assim:

a) arguiu a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e pediu a sua absolvição da instância;
b) caso assim não se entenda, e porque qualquer responsabilidade só pode ser invocada perante a “D…”, requereu, à cautela, o chamamento desta aos autos por via de intervenção principal provocada, nos termos do artº 325º, nº 1, CPC (ou 316º, do actual), “enquanto titular de um direito incompatível com o alegado pelo autor”.[4]

Na sequência, por despacho de 27-01-2014, o tribunal recorrido decidiu:

a) Julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva arguida pela ré.

Para tanto, depois de apontar a norma aplicável (artº 26º, nº 3, CPC anterior) e de considerar que esta consagrou a chamada tese de Barbosa de Magalhães sobre a conhecida controvérsia, fundamentou assim, nesta parte, a sua decisão: “Ora, analisado o pedido e a causa de pedir, tal como configurados pelo Autor na petição inicial (critério que é, para este efeito, o único que interessa), resulta que a Ré "C… …" é titular, do lado passivo, da relação material controvertida, pois que tem interesse directo em contradizer, atento o prejuízo que para si advém da procedência da presente acção. Efectivamente, é à aqui Ré que o Autor imputa a responsabilidade pela ocorrência do acidente versado nos autos, enquanto entidade responsável pela manutenção da via onde se deu o sinistro. Já a questão de saber se é ou não tal entidade a responsável pela manutenção da via onde se deu o sinistro é matéria que se prende com o mérito da causa, não relevando para a questão processual da legitimidade das partes.”

b) Julgar inadmissível a intervenção principal provocada passiva da “D…”.

Para o efeito, citando primeiramente o artº 31º-B, CPC, e sua ratio explanada no preâmbulo do DL nº 329-A/95, considerou o tribunal recorrido: “Nos termos do preceituado no artigo 325º, nº1 do CPC (agora artigo 316º), qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. A intervenção principal, espontânea ou provocada, em acção pendente, pressupõe que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um direito próprio, igual ou paralelo ao do autor ou do réu, que com este seja compatível e coexistente. Ora, no caso em apreço não estamos perante uma situação de cumulação subjectiva subsidiária, que dá origem a diversos pedidos subsidiários, já que o Autor não vem subsidiariamente demandar diversos réus em consequência do pedido principal, alegando dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida. De facto, o presente incidente de intervenção de terceiros não foi deduzido pelo Autor, mas pela Ré, e para esta não resulta duvidoso saber, no caso concreto, quem é a entidade responsável pelo ressarcimento dos danos invocados nesta acção – a Ré sustenta que não é ela, mas sim a sociedade “D…, S.A.”. E, não tendo o Autor, em face da contestação apresentada pela Ré, alegado dúvida fundada acerca da entidade responsável pelo ressarcimento dos danos que invoca nesta acção nem declarado que pretendia dirigir o pedido contra a mencionada sociedade “D…, S.A.”, afigura-se-nos não se mostrarem verificados os pressupostos legalmente previstos para a requerida intervenção principal provocada passiva.”

A ré não se conformou e, apelando para este Tribunal, concluiu assim as suas alegações:

“A. Emerge o presente recurso do despacho proferido em 27 de janeiro de 2014 pelo Tribunal a quo que julgou (i) improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela C… e (ii) inadmissível a intervenção principal da D… requerida pela Ré, aqui Apelante.
B. Na ação ora sub judice está em causa a eventual responsabilidade por um alegado incumprimento da obrigação de operação e manutenção de um lanço integrante da E… de que a Apelante é concessionária.
C. Através do Contrato de Operação e Manutenção celebrado com a C… e previsto tanto no diploma legal que aprovou as Bases da referida concessão – o Decreto-Lei n.º 392-A/2007, de 27 de dezembro -, como no contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a C…, a BRISA assumiu a prestação dos serviços de operação e manutenção dos lanços de autoestradas que integram a E….
D. Nesses serviços inclui-se a promoção da “(…) vigilância e segurança das condições de circulação rodoviária” (cf. cláusula 2.8 do Anexo 1.1 (w) ao Contrato de Operação e Manutenção).
E. Nos termos do Contrato de Operação e Manutenção, o qual constitui um anexo ao Contrato de Concessão, a BRISA declarou responder “(…) pela culpa e pelo risco e nos termos da lei geral, por quaisquer danos ou prejuízos causados no exercício das actividades que constituem objecto deste Contrato”.
F. A BRISA e a D…, celebraram o Acordo de Subcontratação nos termos do qual a BRISA transferiu para a D…, entre outras, a atividade de operação e manutenção prevista no Contrato de Operação e Manutenção.
G. O artigo 26.º do Antigo CPC que estabelece o conceito de legitimidade, dispõe no seu n.º 1 que “(…) o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.
H. O n.º 2 do citado preceito acrescenta que o interesse direto em contradizer exprime-se pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o réu.
I. Ora, da análise conjugada do Acordo de Subcontratação com o Contrato de Operação e Manutenção e com o Contrato de Concessão, não restam dúvidas sobre qual a entidade que responde pelos danos ou prejuízos que resultem da inobservância dos deveres de manutenção das estradas que integram a E….
J. Pelo que a haver responsabilidade pelo cumprimento defeituoso ou pelo não cumprimento das obrigações atinentes à operação e manutenção dos lanços das autoestradas que fazem parte da E…, designadamente do lanço “A../IC.. – … (IC.) / … (IC.)”, onde o Acidente teve, alegadamente, lugar, esta sempre seria da D… e nunca da C….
K. E ainda que o Autor não tivesse conhecimento do Contrato de Operação e Manutenção e do Acordo de Subcontratação, tal facto nunca poderia ser impeditivo da procedência da exceção de ilegitimidade deduzida pela ora Apelante.
L. Em primeiro lugar, a transferência das obrigações de operação e manutenção das vias que integram a E… para a BRISA encontram previsão legal na Base 49, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 392-A/2007, de 27 de dezembro, pelo que não pode, assim, o ora Apelado invocar o desconhecimento da lei quanto a este ponto.
M. Resulta da análise da petição inicial que o Autor pretende assacar responsabilidade pelo alegado acidente à entidade a quem compete assegurar as condições de segurança da via em causa, pelo que o titular da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor é a D… – enquanto operadora das estradas em questão – e não a C….
N. Deve, pois, o despacho ora recorrido, na parte que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da C…, ser substituído por outro que a julgue procedente e que absolva a C… da instância.
O. Quanto à intervenção principal provocada da D…, não se justifica, na decisão recorrida, por que razão se entendeu que não se encontram reunidos os requisitos para o chamamento da D…, limitando-se, o Tribunal a quo, a referir que o Autor não invocou dúvida fundada acerca da entidade responsável pelo ressarcimento dos danos que invoca, nem declarou que pretendia dirigir o pedido contra a D….
P. Por este motivo e nesta parte, o despacho recorrido é nulo por força da conjugação dos artigos 154.º, 615.º, n.º 1, alínea b) e 613.º, n.º 3, do Novo CPC, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
Q. E ainda que assim não se entenda – o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder – sempre se dirá que os fundamentos se encontram em oposição com a decisão ou, pelo menos, não é o despacho claro, no que respeita à não admissão da intervenção principal provocada da D….
R. Isto porque o Tribunal a quo enquadra a sua decisão à luz de um preceito legal que nada tem que ver com a intervenção principal provocada, conforme requerida pela C… – o artigo 31.º - B do Antigo CPC (correspondente ao artigo 39.º do Novo CPC).
S. Com efeito, a Apelante deduziu o incidente de intervenção principal provocada em análise à luz do artigo 325.º, n.º 1, do Antigo CPC, e, embora não o refira expressamente, o Tribunal a quo baseou a sua decisão na suposta aplicabilidade do n.º 2 do mencionado preceito.
T. No entanto, no caso concreto quem deduziu o incidente de intervenção principal provocada da D… foi a C… e não o Autor, e fê-lo ao abrigo do n.º 1 do artigo 325.º do Antigo CPC.
U. Assim, para o caso de a nulidade do despacho supra invocada ser julgada improcedente, o despacho recorrido deve, nesta parte, ser declarado nulo, por força da conjugação dos artigos 615.º, n.º 1, alínea c) e 613.º do Novo CPC, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
V. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder, o despacho ora recorrido deve ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção da D….
W. Na ação sub judice está em causa a eventual responsabilidade por um alegado incumprimento da obrigação de operação de um lanço integrante da E… de que a Apelante é concessionária, pelo que, da conjugação, por um lado, do disposto no Decreto-Lei n.º 392-A/2007, de 27 de dezembro, com o teor do contrato de concessão celebrado com o Estado Português e a C… (cf. Base 49 do referido diploma e Cláusula 53 do Contrato de Concessão) com os termos do Acordo de Subcontratação, celebrado entre a BRISA e a D…, no âmbito do qual aquela transferiu para esta, entre outras, a atividade de operação e manutenção prevista no Contrato de Operação e Manutenção, dúvidas não restam sobre a entidade a quem compete assegurar as boas condições de circulação nas estradas que integram a E….
X. A lei quis estabelecer, assim, no artigo 325.º n.º 1 do Antigo CPC, a possibilidade de se admitir a intervenção de um terceiro quando este tenha uma relação jurídica conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, o que ocorre no caso em apreço com a D….
Y. Caso se venha a considerar improcedente a exceção de ilegitimidade da C…, sempre se dirá que a D… é titular de uma relação jurídica conexa com a da Apelante na presente ação, na medida em que assumiu as obrigações em matéria de operação e manutenção previstas no Contrato de Concessão, sendo certo que esta foi demandada pelo facto de o Apelado entender que competia à Apelante assegurar as referidas obrigações.
Z. É, assim, manifesto que a relação material controvertida objeto dos presentes autos diz respeito à D….
AA. Em matéria de intervenção principal provocada, o Antigo CPC exige que o interveniente tenha, em relação ao objeto da causa, um interesse igual ao do réu, nos termos dos artigos 27.º e 28.º do Antigo CPC6.
BB. Mais uma vez, caso se venha a entender que a C… não é parte ilegítima nos presentes autos, sempre estará em causa uma situação de litisconsórcio voluntário passivo pois a D… é parte da relação material controvertida em questão, sendo titular de uma situação subjetiva própria, paralela à da Ré e tendo igual interesse em contradizer o alegado pelo Autor, ora Apelado: é à D… que interessa, em primeira linha, contestar o alegado pelo Autor, demonstrando que cumpriu as obrigações por si assumidas no Acordo de Subcontratação.
6 Correspondentes, respetivamente aos artigos 32.º e 33.º do CPC.
CC. E cabendo à D… a obrigação de assegurar a vigilância e a segurança nas estradas que integram a E…, é esta que tem conhecimento direto dos factos em causa na ação e que permitem contradizer a posição do Apelado, dado que são os seus colaboradores que efetuam os patrulhamentos e a vigilância das autoestradas em causa, bem como aqueles que prestam assistência em caso de acidente nas mesmas.
DD. Assim, caso seja julgada improcedente a exceção de ilegitimidade da C…, sempre se dirá qua a relação material controvertida em causa nos presentes autos diz também respeito à D…, configurando uma situação de litisconsórcio voluntário nos termos do artigo 27.º do Antigo CPC, pelo que a intervenção desta se enquadra nas situações previstas no artigo 325.º do Antigo CPC.
EE. Não obstante, a presente ação ter sido intentada antes da entrada em vigor do Novo CPC, a intervenção principal provocada da D… é igualmente admissível à luz do Novo CPC.
FF. Com efeito, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do referido diploma legal, o réu pode chamar a juízo sujeitos passivos da relação material controvertida quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários.
GG. Pelo que, também por via das disposições aplicáveis do Novo CPC, seria possível à Segunda Ré chamar a D… a intervir em juízo a título principal.
HH. Pelo exposto, deve o despacho ora recorrido que indeferiu o pedido de intervenção da D… ser substituído por outro que a admita.
II. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite sem conceder, sempre deveria ser admitida a intervenção da D… a título acessório, sendo que se se entender que esta não é primeiramente responsável pela operação e manutenção da E… – o que não se concebe -, sempre poderia a Apelante exercer um eventual direito de regresso contra a D… em caso de condenação nos presentes autos pelo acidente em causa em razão de cumprimento defeituoso ou incumprimento da obrigação de vigilância e segurança na autoestrada em que o referido acidente alegadamente ocorreu (cf. artigo 330.º do Antigo CPC).
JJ. Com efeito, nos termos do artigo 330.º do Antigo CPC, correspondente ao artigo 321.º do Novo CPC, “o réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.
KK. Pelo que, ainda que por hipótese académica – sem conceder –, não se admita a intervenção principal provocada da D…, sempre a sua intervenção acessória deverá ser admitida.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Ré;
Caso assim não se entenda – o que apenas se alega por mero dever de patrocínio e sempre sem conceder – deve o despacho recorrido ser declarado nulo por força da conjugação dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 613.º n.º 3 do Novo CPC;
Mais deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal da D… ou, subsidiariamente, que admita a sua intervenção a título acessório - como é de Direito e assim se fazendo Justiça!”

Em resposta, o autor, reiterou que a ré, não obstante os subcontratos, é a primeira e principal responsável perante si, enquanto utente da auto-estrada, e como concessionária da exploração. Assim tendo, pois, configurado a relação material controvertida e independentemente do seu mérito, é parte legítima, devendo, nessa parte, confirmar-se a decisão. Ao invés, entende que lhe assiste razão quanto à intervenção provocada (não especifica se a principal, se a acessória).
O recurso foi admitido, após reclamação contra o despacho que em 1ª instância o indeferira, como ordinário, de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Requisitados e juntos os autos respectivos, correram os Vistos legais, cumprindo agora decidir, já que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Sendo as conclusões que, no recurso, definem o thema decidendum e balizam os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC) –, neste caso extrai-se das apresentadas que as questões colocadas e a resolver são as seguintes:

a) Ilegitimidade passiva da ré.
b) Nulidade da decisão (parte relativa ao incidente).
c) Intervenção principal provocada.
d) Intervenção passiva provocada.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Relevam os factos relatados, para eles aqui se remetendo.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Vigorava o anterior Código de Processo Civil quando a presente acção foi instaurada. Estava ela ainda na fase dos articulados quando, pela ré, foi deduzido o incidente de intervenção de terceiros. Por isso, nos termos do seu artº 142º, nº 1, e do artº 5º, nº 3, da Lei 41/2013, de 26 de Junho, é ainda ao anterior compêndio que nos referiremos a propósito da questão da legitimidade passiva para aquela e dos requisitos deste.

Não assim, quanto à da validade do despacho recorrido, proferido já no domínio da vigência e aplicação do novo Código (artºs 5º e 7º, da referida Lei).

a) Caso a presente acção, tal como fundamentada pelo autor, seja julgada procedente e, portanto, no respectivo pedido seja condenada a ré, é óbvio que sobre esta recairá o inerente prejuízo.
Imputando-lhe o autor a responsabilidade pelo evento danoso que o prejudicou e, portanto, atribuindo-lhe a titularidade passiva da relação material controvertida tal como a configurou, é ela, sem dúvida, que tem interesse directo e relevante em contradizer.

Daí a fatal improcedência do recurso, nesta parte, sustentado, aliás, numa tese hoje absolutamente rejeitada pelo legislador.

Vejamos melhor.

Esta questão situa-se no âmbito problemático da legitimidade processual ou ad causam, sobre o qual, na Doutrina e na Jurisprudência, em tempos correram rios de tinta.

Recorde-se que, na sua primitiva redacção, o artº 26º, no nº 3, já estabelecia que, à falta de indicação da lei em contrário, consideravam-se titulares do interesse relevante (expresso na utilidade em demandar ou em contradizer, na perspectiva da procedência) “os sujeitos da relação material controvertida”.

Em torno da determinação desta radicava a clássica polémica: Barbosa de Magalhães entendia que tal relação jurídica decorria da configuração subjectiva que, pretensa e unilateralmente, o autor lhe dava na petição; Alberto dos Reis defendia que essa relação era a que, já depois de ouvidas ambas as partes, de examinadas as suas razões e de feitas as diligências necessárias, realmente se apresentava ao tribunal.

Através da Reforma operada em 1995 e 1996, o legislador tomou posição, primeiro através do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Fevereiro, e, depois, do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.
No preâmbulo do primeiro, anunciou: “Decidiu-se, (…) após madura reflexão, tomar expressa posição sobre a «vexata quaestio» do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso.
Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.° 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.
Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa – isto é, à fixação do «critério normal» de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida – e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.
É que, enquanto o problema da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se entrelaça estreitamente com a apreciação do mérito da causa, os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural – o litisconsórcio necessário – quer a legitimidade indirecta (traduzida nos institutos da representação ou substituição processual), aparecem, em regra, claramente destacados do objecto do processo, funcionando logicamente como «questões prévias» ou preliminares relativamente à admissibilidade da discussão das partes da relação material controvertida, dessa forma condicionando a possibilidade de prolação da decisão sobre o mérito da causa.”
Consequentemente, alterou-se a redacção do nº 3 e aditou-se um nº 4 ao artº 26º:
“3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Na legitimidade plural, a titularidade do interesse relevante afere-se em função da relação controvertida tal como é configurada por ambas as partes e resulta do desenvolvimento da lide.”
Ainda o diploma não entrara em vigor e logo o legislador, em sinal da controvérsia do tema, arrepiou caminho.
Assim se justificou: “No tocante aos pressupostos processuais, entendeu-se suprimir o n.º 4 do artigo 26.° do Código de Processo Civil, por não fazer sentido que na questão crucial da definição da legitimidade das partes o legislador tivesse adoptado para a legitimidade singular a tese classicamente atribuída ao Prof. Barbosa de Magalhães e para a legitimidade plural a sustentada pelo Prof. Alberto dos Reis. A opção efectuada – discutível, como todas as opções – propõe-se circunscrever a querela sobre a legitimidade a limites razoáveis e expeditos, os quais, de resto, são os que a jurisprudência, por larga maioria, tem acolhido. A eliminação deste normativo não significa que não existam especificidades a considerar no que concerne à definição e ao enquadramento do conceito de legitimidade plural decorrente da figura do litisconsórcio necessário: julga-se, porém, que tais particularidades não são de molde, na sua essência, a subverter o próprio critério definidor da legitimidade das partes.”
Consequentemente, o artº 26º voltou à sua redacção tradicional, apenas com o acrescento, antes feito ao seu nº 3, da expressão “tal como é configurada pelo autor”, afinal a que ainda agora persiste no novo Código, ou seja:
“1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade processual constitui um dos pressupostos necessários para que o tribunal possa e deva apreciar o fundo ou mérito da causa e decidir sobre o pedido formulado, julgando-o procedente ou improcedente e concedendo ou negando a pretendida protecção jurisdicional.
Visa-se que a discussão controversa do litígio se instale e desenvolva entre os verdadeiros interessados, os titulares da relação material sobre que se pede pronúncia do tribunal; entre, portanto, quem, relativamente a ela, exercita uma certa pretensão de que se afirma titular (interessado em demandar e colher a utilidade derivada da procedência da acção) e quem a contraria ou dela se defende (interessado em se livrar do prejuízo que dali lhe pode advir).

Se, com a relação jurídica invocada, nada tiver a ver o demandante ou o demandado, correr-se-á o risco de o tribunal proferir uma decisão sobre ela inútil, insusceptível de resolver o verdadeiro litígio e de pacificar os reais litigantes.

Daí que, verificada, mesmo oficiosamente, uma tal excepção dilatória, fica o tribunal impedido, se ela não for sanada, de conhecer acerca do mérito da causa. Nesse caso, será absolvido da demanda quem para ela tiver sido instado, sem embargo de outra acção poder ser proposta pelo interessado sobre o mesmo objecto – artºs 288º, nº 1, alínea e), 289º, 493º, nºs 1 e 2, 494º, alínea e), 495º, do CPC.

Difícil, por vezes, é definir, com exactidão, e aplicar, com rigor, nas situações concretas, o adequado critério de determinação da legitimidade processual e, sobretudo, distinguir esta da legitimidade substancial, pois, tratando-se de relações jurídicas diversas (formal/processual, uma; material/substantiva, a outra), nem sempre se diferencia, com clareza, a relação controvertida, tal como delineada pelo demandante, do seu eventual reflexo efectivo na esfera jurídica do demandado, caso a acção proceda, por forma a discernir sobre o interesse directo deste (o relevante) em contradizê-la.
Por isso, Lopes do Rego, apesar da clara opção legislativa feita acerca da titularidade da relação material controvertida, se interroga primeiro:[5]
“Deverá, porém, tal titularidade – e, portanto, a legitimidade – ser aferida apenas pelas afirmações do autor na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende figurar o objecto do processo? Ou, pelo contrário, a determinação das partes legítimas deverá aferir-se em função da efectiva titularidade da relação material controvertida tomada provisoriamente como objectivamente existente, com a configuração que vier a resultar das afirmações de autor e réu, confirmadas pela instrução e discussão da causa? Bastará, para que as partes sejam legítimas, que o autor se arrogue a titularidade de um direito e trate de imputar a situação passiva correspondente ao réu? Ou, numa perspectiva substancialmente mais exigente, será necessário que o autor e réu sejam os efectivos titulares da relação jurídica, objecto do processo, tomada esta como hipoteticamente existente, por se abstrair, no momento da apreciação da legitimidade, dos aspectos que se reportam apenas à existência objectiva daquela relação litigiosa?”
E a seguir comenta: “Começaríamos por salientar que ela se articula claramente melhor com a natureza da legitimidade como pressuposto processual, impedindo, em absoluto, qualquer sobreposição entre os planos da legitimidade processual e da procedência ou improcedência da acção. (…) Na realidade, a tese de Barbosa de Magalhães respeita integralmente aquilo a que chamaríamos o «carácter hipotético» do objecto do processo: este não incide sobre direitos ou relações efectivamente existentes, mas sobre um litígio acerca de uma concreta relação jurídica, afirmada pelo autor e negada pelo réu. Antes de o processo findar e de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, reconhecendo ou negando os direitos envolvidos nesse litígio, apenas encontramos «previsões, esperanças, probabilidades, aspirações – isto é, incerteza que no fim a decisão judicial deverá dissipar – e que são precisamente o oposto do direito à decisão favorável, preexistente ao processo, sobre o qual se funda toda a constituição chiovendiana». Ora, sendo a legitimidade uma relação entre os sujeitos e o objecto do processo, esta natureza puramente «hipotética» da relação litigiosa não poderá deixar de se reflectir na concepção da legitimidade.”
Daí que “na nossa óptica, este [o defensor da referida tese] nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula – mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.”
Assim, a legitimidade processual nada tem a ver com a verdadeira titularidade da relação substantiva tal como apurada depois de apreciada e decidida a final e em função de cujo mérito a acção será julgada procedente ou improcedente. O que importa é que, tal como o autor a configura na petição, dela resulte o seu interesse em demandar e fazer prevalecer a correspondente pretensão, e, para o sujeito que ele demanda, o interesse em desta se defender.
No caso aqui em apreço, para formular o pedido de condenação da apelante a indemnizar o apelado por certos danos, invocou este como causa de pedir que, além do mais, sendo ela a concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente e, por isso, impendendo sobre ela a obrigação de garantir as condições de segurança da via, designadamente de fazer a sua eficaz manutenção e garantir o funcionamento do sistema de escoamento das águas da chuva, não cumpriu tal obrigação, a ponto de se encontrarem obstruídas as respectivas sarjetas e caixas com terras e detritos, de tal modo que tal gerou o lençol de água e, consequentemente, o descontrolo, despiste e embate da viatura.

Ou seja: o autor imputa à ré a titularidade de obrigação própria, o respectivo incumprimento e, por isso, a responsabilidade pela indemnização de danos em consequência dele sofridos.

Claro que a ré, interessada em contradizer na medida em que, caso proceda a acção e seja condenada, sofrerá prejuízo, defende-se – sinal, precisamente daquele interesse! – alegando que, por ter transferido as suas obrigações de concessionária, não tem qualquer responsabilidade pelo incumprimento das referidas obrigações e, assim, pelos danos resultantes.

Só que isto já nada tem a ver com sua patente legitimidade processual, mas sim com a procedência ou improcedência da acção. Aquela refere-se ao pressuposto ou condição do exercício em juízo de um direito ou de contra ele se defender. Esta respeita ao mérito. Saber quem é ou não sujeito da obrigação e responsável pelas consequências da sua falta é o que o tribunal há-de apreciar e decidir, assim resolvendo a controvérsia materialmente desenhada entre as partes, na medida em que uma imputa à outra deveres e lhe exige prestações que esta nega e recusa.

De acordo com a estrutura objectiva e subjectiva da controvérsia pelo demandante conferida à acção, com fundamento e em obediência ao regime a cuja aplicação apela, e, independentemente, de os factos serem verdadeiros e de a relação jurídica vir a ser reconhecida ou negada e o demandado condenado ou absolvido do pedido com base nela formulado e como seu sujeito passivo, é este quem, ab initio, figura como parte nessa relação controvertida, presumindo-se, para tal efeito, que ela existe.

Como diz Antunes Varela[6], “A questão de saber se a relação material controvertida existe ou não validamente, se o dever jurídico correlativo se extinguiu ou não, interessa realmente ao mérito da causa. Ao problema da legitimidade importa apenas saber, por seu turno, quem são os sujeitos dessa relação – pressupondo que ela exista –, quais são as pessoas a quem a relação realmente diz respeito ou a quem ela interessa de modo directo”.

Por outras palavras: “O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial, para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer. Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito.”[7]

A ré tem pois legitimidade processual passiva para continuar na instância, não há fundamento para que o tribunal recorrido julgasse procedente a excepção dilatória alegada e dela a tivesse absolvido. A “irresponsabilidade” de que a apelante afirma agora “não restarem dúvidas”, apesar dos contratos juntos, só em sede de conhecimento do mérito, e não no da verificação dos pressupostos processuais, poderá e deverá ter lugar.

Nesta parte, o despacho recorrido é incensurável e deve ser confirmado, improcedendo na respectiva medida a apelação.

b) A inútil menção ao artº 31º-B, a extensa citação desnecessária do trecho retirado do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95 justificativa da sua ratio e a alusão à passividade da autora, na segunda parte do despacho recorrido que ora passamos a analisar, não o invalidam – uma vez que se não vislumbra a falta de fundamentação nem a oposição desta com a decisão, nem, ainda, a falta de clareza que os apelantes lhe imputam, para arguir a sua nulidade, invocando as alíneas b) e c), do nº 1, do artº 615º, do novo CPC.

A ré, na sua contestação, enjeitou qualquer responsabilidade sua na produção do evento lesivo e pelos respectivos danos, defendendo que, por efeito dos contratos celebrados, esta deve ser invocada perante a “D…” e, assim, requereu o chamamento desta por via de intervenção principal provocada, nos termos do artº 325º, nº1, CPC (sem discriminar a que número se referia), “enquanto titular de um direito incompatível com o alegado pelo autor”.

Esta norma contempla duas hipóteses: a primeira delas, facultada a ambas as partes, pressupõe que o interveniente chamado a juízo por uma seja um “interessado com direito a intervir na causa”, como associado da contrária; a segunda, refere-se aos “casos previstos no artº 31º-B” e dá apenas ao autor a possibilidade de “chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.

Nenhuma atitude, a este propósito, tomou, então, o autor, limitando-se agora, nas contra-alegações, a reconhecer razão à ré e a opinar que a intervenção deve ser deferida.

É verdade que, na parte do despacho recorrido respeitante à apreciação e decisão deste incidente da instância, a Exmª Juíza começou por transcrever o que dispõe o artº 31º-B, aludir à sua ratio e observar que, “no caso em apreço não estamos perante uma situação de cumulação subjectiva subsidiária, que dá origem a diversos pedidos subsidiários, já que o autor não vem subsidiariamente demandar diversos réus em consequência do pedido principal, alegando dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida”, pois “o presente incidente de intervenção de terceiros não foi deduzido pelo autor, mas pela ré”.

Não o é menos que, referindo-se também ao texto do nº 1 da norma em causa, acrescentou que “a intervenção principal, espontânea ou provocada, em acção pendente, pressupõe que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um direito próprio, igual ou paralelo ao do autor ou do réu, que com este seja compatível e coexistente”. E mais adiante: para [a ré] não resulta duvidoso saber, no caso concreto, quem é a entidade responsável pelo ressarcimento dos danos invocados”, sustentando esta “que não é ela, mas sim a sociedade «D…, SA»”.

Apesar disto, não se nos afigura que tal despacho seja nulo. Ainda que o fosse, o que daí adviria como consequência seria o dever de este Tribunal superior conhecer do objecto da apelação respectiva.

Vejamos.

O artº 205º, nº 1, da Constituição da República, estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

O artigo 154º, do actual CPC, no seu nº 1, dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, e, no nº 2, que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, o caso seja de manifesta simplicidade e a contraparte não tenha apresentado oposição.

O artº 607º, nº 3, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 615º (este e aquele aplicáveis a despachos por força do nº 3, do artº 613º), é nula a sentença que não especifique os fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Assim como o é, conforme alínea c), caso os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A fundamentação das decisões judiciais é, pois, uma exigência constitucional e legal incontornável.

Além disso, é nela que o tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir qualquer pedido controverso ou dúvida suscitada no processo, maxime o conflito entre as partes, e lhes impor a sua decisão.

A fundamentação é imprescindível ao processo equitativo e contraditório e constitui uma garantia deste.

A sua concretização depende das exigências traçadas pelo legislador em cada área do direito, designadamente processual. O nível de densificação exigido varia de acordo com a natureza e efeitos da decisão, não podendo nem devendo ser o mesmo no simples despacho relativo à relação processual ou na complexa sentença que decide sobre o mérito de uma causa.

Critério intransponível, na medida em que definidor do limite de conformidade com aquele princípio básico, é o de a fundamentação se expressar em termos que permitam apreciar e compreender as suas razões e motivos por forma a promover a sua aceitação e acatamento pacíficos ou a possibilitar a sua crítica e impugnação, mormente por via de recurso.

Como se recordou em Acórdão do STJ, de 21-06-2011[8], e já depois se reafirmou nesta Secção e Tribunal[9], tanto a doutrina como a jurisprudência têm unanimemente entendido que só a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma fundamentação porventura incompleta, errada, medíocre, insuficiente ou não convincente, e que apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e a sujeita ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso.

Só implica tal o vício a deficiência que não possibilitar a percepção dos termos em que se baseia a decisão e de maneira a que os seus destinatários a apreciem de modo a convencer-se da sua solidez e bondade, conformando-se com ela, ou a acreditar na sua fragilidade e demérito, atacando-a.

Como, em suma, também se observa em aresto da Relação de Coimbra, “A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.”[10]

E no desta Relação, de 16-11-2010[11], “…para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre essa força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça. A decisão surge assim como um resultado, como a conclusão de um raciocínio, e não se compreenderia que se enunciasse unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge. Por isso, o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito contra o arbítrio do poder judiciário. Além do mais, a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida.”

Ao apontar as duas hipóteses em cujo âmbito pode ser desencadeado o incidente (as dos nºs 1 e 2, do artº 325º), ao referir os pressupostos de ambas (no primeiro caso, que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um direito próprio, igual ou paralelo ao do réu e que com este seja compatível e coexistente; e, no segundo, que se perfile possível pluralidade subjectiva subsidiária) e ao concluir que nenhuma delas se verifica (porque, numa, a ré requerente o que alega é, apenas, que não é ela a responsável mas um terceiro; e, na outra, porque só o autor poderia suscitar a intervenção e não ocorre a referida pluralidade), terminando pela consequente rejeição do incidente – não se verifica a arguida falta.

Poderia a especificação dos fundamentos ser mais precisa ou até ordenada e evitar tão extensa alusão à hipótese, manifestamente fora de causa, do nº 2 do artº 325º, em favor de melhor escalpelização da do nº 1, mas colhe-se, com bastante nitidez, que o tribunal não admitiu o incidente por entender que os pressupostos daquela jamais se verificam e que os desta não se coadunam com a situação concreta.

Por outro lado, as apontadas deficiências não integram oposição entre fundamentos e decisão.

Tal deficiência pressupõe, como se colhe do que tem dito e redito a Doutrina e a Jurisprudência, que, no epílogo do processo lógico que suporta e estrutura a operação de subsunção da factualidade relevante às normas jurídicas convocadas e já de si razoavelmente revelador de um determinado itinerário para a solução assim tornada expectável, se profira, afinal, decisão dele divergente ou oposta só explicável por uma ostensiva, enviesada e inesperada desconformidade do raciocínio com as premissas antes seguidas, viciando-a.

“A lei refere-se … à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão…há um vício real no raciocínio do julgador (…): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.[13]

Tal se verifica se, em função de factos apurados e da sua subsunção ao direito se configurar evidente nulidade, por exemplo formal, de certo negócio e, depois, acabar por se proferir condenação no seu cumprimento.

Este vício, porém, nada tem a ver com uma eventual errada subsunção dos factos à norma jurídica ou a uma sua incorrecta interpretação e que, por isso, também vicia o resultado do julgamento e a correspondente decisão. Tal erro não afecta a validade da sentença mas sim a correcção e bondade do respectivo juízo. Pode é, em caso de ser reconhecido, levar à sua alteração.

É elucidativo o que a tal propósito se refere no Acórdão do STJ, de 30-05-2013[14]: “…para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença” e “A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º (…), verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».”

A referência apendicular a um fundamento irrelevante no caso, não conforma oposição se outro foi invocado em fundamento do decidido.

Acresce, a respeito da assacada falta de clareza, que – e trata-se de segmento normativo inovatório, enquanto agora fundamento de invalidade – “Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.”[15]

Segundo o Conselheiro Rodrigues Bastos, citado no Acórdão do STJ, de 26-09-2012[16], “a obscuridade é a imperfeição da sentença que se traduz em ininteligibilidade”; e “a ambiguidade verifica-se quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos.”

Ora, a alusão ao artº 31º-B, apesar de se não perfilar a hipótese do nº 2, do artº 325º, não impede a percepção e compreensão do sentido da decisão, nem que esta se baseou (para além da inverificação daquele remoto fundamento) à não ocorrência, no caso concreto, dos pressupostos do nº 1, enunciados. A explicação adequada consta expressamente do seu teor, embora algo ofuscada pela referência desnecessária ao artº 31º-B, e reporta-se àqueles. Entre tal alusão e a decisão não se configura relação contraditória. Esta está justificada, naqueles termos. A decisão, em suma, é perfeitamente inteligível, só tem um sentido, e mostra-se coerente. O seu eventual erro não fundamentaria nulidade.

Não ocorre o vício. Por aí a decisão também não é nula.

c) Recorde-se, então, que, contestando a obrigação de indemnizar que lhe vem exigida pelo autor com fundamento na sua responsabilidade pelo incumprimento dos deveres próprios de garantir as condições de circulação em segurança na auto-estrada de que é concessionária e, para tanto, o funcionamento eficaz do sistema de escoamento das águas da chuva no respectivo pavimento, a ré defendeu-se negando qualquer obrigação e consequente responsabilidade e alegando que uma e outra, ainda que fundada esta em culpa ou risco nos termos da lei geral, enquanto derivadas da prestação de serviços de operação e manutenção da via inerentes à sua exploração concessionada, haviam sido contratualmente transmitidas para a “D…” e por esta assumidas, à mesma devendo o autor exigir a pretensa responsabilidade e nunca contra si própria a podendo invocar.

Nessa sequência, requereu a intervenção principal provocada desta, com fundamento no nº 1, do artº 325º (actual artº 316º), “enquanto titular de um direito incompatível com o alegado pelo autor”.

O tribunal a quo, citando a dita norma, considerou que, além do mais, “A intervenção principal, espontânea ou provocada, em acção pendente, pressupõe que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um direito próprio, igual ou paralelo ao do autor ou do réu, que com este seja compatível e coexistente” e que, vindo a responsabilidade pelo autor imputada, única e exclusivamente, à apelante e afirmando a ré não ter nenhuma nem haver dúvidas que, pelo contrário, a entidade responsável é a “D…”, “não se mostrarem verificados os pressupostos legalmente previstos para a requerida intervenção principal provocada passiva.”

Ora, o artº 325º, nº 1, dispõe que “Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.” Acrescenta o nº 3 que o requerente do chamamento “alega a causa” deste e “justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.”

Como decorre do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro que incidiu sobre esta matéria e fixou a redacção da norma a ter aqui em conta, “partiu-se essencialmente, numa primeira linha, da análise dos vários tipos de interesses em intervir (ou ser chamado a intervir) e das ligações que devem ocorrer entre tal interesse, invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e a relação material controvertida entre as partes primitivas, concluindo-se pela possibilidade de reconduzir logicamente a três formas ou tipos de intervenção, distinguindo sucessivamente [dos outros enunciados]: -os casos em que o terceiro se associa ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais: é este o esquema que define a figura da intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa”.

Ora, logo se vê que o interesse directo da apelante redunda e se confina ao de fazer prevalecer a sua tese de que nenhuma responsabilidade própria sobre ela impende e de ver a acção ser julgada improcedente com a sua absolvição do pedido. Interesse cuja satisfação, face à causa de pedir invocada pelo autor e às regras do ónus da prova, assim logrará obter por si e sem necessidade da intervenção da entidade terceira. Interesse que, afinal, a esta se contrapõe e afasta a hipótese de qualquer associação.

A condenação daquela, no epílogo do chamamento, realizaria, sim, à luz da tese da apelante e se esta lograsse reconhecimento, o interesse directo do autor, cuja via se encontra no nº 2, do artº 325º, mas ele optou por não seguir, perseverando na manutenção da relação material litigada tal como a configurou inicialmente.

Ainda que, na tese da ré, a entidade terceira seja a verdadeira responsável, não tem esta um direito próprio e paralelo a intervir na causa como sua associada. Os interesses de ambas, em relação ao objecto da causa, são, aliás, perfeitamente opostos. Ante o autor, que nada lhe imputa nem exige, nenhum interesse tem a chamada em intervir e, a tê-lo, seria também contraposto.

A relação material controvertida não respeita à entidade terceira, mas unicamente à ré. Nem da lei nem de negócio jurídico deriva qualquer interesse seu, nem decorre que a sua intervenção em qualquer forma de litisconsórcio naquela seja exigível. Da sua natureza também não resulta necessidade de ser chamada para que a decisão final produza o seu efeito útil normal. Não se verificam circunstâncias fundamentadoras de eventual coligação.

Portanto, não se perfila qualquer das hipóteses previstas nos artºs 27º, 28º e 30º a que, nos termos dos artºs 320º e 321º, se reconduz o âmbito de aplicação do artº 325º, nº1, e, portanto, permita a intervenção provocada a título principal do terceiro, cujos pressupostos são, aliás, os mesmos da espontânea.

A ser como diz a ré, a relação jurídica própria da interveniente perante o autor, quanto à relação material controvertida neste processo é nova, diversa e autónoma, sem nenhuma conexão com aquela e legalmente justificativa da intervenção.

É verdade que o pela apelante citado Acórdão desta Relação de 15-11-2012[17] refere, entre muito mais concernente a caso diverso, que “O que é relevante é que do alegado pelo R, em conjugação com a causa de pedir invocada na petição, resulte que o chamado tem uma posição própria, mas paralela à do R e consequentemente também tem interesse direto em contradizer.” Todavia, não pode perder-se de vista que a posição do chamado deve ser própria em relação à causa de pedir – isto é, em relação ao objecto do processo tal como definido pelo autor – embora a par da do réu e, por isso, um interesse directo em contradizer.

Ora, nada imputa e muito menos pede o autor ao terceiro. Logo, este nada tem para lhe contrapor. A conexão pela apelante referida decorre exclusivamente da sua defesa e não de qualquer relação jurídica envolvente daquele e relacionada com esta.

A requerida sociedade não é, por qualquer causa jurídica, consorte nesta lide. Claro que essa comunhão e paralelismo de interesses pode ser trazida à tona do litígio por via da própria defesa. Nessa medida, admite-se que, como refere outro aresto citado pela apelante[18], “Não será pois, exclusiva, e necessariamente, à luz da relação material controvertida tal como resulta configurada pelo autor, que se deverá aferir desse direito (interesse) próprio que o interveniente fará valer na acção.”

“No entanto – como nele se acrescenta –, a intervenção na lide de alguma pessoa pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.” Assim: “A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.”

O mesmo se diz – e não só aquilo que dele parcialmente o apelante transcreve – no outro invocado aresto:[19] “I - Quando a intervenção principal é provocada pelo réu, pretendendo o mesmo que o chamando integre com ele o lado passivo da acção, haverá que saber se entre um e outro se poderá configurar litisconsórcio sucessivo, necessário ou voluntário. III- Nessa circunstância, os factos de que resultará a caracterização do direito (interesse) próprio do interveniente, hão-de decorrer, as mais das vezes, dos contributos que da sua defesa advenham para a configuração da relação material controvertida, pois que lhe cabe trazer aos autos factos de que resulte que aquele interesse é “paralelo” ao seu. IV - Não será, pois, exclusiva e necessariamente, à luz da relação material controvertida tal como resulta configurada pelo autor que se deverá aferir desse direito próprio que o interveniente fará valer na acção. V- No entanto, para que a intervenção resulte admitida, é necessário que os contributos que a defesa do réu implique para a caracterização do direito do interveniente se insiram na relação material controvertida que o autor trouxe aos autos.

Como refere Salvador da Costa[20], “A intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.”

O autor, nesta acção, ao contrário do que argumenta a apelante, não pretende imputar a responsabilidade a uma qualquer entidade relativamente à qual se venha a demonstrar ser a titular dos deveres alegadamente violados e que aquela sugira como responsável. Ele alegou que estes deveres impendem sobre a ré e que foi ela quem os violou. É dela que exige a indemnização e a condenação a pagar-lha.

Nada se altera à luz do novo Código, apesar da diferente redacção da norma sucedânea.

Improcedem, portanto, as conclusões a este respeito formuladas pela apelante e, nesta medida, nenhuma censura há a dirigir à decisão recorrida.

d) Defende a apelante que, caso assim não se entenda como em primeira linha ela defende, então sempre deve admitir-se a intervenção acessória provocada da referida “D…”, porque, sendo nesta acção condenada, sempre poderá contra aquela exercer um eventual direito de regresso.

Sucede que esta pretensão nunca foi formulada (e devia tê-lo sido na contestação, como diz o artº 331º, nº 2), nem foi, por isso, objecto de apreciação na decisão recorrida.

Constitui, portanto, questão nova. Logo, insusceptível de conhecimento.

Como é geralmente sabido e constitui entendimento unânime na Doutrina e na Jurisprudência, os recursos são instrumentos de impugnação de decisões judiciais, visam desencadear a reapreciação destas em questões ou matérias nelas apreciadas e decididas pelo tribunal a quo. Não podem eles servir de meios para retomar a defesa, suprir as deficiências desta, renovar ou repetir a discussão e julgamento da causa, através da invocação de novos fundamentos não anteriormente alegados ou recurso a mecanismos processuais fora do tempo e lugar próprios, seja em sustentação do pedido ou da defesa, mas apenas para apreciar e julgar se a anterior decisão recorrida é ou não válida e correcta face aos elementos colocados ao dispor do tribunal para o efeito pelo respectivo interessado onerado com o respectivo ónus de alegar e provar. [21]

Ainda que assim não se entendesse e que, concomitantemente, se adoptasse, como já fizemos[22], a tese de que pode para tal forma de intervenção acessória ser convolada a principal não admitida, o certo é que a própria ré não afirma, muito menos demonstra, ter efectivamente um direito de regresso, apenas o alega como “eventual”(cfr. conclusão II).

Na verdade, o artº 330º, nº 1, do CPC, pressupõe que “o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”. Circunscreve-se o papel do interveniente acessório, conforme nº 2, “à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.”

Todavia, a ser aqui condenada, a ré sê-lo-á com fundamento em responsabilidade própria, que ela peremptoriamente rejeita mas o autor reitera, e cuja possibilidade de vir a fazer repercutir sobre terceiro ela não invoca nem se vislumbra, mesmo nos contratos ou regime legal aludidos.

Com efeito, apesar dos termos em que se defende, de duas uma: ou é condenada porque se demonstra a tese fáctica e jurídica do autor; ou não é, porque se demonstra a sua.

Se o for, tal pressuporá a afirmação, pela sentença, de que sobre ela impendiam os deveres em causa, de que culposamente os violou e, em consequência disso, causou os danos; e, portanto, de que é sua e própria a responsabilidade pela indemnização pretendida. Consequentemente, ficará aqui afastada, a este título, a da entidade terceira – mesmo perante si claro, sendo certo que nenhum fundamento concreto (legal ou contratual) para contra ela poder vir a reagir, ainda que “eventual”, foi alegado.

De resto, nem faria sentido a chamada intervir em tal qualidade, uma vez que o suposto papel de “auxiliar na defesa” da ré, ao lado desta, não se compagina com os respectivos interesses antagónicos. Esta imputa àquela a responsabilidade única, exclusiva e própria pelo evento e consequentes danos. O auxílio só poderia traduzir-se em reconhecê-la. Todavia, isso está fora do campo de aplicação do incidente e não cumpre os inerentes pressupostos.

Por isso, também nesta parte a apelação sempre deveria improceder.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 09-10-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
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[1] Além de que seja “declarado o incumprimento contratual culposo” pela demandada.
[2] Defendendo, em “questão prévia”, que ainda é aplicável o CPC de 1961 à fase dos articulados e, por igualdade de razões, ao incidente de intervenção deduzido.
[3] Que, citando os Acórdãos do STJ, de 08-02-2011 (Consº Paulo Sá), da RP, de 11-03-2008 (Desemb. Maria Adelaide Domingues), da RC, de 25-01-2006 (Desemb. Coelho de Matos), e da RL, de 02-12-2009 (Desemb. Roque Nogueira), qualifica de extracontratual.
[4] Note-se que, então, ao contrário do que fez, só agora, nas alegações de recurso, não pediu a intervenção acessória.
[5] Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 50.
[6] Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, páginas 144 e 145.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa, de 21-03-2012, processo 2755/10, citado pelo apelado.
[8] Relator: Consº Gregório Silva de Jesus, que cita variada jurisprudência no mesmo sentido (acórdãos do STJ de 13-10-2007, 17-04-2007, 24-01-2008, 10-04-2008 e 08-01-2009, Procs. n.º 07A3570, 07B956, 07B3813, 08B396 e 08B3510, respectivamente, todos disponíveis no ITIJ), e Doutrina (Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, páginas 687 e 688, e Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, página 297).
[9] Acórdão da Relação do Porto, de 13-09-2012, relatado pela Desemb. Deolinda Varão.
[10] Acórdão de 17-04-2012, relatado pelo Desemb. Carlos Gil.
[11] Relatado pelo Desemb. Rodrigues Pires.
[12] A. Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, 5º, página 141.
[13] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, páginas 689 e 690.
[14] Relator: Consº Álvaro Rodrigues (corrigiu-se o manifesto lapso de referência à alínea, no ponto I).
[15] Acórdão do STJ, de n04-07-2001 (relator: Consº Simas Santos).
[16] Relator: Consº Oliveira Mendes.
[17] Relator: Desembargador Leonel Serôdio.
[18] Acórdão da Relação de Lisboa, de 8-11-2012 (relatora: Desembargadora Teresa Prazeres Pais).
[19] Acórdão da Relação de Lisboa, de 14-06-2012 (relatora: Desembargadora Teresa Albuquerque).
[20] Os Incidentes da Instância, 1999, página 104.
[21] Cfr. Acórdãos do STJ, de 03-02-2005 (Conselheiro Salvador da Costa) e de 27-05-2010 (Conselheiro Fonseca Ramos) e desta Relação, de 15-06-2011 (Desembargadora Ana Paula Amorim); e, ainda, Fernando Amâncio Ferreira, “Manual de Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., Almedina, pág. 156 e 157, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág. 395, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, t.1, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 8, Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª ed., Almedina, 2009, páginas. 103 e 104, e Elisabeth Fernandez, “Princípio do Dispositivo e Objecto de Decisão de Recurso”, in “As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos”, Coimbra Editora, 2010, págs. 334 a 337.
[22] Acórdão desta Relação de 31-01-2013, do mesmo Colectivo. Nesse sentido, também o de 09-07-2014 (Desemb. Vieira e Cunha).
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Sumário:
I)Invocando o autor, como fundamento do pedido de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação, o incumprimento pela ré, concessionária da auto-estrada onde ocorreu o despiste do seu veículo, do dever que afirma ser dela, por isso a responsabilizando, de assegurar as condições de segurança e manutenção, designadamente relativos ao funcionamento do sistema de escoamento das águas da chuva, que esteve na origem da formação de um lençol de água e daquele resultado, e defendendo-se aquela alegando que não é responsável pelo evento e seus danos uma vez que tal obrigação fora transferida contratualmente para empresa terceira, ela tem legitimidade processual passiva para a causa, pois que é titular da relação material controvertida, tal como o autor a configurou, independentemente do respectivo mérito.
II) Pedindo a ré, com aquele alegado fundamento, ao abrigo do artº 325º, nº 1, CPC, a intervenção principal provocada da referida entidade terceira, o incidente não deve ser admitido, por os factos alegados não preencherem a dita norma.
III) Se, ao apreciar tal requerimento, o tribunal recorrido aludiu desnecessariamente também aos pressupostos do nº 2 da mesma norma, mas fundamentou a decisão na não verificação dos do nº 1, não ocorre nulidade por oposição nem obscuridade.
IV) Defendendo a ré, apenas no recurso, que, caso se confirme a decisão de indeferimento de tal incidente, então deve ser admitida a intervenção acessória provocada da dita entidade, trata-se de questão nova, insusceptível de conhecimento nesta instância.
V) De todo o modo, invocando, apenas, como fundamento para esse chamamento, a sua irresponsabilidade e a concomitante responsabilidade da entidade terceira, por lha ter transferido pelo contrato, não se verificam os pressupostos do artº 330º, nº 1, pois tal não legitima acção de regresso.

José Amaral