Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4738/15.0T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: COMPRA E VENDA
PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
CONTRATO ATÍPICO
ÓNUS
DUE DILIGENCE
VÍCIOS DA COISA
Nº do Documento: RP202001144738/15.0T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Estando as partes de acordo em que, através da celebração de um negócio de compra e venda de participações sociais, pretendiam proceder à transmissão da titularidade da empresa, deve concluir-se que celebraram um contrato atípico de transmissão indirecta da titularidade da sociedade.
II – Neste tipo contratual o adquirente tem o ónus de proceder a uma apreciação, a uma auditoria à sociedade que pretende comprar, ou, nas palavras do direito anglo-saxónico, um ónus de “due diligence”, sendo-lhe potencialmente aplicável a estatuição do art.º 570.º do Código Civil.
III – Não se tendo provado a existência de um vício ou não - conformidade consistente na discrepância entre a qualidade real ou existencial da sociedade vendida e a qualidade devida “ex contractu”, não se justifica sequer que se equacione a possibilidade legal de aplicação do erro sobre a base do negócio, previsto no art.º 252.º do Código Civil, ou o regime de compra e venda de coisas oneradas e defeituosas, nos termos previstos nos art.º 905.º e ss. do Código Civil.
IV – Por outro lado, não tendo as partes optado pela estipulação de uma cláusula de garantia, deve entender-se que não pretenderam distribuir por qualquer forma o risco de transmissão da sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4738/15.0T8MAI-A.P1
Comarca: [Juízo de Execução do Porto (J7); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
*
SUMÁRIO
............................................................
............................................................
............................................................
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B…, residente na Avenida …, n.º .., …, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, no valor global de €218.333,45, contra C…, residente na Avenida …, …, Trofa, e D…, residente na Rua …, n.º …, …, Trofa, apresentando como título executivo uma escritura pública de “Confissão de Dívida e Hipoteca” e alegando que os Executados deixaram de pagar as prestações acordadas nessa escritura a partir de Outubro de 2011, no valor global de €132.916,79.
Invoca ter direito ao valor da cláusula penal estabelecida no mesmo documento, no valor de €124.999,88 (o montante de €4.166,66 multiplicado pelas 30 prestações em falta).
Expõe que, entretanto, os Executados liquidaram, através de diversas entregas, a quantia global de €58.333,24, cifrando-se o valor em dívida em €189.583,43, acrescido de juros de mora.
Os Executados vieram deduzir oposição à execução, por embargos de executado, alegando, em síntese, que o valor referido na escritura de confissão de dívida e hipoteca exequenda, outorgada em 19/03/10, respeita ao preço que as partes acordaram atribuir às quotas da sociedade “E…, Lda.”, vendidas pela Exequente.
Dizem que, na mesma ocasião, a Exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou-lhes os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória do Registo Predial competente.
Alegam que, em 2012, a “E…, Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, tendo reclamado para esses anos, respectivamente a título de IRC e IVA, as quantias de €36.659,96 e €13.710,89. Bem como que, para garantir o pagamento destes valores, foi necessário dar em hipoteca um imóvel, no que despenderam a quantia global de €681,00.
Dizem que a Exequente os induziu em erro quanto à conformidade tributária da actividade desenvolvida e declarada pela sociedade transmitida, aspectos que seriam de todo o relevo na decisão de contratar e na determinação do valo da quota.
Entendem que ao preço acordado pela transmissão deverá ser descontada a quantia de €51.051,85 e a Exequente condenada a reconhecer que a título de preço da sociedade transmitida apenas tem a haver a quantia de €148.948,15, descontada do valor que efectivamente foi já pago.
Mais alegam que os elementos determinantes do preço da venda das quotas da referida sociedade foram os equipamentos existentes e, sobretudo, a perspectiva de recebimento, ao abrigo de contrato firmado com o “Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação”[1], de um incentivo reembolsável até ao valor de €177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13 % do seu valor, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de €122.496,29.
Afirmam que a Exequente sabia – embora omitindo dolosamente de si essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI não seriam consideradas elegíveis, o que acarretaria a final o não recebimento de qualquer incentivo, o que se veio a verificar.
Entendem que a Exequente, na qualidade de vendedora, não cumpriu a prestação devida, segundo a interpretação objectiva do contrato, verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes.
Defendem terem direito a haver da Exequente a quantia correspondente ao valor que a sociedade deixou de beneficiar pela sua candidatura não ter sido deferida, devendo aqui considerar-se a parte não reembolsável do incentivo (€129.802,96) e o prémio de realização (€122.496,29), no valor global de €252.299,25 – devendo operar-se a compensação recíproca dos créditos da Exequente e dos Executados na parte correspondente.
Em sede de impugnação motivada, alegam que, em meados de 2011, as partes acordaram numa restruturação do plano de pagamento prestacional, alterando o valor a amortizar mensalmente para €2.083,33.
Dizem que, em conformidade, a partir de 20/10/11, procederam mensalmente, até 15/04/14, ao pagamento de tal quantia, num valor global de €60.416,57.
Mais afirmam que a suspensão dos pagamentos acordados resulta de terem detectado os vícios supra referidos e da disponibilidade das partes para um entendimento consensual.
Entendem que não há, por isso, qualquer incumprimento da sua parte que justifique o accionamento da cláusula penal acordada, dos juros e compensação de outras despesas.
Concluem pedindo que os presentes embargos de executado sejam julgados procedentes, por provados, e, consequentemente, reconhecida judicialmente a redução do preço e o valor do seu contra crédito operando-se a compensação recíproca dos créditos das partes, julgando-se em conformidade a extinção dos presentes autos executivos.
A Exequente contestou a oposição deduzida, contrapondo, em síntese, que as partes acertaram a venda das quotas da sociedade pelo valor global de €250.000,00, tendo recebido €50.000,00 e acordado o pagamento do remanescente em prestações.
Assegura que a empresa foi entregue aos Embargantes, em meados de 2009, sem qualquer passivo e com a sua situação perante a administração tributária e a segurança social regularizada.
Diz que a aprovação de um projecto de investimento com o apoio do IAPMEI nunca foi considerado como condição para a celebração do negócio. Também que, independentemente disso, se a sociedade não deu seguimento às obrigações previstas neste contrato, fê-lo por sua iniciativa.
Alega que os Embargantes deduzem em Juízo uma oposição cuja falta de fundamento não desconhecem, alegando factos falsos e incorrectos com o fito de enganar o Tribunal e se tentarem esquivar ao pagamento dos valores que lhe são devidos.
Pede que os mesmos sejam punidos como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, de valor nunca inferior a €2.000,00, para além dos honorários à mandatária.
Remata pedindo que os embargos sejam julgados improcedentes e os Embargantes condenados como litigantes de má-fé, conforme peticionado.
Os Embargantes vieram exercer o direito de contraditório quanto ao incidente de condenação como litigantes de má-fé, reiterando as alegações do requerimento inicial e impugnando a matéria de facto invocada para o efeito.
Alegam que a Exequente, ao contestar os embargos de executado, deduz oposição cuja falta de fundamento conhece, ora alterando, ora omitindo factos relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, fazendo um uso do processo judicial manifestamente reprovável e ilegítimo na medida em que procura enriquecer-se à custa do seu património.
Concluem pedindo que sejam absolvidos do pedido de condenação de litigante de má-fé contra si formulado e pedem que a Embargada seja condenada como litigante de má-fé numa multa que, atenta a gravidade dos factos, não poderá ser inferior a 10 UC e numa indemnização não inferior a €2.500,00 a seu favor pelo valor dos honorários desembolsados.
Proferiu-se despacho saneador e dispensou-se a identificação do litígio e a selecção dos Temas da Prova.
Entretanto, os Embargantes vieram apresentar articulado superveniente, oportunamente admitido, alegando que as irregularidades fiscais aludidas no requerimento inicial deram origem a um processo contra-ordenacional com o n.º 18802012060000104134, no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/16, pelo qual foi aplicada à arguida sociedade uma coima única no valor de €11.848,34, acrescida das custas processuais, no valor de €76,50.
Entendem que, em conformidade, do preço acordado pela transmissão deverá ainda ser descontado a quantia de €11.924,84, correspondente ao valor destas coima e custas.
Rematam pedindo que a Exequente seja condenada a reconhecer que a título de preço da sociedade transmitida apenas tem a haver dos Executados a quantia de €137.023,31, valor ao qual deverá ser descontado o que efectivamente já foi pago.
A Embargada veio pronunciar-se impugnando a generalidade da matéria de facto alegada.
Realizado o competente julgamento, proferiu-se sentença com a seguinte parte decisória: “Face ao exposto, e sem necessidade de outras considerações, julgo a presente Oposição à Execução mediante Embargos de Executado improcedentes por não provados, determinando-se o prosseguimento da execução.”
Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados interpuseram recurso, pedindo que seja alterada a resposta aos factos provados e não provados, bem como a matéria de direito nos termos nele requeridos, revogando-se a sentença proferida em primeira instância e, em sua substituição, proferido Acórdão que julgue os embargos totalmente procedentes, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
I. Vem o presente recurso interposto pelos embargantes, D…, C…, versando sobre matéria de facto e de direito, no sentido de obter a revogação da douta sentença proferida em 04-05-2019, pelo Juízo de Execução do Porto, na parte em que julgou improcedentes o pedido formulado pelos embargantes, condenando-os em custas e dele absolvendo a embargada.
II. O presente recurso em matéria de facto funda-se em erro na fixação dos factos materiais da causa e na apreciação da prova produzida como infra se demonstrará, e a sua procedência importa por um lado a alteração da redacção dada a alguns dos factos dados como provados, deles fazendo-se constar elementos adicionais que alteram o seu sentido e a valoração que tais factos devem merecer do Tribunal e por outro lado a inclusão nos Factos Assentes daqueles outros que foram dados como não Provados.
III. No que em concreto respeita ao concreto negócio celebrado entre as partes, além do que consta expressamente do artigo 1.º dos Factos Provados, cuja redacção deverá ser complementada, com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos os quais deverão ser aditados ao elenco da matéria provada, alterando-se a redacção do ponto 1.º dos Factos Provados nos termos supra indicados:
6.1. Nos finais de 2009 a embargada abordou os embargantes no sentido de lhes propor a venda da sociedade E…, Lda., pessoa colectiva n.º ……… pelo preço de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), negócio que estes aceitaram celebrar com a embargada.
6.2 Assim a título de sinal os embargantes entregaram à embargada a quantia global de €50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo €10.000,00 (dez mil euros), por cheque emitido em seu nome e entregue em Dezembro de 2009 e €40.000,00 (quarenta mil euros) por depósito bancário efectuado em Fevereiro de 2010.
6.3 Por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgada por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F… em 19 de Março de 2010 os executados confessaram-se devedores à exequente do remanescente do preço da compra e venda da sociedade E… ainda em dívida, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros).
6.4 À data da compra e venda da referida sociedade pelos embargantes, aquela praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo, não dispunha de créditos a receber e apresentava uma actividade residual.
6.5 Os elementos determinantes do seu preço foram a inexistência de dívidas às Finanças e Segurança Social, o facto de tratar-se de um espaço licenciado, e a perspectiva de recebimento ao abrigo do Contrato n.º …./…., firmado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, de um incentivo reembolsável até ao valor de €177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10% do seu valor (€129.802,96, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de €122.496,29).
IV. Com efeito, realizada a audiência de discussão e julgamento e prestadas que foram as declarações e depoimentos de parte seja dos embargantes seja da embargada constatou-se que o valor de €200.000,00 confessado no título dado à execução corresponde a parte do preço da venda da empresa denominada de E…, Lda. pessoa colectiva n.º ………. que a embargada vendera aos aqui embargantes.
V. Na verdade o embargante C…, de resto corroborado por seu irmão D…, pela embargada B… bem como pela própria testemunha G…, explicou que a aquisição da E… lhe foi proposta por G…, nos finais de 2009, acreditando de início que este fosse o “dono” da mesma, apenas se apercebendo mais tarde que afinal a E… pertencia à embargada e que aquele G… estava mandatado pela embargada para negociar os termos da venda e resolver quaisquer questões que surgissem posteriormente e que fossem atinentes ao negócio aqui em causa.
VI. Assim, foi sempre aquele G… que o embargante negociou os termos da compra e venda da referida empresa e posteriormente à venda sempre que se mostrasse necessário “acertar” qualquer questão atinente ao negócio aqui em causa falou com aquele G….
VII. Explicando que o preço não foi negociado, mas antes proposto por aquele G…, tendo os embargantes aceite atenta a facilidade no seu pagamento (prestacional), mas explicando que como lhe fora anunciado que a empresa tinha algumas pendências que teriam de ser resolvidas antes da conclusão do negócio acedeu entregar a quantia de €50.000,00 a título de sinal, tendo para o efeito entregue €10.000,00 por cheque em Dezembro de 2009 aquele G… e €40.000,00 por depósito bancário em Fevereiro de 2010.
VIII. No que em concreto respeita aos elementos determinantes do preço e sua aceitabilidade pelos embargantes parece-nos em nosso modesto entender ter-se feito prova mais do que suficiente para se dar como provado que à data da compra e venda da referida sociedade pelos embargantes, aquela praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo, não dispunha de créditos a receber e apresentava uma actividade residual, pelo que os elementos determinantes do seu preço foram a alegada inexistência de dívidas às Finanças e Segurança Social, o facto de tratar-se de um espaço licenciado, e a perspectiva de recebimento ao abrigo do Contrato n.º …./…., firmado com o Instituto de Apoio as Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, de um incentivo reembolsável até ao valor de € 177 496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10 % do seu valor (€ 129 802,96), acrescido de um prémio de realização no valor máximo de € 122 496,29.
IX. Sendo que das declarações das testemunhas não resulta, ao contrário do que consta na fundamentação da sentença, que hajam sido realizadas obras de vulto no edifício, tando mais que se tratava de um edifício arrendado e não próprio, tendo-se apenas dotado o referido edifício de material de descontaminação.
X. Nas declarações prestadas o embargante C…, corroborado pelas do seu irmão D…, esclareceu-se que à data da aquisição da sociedade a mesma não tinha clientela, sendo que a clientela angariada proveio de outros negócios que os embargantes detinham, nomeadamente da H…, Lda.; mais esclareceu-se que em termos de stocks e existências a E… nada tinha com excepção do equipamento de descontaminação; esclareceu-se ainda que a sociedade não tinha créditos apresentando uma actividade residual, senão mesmo nula.
XI. Tendo-se acrescentado que o determinante para a aceitabilidade do preço e realização do negócio foram o facto de tratar-se de uma empresa licenciada, a perspectiva de recebimento ao abrigo do contrato n.º …./…. firmado pela anterior gerência com o IAPMEI, a Regularidade Tributária e consequente ausência de dívidas à Administração Tributária e Segurança Social bem como a facilidade de pagamento, concedendo-se no seu pagamento prestacional ao longo de vários anos.
XII. Ademais, a testemunha I…, arrolada pela embargada, esclareceu que foi fundador da E…, Lda., tendo sido seu gerente até 2 de Abril de 2009, data a partir da qual passou a ser empregado remunerado da mesma, vínculo laboral esse que perdurou até 2015, mais tendo esclarecido que à data da aquisição da dita empresa pelos embargantes a mesma tinha uma actividade residual, inexistindo stocks, clientela, tendo referido mesmo que os seus salários à data se encontravam em dívida.
XIII. Mais tendo esclarecido que o que tornava atractiva a aquisição da referida sociedade e capaz de justificar o referido preço era o facto de tratar-se de uma empresa licenciada com a perspectiva de recebimento do IAPMEI de um incentivo reembolsável que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável acrescido de um prémio.
XIV. Também a testemunha J…, economista e responsável ela elaboração da candidatura ao IAPMEI esclareceu que a candidatura foi apresentada em 23 de Maio de 2008 e aprovada em data anterior à da venda da sociedade E… aos aqui embargantes, mais tendo esclarecido que a mandatária dos embargantes em momento anterior ao da aquisição da sociedade de reuniu com o mesmo no sentido de inteirar-se das concretas condições, termos e viabilidade da candidatura e contrato firmado com o IAPMEI.
XV. Mais acrescentando que na sua opinião a contratualização com o IAPMEI e respectiva perspectiva de recebimento terá sido importante na determinação da vontade de contratar e de contratar pelo indicado valor de €250.000,00 pois que em termos de investimento na referida empresa à data da venda apenas havia sido investido cerca de €63.000,00 (sessenta mil euros).
XVI. Aliás, no que em concreto respeito ao projecto do IAPMEI conforme declarado pela testemunha J…, resulta da prova documental junta aos autos, que a candidatura pela E… foi apresentada em 28 de Maio de 2008, sendo que na sequência da mesma veio a ser outorgada entre a E… e o IAPMEI um contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação com o n.º …./…. em 26/11/2008. Cfr. Documento n.º 6 junto com os embargos de executado e documento do IAPMEI junto aos autos em 27/07/2016.
XVII. Sendo que o incentivo a atribuir revestia as seguintes modalidades: a) incentivo reembolsável até ao valor de cento e sessenta e sete mil, quatrocentos e noventa e seis euros e dezanove cêntimos que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13 % (€ 129 802,96); b) prémio de realização no valor máximo de cento e vinte e dois mil quatrocentos e noventa e seis euros e vinte e nove cêntimos.
XVIII. Ademais, resulta de certidão permanente junta aos autos da E… (doc. n.º 1 junto com os embargos de executado) que a embargada B… no período compreendido entre 15/05/2008 a 19/03/2010 foi simultaneamente sócia e gerente da E…, Lda., portanto quer a candidatura quer a respectiva aprovação e consequente celebração do contrato de concessão de incentivos verificam-se num período de gestão e titularidade de quotas pela embargada B….
XIX. É certo que nas declarações por si prestadas quanto aos elementos determinantes da vontade de contratar e determinação do preço da E… aquela B… e o seu amigo e representante G… procuraram convencer o tribunal a quo que o projecto do IAPMEI era secundário, ie, embora admitissem que nas negociações tivessem dado a conhecer a pendência do referido contrato aos embargantes, na apresentação da proposta de venda aos embargantes não se considerou tal projecto e contrato, não tendo o mesmo sido decisivo na determinação da vontade de contratar pelos referidos €250.000,00 pelos aqui embargantes, mais veiculando que o valor de €50.000,00 respeitaria ao valor das quotas e o de €200.000 ao do investimento.
XX. No entanto não se ignore que a embargada reconheceu ter garantido aos embargantes que estavam reunidas todas as condições para receber o valor, inventivo e prédio do IAPMEI (00:18:30).
XXI. Ademais também aquela B… e G… reconheceram que a empresa estava falida, inactiva, sem stocks, não dispondo de instalações próprias, mas antes alugadas, pelo que é desrazoável que na referida empresa com tão pouco tempo de existência e estagnada houvesse já sido realizado um investimento de €200.000,00.
XXII. Sucede que não se pode obliterar neste ponto o depoimento de J…, quer de I… (testemunha arrolada pela própria B…) os quais reiteraram por diversas vezes que o investimento ali feito oscilaria entre €60.000,00 a €70.000,00 (isto é muito além dos indicados €200.000,00 apontados pela embargada e por G…), mais tendo sido repetido por este último que apenas ele e a testemunha K… é que haviam investido capital na sociedade, sendo que a B… nada investiu; inexistindo razões para desacreditar nos testemunhos destas pessoas que não têm qualquer interesse no desfecho da presente acção, o mesmo não se podendo dizer quanto a B… e ao seu amigo G…, sendo que este último ao longo do seu testemunho pessoalizou a questão anunciando-se sempre como parte interessada no negócio (“eu apresentei”, “eu fiz”, “eu assumi”, “eu resolvi”, “eu”, “eu”, “eu” …).
XXIII. Ademais, não se ignore que como todos reconheceram e declararam o pavilhão onde a E… exercia a sua actividade era um pavilhão arrendado, portanto a E… não dispunha de instalações próprias não sendo consonante com a realidade vivencial que se invistam €200.000,00 num pavilhão que não seja próprio ou pertença de um dos sócios ou gerentes da sociedade.
XXIV. Assim, com o devido respeito não é razoável que a existência de tal contrato e perspectiva de financiamento nas condições e termos aí definidos a possibilidade de conversão de parte significativa em incentivo não reembolsável acrescido de um premio de não realização pudesse ter sido desconsiderado na apresentação da proposta de venda pela embargada aos embargantes e na aceitabilidade da mesma pelos embargantes, pelo referido valor de €250.000,00.
XXV. E não se olvide que os embargantes, através da respectiva mandatária constituída à data, em momento anterior à aquisição da referida sociedade indagaram o então responsável pela apresentação e instrução do projecto e contrato com o IAPMEI – Dr. J… – no sentido de lhes ser melhor explicitado os termos e condições do mesmo, bem como dos concretos procedimentos a adoptar logo após a aquisição da sociedade no sentido de garantir a continuidade de tal processo, conforme declarado pela testemunha J….
XXVI. Portanto, não tivesse a embargada B… aquando da propositura da venda da E… aos embargantes apresentado a E… como sendo uma entidade com a actividade licenciada e parte contratante de um contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de incentivos à Inovação, com efectiva perspectiva de recebimento, não teriam certamente os embargantes procurado informar-se melhor acerca do estado, termos e condições do referido contrato bem como dos procedimentos a adoptar para a continuidade do projecto e consequentemente aceite contratar pelos indicados 250.000,00.
XXVII. O que nos permite concluir que a embargada apresentou a sua proposta de venda da E… aos embargantes como sendo uma sociedade com actividade licenciada e com perspectiva de recebimento dos valores melhor discriminados no contrato …./…., licenciamento e contrato estes que foram determinantes na vontade de contratar pelos embargante, atento o valor residual do investimento (pouco mais de €63.000,00), das existências, stocks e ausência clientela da E….
XXVIII. No que em concreto respeita à entrega e tomada de posse da E… pelos Embargantes, para além do que consta expressamente do artigo 7.º dos Factos Provados, cuja redacção deverá ser complementada, resultam provados os seguintes factos que interessam à decisão da causa, pelo que deverão os mesmos serem aditados aos Factos Assentes:
7.3. A empresa E… Lda. foi vendida aos embargantes pela embargada em 19/03/2019, na data da outorga da Confissão de Dívida e Hipoteca atrás referida, sendo que apenas na referida data é que os embargantes tomaram posse da dita sociedade.
7.4. Aquando da outorga da referida Confissão de dívida e Hipoteca a exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou aos executados os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória de Registo Predial competente, registos esse que se efectuaram em 24/03/2010.
XXIX. Com efeito, estes segmentos factuais resultam de elementos seguros de convicção resultantes de toda a prova carreada para os autos, não podendo os mesmos serem obliterados por este tribunal como indevidamente sucedeu com o tribunal a quo, até porque o apuramento da gestão de facto e de direito da sociedade é essencial para efeitos de responsabilidade das irregularidades fiscais encontradas aquando da acção inspectiva e respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010.
XXX. Assim, aquando da prestação das respectivas declarações/depoimento de parte os embargantes C… e D… declararam de forma assertiva e fundada que apenas com a outorga da supra referida escritura, em 19/03/2010, ele e o irmão tomaram posse da E… Lda., sendo que até então não exercera qualquer actividade na e por conta da dita sociedade.
XXXI. É certo que a embargada B… e o seu amigo e representante G… declararam que os embargantes tomaram posse efectiva da empresa em Dezembro de 2009, no entanto tais depoimentos para além de estarem em contradição pelo declarado pelos embargantes não encontram sustentação no que a esse propósito foi declarado pela testemunhas J…, economista, responsável pela candidatura do IAPMEI, bem como pela testemunha L…, contabilista da E… desde a sua constituição até ao final do 1.º trimestre de 2010, assim como não são corroborados pela prova documental junta aos autos, como seja a certidão permanente da E….
XXXII. Ora, inexistem razões para desacreditar nos testemunhos destas pessoas que não têm qualquer interesse no desfecho da presente acção, pelo que corroborando os mesmos aquilo que a propósito foi declarado pelos embargantes, declarações e depoimentos esses que estão em consonância com a prova documental junta, mormente a certidão comercial da E… (doc. n.º 1 junto com os embargos), pelo qual se infere que o registo de transmissão de quotas e renuncia à gerência foi efectuado a 24/03/2010, necessariamente ter-se-á de dar como provado e consequentemente levado aos factos assentes que a empresa E…, Lda. foi vendida aos embargantes pela embargada em 19/03/2019, na data da outorga da Confissão de Dívida e Hipoteca atrás referida, sendo que apenas na referida data é que os embargantes tomaram posse da dita sociedade.
XXXIII. No que em concreto respeita à acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária E…, para além do que consta expressamente nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º dos Factos Provados, resultaram ainda provados outros factos, com interesse na decisão da causa, os quais foram inexplicavelmente obliterados pelo tribunal a quo.
XXXIV. E perdoem-nos o uso adverbial mas de facto não se alcance como tendo os presentes autos durante cerca de 2 anos sido tramitados e instruídos quase exclusivamente por prova documental e esclarecimentos efectuados pela Administração Tributária respeitantes à discriminação dos concretos valores pagos a título de IRC, IVA por referência a cada ano de exercício (2009 e 2010), bem como quanto aos concretos valores pagos nos processos contraordenacionais decorrentes das irregularidades de tais exercícios
XXXV. O que determinou que durante tal período se “suspendessem” as sessões de audiência de discussão e julgamento (note-se que a última sessão de audiência de discussão e julgamento onde se produziu prova foi a de 26/03/2017, tendo a sessão de audiência de discussão e julgamento destinada a alegações se realizado em 07/02/2019, isto é quase dois anos depois)
XXXVII. Inadvertidamente o tribunal a quo desconsidere e não dê como provado, de forma discriminada, os concretos valores que foram pagos a título de IRC e IVA e coimas respeitantes a cada um dos exercícios aqui em causa – o de 2009 e o de 2010 - e omita dos factos dados como provados que todos os valores da liquidação adicional de IVA, IRC relativos aos exercícios de 2009 e 2010 bem como os valores decorrentes do processo contraordenacional instaurado na sequência das divergências encontradas quanto a tais exercícios, já se encontram integralmente pagos como resulta inequivocamente da abundante prova documental carreada para os autos pela Administração tributária (!!!)
XXXVIII. E tais factos obliterados dos factos assentes não são inócuos à boa decisão do presente pleito pois que no que respeita ao exercício de 2009 e primeiro trimestre de 2010 está em causa um período de gestão da empresa confiado à embargada B…, pelo que a responsabilidade pelo pagamento dos valores respeitantes a tal período serão da responsabilidade desta e já não dos aqui embargantes que nesta medida tem o direito de reclamar desta o correspondente valor procedendo-se à compensação reciproca dos créditos na parte correspondente e/ou redução do valor em dívida, na proporção do contra crédito.
XXXIX. Assim, da conjugação de toda a prova documental carreada para os autos pela Administração tributária no que em concreto respeita à Acção Inspectiva realizada pela Administração Tributária à E… referente aos exercícios de 2009 e 2010 resulta inequivocamente provado que:
XL. No âmbito da Inspecção Tributária efectuada pela Administração Tributária à E…, tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto presumidos foi considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos um resultado tributável para o exercício de 2009, no valor de €62.536,85 e para o exercício de 2010, no valor de €84.435,53, perfazendo o valor global de €146.972,38. (Cf. pág. 5 do Anexo 6 referente ao auto de Noticia referente à Ordem de Serviço n.º OI20120207013 junto aos autos em 28/11/2017).
XLI. Mais resulta provado que a Administração Tributária apurou que os valores de omissões de proveitos em cada um dos anos ascenderam a €121.419,40 em 2009 e €118.785,80 em 2010, os quais se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, pelo que se apuraram os montantes de imposto que não foram entregues nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 29.º e 41.º do CIVA, de €24.283,88 para o ano de 2009 e de €24.351,08 para o ano de 2010, num total de €48.634,96. (Cf. pág. 5 do Anexo 6 referente ao auto de Noticia referente à Ordem de Serviço n.º OI20120207013 junto aos autos em 28/11/2017). VIII. Resulta ainda provado que após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento de prestações foi a dívida fiscal fixada em €858,44 no que respeita a IRC do ano de 2009, sendo €745,07 a título de quantia exequenda; €11,91 a título de juros e €101,46 a título de custas (Processo 1880201401019864) e €10.523,30 no quer respeita ao IRC de 2010, sendo €9.792,57 a título de quantia exequenda, €449,31 a título de juros de mora e 218,42 a título de custas, encontrando-se os referidos valores integralmente pagos datando o pagamento final de 2015-11-03. (Cfr. fls. 24 e 25 dos Autos e requerimentos juntos aos autos pela Administração Tributária em 04/10/2016; 22/01/2018, 29/11/2018).
XLII. Resulta ainda provado que após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento de prestações foi a dívida fiscal fixada em €28.532,09 no que respeita a IVA dos exercícios de 2009 e 2010, tendo sido pago pela E… a título de capital (divida fiscal), juros e custas administrativas referentes ao processo de cobrança do referido valor (Processo 188020140102949) a quantia global de € 30.576,39, a qual se encontra integralmente paga desde final de maio de 2016. (Cfr. fls. 24 e 25 dos Autos e requerimentos juntos aos autos pela Administração Tributária em 04/10/2016; 22/01/2018, 29/11/2018).
XLIII. Resulta ainda provado que as supra irregularidades fiscais detectadas deram origem ao processo contraordenacional n.º 188020120600001014134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E… Lda. uma coima única no valor de €11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de €76,50, cujo valor foi pago em prestações mensais, encontrando-se actualmente o processo extinto por pagamento, datando o último pagamento de 30/03/2017. (Cfr. fls. 296 verso a 306; requerimentos juntos aos autos pela Administração Tributária em 28/11/2017, 22/01/2018, 29/11/2018 e requerimento e documentos juntos aos autos pelos embargantes em 18/08/2017).
XLIV. Pelo que deverão tais segmentos factuais ser aditados ao elenco da matéria provada, alterando-se a redacção do ponto 8, 9 e 11 dos Factos Provados, os quais deverão passar a ter a seguinte redacção:
8.3. No Ano de 2012 a E… Lda. foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, pelo que tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto presumidos foi considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos um resultado tributável para o exercício de 2009, no valor de 62.536,85 e para o exercício de 2010, no valor de 84.435,53, perfazendo o valor global de € 146.972,38, a título de IRC.
8.4. Mais apurou a Administração Tributária que os valores de omissões de proveitos em cada um dos anos ascenderam a €121.419,40 em 2009 e €118.785,80 em 2010, os quais se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, pelo que se apuraram os montantes de imposto que não foram entregues nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 29.º e 41.º do CIVA, de €24.283,88 para o ano de 2009 e de €24.351,08 para o ano de 2010, num total de €48.634,96.
9.3 Após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento em prestações foi a dívida fiscal fixada em €858,44 no que respeita a IRC do ano de 2009, sendo €745,07 a título de quantia exequenda; €11,91 a título de juros e €101,46 a título de custas (Processo 1880201401019864) e €10.523,30 no quer respeita ao IRC de 2010 (Processo 1880201401019872), sendo €9.792,57 a título de quantia exequenda, €449,31 a título de juros de mora e 218,42 a título de custas, encontrando-se os referidos valores integralmente pagos datando o pagamento final de 2015-11-03.
9.4 No que respeita a IVA dos exercícios de 2009 e 2010 foi a dívida fiscal fixada em €28.532,09 tendo sido pago pela E… a título de capital (divida fiscal), juros e custas administrativas referentes ao processo de cobrança do referido valor (Processo 188020140102949) a quantia global de €30.576,39, a qual se encontra integralmente paga desde final de Maio de 2016.
XLV. As irregularidades fiscais detectadas deram origem ao processo contraordenacional n.º 188020120600001014134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E… Lda. uma coima única no valor de €11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de €76,50, cujo valor foi pago em prestações mensais, encontrando-se actualmente o processo extinto por pagamento, datando o último pagamento de 30/03/2017.
XLVI. No que em concreto respeita ao plano de restruturação é certo que não foi junta aos autos prova documental no sentido da restruturação do plano, mas a ausência dela não permite per si, dar-se como não provado tais factos, tanto que as partes (por um lado o embargante C… e do outro lado G…, na qualidade de representante da embargada B…), e ao contrário do que consta na fundamentação da sentença recorrida, reconheceram a existência de conversações respeitante à restruturação do plano, nomeadamente que o embargante solicitou que o valor das prestações mensais reduzissem para metade atenta as dificuldades que enfrentavam, ao que aquele G…, na qualidade de representante de B…, não se opôs solicitando apenas que os embargantes continuassem a pagar, então, o indicado valor de €2.083,33, sem qualquer penalização.
XLVII. Com efeito, o embargante C… de forma clara e credível explicou ao tribunal que quando negociou com G… a aquisição da E… foi-lhe sempre asseverado por este último caso surgisse qualquer problema, nomeadamente decorrente de qualquer irregularidade e que respeitasse a um período anterior ao da aquisição da empresa pelos embargantes que não tinha de se preocupar pois que este pagaria ou compensaria o valor daí decorrente.
XLVIII. É certo que as partes não reservaram tal facto por escrito, mas a ausência de documento nesse sentido foi também explicado pelo embargante C…: conhece o G… há anos, dos vários negócios que ao longo da vida foram realizando um com o outro, sendo que depositava a máxima confiança na sua palavra pois que até então nunca tivera razão de queixa do mesmo, o que de resto foi confirmado por aquele G….
XLIX. O qual ainda acrescentou que porquanto o valor dos €200.000,00 mil euros se encontrar a ser pago em prestações mensais qualquer problema que pudesse surgir fácil e rapidamente poderia ser acertado com o valor das prestações mensais entregues a título de preço da venda da E….
L. Assim, a referida parte esclareceu que quando surgiram os problemas com o IAPMEI bem como com a Administração tributária prontamente informou aquele G…, na qualidade de legal representante a embargada, tendo-lhe solicitado que o valor da prestação mensal paga por conta do preço da E… reduzisse para metade, ao que este acedeu, consentindo que tal situação perdurasse desde 20/10/2011 a 15/04/2014, isto é num total de quase 3 anos, sem que alguma vez aqueles se houvessem manifestado em sentido contrario (o que também seria um contra-senso pois assentiram na redução).
LI. Sendo que em 2014, o embargante C… e sua advogada bem como aquele G… e o respectivo mandatário reuniram-se no sentido de acertarem contas entre si tendo por referência por um lado o valor ainda em falta por conta do preço da venda da E…, à data €64.583,55 (€200.000,00 - ([18 x €4.166,66 ] + [29 x €2.083,33]), e por outro o valor do contra crédito dos embargantes decorrentes dos valores que tiveram de pagar à Administração Tributária por conta das irregularidades respeitantes ao exercício de 2009 e primeiro trimestre de 2010, bem como da frustração do recebimento dos valores do IAPMEI.
LII. E se é certo que desde então os embargantes suspenderam os pagamentos, também só o fizeram porque a embargada (representada por G…) estava numa situação de incumprimento, pois que apesar de ter garantido que assumia a responsabilidade pelo pagamento dos valores que respeitassem ao período de gestão anterior ao da venda da E…, certo é que advertida que se tornava necessário pagar determinados valores à Administração tributária, não o fez prevalecendo-se do facto de à data já não ser gerente e sócia da referida sociedade, sendo que aos embargantes não lhes restou outra alternativa que não pagarem eles próprios sob pena de verem o património da sociedade onerado.
LIII. Por outro lado não dispondo a embargada de património pessoal as garantias desta posteriormente reembolsar os embargantes das quantias por estes despendidas respeitante a um exercício imputável à embargada eram inexistentes, pelo que a única forma de acautelarem o respectivo contra crédito residia na suspensão dos pagamentos, como aquele G… esclareceu.
LIV. Já quanto a tais factos se é certo que G… tenha negado veementemente que lhe haja sido previamente solicitado a redução do valor da prestação mensal para metade, certo é que admitiu que tal situação perdurou por três anos, sem qualquer oposição da sua parte ou da parte da B…, mais tendo esclarecido que a esse propósito abordou o embargante D…, o qual lhe manifestou dificuldade para pagar o valor integral da prestação ao que aquele anuiu que os embargantes continuassem a pagar mensalmente o valor correspondente a metade do valor da prestação, ie, €2.083,33, sem qualquer penalização, pois que tratando-se de pessoas que conhecia há muitos anos e atentas as dificuldades que estes vivenciavam não os quis “prejudicar”, pelo que apenas lhes pediu que continuassem a pagar os €2.083,33, como vinham fazendo até então.
LV. Mais tendo confirmado que as partes se reuniram no sentido de resolver a questão das interrupções de pagamento, pois que até então foi aceitando o pagamento prestacional por metade do valor inicialmente acordado, tendo-lhe na referida reunião sido comunicado que a E… atravessaria dificuldades mais lhe tendo sido solicitado que aguardasse pela apresentação de uma proposta do valor á data em dívida.
LVI. No que em concreto respeita às causas para a suspensão dos pagamentos, ocorrida a partir de 16/04/2014, resulta ainda provado, mormente das declarações de D… que foram motivadas pelas dificuldades económicas que atravessavam – note-se que a suspensão de pagamentos coincide com o período em que se iniciaram os pagamentos à Administração Tributária dos valores fixados na sequência da Inspecção de que a E… foi alvo (os despachos de aprovação do pagamento em prestações são de 05/03/2014 e de 13/03/2014 – fls. 24 e 25 dos Autos), e da crise que pela altura se instalou no mercado bem como pela frustração das perspectivas de recebimento do IAPMEI dos valores que contavam receber, o que lhes fez ficar sem capital para investir e cumprir pronta e atempadamente com as obrigações assumidas.
LVII. Declarações estas que foram corroboradas pela testemunha J… que de forma isenta explicou que pelo facto da empresa ter recebido menos incentivo do que aquele que estava previsto inicialmente na primeira tranche – apenas recebeu €11.812,26 (cfr. doc. junto pelo IAPMEI aos autos em 27/07/2016), isto é menos €23.000,00 do que o previsto - isso causou mais dificuldades financeiras à empresa que por isso não pode investir convenientemente, tendo complicado a tesouraria e a sua capacidade de prontamente liquidar com as obrigações assumidas.
LVIII. Portanto conjugadas as declarações dos embargantes C… e D… bem como da testemunha G… parece ser de concluir que as partes acederam que durante 3 anos (entre 20/10/2001 a 15/04/2014) o pagamento se fizesse por metade do valor inicialmente acordado, num total de 29 prestações, tendo a esse título sido liquidada a quantia global de €60.416,57.
LIX. Na verdade, atenta as dificuldades surgidas os embargantes reduziram para metade o valor que mensalmente amortizavam por conta do pagamento prestacional acordado na escritura dada à execução, redução, esta que foi aceite pela embargada (a propósito veja-se que o G… declarou expressamente que não se opôs a tal redução tendo-se limitado a solicitar ao embargante que continuasse então a pagar os referido €2.083,33 mensalmente, sem qualquer penalização).
LX. Resulta ainda da prova produzida que aquando da suspensão dos pagamentos, o valor em dívida a título de capital ascendia ao valor global de €64.583,55 (€200.000,00 - ([18 x € 4.166,66 ] + [29 x €2.083,33])
LXI. Mais resulta provado que após a suspensão dos pagamentos, portanto numa altura em que apenas estaria em dívida a quantia de €64.583,55 as partes reuniram-se estando devidamente acompanhadas por advogado tendo acordado aguardar que os embargantes apresentassem uma solução de resolução do diferendo, não obstante não esperaram pelo novo contacto dos embargantes e ao contrário do acordado instauraram a presente execução, frustrando inesperadamente as negociações encetadas entre as partes.
LXII. Assim em face do que antecede e no que em concreto respeita à restruturação do plano de pagamento e consequente suspensão de pagamento e respectivas causas parece- nos resultar inequivocamente da prova produzida (declarações de parte, testemunhal e documental) os factos que infra se descrevem os quais deverão, por isso, serem aditados aos Factos Assentes:
22. Atentas as dificuldades surgidas os embargantes reduziram para metade o valor que mensalmente amortizavam por conta do pagamento prestacional acordado na escritura dada à execução, redução, esta que foi aceite pela embargada, sem qualquer penalidade para os embargantes.
23. Assim, entre 20/10/2011 a 15/04/2014 os embargantes liquidaram 29 prestações no valor de €2.083,33 cada uma, perfazendo o valor global de €60.416,57.
24. À data da suspensão dos pagamentos (a partir de 16/04/2014) o valor em dívida a título de capital ascendia ao valor global de €64.583,55 (€200.000,00 - ([18 x €4.166,66 ] + [29 x €2.083,33]).
25. Os embargantes suspenderam os pagamentos devido às dificuldades económicas que atravessavam, motivadas pelo pagamento das quantias em dívida à Administração Tributária relacionadas com os exercícios de 2009 e 201, pela crise e afrouxamento do mercado, e pelo não recebimento dos valores perspectivados receber do IAPMEI,
26. Após a suspensão dos pagamentos, as partes reuniram-se estando devidamente acompanhadas por advogado tendo acordado aguardar que os embargantes apresentassem uma solução de resolução do diferendo, não obstante não esperaram pelo novo contacto dos embargantes e ao contrário do acordado a embargada instaurou a presente execução, frustrando inesperadamente as negociações encetadas entre as partes.
27. A embargada não procedeu ao pagamento dos valores devidos à Administração tributária pela E… Lda. respeitantes ao exercício de 2009 e ao 1.º trimestre de 2010, assim como não reembolsou os embargantes e/ou E… dos valores que a esse título foi pago.
LXIII. No entendimento do tribunal a quo não se provou com relevância para a decisão da causa que “a exequente sabia – embora omitindo dolosamente aos executados essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI não seriam consideradas despesas elegíveis ao abrigo do Contrato de Incentivo à Inovação, o que acarretaria afinal o não recebimento de qualquer incentivo, prémio ou qualquer outra quantia ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN.
LXIV. Ora, resulta da certidão permanente junta aos autos referente á E… que: c) a embargada foi sócia da sociedade desde pelo menos 03/01/2008 até 19/03/2010, sendo que a partir de 06/04/2009 passou a ser a única sócia da sociedade. d) Foi gerente da sociedade E… desde 15/05/2008 até 19/03/2010, sendo que a partir de 02/04/2009 passou a ser a única gerente da sociedade.
LXV. Do depoimento da testemunha J… resulta que a apresentação da candidatura da E… ao Programa de Incentivo do IAPMEI foi apresentada a 28/03/2008 (à data aquela embargada B… era sócia da sociedade), candidatura esta entretanto aprovada de tal modo que o contrato de concessão de Incentivos Financeiros com o IAPMEI foi outorgado em 26/11/2008 (doc. n.º 6 junto com os embargos), portanto numa altura em que a embargada era sócia e gerente da sociedade (Cfr. Certidão permanente), sendo que o período de investimento do projecto decorreu entre 18/06/2008 a 30/11/2009 (clausula Primeira do doc. 6 junto com os embargos de executado), portanto um período coincidente com a titularidade de quotas e gerência daquela B….
LXVI. Conforme foi detalhadamente explicado pelo técnico contratado pela apresentação da candidatura e acompanhamento do respectivo processo junto do IAPMEI, Dr. J… as despesas inicialmente apresentadas no período de gerência anterior ao da aquisição da sociedade aqui pelos embargantes (em 19/03/2010) não foram consideradas integralmente elegíveis, sendo que a causa para a não elegibilidade resulta por um lado 1) do facto de existir duplicação de facturas (factura da M… e da N…) acerca do mesmo material, concretamente do material de descontaminação, facturas estas que não estariam integralmente pagas; 2) e de duas outras facturas não existirem na contabilidade.
LXVII. Ora, os investimentos respeitantes a tais facturas são posteriores à data da apresentação da candidatura (23/05/2008), respeitando ao período de 18/06/2008 a 30/11/2009 (n.º 2 da Clausula Primeira do Contrato outorgado com IAPMEI, doc. 6 junto com os embargos), isto trata-se de investimentos realizados numa altura em que a embargada B… era sócia e gerente da sociedade, não se olvidando que a partir de 06/04/2009 passou a ser a única sócia e a partir de 02/04/2009 a única gerente.
LXVIII. Ora, os problemas com as referidas facturas (duplicação, falta de pagamento e ausência dos originais) era desconhecido dos embargantes que não analisaram a contabilidade antes da entrega da sociedade – como declarado pela testemunha G… e reconhecido pelo embargante C… – no entanto não o era da embargada pois que à data de tais investimentos a mesma era sócia e gerente da sociedade, sendo que em parte desse período foi a única sócia e a única gerente.
LXIX. Aliás, a própria embargada reconheceu ter existido um problema com as facturas da M…, cujo valor não estava pago e que podia levar a empresa à falência, mais tendo reconhecido que garantiu aos embargantes que estavam reunidas todas as condições para que obtivessem o valor, incentivo e prémio do IAPMEI – o que não correspondia à verdade pois que esta bem sabia e conhecia dos problemas das facturas da M….
LXX. Ademais, conforme se extrai do documento junto aos autos pela E… em 27/07/2016 apenas foi pago à E… por conta do referido Contrato de Concessão a quantia de € 41.198,21, valor este que teve, entretanto, de ser integralmente reembolsado ao IPAMEI pela E…, como de resto reconhecido pelos embargantes D…, C… e pela testemunha J….
LXXI. Assim, concatenada a prova documental (certidão da E… e Contrato de Concessão com o IAPMEI) com a prova testemunhal produzida (declarações de J…) bem como com as próprias declarações de parte da embargada B…, resulta inequivocamente provado, devendo ser aditado aos Factos Assentes, o seguinte facto com relevância para a decisão da causa: 28. A exequente sabia – embora omitindo dolosamente aos executados essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI respeitantes às facturas da M… e da N… não seriam consideradas despesas elegíveis ao abrigo do Contrato de Incentivo à Inovação, o que acarretaria afinal o não recebimento do incentivo, prémio ou qualquer outra quantia ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, nos termos em que foi o referido contrato apresentado aos aqui embargantes. 29. A E… apenas recebeu do IAPMEI a quantia de €41.198,21, valor este que teve posteriormente de devolver à referida edilidade.
LXXII. Ainda com relevância para a boa decisão da causa, pois que se questiona da admissibilidade da compensação e redução requerida em sede de excepção nos embargos, e porquanto tais direitos poderem ser exercidos por mera comunicação à contraparte.
LXXIII. Tendo sido alegado em sede de embargos que em momento anterior ao da instauração dos presentes autos requereram à exequente a redução do preço através da comunicação que lhe enviaram em 11/11/2014, bem como a compensação dos valores que tinham a haver uma da outra (art.º 13.º, e 31 dos Embargos), tendo para o efeito junta prova documental nesse sentido (doc. 5 e doc. n.º 6)
LXXIV. Necessariamente deveria ter-se dado como provado e consequentemente levado aos Factos Assentes, o que desde já se requer, que: 30. Por comunicação datada de 11/11/ 2014 os embargantes comunicaram à embargada que procediam à compensação reciproca dos créditos entre as partes, bem como à redução do preço acordado pela venda da E…, nos termos e pelos fundamentos aí descritos, arrogando-se a final nada deverem à referida data à aqui embargada, antes efectuadas a compensação e redução comunicada, serem ainda credores da mesma pelo valor de €276.267,81 (duzentos e setenta e seis mil duzentos e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimo).
LXXV. O tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito na parte em que decidiu não ser de admitir a compensação e redução do pedido requerido.
LXXVI. Com efeito, a mais recente jurisprudência proferida acerca da compensação de créditos deduzida no âmbito dos embargos de executado (citando-se a título de exemplo os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 10/05/2018 e em 07/02/2019, aquele primeiro no processo 20814/11.5YILSBA.L1-2, e o segundo no processo 21843/15.5T8SNT-A.L1-2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) tem entendido que “a compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, sendo errado o entendimento contrário, o qual pode prejudicar, a vários títulos, o executado que pretende ver reconhecida a compensação.”
LXXVII. A exigibilidade do crédito prevista na 1.ª parte do art.º 847.º, n.º 1, al. a) nada tem a ver com a determinação da obrigação quanto à sua existência e quantidade, nem logicamente com a necessidade de um prévio reconhecimento judicial da obrigação, antes quer apenas referir que se trata de uma obrigação civil, de um dever de justiça, uma obrigação fundada no direito, ao contrário de uma obrigação natural.
LXXVIII. Ou seja o crédito compensatório não tem de estar determinado (na sua existência e quantidade) nem, muito menos de estar reconhecido judicialmente, e, por isso, não importa minimamente que seja contestado pelo alegado devedor, contestação que, naturalmente, só transforma o crédito em crédito litigioso (art.º 579.º, n.º 3 do cc), sendo que um crédito litigioso não deixa de ser um crédito existente (desde o inicio) se, no fim do litígio, ficarem provados os respectivos factos constitutivos.
LXXIX. Ademais, inexiste qualquer norma específica a exigir qualquer requisito adicional da compensação quando invocada no âmbito das acções executivas por comparação às acções declarativas.
LXXX. Com efeito, quanto às execuções fundadas em sentença, o art.º 729.º, al. h) do CPC limita-se a dizer que a oposição pode ter por fundamento um contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de crédito e, quanto às execuções fundadas noutros títulos, o art.º 731.º do CPC diz que podem ser alegados quaisquer fundamentos de oposição que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
LXXXI. Por outro lado a impossibilidade de deduzir a compensação na oposição à execução contradiz frontalmente o regime jurídico da mesma desenhado pela lei, que pressupõe que o credor compensante “goza de uma posição particularmente favorável em sede insolvencial (art.º 99 do CIRE)”: “em lugar de ter de fazer circular o objecto da prestação (ingressando os bens no património do seu credor e estando sujeitos à agressão por credores comuns), pode aproveitar a sua própria dívida para satisfazer o seu crédito – estando os credores do seu credor sujeitos a suportá-lo”. Neste sentido vide acórdãos supra citados.
LXXXII. Ora, conforme se extrai da prova produzida por carta datada de 11 de Novembro de 2014 os embargantes invocaram a compensação/desconto do preço em dívida da quantia de €252.299,25 respeitante à parte não reembolsável do incentivo (€ 129.802,96) e ao prémio de realização (€122.496,29).
LXXXIII. Nos termos do art.º 841.º, n.º 1 e 854.º do CC a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra e, feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos (até ao montante do menor deles) desde o momento em que se tornaram compensáveis.
LXXXIV. Nesta medida muito mal andou o tribunal a quo ao não ter procedido à compensação requerida, violando dessa feita o disposto nos arts. 579.º, 3; 841.º, n.º 1; 847.º; 854, todos do CC e 729, al. h) e 731 do CPC.
LXXXV. E o mesmo se diga quanto à requerida redução do preço tendo em consideração os valores pagos à Administração Tributária por referência a um período de gestão/exercício da responsabilidade da embargada e/ou pelo qual a mesma se responsabilizou.
LXXXVI. Pois, como à semelhança da compensação, pela indicada carta de datada de 11 de Novembro de 2014 os embargantes requereram a redução do preço da sociedade vendida pelo valor respeitante ao que teriam de pagar à Administração Tributária por conta do exercício de 2009 e desde 1 de Janeiro a 19 de Março de 2010.
LXXXVII. Assim, considerando que pelo exercício de 2009 foi exigido e pago a quantia de €745,07 respeitante a IRC a que acresceu custas processuais no valor de €101,46 e juros no valor de €11,91, num total de €858,44 (oitocentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos (cf. req administração tributária junta aos autos e 22/01/2018)
LXXXVIII. Considerando ainda que pelo exercício de 2010 foi exigido e pago a quantia de €9.792,57 respeitante a IRC a que acresceu custas processuais no valor de €281,42 e juros no valor de €449,31, num total de €10.523,30, pelo que se repartirmos esse valor global pelos 365 dias do ano e multiplicarmos pelos dias durante a qual a gerência nesse ano esteve confiada a B… obtemos o valor de €2.248,81
LXXXIX. Considerando ainda que pelo exercício de 2009 e 2010 foi exigido e pago a quantia de €30.576,39, respeitante a IVA, custas e juros, e que na obtenção do valor a Administração Tributária partiu da premissa que os ganhos se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, temos o valor a esse título devido para o ano de 2009 é o de €15.288,20 e o valor a esse título devido desde 1 de Janeiro de 2010 a 19/03/2010 é o de €3.267,07 (15.288,20/365x78)
XC. Considerando mais ainda que pelas irregularidades fiscais respeitantes ao exercício de 2009 e 2010 foi instaurado o processo contraordenacional n.º 188020120600001014134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E… Lda. uma coima única no valor de €11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de €76,50, se dividirmos esses valores pelos 2 anos de exercício temos que a quota-parte respeitante a 2009 ascende a €5.962,42, sendo devido €1.274,16 pelo período decorrido entre 1 de Janeiro de 2010 e 19 de Março de 2010.
XC. Temos que a título de IRC, IVA, coima, custas e juros pelos exercícios de 2009 e desde 1 de Janeiro de 2010 a 19 de Março de 2010 é devido o valor global de €28.899,10 (€858,44 + 2248,81 + 15288.20 + 3267,07 + 5962,42 + 1.274,16), a que acresce ainda o valor despendido pelos embargantes na escritura, registos e impostos referentes à hipoteca constituída a favor da Administração Tributária como garante do cumprimento dos valores devidos pelos exercícios de 2009 e 2010, no valor de €681,00 (ponto 10 dos Factos Assentes).
XCI. Em conformidade têm os embargantes o direito a verem reduzido do valor do preço em dívida €64.583,55 a quantia de €29.580,10, respeitante aos valores pagos à Administração tributária por conta de IVA, IRC, coima, juros, custas respeitantes ao exercício de 2009 e entre 1 de Janeiro a 19 de Março de 2010 acrescido do valor das despesas com a constituição de garantia de pagamento efectuada a favor da Administração Tributária.
XCII. Com efeito a exequente não cumpriu cabalmente a sua prestação já que ocultou dos executados elementos decisivos na formação da sua vontade, dando, com a sua conduta anterior de incumprimento tributário, causa ao pagamento ao Fisco de quantias avultadas, que os executados não esperavam ter de pagar e que respeitam a factos que não pode ser-lhes imputados.
XCIII. Por outro lado, resulta ainda inequivocamente que a exequente vendeu as quotas sociais de uma empresa que garantiu cumprir todos os requisitos necessários a beneficiar de um incentivo reembolsável até ao valor de €177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13% do seu valor (€129.802,96), acrescido de um prémio de realização no valor máximo de €122.496,29, tendo sido essa uma condição essencial e decisiva da celebração do negócio e do valor que às quotas foi atribuído.
XCIV. Tendo-se vindo a constatar que as despesas apresentadas ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação no período em que a exequente era sócia e gerente da “E… Lda.”, afinal não tinham qualquer suporte documental – facto do conhecimento da exequente, mas que esta escondeu do conhecimento dos executados – e que por isso não eram aptas a fundar a procedência de tal incentivo requerido.
XCV. Assim, a exequente, na qualidade de vendedora, não cumpriu exactamente a prestação devida aos executados, na qualidade de compradores, segundo a interpretação objectiva do contrato, verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real – sociedade que não cumpria os requisitos para ver deferida a candidatura feita Programa de Incentivo à Inovação do QREN ¯ e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes ¯ sociedade que cumpria os requisitos e consequentemente veria deferida a respectiva candidatura.
XCVI. Portanto, o vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu e, por isso, a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso. Neste sentido vide Ac. TRL de 12/06/2012 e J. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5.ª ed., Almedina, 2008, págs. 21 e seguintes e 42 e seguintes.
XCVII. Em face de tudo quanto antecede têm os executados direito à redução do preço da coisa comprada, seja pelo valor correspondente àquele que a sociedade deixou de beneficiar pela sua candidatura não ter sido deferida, devendo considerar-se aqui não apenas a parte não reembolsável do incentivo (€129.802,96), como o prémio de realização (€122.496,29), o que perfaz o valor global de €252.299,25 (duzentos e cinquenta e dois mil duzentos e noventa e nove euros e vinte e cinco cêntimos),
XCVIII. Bem como pelo valor pago a título de liquidação adicional de IVA e IRC e coima referente aos anos de 2009 e 1 de Janeiro de 2010 a 19 de Março de 2010 – no valor e de € 29.580,10 (vinte e nove mil quinhentos e oitenta euros e dez cêntimos).
XCIX. Inexiste incumprimento contratual legítimo a accionar a cláusula penal constante do título executivo, tendo o tribunal a quo feito uma errada interpretação do direito aplicável e subsunção jurídica dos factos violando os arts. 405.º, n.º 1; 428.º; 810.º, n.º 1; 412, todos do Código Civil.
C. Pois como resulta da prova produzida a sua convenção foi imposta pela embargada, sendo que embargantes suspenderam os pagamentos num momento em que se encontrava em dívida o valor de €64.583,55 (€200.000,00 - ([18 x €4.166,66 ] + [29 x €2.083,33]), e fizeram-no porque à altura atravessavam sérias dificuldades financeiras (afrouxamento do mercado, pagamento às Finanças, não recebimento do IAPMEI, nos termos profetizados pela embargada), além de que a embargada se encontrava também ela em incumprimento com os embargantes pois que apesar de asseverar aos embargantes que caso surgisse alguma irregularidade, problema ou dívida respeitante ao período de exercício anterior à venda que assumiria a responsabilidade pelo seu pagamento ou acertaria tal valor com o valor que tivesse a haver dos embargantes por conta do preço da sociedade, certo é que não honrou a sua palavra.
CI. Subsidiariamente porquanto a referida cláusula revelar-se excessivamente onerosa atenta as concretas circunstâncias do caso concreto (dificuldades económicas, a existência de irregularidades fiscais respeitantes a um período de gestão/exercício da própria embargada mas cujos valores tiveram de ser suportados pelos embargantes enquanto novos gerentes da E… e cujo pagamento se iniciou por altura da suspensão dos pagamentos à embargada; frustração no recebimento do incentivo e premio do IAPMEI que ficou muito aquém do garantido pela embargada; incumprimento contratual da embargada; o montante pago até então corresponder a 75% do valor global fixado) dever-se-á proceder à redução da cláusula penal fixada nos termos do art.º 812.º do CC.
CII. Com efeito, apesar do reconhecimento às partes de poderes autonómicos na fixação da clausula penal (arts. 405.º, n.º 1 e 810.º, n.º 1 do CC) o nosso ordenamento jurídico não deixou de ser sensível e de ponderar a possibilidade de serem cometidos abusos nessa fixação.
CIII. Assim, para o caso de se entender ser devido o accionamento da cláusula penal, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, nunca a mesma poderá ser pelo valor de €124.999,88 – pois que à data de suspensão/incumprimento o valor em divida ascendia a €64.583,55 (€200.000,00 - ([18 x €4.166,66 ] + [29 x €2.083,33]), sendo que nos termos do título dado à execução o valor da cláusula penal é o do valor das prestações em atraso,
CIV. Nem mesmo pelo valor de €64.583,55 ou por €35.003,40 (operando-se a redução supra referida) pois que em ambos os casos tais valores se revelam excessivamente onerosos feita a apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, devendo reduzir-se ao valor de €1.000,00 (mil euros)
A Exequente/Embargada apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O presente recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como questão prévia, cumpre atender a que os Recorrentes vêm agora, em sede de recurso, invocar – entre o mais e a título supletivo – que, para o caso de se entender ser devido o accionamento da clausula penal, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, nunca a mesma poderá ser pelo valor de €124.999,88, de €64.583,55 ou de €35.003,40, por todos estes valores se revelarem excessivamente onerosos feita a apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, devendo reduzir-se ao valor de €1.000,00 (mil euros).
A Recorrida, em sede de contra-alegações, defende que os Recorrentes não podem vir agra discutir a cláusula penal devida em Juízo, por não o terem feito antes, em sede de embargos de executado.
Efectivamente, o objecto do recurso está balizado pelo objecto da acção, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.
Explica, a este respeito, António Abrantes Geraldes[3] que “Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que “Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados): a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo tribunal ad quem.”[4]
Analisados os autos, verifica-se que esta questão da eventual redução equitativa da cláusula penal é uma questão totalmente nova, que não foi suscitada pelos Embargantes/Recorrentes até agora, designadamente no seu articulado de Embargos de Executado.
Além disso, é pacificamente entendido que não se trata de questão de conhecimento oficioso do Tribunal.
Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/11, tendo como Relator Nuno Cameira[5]: “Recai sobre o devedor, que pretenda seja decretada a redução equitativa da cláusula penal, o ónus de alegar e provar os factos atinentes à manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pelo credor. (…) Se a autora/reconvinda, não só não alegou, na petição inicial ou na réplica, nenhum facto concreto visando demonstrar a manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pelos réus/reconvintes, como também nenhum pedido apresentou ao tribunal, sequer implicitamente, no sentido de decretar a redução equitativa da cláusula penal, e apenas nas alegação de apelação levantou pela primeira vez o problema, esta pretensão não pode obter vencimento.”
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que esta questão, por configurar uma questão nova, não pode ser conhecida por este Tribunal da Relação.
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:
● Modificabilidade da matéria de facto por reapreciação das provas produzidas e
● Admissão da compensação e redução do pedido exequendo.
*
III – MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO POR REAPRECIAÇÃO DAS PROVAS PRODUZIDAS
………………………………………………………..
………………………………………………………..
………………………………………………………..
A conclusão final é, portanto, a da parcial procedência deste fundamento de recurso.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados (Factos elencados na decisão recorrida com as alterações acima determinadas):
1) Nos finais de 2009, a Embargada abordou os Embargantes no sentido de lhes propor a venda da sociedade “E…, Lda.”, pessoa colectiva n.º ……… pelo preço de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros), negócio que estes aceitaram celebrar com a Embargada (por acordo).
2) A título de sinal, os Embargantes entregaram à Embargada a quantia global de €50.000,00 (cinquenta mil Euros), em duas tranches, respectivamente de €10.000,00 (dez mil Euros) e €40.000,00 (quarenta mil Euros) (por acordo).
3) Por documento intitulado “Confissão de dívida e hipoteca” outorgado por escritura pública no Cartório Notarial da Dr.ª F…, em 19 de Março de 2010, os Executados confessaram-se devedores à Exequente do remanescente do preço da compra e venda da sociedade “E…, Lda.” ainda em dívida, no valor de €200.000,00 (duzentos mil Euros) (por acordo).
4) Os executados assumiram o pagamento da referida quantia em dívida à exequente em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de €4.166,66 cada uma, vencendo-se a primeira no dia 20 de Abril de 2010 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes (por acordo).
5) De acordo com o estipulado na aludida escritura pública, em caso de falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações os executados ficaram obrigados a pagar à exequente uma cláusula penal de valor idêntico às prestações em falta (por acordo).
6) Como garantia de pagamento de todas as responsabilidades assumidas pelos executados, o executado C… constituiu a favor do exequente hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma id na escritura pública de confissão de dívida ora referida (por acordo).
7) À data da compra e venda da referida sociedade pelos Embargantes, aquela praticamente não tinha clientela, o valor do seu stock era quase nulo, não dispunha de créditos a receber e apresentava uma actividade residual.
8) Os executados pagaram na íntegra as prestações que se venceram até ao mês de Setembro de 2011 (primeiras 18 prestações), no valor de €74.999,88 e liquidaram em Outubro de 2011 o montante de €2.083,33 (por acordo).
9) Os executados liquidaram à exequente, através de diversas entregas, o montante de €58.333,24, tendo deixado de efectuar qualquer pagamento a partir de Abril de 2014 (por acordo).
10) A exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou aos executados os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória de Registo Predial competente, registos esses que se efectuaram em 24/03/2010 (doc. de fls. 16 a 23).
11) No ano de 2012 a “E… Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, que encontrou irregularidades nos exercícios fiscais de 2009 e 2010, pelo que tendo por base os elementos retirados da contabilidade da empresa, bem como os entretanto presumidos foi considerado oficiosamente e com recurso a métodos indirectos um resultado tributável para o exercício de 2009, no valor de 62.536,85 e para o exercício de 2010, no valor de 84.435,53, perfazendo o valor global de €146.972,38, a título de IRC.
12) Com recurso aos mesmos métodos, a Administração Tributária considerou que os valores de omissões de proveitos em cada um dos anos ascenderam a €121.419,40 em 2009 e €118.785,80 em 2010, os quais se repartiram equitativamente ao longo dos quatro trimestres de cada ano, apurando os montantes de imposto que não foram entregues nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 29.º e 41.º do CIVA, de €24.283,88 para o ano de 2009 e de €24.351,08 para o ano de 2010, num total de €48.634,96.
13) Após o exercício do contraditório pela referida sociedade e o pedido de pagamento em prestações foi a dívida fiscal fixada em €858,44 no que respeita a IRC do ano de 2009, sendo € 745,07 a título de quantia exequenda; €11,91 a título de juros e €101,46 a título de custas (Processo 1880201401019864) e €10.523,30 no quer respeita ao IRC de 2010 (Processo 1880201401019872), sendo €9.792,57 a título de quantia exequenda, € 449,31 a título de juros de mora e 218,42 a título de custas, encontrando-se os referidos valores integralmente pagos datando o pagamento final de 2015-11-03.
14) No que respeita a IVA dos exercícios de 2009 e 2010 foi a dívida fiscal fixada em €28.532,09 tendo sido pago pela E… a título de capital (divida fiscal), juros e custas administrativas referentes ao processo de cobrança do referido valor (Processo 188020140102949) a quantia global de €30.576,39, a qual se encontra integralmente paga desde final de Maio de 2016.
15) Para garantir o pagamento dos referidos valores, foi necessário dar em hipoteca um imóvel, tendo os ora Executados despendido para o efeito a quantia global de €681,00 (seiscentos e oitenta e um euros) respeitante à escritura, registos e impostos pagos (doc. de fls. 26).
16) As irregularidades fiscais detectadas deram origem ao processo contraordenacional n.º 188020120600001014134 no âmbito do qual foi proferido despacho final em 09/03/2016 e pelo qual foi aplicado à E… Lda. uma coima única no valor de €11.848,34 acrescido de custas processuais no valor de €76,50, cujo valor foi pago em prestações mensais, encontrando-se actualmente o processo extinto por pagamento, datando o último pagamento de 30/03/2017.
17) Em data anterior à da celebração do contrato dos autos, a “E…” tinha celebrado o Contrato n.º …./…. com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, nos termos do qual tinha perspectiva de recebimento de um incentivo reembolsável até ao valor de €177 496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,10% do seu valor (€129 802,96, acrescido de um prémio de realização no valor máximo de €122 496,29).
19) A “E…” apenas recebeu do IAPMEI a quantia de €41.198,21, valor este que teve posteriormente de devolver à referida entidade.
20) Por comunicação datada de 11/11/ 2014, com o teor de fls. 31 e ss. dos autos, os Embargantes comunicaram à embargada que procediam à compensação reciproca dos créditos entre as partes, bem como à redução do preço acordado pela venda da E…, nos termos e pelos fundamentos aí descritos, arrogando-se a final nada deverem à referida data à aqui embargada, antes efectuadas a compensação e redução comunicada, serem ainda credores da mesma pelo valor de €276.267,81 (duzentos e setenta e seis mil duzentos e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimo).

Factos não Provados (Factos elencados na decisão recorrida com as alterações acima determinadas):

a) Que, em meados do ano de 2011, as partes acordaram numa restruturação do plano de pagamento prestacional, alterando o valor a amortizar mensalmente, o qual passava a ser de €2.083,33 (dois mil e oitenta e três euros e trinta e três cêntimos) e, consequentemente, o número de prestações e duração do plano prestacional o qual se prolongaria pelos meses necessários à liquidação integral do capital contando que mensalmente fosse feita a entrega do referido valor acordado;
b) Que no demais, mantiveram os termos do clausulado anteriormente, nomeadamente no que respeita ao não vencimento de juros;
c) Que, em conformidade, a partir de 20/10/2011, os executados procederam mensalmente até 15/04/2014 ao pagamento da quantia de €2.083,33, num valor global de €60.416,57 (sessenta mil quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos);
d) Que a suspensão dos pagamentos acordados resulta de se ter detectado os vícios supra referidos e da disponibilidade das partes para um entendimento consensual;
e) Que os elementos determinantes do preço do negócio tivessem sido os equipamentos existentes e, sobretudo, a perspectiva de recebimento, ao abrigo do contrato n.º …./…., firmado com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN, de um incentivo reembolsável até ao valor de €177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável até 73,13% do seu valor (€129.802,96), acrescido de um prémio de realização no valor máximo de €122.496,29;
f) Que a exequente sabia – embora omitindo dolosamente aos executados essa informação – que as despesas que para o efeito apresentou junto do IAPMEI não seriam consideradas despesas elegíveis ao abrigo do Contrato de Incentivo à Inovação, o que acarretaria afinal o não recebimento de qualquer incentivo, prémio ou qualquer outra quantia ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação do QREN.
*
VADMISSÃO DA COMPENSAÇÃO E REDUÇÃO DO PREÇO EXEQUENDO
A oposição à execução, mediante embargos, é um meio de defesa conferido ao executado em processo executivo.
Nesta forma de defesa compete ao executado e embargante alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente ou que impeçam a execução do título.
No caso vertente, o título executivo em presença é uma escritura pública de “Confissão de dívida e hipoteca”, título autêntico exarado por Notário em que se convencionaram prestações de dívida futuras (cf. Art. 703.º, n.º 1, alínea b), e 707.º, ambos do CP Civil).
É pacífico na doutrina e jurisprudência que este tipo de títulos só podem servir de base a execução desde que esteja provado, por documento conforme com as cláusulas da escritura, ou revestido de força executiva, que foi realizada alguma prestação em cumprimento do negócio.
Trata-se, no entanto, de questão não relevante no caso em apreciação, já que é pacífico terem sido realizadas prestações em cumprimento do negócio.
Do teor do respectivo título executivo resulta – entre o mais - que o pagamento da quantia de €200.000,00 seria efectuado em quarenta e oito prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de quatro mil cento e sessenta e seis euros e sessenta e seis euros cada, a contar da data da escritura.
É, portanto, manifesto a constituição e o reconhecimento de obrigações pecuniárias dos Executados perante a Exequente e a fixação do modo concreto de pagamento em prestação das mesmas.
Consequentemente, tal escritura pública, juntamente com a prova complementar de que ocorreu início de execução do contrato, constitui título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não viessem a ser pagas pelos Executados na data do respectivo vencimento.
No presente recurso os Recorrentes sustentam que o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito na parte em que decidiu não ser de admitir a compensação e redução do pedido requerido.
Alegam que a Exequente não cumpriu cabalmente a sua prestação, já que ocultou elementos decisivos na formação da sua vontade, dando, com a sua conduta anterior de incumprimento tributário, causa ao pagamento ao Fisco de quantias avultadas, que eles não esperavam ter de pagar e que respeitam a factos que não podem ser-lhes imputados.
Também que, por outro lado, resulta ainda inequivocamente que a Exequente vendeu as quotas sociais de uma empresa que garantiu cumprir todos os requisitos necessários a beneficiar de um incentivo reembolsável até ao valor de €177.496,19, que poderia ser convertido em incentivo não reembolsável, tendo sido essa uma condição essencial e decisiva da celebração do negócio e do valor que às quotas foi atribuído. Tendo-se vindo a constatar que as despesas apresentadas ao abrigo do Programa de Incentivo à Inovação no período em que a exequente era sócia e gerente da “E… Lda.”, afinal não tinham qualquer suporte documental – facto do conhecimento da exequente, mas que esta escondeu do conhecimento dos executados – e que por isso não eram aptas a fundar a procedência de tal incentivo requerido.
Defendem que a Exequente, na qualidade de vendedora, não cumpriu exactamente a prestação devida aos Executados, na qualidade de compradores, segundo a interpretação objectiva do contrato, verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real – sociedade que não cumpria os requisitos para ver deferida a candidatura feita Programa de Incentivo à Inovação do QREN ¯ e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes - sociedade que cumpria os requisitos e consequentemente veria deferida a respectiva candidatura.
Bem como que o vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu e, por isso, a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso.
Entendem ter direito a verem reduzido do valor do preço em dívida €64.583,55 a quantia de €29.580,10, respeitante aos valores pagos à Administração tributária por conta de IVA, IRC, coima, juros, custas respeitantes ao exercício de 2009 e entre 1 de Janeiro a 19 de Março de 2010 acrescido do valor das despesas com a constituição de garantia de pagamento efectuada a favor da Administração Tributária – por referência a um período de gestão/exercício da responsabilidade da Embargada e/ou pelo qual a mesma se responsabilizou.
Entendemos não assistir razão aos Recorrentes neste fundamento de recurso.
Como se refere no Relatório supra, os Recorrentes/Embargantes deduziram os presentes embargos alegando que o valor referido na escritura de confissão de dívida e hipoteca exequenda, outorgada em 19/03/10, respeita ao preço que as partes acordaram atribuir às quotas da sociedade “E…, Lda.”, vendidas pela Exequente.
Dizem que, na mesma ocasião, a Exequente renunciou à gerência da dita sociedade e assinou e entregou-lhes os requerimentos e demais documentos necessários ao registo das referidas transmissão de quota e renúncia na Conservatória do Registo Predial competente.
Esta alegação - aceite pela Embargada – corresponde a uma compra e venda de participações sociais, como forma de aquisição indirecta da empresa.
Isto é, as partes estão de acordo em que, através do negócio dos autos de compra e venda de participações sociais, se procedeu à transmissão indirecta da titularidade da empresa, celebrando, por esta forma, um contrato atípico.
Recorrendo às palavras de Pedro Pais de Vasconcelos[6], “O contrato indirecto não é verdadeiramente um contrato típico. É um contrato quase típico, cujo fim diverge da função típica do tipo de referência, ou melhor dito, do fim correspondente à sua função típica. É um contrato de tipo modificado, construído a partir de um tipo que é eleito como adequado a servir de base regulativa do contrato, mas que é modificado, que é adaptado, de modo a satisfazer o interesse das partes.” e concluindo que “O que é característico do contrato indirecto como contrato de tipo modificado é que a modificação incide no fim contratual que é, que passa a ser, outro em vez do típico.”
Estando este propósito de aquisição da sociedade aceite por ambas as partes, cumpre - num segundo momento – apreciar as obrigações típicas das partes neste negócio.
Esquematicamente diremos que o vendedor tem a obrigação de fornecer ao comprador um conjunto de informações completas e verdadeiras quanto ao objecto de negócio e de transmitir a sociedade livre de ónus ou defeitos.
Paralelamente, o comprador tem um dever de due diligence na aquisição da empresa. Trata-se de um ónus do adquirente de proceder a uma apreciação, a uma auditoria à sociedade que pretende comprar, ou, nas palavras do direito anglo-saxónico, um ónus de due diligence.
Explica, a este propósito, Pinto Monteiro[7] que “este dever de auto-obrigação obriga o potencial comprador a usar de toda a diligência para tomar conhecimento de factos que estão ao seu alcance conhecer, e também a analisar, de forma cuidada e criteriosa, a informação que lhe é disponibilizada pelo vendedor em cumprimento do dever de informação deste último.”
Sempre que o comprador não tenha usado da diligência devida ou exigível é potencialmente aplicável a estatuição do art.º 570.º do Código Civil, por se tratar de uma situação de culpa do lesado.
No caso em apreciação, os Recorrentes/compradores repetem nos articulados e alegações de recurso que não analisaram previamente os elementos da contabilidade da sociedade antes da aquisição das respectivas quotas, com intenção de comprovar que não tiveram possibilidade de se aperceberem de eventuais irregularidades contabilísticas.
Esta sua postura de imobilismo revela, pelo contrário, que estes não cumpriram o ónus de due diligente que sobre si impendia, de forma culposa, o que sempre legitimaria o recurso à figura da culpa do lesado na ocorrência dos danos sofridos.
Independentemente desta omissão culposa de diligência devida por parte dos Recorrentes, e tal como já resulta do acima decidido, não se produziu qualquer prova consistente nos autos no sentido de que tivesse sido condição ou elemento essencial para o negócio celebrado e preço definido a questão relativa ao projecto do IAPMEI.
Ou de que a Embargada tivesse omitido dolosamente aos Embargantes que as despesas que apresentou junto do IAPMEI respeitantes às facturas da “M…” e da “N…” não seriam consideradas como despesas elegíveis.
Ou ainda de que a Exequente tivesse ocultado dos Executados elementos decisivos para a formação da sua vontade, designadamente em relação às declarações contabilísticas da empresa.
Aliás, e como realça a Recorrida, a vasta documentação da acção inspectiva espelha que os valores que a “E…” foi obrigada a pagar à Autoridade Tributária são relativos, sobretudo, ao ano de 2010, ano em que a sociedade era já detida e gerida pelos Recorrentes.
Assim sendo, não se pode concluir – como pretendem os Recorrentes – que a Recorrida não cumpriu cabalmente a sua prestação, por se verificar um vício ou não-conformidade consistente na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu.
Por inerência, não se justifica sequer que se equacione a possibilidade legal de aplicação do erro sobre a base do negócio, previsto no art.º 252.º do Código Civil[8], ou o regime de compra e venda de coisas oneradas e defeituosas ao presente caso, nos termos previstos nos art.º 905.º e ss. do Código Civil[9].
Noutra perspectiva, diremos ainda que a circunstância de a obrigação de pagamento ao Fisco de “quantias avultadas” (no dizer dos Recorrentes) ter por fonte, pelo menos em parte, acções ou omissões da anterior gerência não obriga - por si só - os vendedores das quotas a suportar o valor monetário correspondente.
Tal como refere a Recorrida nas respectivas contra-alegações de recurso, com a transmissão da propriedade das participações sociais verificou-se a transmissão do risco relativo a essas mesmas participações sociais e às consequências daí decorrentes, ora ao nível dos proveitos, ora ao nível dos prejuízos, cujas quotas foram transmitidas com todos os direitos e obrigações, assumindo a empresa do modo como se encontrava.
Aliás, precisamente para obviar a este tipo de riscos, é comum a estipulação de cláusulas de garantia neste tipo de contratos, como forma de distribuição do risco e de especial protecção do adquirente.
Tipicamente, e entre outras sem qualquer conexão com a matéria de facto aqui em litígio, as partes recorrem frequentemente a business warranties[10], tendo por objecto precisamente as garantias relativas às características da situação objectiva da sociedade, capacidade creditícia, situações operativas e consistência patrimonial.
Não tendo as aqui partes optado pela inclusão de uma cláusula desta espécie na escritura pública dos autos, deve entender-se que estas não quiseram distribuir por qualquer forma o risco de transmissão da sociedade.
Tal como refere Clemente Galvão[11], “As declarações e garantias do vendedor variam de contrato para contrato, tendo em conta o peso relativo das partes e o processo de negociação. Serão assim mais ou menos protectoras de cada uma das partes consoante o acordo final a que se chegue. Pode assim suceder que, por determinado motivo, o vendedor pretenda vender a participação social (representativa, por exemplo, da totalidade do capital social da sociedade), com um mínimo de garantias ou mesmo sem qualquer garantia sobre a situação da sociedade em causa.”
Conclui-se, pois, pela improcedência deste fundamento de recurso e, por inerência, pela improcedência do presente recurso.
*
VIDECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o fundamento de modificabilidade da matéria de facto, mas totalmente improcedente o recurso dos Recorrentes/Embargantes, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas a cargo dos Recorrentes/Embargantes - art.º 527.º do CP Civil.
*
Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 14 de Janeiro de 2020
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
____________
[1] Doravante apenas designado por IAPMEI por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, p. 109.
[4] In Acórdão de 28/05/2009 proferido no Processo n.º 160/09.5YFLSB, tendo como Relator Oliveira Rocha e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[5] Proferido no Processo n.º 1552/03.9TBVLG.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[6] In Contratos Atípicos, 2.ª Edição, 2009, Almedina, Colecção Teses, pág. 256.
[7] In “A venda de participações sociais como venda de empresa” in Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 3947, Ano 137.º, Coimbra Editora, pág. 77.
[8] Veja-se a este propósito, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/06/08, tendo como Relator Hélder Roque (proferido no Processo n.º 119/03.6TBANS.C1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão), onde se decidiu: “Tendo os autores celebrado o contrato de cessão de quotas da sociedade proprietária de um estabelecimento comercial, por estarem convencidos que este poderia continuar a laborar, enquanto condição necessária e insuperável, bom base na escassez dos elementos informativos de que dispunham, mas que implicavam uma muito considerável diminuição do valor do estabelecimento, devido a impossibilidade de obtenção de licença de utilização para o mesmo, cuja essencialidade os primeiros réus não desconheciam, incorrerem em erro que assumiu um papel determinante na decisão de contratar.”
[9] Apesar destes regimes terem sido desenhados para aplicação à compra e venda de coisas e de estarmos conscientes das posições doutrinárias de enquadramento destas situações na responsabilidade pré - contratual, não vemos óbice à aplicação dos mesmos à situação de compra e venda de uma sociedade. Tal como refere Clemente Galvão (in “Conteúdo e Incumprimento do Contrato de Compra e Venda” in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 70, 2010, pág. 637) “Se a intenção do comprador foi a de adquirir a direcção da empresa ou estabelecimento, então é de considerar que a intenção do comprador foi a de adquirir uma empresa (por via indirecta), com determinadas características, que integram o contrato e conformam a obrigação de entrega pontual do vendedor, justificando assim a aplicação ao caso da garantia prevista nos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC. Trata-se, no fundo, de dar um tratamento igual ao que é, substancialmente, igual.”
[10] Recorrendo, uma vez mais, à nomenclatura anglo - saxónica.
[11] Ob. Cit. acima.