Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
605/03.8TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: REVISÃO DA PENSÃO
PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP20161215605/03.8TTOAZ.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 250, FLS.34-38)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do nº2 do art. 25º da Lei 100/97, de 13.09, a aplicável ao caso, “[a] revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, (…)”.
II - Atenta a inaplicabilidade da Lei 98/2009, de 04.09 a acidentes de trabalho ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor e o juízo de não inconstitucionalidade do mencionado art. 25º, nº 2, reiteradamente sufragado pelo Tribunal Constitucional, o direito do sinistrado requerer a revisão da sua pensão caduca se, entre a fixação da pensão e a data do pedido de revisão, decorreram mais de 10 anos sem que tal pensão tivesse sido objeto de qualquer outro pedido de revisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 605/03.8TTOAZ.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 915)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Na presente ação emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada B… [1] e entidade responsável C…, SA veio aquela, aos 02.07.2014, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, requerer exame de revisão (fls. 62/63).
Foi determinada a notificação de tal pedido à Ré Seguradora e, simultaneamente, a realização de exame de revisão (conforme despacho de 26.11.2014, de fls. 80) e efetuado exame médico singular [em que foram pedidos exames da especialidade, elementos clínicos à Ré e exame complementar de diagnóstico - fls. 80, 86 a 88, 91 a 125].
Por requerimento de 17.08.2015 [remetido por correio eletrónico – fls. 129/130 e cujo original, remetido aos 18.08.2015, consta de fls. 131], a Ré invocar a “preclusão” do direito da requerer a revisão, requerendo a improcedência de tal pedido. Para tanto invocou o disposto no art. 25º, nº 2, da Lei 100/97, de 13.09 e alegou que a A. teve alta com uma IPP de 5% aos 03.11.2003, pelo que, havendo o pedido de revisão sido deduzido aos 01.07.2014, desde a data da alta decorreram mais de 10 anos.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido pela Ré e de ser determinado o prosseguimento dos autos, com a marcação de exames e elementos clínicos referidos nas conclusões preliminares do relatório pericial de fls. 123 a 125. Para tanto, invoca, em síntese, a aplicabilidade do disposto no art. 70º da Lei 98/2009, de 04.09, mais considerando que entendimento contrário violaria os princípios da igualdade e da justa reparação dos acidentes de trabalho.
Aos 14.06.2016 foi proferido o despacho de fls. 158/159, indeferindo o pedido de revisão da pensão.
Inconformada, a A. veio recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Em 3/11/2003 foi proferida decisão homologatória de fixação de incapacidade e pensão por acidente de trabalho respeitante à sinistrada B….
2. Em 1 de julho de 2014, a sinistrada requereu exame de revisão de incapacidade ao abrigo do disposto no artigo 145º do Código de Processo de Trabalho (Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Setembro).
3. A Lei 100/97, de 13/09, previa no seu artigo 25º, n.º 2 um prazo de 10 anos para apresentação de pedido de revisão de incapacidade.
4. O artigo 70º, n.º 3 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, estabelece que a revisão de incapacidade pode ser suscitada a requerimento do sinistrado uma vez em cada ano civil. O requerimento de revisão de incapacidade teve lugar porque as sequelas deixadas pelo acidente de trabalho de que foi vítima a sinistrada se agravaram com o decurso do tempo.
5. A interpretação da lei tem sempre por matriz a Constituição e o seu catálogo de direitos fundamentais (de natureza “erga omnes”). Os direitos fundamentais consagrados na Constituição, tal como os de natureza análoga vinculam tanto o legislador como o intérprete dos atos legislativos (artigos 8º, 16º, 17º, 18º, n.º 1 da Constituição).
6. Na interpretação da lei e quando estejam em causa a eficácia de direitos fundamentais, não se devem encontrar restrições quando as mesmas não existem no texto legal - artigo 9º do Código Civil.
7. Estando reconhecido que B…, foi vítima de um acidente de trabalho que teve consequências na sua saúde, direito fundamental constitucionalmente consagrado, de acordo com regras de interpretação e de aplicação da lei no tempo (artigos 9º e 12º, n.º 2 do Código Civil) impõe-se a aplicação do disposto no artigo 70º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
8. Entendimento contrário violaria os princípios da igualdade e da justa reparação dos acidentes de trabalho, ínsitos nos artigos 13º e 59º, n.º 1 f) da Constituição.
9. O despacho recorrido viola pois o disposto nos artigos 8º, 13º, 16º, 17º, 18º, n.º 1, 59º, n.º 1 da Constituição, 9º e 12º, n.º 2 do Código Civil e 70º, n.º 3 da lei 98/2009, de 4 de Setembro.
10. Em consequência deve ser declarada a ilegalidade do despacho recorrido determinando-se a sua revogação e substituição por outro que determine o prosseguimento dos autos”.
A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público não emitiu parecer dado patrocinar a A.
Na sequência de despacho da ora relatora (de fls. 183), veio a 1ª instância a fixar à ação o valor de €2.740,44.
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
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II. Matéria de Facto Assente

Para além do que consta do precedente relatório, tem-se ainda como assente o seguinte:
1. A A. foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido aos 05.09.2002, de que lhe resultaram lesões determinantes de IPP de 5% desde a data da alta definitiva, esta ocorrida aos 13.08.2003.
2. Por acordo das partes obtido na tentativa de conciliação realizada, aos 03.11.2003, na fase conciliatória do processo, e homologado por decisão judicial nessa mesma data, foi fixada à A. o pagamento de capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €184,53, objeto de remição, tudo conforme fls. 31 a 33 e 52 dos autos.
3. Com exceção do pedido de revisão formulado aos 02.07.2014, referido no relatório do presente acórdão, a pensão da sinistrada não havia sido objeto de qualquer outro pedido de revisão.
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III. Do Direito

1. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões, a única questão em apreço consiste em saber se (não) caducou o direito de a sinistrada requerer a revisão da IPP e, por consequência, da pensão, importando, desde já, salientar que, no caso em apreço, entre a data da fixação da pensão e a do pedido de revisão decorreram mais de 10 anos, sem que, durante este período, tivesse a pensão sido objeto de qualquer pedido de revisão.

2. Ao caso, atenta a data do acidente de trabalho é aplicável a Lei 100/97, de 13.09, sendo que a Lei 98/2009 de 04.09 é apenas aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após 01.01.2010 (artigo 187º, nº1 e 188º da referida Lei).

2.1. Dispõe o nº2 da art.25º da Lei 100/97 que “ [a] revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, (…)”. Diga-.se que no mesmo sentido dispunha o nº 2 Base XXII da Lei nº2127, de 03.08.1965, regime que apenas veio a ser alterado pela Lei 98/2009, em cujo Art. 70º, nº3, se passou a dispor, tão só que “[a] revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil”. Ou seja, com esta, Lei 98/2009, deixou de estar previsto um prazo máximo dentro do qual deverá ser formulado o pedido de revisão.

2.2. A questão da (in)constitucionalidade tanto da Base XXII nº 2 da Lei 2127, como do art. 25º, nº 2, da Lei 100/97, tem sido, por diversas vezes, suscitada junto do Tribunal Constitucional, de cuja jurisprudência, em síntese dos seus diversos acórdãos, destacamos:
i) Os Acórdãos 155/2003 e 612/2008, que consideraram não ser o nº 2 de tal Base inconstitucional quando, dentro desse período de 10 anos, não tenha sido formulado qualquer pedido de revisão da pensão ou quando, tendo-o embora sido, a pensão não haja, todavia, sido revista por não ter havido agravamento das lesões, tudo se passando como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas nesse período de 10 anos, arestos esses em que se ponderou que “não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, 10 anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, a situação se deve ter por consolidada (…)” [Acórdão 155/2003] e que “a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados. E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade (…)”.
No mesmo sentido o Acórdão desse Tribunal nº219/2012, de 26.04.2012 (DR, 2ªsérie, nº102, de 25.05.2012), no qual se analisou a situação de um pedido de revisão formulado para além dos 10 anos contados desde a data da última fixação da pensão e em que se concluiu que “ [e]fectivamente, não ocorreu, neste caso, qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade no período de dez anos que antecedem o novo requerimento de actualização, nem se verifica qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica”.
Também no sentido desse juízo da não inconstitucionalidade se pronunciaram, mais recentemente, os Acórdãos, ainda do Tribunal Constitucional, 136/2014, 205/2014 e 583/2014, in www. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, todos proferidos sobre acórdãos desta Relação do Porto e em que, nestes, havia sido decidido no sentido da inconstitucionalidade seja do nº 2 da Base XXII da Lei 2127, de 03.08.65, seja do nº 2 do art. 25º da 100/97, de 13.09, assim havendo estes sido revogados por aqueles. Aliás, este juízo de não inconstitucionalidade veio a ser sufragada pela ora relatora no Acórdão desta Relação de 28.04.2014, proferido no Processo nº 374/1990.1. na sequência da revogação, pelo Tribunal Constitucional, do anterior acórdão que nele havia sido proferido e em que se pugnava pela inconstitucionalidade da caducidade do direito à revisão da pensão decorridos 10 anos sobre a data da sua fixação. Diga-se que, sendo os mencionados preceitos (nº 2 da Base XXII da Lei 2127 e nº2 do art.25º da Lei 100/97 idênticos, a citada jurisprudência é identicamente aplicável a ambos.

ii) O Acórdão de 07.01.2011, que julgou inconstitucional, por violação do art. 13º da CRP, o nº 2 da Base XXII quando interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provados o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.

Também o STJ já se pronunciou sobre tal questão, designadamente nos Acórdãos de 22.05.2013, Proc. 201/1995.2.L1.S1 e de 05.11.2013, Proc. 858/1997.2.P1.S1, ambos publicados im www.dgsi.pt e de cujos sumários consta o seguinte:
“I - O princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado.
II - À luz do regime jurídico previsto na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, o sinistrado podia requerer a revisão da incapacidade no prazo de 10 anos contados da data da última fixação dessa incapacidade, que constitui, segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado.
III - A aplicação do novo regime da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que não prevê qualquer limitação temporal para requerer a revisão da incapacidade, e que só é aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2010) ao acidente dos autos – ocorrido no domínio de vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 – ofenderia, gravemente, a certeza e segurança do direito consolidado da seguradora, decorrente do artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa, sendo inaceitável que esta se veja confrontada com o ressurgimento desse direito, quando ele estava juridicamente extinto, à luz da lei que lhe é aplicável.
IV - Assim, tratando-se dum acidente de trabalho sofrido na vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, é de considerar extinto o direito do sinistrado a requerer exame de revisão da sua incapacidade quando tenham passado mais de dez anos desde a data da última fixação da incapacidade e o requerimento de realização desse exame de revisão.”.

Sendo a mencionada jurisprudência reiteradamente uniforme no sentido nela apontado – da inaplicabilidade do art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 e da não inconstitucionalidade do art. 25º, nº 2, da Lei 100/97 - , entendemos ser de a sufragar, tanto mais atento o disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil.

2.3. Ora, assim sendo e tendo em conta a matéria de facto provada, impõe-se concluir, tal como na decisão proferida pela 1ª instância, no sentido do indeferimento do pedido de revisão, por caducidade do direito de o requerer.
Com efeito, dos factos provados decorre que a IPP de 5%, com efeitos a partir de 14.08.2003, dia imediato ao da alta definitiva, foi fixada ao sinistrado aos 03.11.2013 (data da homologação do acordo obtido na tentativa de conciliação), sendo que, até ao pedido de revisão ora em apreço, formulado aos 02.07.2014, decorreram mais de 10 anos sem que, de permeio, a pensão da sinistrada tivesse sido objeto de qualquer outro pedido de revisão e, por consequência, de qualquer alteração nos 10 anos que antecederam o pedido ora formulado, não se enquadrando o caso na situação referida na al. ii) a que acima fizemos referência.
Deste modo, impõe-se concluir no sentido da improcedência das conclusões do recurso e, por consequência, da confirmação da decisão recorrida.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a sinistrado/Recorrente (art. 4º, al. h), do RCP) e documentos de fls. 73 a 79.

Porto, 15.12.2016
Paula Leal de Carvalho (Reg. 915)
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
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[1] Cuja participação a juízo deu entrada aos 20.08.2003.