Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1029/11.9TJPRT-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA
ELENCO DE FACTOS NÃO ASSENTES
PROCESSO
EXECUÇÃO FISCAL
COIMA
CITAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP202109091029/11.9TJPRT-K.P1
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de despacho saneador-sentença não é necessário elencar factos não assentes.
II - O C… é parte legítima para reclamar crédito advindo de mútuo, em forma de conta corrente, concedido pelo Banco B…, S. A..
III - A citação do sujeito passivo em processo de execução fiscal interrompe o prazo que não volta a correr até decisão final.
III.I - Tal citação, para efeitos de interrupção de prescrição, pode ser presumida (ficta), interrompendo a prescrição ao fim de cinco dias.
IV - A execução patrimonial de uma coima intentada pelo Estado não interrompe o prazo de prescrição da mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1029/11.9TJPRT-K.P1.
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1). Relatório.
Em 14/11/2018, o administrador de insolvência apresentou lista de credores reconhecidos, ao abrigo do artigo 129.º, n.º 1, do C. I. R. E., entre os quais constam:
Banco B…, S. A. - com um total reclamado de 2.032.423,60 EUR, totalmente reconhecido como crédito garantido com hipoteca sobre imóvel (mútuo com hipoteca) com mora desde 25/01/2005;
Banco D… – com um total reclamado de 54 781,89 EUR, totalmente reconhecido como crédito comum com garantias de terceiros (operações bancárias), constituído em 30/10/1998 e mora em 30/06/2012;
Fazenda Nacional - com um total reclamado de 3.068.797,79 EUR, totalmente reconhecido como crédito comum (dívidas fiscais), constituído em 31/01/2002 e mora em 11/03/2002;
E… Portugal, S. A. - com um total reclamado de 12.360,04 EUR, totalmente reconhecido como crédito comum (serviços prestados), constituído em 28/09/2002 e mora em 17/06/2004.
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Em 06/12/2018, o insolvente F…, ao abrigo do artigo 130.º, do C. I. R. E., impugnou a lista alegando, no que se refere aos créditos acima mencionados, em síntese que:
quanto ao crédito do «Banco D… …», ele e mulher constituíram-se fiadores num contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 1998, entre o Banco e G… e mulher, para aquisição de habitação permanente destes;
todavia, o credor-Banco não invoca qualquer incumprimento contratual ou legal por parte dos devedores principais, ou mora dos mesmos, pelo que a fiança não pode ser exigida;
o mesmo credor-Banco tem garantia real sobre uma fração autónoma, a qual sempre terá que ser previamente executada, anteriormente à fiança (artigo 639.º, n.º 1, do C. C.);
o mesmo credor nunca interpelou o insolvente ou a sua mulher para cumprir, o que é indispensável para permitir ao fiador acionar os meios que a lei lhe faculta não só para evitar a mora mas também para viabilizar o pagamento;
assim, tal crédito não pode ser reconhecido;
o crédito de «E… Portugal, S. A.» foi atempadamente impugnado, pelo insolvente e mulher, em sede de oposição à execução e à penhora, no âmbito do processo executivo que corre termos sob o nº 28616/04.9YYLSP, pelo 1º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Execução do Porto;
nessa oposição invocou-se a falta de título executivo;
a letra que sustenta a execução emitida alegadamente em 26/01/2000, vencida a 26/12/2003, foi subscrita pelo insolvente como sócio-gerente de H…, Lda., intervindo, com a sua mulher, como avalistas;
a referida letra foi entregue à reclamante apenas para servir de garantia a contrato de utilização de loja (loja 25), sita no Hipermercado I…, no …, celebrado entre a firma J…, Lda. e a K…, S.A.;
a letra foi entregue sem valor, data de emissão ou vencimento, destinando-se a ser utilizada quando a credora «k…» interpelasse a referida firma, mencionando o incumprimento do contrato;
não tendo sido invocada a relação subjacente, não pode valer como título executivo;
a letra encontra-se emendada/rasurada/adulterada, na parte da data de emissão de pagamento devido à alteração da moeda de escudos para euro;
a autorização para preenchimento de letras de câmbio tem aposta como data 11/06/2001, sendo o reconhecimento de assinaturas de 26/06/2001, referindo «ao abrigo do presente contrato»;
se se entender que há título executivo, houve preenchimento abusivo da letra pela reclamante;
os avais são nulos por ter sido prestado em branco;
o valor constante da letra não é devido por «J…, Lda.» pois no início do contrato de utilização da loja, liquidou um mês de caução pela contrapartida da utilização da mesma;
no que respeita ao crédito da Fazenda Nacional, em todos os processos houve oposição, tendo os processos sido apensados aos presentes autos;
tais oposições não foram apreciadas pelo que não pode ser reconhecido o crédito;
as dívidas relativas a I. V. A., I. R. S. e I. R. C., até ao ano de 2009 estão prescritas (prazo de prescrição de oito anos) bem como as correspondentes despesas e encargos dos processos;
as dívidas respeitantes a coimas (prazo de prescrição de cinco anos) aplicadas até 2013 estão prescritas;
quanto ao crédito reclamado pelo «B…», o insolvente, nunca foi citado para execução cujo n.º de processo não está identificado, sendo os capitais alegadamente em dívida pelo insolvente e outros, peticionados em ações executivas, completamente díspares dos capitais ora identificados na reclamação de créditos;
não estão fundamentados e provados os capitais ora indicados e reclamados;
em dezembro de 2005, no âmbito das ações executivas foi efetuado acordo e plano de pagamentos com o referido credor, com juros vincendos à taxa de 4%, com a inerente suspensão das instâncias executivas até 31/03/2016, tendo sido liquidado pelo menos cerca de 102.759,06 EUR, o que não foi contabilizado;
só o crédito que tem por base o mútuo com hipoteca, cujo capital ronda os 341.192,94 EUR é que é garantido por hipoteca, sendo o remanescente crédito comum.
Apresenta prova testemunhal e documental.
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Responderam:
C, S. A. mencionando que:
em 17/07/2014, o então B. E. S. veio reclamar os seus créditos;
dessa reclamação resulta que é credor do insolvente na quantia global de 1.832.411,56 EUR resultante dos seguintes contratos:
I) crédito garantido por hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa de dois pavimentos destinado a habitação sito no lugar de cão-Pinhal de Ofir, Fão, inscrito na matriz no artigo 888, descrito na C. R. P. de Esposende sob o n.º 115, para garantia de mútuo no montante de 349.158,53 EUR;
atualmente os valores em divida são os seguintes:
Capital - 341.192,94 EUR;
Juros contabilizados desde a data do incumprimento – 24/01/2005 até 13/12/2018 – 192.243,27 EUR, tendo sido amortizada a quantia de 4.625,07 EUR, estando em dívida 187.618,20 EUR, acrescido de imposto de selo no valor de 7.504,73 EUR;
a responsabilidade acima referida foi objeto de reclamação de créditos no processo que correu termos sob o n.º 1004/03.7 TBSJM do antigo 4º Juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira, processo que foi extinto por via da presente insolvência, após sentença de graduação proferida e devidamente transitada em julgado, em que foram reconhecidos os créditos do ora reclamante;
II). Livrança no montante de 828.102,24 EUR, subscrita pela sociedade L…, ACE e avalizada, entre outros, pelo insolvente, livrança acionada no contrato que correu termos sob o nº 914/05.1TBSJM e de acordo com o contrato de mútuo outorgado e notificação do preenchimento da livrança;
atualmente os valores em divida são os seguintes:
a. Capital 828 102,24 EUR;
b. Juros contabilizados desde a data do incumprimento – 24/01/2005 até 13/12/2008 – 455.364,22 EUR, tendo sido amortizada a quantia de 20.359,60 EUR, estando em divida a quantia de 435.004,62 EUR;
c. imposto de selo no valor de 17.400,18 EUR.
III. Livrança no montante de 825.600,30 EUR, subscrita pela sociedade M…, ACE e avalizada, entre outros, pelo insolvente, livrança acionada no processo que correu termos sob o nº 832/06.6 YYPRT, de acordo com contrato de mútuo outorgado e notificação do preenchimento da livrança;
atualmente os valores em divida são os seguintes:
a. Capital 125.600,30 EUR;
b. juros contabilizados desde a data do incumprimento – 24/01/2005 até 13/12/2018- 70.768,79 EUR, tendo sido amortizada a quantia de 3.075,34 EUR, estando em divida a quantia de 67.693,45 EUR;
c. imposto de selo no valor de 2.707,74 EUR;
IV- Livrança no montante de 114.143,33 EUR, subscrita pelo insolvente e mulher, accionada no processo que correu termos sob o nº 21658/05.9JJPRT;
atualmente os valores em divida são os seguintes:
a. Capital 114.143,33 EUR;
b. juros contabilizados desde a data do incumprimento – 24/01/2005 até 13/12/2018 - 64.313,43 EUR – tendo sido amortizada a quantia de 2.794,81 EUR, estando em divida a quantia de 61.518,62 EUR;
c. imposto de selo no valor de 2 460,74 EUR;
V- Livrança no montante de 38.128,06 EUR, subscrita pela sociedade P…, Lda., avalizada entre outros, pelo insolvente, acionada no contrato conforme processo que correu termos sob o n.º 1161/08.6 TBOAZ;
atualmente os valores em divida são os seguintes:
a. Capital 38 128,06 EUR;
b. Juros contabilizados desde a data do incumprimento – 24/01/2005 até 13/12/2018 – 16.806,00 EUR;
imposto de selo no valor de 672,24 EUR.
a reclamação de créditos junta pelo credor, não corresponde aos valores reconhecidos pelo Sr. Administrador Judicial, devendo outrossim ser a mesma corrigida, de acordo com os valores reclamados pelo credor e agora atualizados.
Pede a improcedência da impugnação, corrigindo-se a lista de créditos.
Indica prova testemunhal.
E…:
impugna tudo o alegado nos artigos 17.º a 52.º;
a letra dada à execução foi entregue à reclamante pela sociedade «H…» da qual o insolvente era sócio gerente, destinando-se a servir «como caução e garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações (...)» que decorriam do Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado entre «H…», E… Portugal e insolvente, com referência à loja .. do Centro Comercial I…, que «E……»explorava;
para caucionar as suas obrigações, «J…» entregou a «E…» doze letras de câmbio com as datas de vencimento e os montantes em branco, em conjunto com uma autorização para preenchimento, podendo cada letra ser preenchida até ao limite correspondente à soma de doze vezes a remuneração mínima e de doze vezes o valor das comparticipações previstas no contrato;
em cada uma dessas letras de câmbio, o insolvente colocou o seu aval à aceitante, tendo ficado acordado o preenchimento quando ocorresse mora por mais de trinta dias relativamente a qualquer obrigação;
«H…» deixou de pagar a «E…» as remunerações mínimas e as despesas comuns referentes aos meses de setembro a novembro de 2003, tendo sido interpelada para pagar;
não tendo sido paga a quantia de 9.181,10 EUR, «E…» preencheu uma das doze letras, apondo o montante em dívida e a data de vencimento;
a letra não foi paga, tendo intentado execução;
«H…» e o insolvente, ao subscreverem o contrato com «E…», assumiram perante diversas obrigações contratuais, designadamente obrigações pecuniárias, pelo que o aceite e o aval referem-se a uma obrigação de pagamento, além de estar em questão uma obrigação cambiária;
a letra poderia ter sido apresentada a pagamento e paga, mesmo contendo inscrita a data que o insolvente refere (de 2003/11/26) pois o início da circulação física do Euro em 01/01/2002 em nada prejudicaria a possibilidade de apresentação a pagamento da letra dada à execução, e expressa em escudos pois o aviso do Banco de Portugal número 2/2001 não é aplicável às letras, tendo sido previsto unicamente para cheques;
a introdução do euro não obrigou à redenominação dos instrumentos jurídicos, designadamente contratos, letras e livranças, que mantêm plena validade apesar da referência à anterior unidade monetária;
o vala não é nulo por ser determinável com o seu preenchimento.
Pede a improcedência da impugnação.
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M.º P.º, em representação da Fazenda Nacional.
a impugnação é inepta por não especificar os concretos créditos em relação aos quais entende que se verificou a prescrição, nem quando foi citado nas respetivas execuções;
os processos de execução fiscal que corriam termos por reversão contra o insolvente suspenderam-se por via da declaração de insolvência, fazendo operar o disposto no artigo 180.º, do C. P. P. T.;
os créditos em causa não prescreveram;
os processos em que houve oposição foram instaurados em 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013, pelo que, nos correspondentes processos de execução fiscal, o oponente foi citado necessariamente nesses anos, facto que interrompeu a prescrição em qualquer deles;
com a declaração de insolvência, suspendeu-se o prazo prescricional que estava em curso, pelo que, mesmo em relação à citação mais antiga (de 2008), ainda não se tinha completado o prazo previsto no artigo 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;
em relação às coimas, também não ocorreu a prescrição, atento o disposto no artigo 34.º, do R. G. I. T. (as sanções por contraordenação tributária prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data da sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e de suspensão previstas na lei geral) e nos artigos 30.º e 30.º-A do, Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 (a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que a execução foi interrompida e interrompe-se com a sua execução).
Pede a sua absolvição de instância ou, quando assim não se entenda, improceda a impugnação.
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Em 20/09/2019 realizou-se tentativa de conciliação, não tendo sido obtido consenso, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Em 13/01/2021, o administrador de insolvência, a resposta de despacho do tribunal, menciona que houve vários credores que duplicaram as reclamações por ter sido declarada a insolvência em 03/07/2012 que depois foi «substituída» por outra decisão de 13/06/2014 e que em relação ao C… não atendeu aos valores já diferentes da segunda reclamação.
Assim, pugna pelo seguinte quanto a tal crédito:
seja reconhecido no montante de 472.917,67 EUR como garantido por hipoteca incidente sobre o prédio descrito sob o n.º 115.º da C. R. P. de Esposende;
crédito no montante de 1.359.493,89 EUR como comum.
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O insolvente manteve a sua oposição a tal reconhecimento.
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Em 12/03/2021 foi proferida decisão que julgou:
verificados os crédito de «Banco D…, S.A.», «E… Portugal, S.A.» e Fazenda Nacional;
parcialmente verificado o crédito de «C…, S.A.», com exceção do titulado pela livrança, no valor de 38.128,06 EUR (alínea 10 da sentença);
E graduou os créditos da seguinte forma:
pelo produto da venda do prédio urbano sito no Lugar …, …, matriz 888.º, descrito na C. R. P. de Esposende sob o n.º115:
dívidas da massa insolvente saem precípuas;
crédito de «C…, S.A.» titulados pelo contrato de mútuo identificado na alínea 1) da sentença, e respetivos juros abrangidos pela hipoteca;
créditos qualificados como comuns, bem como o crédito de «N…» na parte em que possa não obter pagamento por força da hipoteca sobre o prédio descrito na C. R. P. do Porto sob o n.º345, sendo o do «D…» sob condição, concorrendo entre si na proporção do respectivo valor;
crédito subordinado relativo a juros vencidos após a declaração de insolvência.
pelo produto da venda do prédio urbano sito na freguesia de …, inscrito na matriz artigo 3122.º, descrito na 2.ª C. R. P. do Porto sob o n.º 345:
dívidas da massa insolvente saem precípuas;
crédito de «N…» e respetivos juros abrangidos pela hipoteca;
créditos qualificados como comuns, bem como o crédito de «C…, S.A.» na parte em que possa não obter pagamento por força da hipoteca sobre o prédio descrito na C. R. P. de Esposende sob o n.º115, sendo o do «D…» sob condição, concorrendo entre si na proporção do respetivo valor;
crédito subordinado relativo a juros vencidos após a declaração de insolvência.
Pelo produto da venda de quaisquer outros bens ou obtido pela entrega do rendimento disponível no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante:
dívidas da massa insolvente saem precípuas;
crédito de «N…» relativamente a ¼ do seu montante e até ao máximo de 500UC.
créditos qualificados como comuns, sendo o do «D…» sob condição, concorrendo entre si na proporção do respetivo valor;
crédito subordinado relativo a juros vencidos após a declaração de insolvência.
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Inconformado, recorre o insolvente/impugnante, formulando as seguintes:
Conclusões.
«A) Impugnou o insolvente a lista de créditos reconhecidos pelo AI, concretamente, e para o que à causa interessa, os créditos do “ Banco D…, S.A”, da “E… Portugal, S.A”, da Fazenda nacional e ainda o crédito do “ C…, S.A”.
B) Por sentença, proferida a fls… foi julgada improcedente a impugnação e reconhecidos e graduados os créditos reclamados pelo “ Banco D…, S.A”, pela “E… Portugal, S.A” e pela Fazenda Nacional e quanto ao crédito reclamado pelo“ C…, S.A” julgá-lo parcialmente reconhecido.
C) Viola a decisão sob recurso o art. 607.º nº 3 e 4 e 608 nº 2 do CPC, uma vez não faz enumeração dos factos não provados, não especifica os fundamentos factuais justificativos decisão proferida, e não se pronúncia sobre questão que devia ter pronunciado.
D) É por isso nula nos termos do disposto no art. 615.º al. b) e d) do CPC, Sem prescindir,
E) Após a tentativa de conciliação, o processo foi concluso para que o Juiz proferisse os despachos previstos nos artigos 595.º e 596.º do CPC (Cfr. art. 136.º do CIRE).
F) O conhecimento imediato do mérito da causa, só se realiza no despacho saneador, quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
G) O que sucederá quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, e quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos,
H) O despacho saneador não deve antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção.
I) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, existem factos alegados, que podendo conduzir à procedência das pretensões do recorrente, ainda se mostravam controvertidos, e portanto, por uma questão de cautela deveriam ter prosseguido os autos para a fase da instrução, realizando-se a apreciação de mérito, na sentença final.
J) O conhecimento de mérito, na fase de saneamento, por parte do Tribunal recorrido, foi prematura, impondo-se que, se proceda à instrução e julgamento da causa, a fim de apurar os factos alegados, e nesta fase controvertidos que importam à boa decisão da causa.
K) Devem os presentes autos, prosseguir os seus ulteriores termos processuais, nomeadamente, os consignados nos artigos 138.º a 140.º do CIRE, revogando-se assim a decisão proferida.
L) Salvo o devido e merecido respeito, errou a Mma Juiz a quo, na interpretação dos factos e na aplicação do direito.
M) Entendeu a Mma Juiz, a quo, e mal fez, julgar improcedente a impugnação e reconhecer, ainda que sob condição, o crédito reclamado pela Banco D….
N) Para efeitos de reclamação de créditos sobre o fiador insolvente, entende-se que deve este incorrer numa situação de incumprimento em sentido estrito, ou seja, de constituição em mora imputável a si próprio e não ao devedor afiançado, mora essa que, constituindo a fiança uma obrigação pura, pressupõe a interpelação do fiador, e aqui insolvente, pelo credor para cumprir – cfr. artigo 805º, nº 1 do C.C. – o que não sucedeu.
O) Tendo dado o Tribunal como provado que para garantia dos contratos existia hipoteca constituída sobre imóvel, associado ao facto de terem decorrido mais de 20 anos após a constituição de tais créditos, impunha-se, ser dada como provada a existência efectiva do crédito, para que o mesmo pudesse ser reconhecido.
P) Deve ser procedente a impugnação não se reconhecendo o crédito reclamado pela “E… Portugal, S.A”, ou pelo menos, e porque deve ser alterada a matéria de facto, ser parcialmente procedente, não sendo reconhecida a totalidade do crédito reclamado, por este não se mostrar devido.
Q) O reconhecimento do crédito da Fazenda Nacional nos moldes em que foi feito, é ilegal e viola a lei, e por isso não se pode manter.
R) O recorrente foi executado por reversão, na qualidade de devedor subsidiário, pelo que lhe assistia o direito de se opor à execução, contestando a decisão de reversão, o que fez, e no caso da procedência dos seus argumentos, ver o pagamento de tais dívidas não lhe ser imputado.
S) Enquanto não forem apreciadas as oposições e declarado e reconhecida a responsabilidade do recorrente pelas dívidas tributárias das sociedades de que era gerente, não pode ser reconhecido o eventual crédito que daí resultará e reclamado pela Fazenda Publica.
T) Os processos executivos, e respectivas oposições, que o recorrente, devidamente, identificou na sua impugnação, encontram-se apensos ao processo, de insolvência onde constam os argumentos, que no entender do recorrente, justificam não ser, o insolvente, responsável pelo pagamento das dívidas que lhe estão a ser exigidas, e que salvo o devido respeito por opinião contrária, podiam e deviam ter sido apreciados pela Mma juiz a quo.
U) Se o recorrente ainda não foi considerado responsável pelo pagamento das dívidas tributárias reclamadas pela Fazenda Publica, não se vislumbra fundamento legal para o reconhecimento do alegado crédito, que não resulta provado, a não ser que o tribunal recorrido tivesse decidido as oposições declarando o recorrente responsável pelo seu pagamento.
V) Labora a Mma Juiz a quo em erro ao considerar que a oposição deduzida pelo insolvente teve a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, pois que, só assim, seria se esta determinasse a suspensão da cobrança da divida, nomeadamente se tivesse sido prestada garantia, o que não foi o caso. ( cfr, art. 49 nº 4 da LGT).
W) Erro que por si só inquina de vício a decisão de não reconhecer e declarar a prescrição das alegadas dívidas respeitantes a IVA, IRS e IRC, até ao ano de 2009 e as dívidas pelas coimas aplicadas até ao ano 2013, e que, por esse motivo, impõe a sua revogação.
X) Devia ter sido considerada totalmente procedente a impugnação do crédito reclamado pelo Banco B… e em consequência não ser reconhecido, ainda que parcialmente.
Y) Decidiu ao Tribunal recorrido pela intempestividade da invocação da prescrição por entender já dever ter sido esta invocada anteriormente aquando da impugnação de créditos apresentada em Dezembro de 2018.
Z) Independentemente, de haver coincidência, ainda que não total dos créditos reclamados, em ambas as situações, a verdade é que, e relativamente à reclamação apresentada na sequência da declaração de insolvência de 2014, que transitou em julgado, ainda não tinha o recorrente se pronunciado, por erro que não lhe é imputável.
AA) O crédito reclamado pelo B… está prescrito.
BB) Deve ser reconhecida e declarada a prescrição do crédito reclamado a título de juros que vá para além dos 5 anos.
CC) Da " escritura dada execução" resultam valores, e inclusive são identificadas empresas, que nada tem que ver com os valores reclamados e os empréstimos alegadamente concedidos e invocados pelo credor na reclamação apresentada.
DD) Não sendo possível apurar, sem margem considerável para dúvida, como se alcançaram os valores pelos quais foram preenchidas as livranças.
EE) As livranças que na sentença se invocam como fundamento justificativo do crédito reconhecido ao C…, S.A., não se mostram capazes de justificar e comprovar de forma cabal o crédito reclamado.
FF) Há na sentença sub recurso erro na apreciação dos factos e, por isso, erro de julgamento.
GG) A sentença recorrida interpretou erradamente e violou as normas constantes dos artigos 595.º, 596.º, 606.ºe 608.º do CPC e arts. 137.º a 140.º do CIRE, e demais disposições legais aplicáveis.».
Termina pedindo:
a). declaração de nulidade do saneador sentença de 12/03/2021, com as necessárias consequências legais, ou que
b). que se revogue a sentença recorrida substituindo-se por outra que acolha as conclusões.
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Contra-alegou E… Portugal, S. A., pugnando pela manutenção do decidido.
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O tribunal recorrido proferiu despacho onde se pronunciou sobre a alegação de existência de nulidades de sentença, nos termos que a seguir se resumem:
quanto à falta de fundamentação por omissão da discriminação dos factos não provados, estando em causa um despacho-saneador com prolação de decisão de mérito, como previsto no artigo 154.º, n.º 1, do C. P. C., apenas se impõe que seja estruturado em termos análogos ao necessário a dar cabal cumprimento ao dever geral de fundamentação;
a ser diferente o entendimento, só foram julgados os factos que se entendeu assumirem relevo para a decisão da causa e acrescenta-se que resultaram não provados todos os demais factos alegados;
apesar do que alegou na impugnação apresentada em 08/02/2021, o recorrente limitou-se a concluir a final pela improcedência (e não pedindo a absolvição da instância), de tal forma que se tratou a questão ao nível do mérito, julgando os factos como provados e concluindo pela procedência parcial da reclamação;
assim, afigura-se não ter sido cometida tal apontada nulidade;
a não se entender desse modo, o insolvente assume uma conduta claramente contraditória quando, desde a resposta à sua impugnação de 09/05/2018 o mesmo insolvente aceitou e identificou este credor como “C…” e não tomou posição quanto ao despacho de 11/09/2019 que a tal se refere, nem aos subsequentes em que é feita menção ao “C…”, e no requerimento de 13/01/2021, refere-se a este como credor.
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As questões a decidir são determinar se:
há nulidade do despacho saneador-sentença por falta de elenco de factos não provados;
existirem factos controvertidos que teriam de ser submetidos a produção de pro o crédito de D… não pode ser reconhecido por inexistir incumprimento;
a apreciação dos créditos da Fazenda Nacional está dependente de decisão a tomar nos processos de oposição fiscal, além de parcialmente estarem prescritos;
as coimas vencidas até 2009 estão prescritas;
o C… não é parte legítima para reclamar p crédito que, além de estar prescrito, não está devidamente justificado em termos factuais.
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2.2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Factos assentes.
Da impugnação apresentada pelo insolvente com referência ao crédito reclamado por Banco D…, S. A.
«1) Em 30 de Outubro de 1998, o “Banco D…, S.A.” celebrou com O… e G… dois contratos mediante os quais lhes emprestou as quantias de 10.800.000$00 e 4.200.000$00, que estes se obrigaram a restituir, acrescidas de juros, em prestações mensais e sucessivas.
2) Para garantia do cumprimento dos contratos, G… e P… constituíram a favor do “Banco D…, S.A.” duas hipotecas sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AN” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º681.
3) Também para garantia do cumprimento dos contratos, o insolvente e o cônjuge, O…, constituíram-se fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
4) Os mutuários pagaram as prestações vencidas até 30 de Junho de 2012.
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Da impugnação apresentada pelo insolvente com referência ao crédito reclamado por «E… Portugal, S. A.».
1) A “E… Portugal, S.A.” é portadora de um impresso uniformizado destinado a servir como letra, vencida em 26 de Dezembro de 2003, no valor de 1.840.645$00, onde figura a assinatura do insolvente no local destinado ao aval.
2) A referida letra destinou-se a servir como caução e garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações de natureza pecuniária emergentes do contrato de utilização de loja no Centro Comercial …, celebrado em 28 de Setembro de 2000 entre a reclamante, a “H…, Lda.” e o insolvente.
3) Ficou estipulado que “as doze letras de câmbio com as datas de vencimento e os montantes em branco, em conjunto com uma autorização para preenchimento redigida nos termos da minuta que constitui o Anexo V ao presente contrato, garantindo esta caução o valor em dívida e podendo cada letra ser preenchida até ao limite correspondente à soma de 12 (doze) vezes a remuneração mínima e de 12 (doze) vezes o valor das comparticipações previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 da cláusula 2.º, acrescido de IVA”.
4) A letra foi entregue sem estar preenchida nos locais destinados à indicação do valor, data de emissão e data de vencimento.
5) Os aceitantes e os avalistas declararam, no documento que corresponde ao anexo V do contrato, autorizar a reclamante a preencher a letra no caso de “mora por mais de trinta dias relativamente a qualquer obrigação de sua responsabilidade” relativas ao contrato referido em 2) “até ao montante máximo correspondente ao valor relativo a 1 (um) ano da contrapartida pela utilização da loja”.
6) Correu termos a acção com o n.º28616/04.9YYLSB, requerida pela agora reclamante contra, entre outros, o insolvente, na qual deu à execução a letra identificada em 1).
7) O agora insolvente deduziu aí oposição à execução, que foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na extinção da execução por falta de bens.
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Da impugnação apresentada pelo insolvente com referência ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional.
- Os factos alegados pelo Ministério Público nos arts. 3.º a 14.º da reclamação de créditos (fls. 311 a 340, que se dão aqui por reproduzidos dada a sua extensão e exposição por meio de quadros), tomando por referência as datas da prolação das sentenças de declaração de insolvência das devedoras originárias e dos despachos de encerramento, as datas de citação e as oposições deduzidas nos processos de execução fiscal apensados a estes autos.
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Da impugnação apresentada pelo insolvente com referência ao crédito reclamado por C…, S. A.
1) O reclamante celebrou com o insolvente em 1 de Novembro de 2003 um contrato de abertura de crédito em conta corrente, que reduziram a escrito, correspondente à alteração de um contrato anterior, no qual foi interveniente o cônjuge, O…, na qualidade de garante, tendo-se o insolvente confessado devedor da quantia a essa data já disponibilizada de 329.756,00€, quantia que se obrigou a restituir em prestações mensais e sucessivas de capital e juros remuneratórios.
2) Para garantia do cumprimento do contrato identificado em 1), o insolvente e o garante constituíram a favor da reclamante uma hipoteca sobre o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos destinado a habitação, com dependência e logradouro, sito no Lugar …, freguesia de …, inscrito na matriz sob o art. 888 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º115.
3) O crédito decorrente do contrato referido em 1) foi objecto da execução que correu termos com o n.º650/05.9TBESP designadamente contra o aqui insolvente, e após reclamado na execução que correu termos com o n.º1004/03.7TBSJM.
4) O reclamante é portador do impresso uniformizado destinado a servir de livrança, no valor de 828.102,24€, com vencimento em 24 de Janeiro de 2005, subscrito pela “M…, ACE” e avalizada, entre outros, pelo insolvente.
5) A livrança referida em 4) foi dada à execução que correu termos com o n.º914/05.1TBSJM designadamente contra o aqui insolvente.
6) O reclamante é portador do impresso uniformizado destinado a servir de livrança, no valor de 825.600,30€, com vencimento em 24 de Janeiro de 2005, subscrito pela “L…, ACE” e avalizada, entre outros, pelo insolvente.
7) A livrança referida em 6) foi dada à execução que correu termos com o n.º832/06.6YYPRT, designadamente contra o aqui insolvente.
8) O reclamante é portador do impresso uniformizado destinado a servir de livrança, no valor de 114.143,33€, com vencimento em 24 de Janeiro de 2005, subscrita pelo insolvente e por O….
9) A livrança referida em 8) foi dada à execução que correu termos com o n.º21658/05.9JJPRT, designadamente contra o aqui insolvente.
10) O reclamante é portador do impresso uniformizado destinado a servir de livrança, no valor de 38.128,06€, com vencimento em 2 de Fevereiro de 2008, subscrito pela “P…, Lda.” e avalizada, entre outros, pelo insolvente.
11) A livrança referida em 10) foi dada à execução que correu termos com o n.º1161/08.6TBOAZ, na qual o aqui insolvente não foi aí executado.
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12) Em Dezembro de 2005, a reclamante celebrou com o insolvente um acordo de pagamento em prestações das dívidas relativas a acções judiciais pendentes relativamente à P…, Lda.”, à “M…, ACE” e ao próprio insolvente e que eram, pelo menos, as corriam termos com os n.º21658/15.9YYPRT, 650,05.9TBESP, 914/05.1TBSJM e 832/06.6YYPRT.
13) No âmbito do referido acordo, foi liquidada a quantia de 78.759,06€ em 17 de Agosto de 2006.
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A). Da nulidade do saneador-sentença.
A1). Falta de enumeração de factos não provados.
O tribunal proferiu despacho saneador onde entendeu encontrar-se habilitado para poder decidir de mérito, ao abrigo do artigo 595.º, n.º 1, b), do C. P. C., ex vi artigo 136.º, n.º 3, do C. I. R. E..
Já analisamos uma questão idêntica no processo n.º 21596/18.5T8PRT-A, em decisão de 16/12/2020 (www.dgsi.pt) e assim, limitamo-nos a manter o que aí entendemos e que consiste em que, podendo estar em causa a nulidade prevista no indicado artigo 615.º, n.º 1, b), do C. P. C – não especificação da fundamentação de facto -, a mesma não ocorre.
A decisão em causa (despacho saneador-sentença) não contém factos não provados e, em rigor, também não tem factos provados.
O que a decisão contém são factos considerados assentes. «E essa diferença tem por base a circunstância de que não houve produção de prova nos autos por o tribunal se ter considerado habilitado a decidir sem que se tivesse de avançar para essa fase.
Daí que, não havendo produção de prova, o tribunal considerou assente, definida, a factualidade que, nesse momento já se poderia considerar fixada, mesmo sem ser alvo de instrução.
Não havendo julgamento, em rigor, a matéria assente não é matéria de facto provada (esta era a distinção que existia anteriormente a nível processual na elaboração do saneador onde se determinava que se elencavam os factos que se julgassem assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental e se quesitavam os pontos de facto controvertidos que devessem ser provados - artigo 511.º, n.º 1, do C. P. C./1961 -).
Atualmente, o raciocínio poderá ser o mesmo mas o despacho onde se identifica o objeto do litígio e os temas de prova não inclui a matéria já assente mas somente a que tem de ser alvo de produção de prova.
Na sentença não se diferencia entre factos assentes e provados, sendo quase todos definidos como factos provados – artigo 607.º, n.º 3 e 4 –, apenas se excluindo a noção de factos provados em relação aos admitidos por acordo, sendo os que resultem de confissão ou documento denominados igualmente de factos provados – n.º 4, do citado artigo 607.º -.
Esta questão é apenas uma procura de se encontrar um motivo para se ter denominado o elenco de factos na decisão como factos assentes mas equivalendo a um conjunto de factos provados.
Ora, se o tribunal entendeu que existiam factos que poderiam ser considerados provados por documento e que eram os suficientes e necessários para decidir o litígio, não tem que se indicar factualidade não provada.
Na realidade, a fundamentação da decisão assenta em que há factualidade provada, sem necessidade de realização de julgamento para se obter essa prova e que permite a prolação da decisão de mérito.
E, assim sendo, naturalmente que não há lugar a elencar factos não provados desde logo porque não houve julgamento para aferir se não prova do alegado e, por outro lado, essa matéria não provada é desnecessária para se decidir.
Se existem factos provados (na aceção que já mencionamos), antes da realização de julgamento que são suficientes para decidir, é irrelevante que hajam outros factos não provados; estes só teriam relevo se alguma questão não pudesse ser decidida previamente ao julgamento e tivessem de ser averiguados.
Aliás, não poderiam constar factos não provados pois, não se produzindo qualquer tipo de prova, não se podia concluir que não estavam provados; ao contrário, mesmo sem produção de prova, já houve factos que o tribunal conseguiu considerar provados e, estes sim, tinham de ser elencados para fundamentar a decisão, como foram.».[1]
Improcede assim esta argumentação.
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A2). Da legitimidade do C…, S. A..
O impugnante veio arguir, em 08/02/2021, a ilegitimidade do credor C…, S. A. (articulado de pronúncia a retificação da lista de créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência, articulado este admitido por despacho de 12/03/2021 – contemporâneo e na mesma peça da sentença em causa).
Importa assim apreciar esta questão que o tribunal efetivamente não analisou, tendo essa nulidade de ser sanada – artigos 615.º, n.º 1, d), 613.º, n.º 3 e 665.º, n.º 1, todos do C. P. C. -.
O «B...» foi alvo de uma medida (Deliberação de 03/08/2014) por parte do Banco de Portugal que determinou «a criação de um Banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo Banco B…, S. A., bem como um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, mostra-se como a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou o seguinte (03/08/2014):
«Ponto Um.
Constituição do C…, S. A.
É constituído o C…, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o C…, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco B…, S. A..
São transferidos para o C…, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco B…, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação».
No Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 03/08/2014 que determinou a referida a transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos para o «C…, SA.» mencionam-se os critérios para a referida transferência:
(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do Banco B…, SA serão transferidos na sua totalidade para o C…, SA com exceção «dos referidos nos pontos seguintes» – nosso sublinhado -.
As exceções não se reportam ao caso dos autos – contrato de crédito em conta-corrente, com hipoteca, em que o Banco é credor -.
O Banco de Portugal tomou três novas deliberações em 29/12/2015, depois de uma outra de 13/05/2015 que são denominadas de «Perímetro», «Contingências» e «Retransmissão».
Na denominada «Perímetro» -, mantendo-se a referida transmissão, esclareceu-se na alínea g) do indicada n.º 1 do anexo 2 que qualquer garantia relacionada com qualquer obrigação transferida para o C… também é transferida para o C….
Estando em causa um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 2003 em que o reclamante C… é credor e ainda este ser portador de livranças, com datas de vencimento de 2005 e 2008 (com data de entrega certamente anterior), não se deteta qualquer impedimento a que essas obrigações tenham sido transferidas para o C….
A deliberação «Retransmissões» reporta-se à retransmissão de obrigações do «C…» para o «B...», o que não se aplica ao caso.
Deste modo, o C…, S. A. tem legitimidade para reclamar os créditos em questão.[2]
Improcede esta exceção.
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C). Existência de factos controvertidos que impediam a prolação de saneador-sentença.
C1). Factos relativos ao crédito reclamado por «Banco D…».
O impugnante, em relação a este crédito, alegou que:
o credor não invoca qualquer incumprimento contratual ou legal por parte dos devedores principais, ou mora dos mesmos, pelo que a fiança não pode ser exigida;
o credor tem garantia real a qual sempre terá que ser previamente executada, anteriormente à fiança;
nunca foi interpelado pelo credor para pagar.
Temos assim que o impugnante/insolvente não alegou qualquer facto relevante relativo ao pagamento ou inexistência do crédito; o que alega são ou questões jurídicas sobre a impossibilidade de verificação do mesmo crédito (não estar incumprido e existência de garantia real) ou um facto (falta de interpelação para pagar) que não tem relevância.
Quanto a este, se está demonstrado que o crédito estava a ser cumprido (até 30/06/2012, data que é a que serviu de referência à reclamação pelo credor e que não foi alterada, não existindo nos autos menção do incumprimento por parte dos devedores principais), não teria que existir interpelação para pagamento.
Essa eventual interpelação resultaria do incumprimento e da tomada de posição do credor em relação aos devedores, situação que não foi alegada. Daí que não tem interesse aferir se houve interpelação dos fiadores para pagarem pois a base da reclamação assenta no contrário – não houve porque não existiu incumprimento dos devedores principais/mutuários).
Essa situação teve relevo para a classificação do crédito como crédito sob condição – artigo 50.º, n.º 2, c), do C. I. R. E., conforme explanado na sentença -.
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C2). Factos relativos ao crédito reclamado por «E…».
O impugnante alega, no recurso, que impugnou o valor constante da letra e que a mesma não foi preenchida com o montante efetivamente em dívida sendo que o valor probatório da autorização para preenchimento de letras de câmbio, atento o facto de ter data posterior à data da celebração do contrato, não tinha validade.
Na impugnação, quanto a esta questão do preenchimento abusivo, alegou que:
«Caso assim se não entenda, sempre se dirá que, houve preenchimento abusivo da letra pela reclamante.
38. Isto porque, e conforme referido supra, o insolvente, ora impugnante, avalizou, conjuntamente com a sua mulher, a letra dada à execução, a qual se destinava a servir de garantia, ficando na posse da reclamante, apenas em carteira.
39. E portanto, nesse momento, não foi aposto qualquer valor, nem indicada qualquer data de emissão ou vencimento, ou foi convencionada qual a taxa de juros ou o prazo de vencimento.
40. Tendo sido, a letra dada à execução, e ora reclamada, preenchida após ter sido assinada e avalizada, em branco, e sem o consentimento dos avalistas, nomeadamente o aqui insolvente.
41. Que desconheceram e desconheciam os seus elementos essenciais.
42. E isto porque, a letra em questão, entre outras, destinava-se a titular um eventual incumprimento contratual que viesse a ocorrer e para o seu pagamento, mas de acordo com o estabelecido/convencionado entre as partes, ou seja, de acordo com o montante que estivesse em efectivamente em divida pela firma H…, Lda., o que, todavia, não sucedeu.
43. E por isso, ter-se-á que concluir pelo preenchimento abusivo da letra, excepção que aqui se invoca para todos os efeitos legais, e deverá ser declarada e reconhecida.».
O impugnante, cabendo-lhe o ónus de demonstrar o preenchimento abusivo do instrumento cambiário por violar o acordado (artigo 342.º, n.º 2, do C. C.) não alega qualquer facto de onde resulte essa possível violação. Não basta alegar que se desconhecem os elementos essenciais do preenchimento para se poder analisar se houve ou não violação do pacto de preenchimento; a parte a quem cabe o ónus de prova dessa exceção perentória é que tem de alegar e demonstrar quais eram os valores e datas a serem preenchidas e que o preenchimento violou esses parâmetros.[3]
Não tendo sido alegada qualquer dessa factualidade, a alegação é totalmente vaga, não podendo nem ser apreciada nem sequer ser alvo de algum tipo de convite ao aperfeiçoamento que exigiria que se tivesse alegado alguma realidade, ainda que de modo imperfeito.
Assim, sobre a questão de preenchimento abusivo não havia que prosseguir os autos para julgamento por não haver factos a apreciar.
No que respeita à validade do pacto de preenchimento, que no entender do impugnante não existiria atenta a sua data posterior à celebração do contrato, essa matéria também não pode fazer prosseguir o processo para julgamento pois contende com a análise da prova já existente (cotejo das datas) e eventual erro de julgamento na conclusão que se retirou – o pacto de preenchimento não podia ser atendido como foi -.
Poderá essa questão ser analisada em sede de apreciação da correção do julgamento de facto e de direito mas o impugnante não alegou factualidade suficiente para determinar que os autos prosseguissem para realização de julgamento quanto a este crédito.
*
C3). Factos relativos ao crédito reclamado por «Fazenda Nacional».
O impugnante alega, no recurso, que «impunha-se ter sido realizado diligências de prova, designadamente, junto do serviço de finanças, para apurar quais as causas de interrupção e quando ocorreram e se a dívida não foi declarada prescrita pelo OEF.».
Ora, não só o tribunal analisou os processos e concluiu pela existência de determinados factos quanto a tais dívidas, como cabia ao impugnante alegar a matéria factual impeditiva do reconhecimento dos créditos na sua peça processual de impugnação de créditos.
Como se refere na decisão recorrida, ficando suspensas as execuções fiscais por força da declaração de insolvência, não podem tais execuções prosseguir, nomeadamente para decisão; cabe ao impugnante alegar a factualidade que entenda relevante (e eventualmente alegada em sede de oposição fiscal que ainda não tenha sido apreciada) para impedir o reconhecimento do crédito (voltaremos a esta questão mais em concreto).
Assim, não há que diligenciar por obter prova junto de processos ou outras entidades; o impugnante tem de alegar a respetiva matéria e a prova ou ocorre através dos processos de execução fiscal por ser percetível pela sua análise ou tem de a provar por outro meio).
Como se denota dos artigos 54.º a 56.º, da impugnação, o impugnante não alega qualquer factualidade que possa acarretar a realização de julgamento.
E no que respeita à prescrição que foi invocada, a mesma foi analisada pelo tribunal pelo que, mais uma vez, o que eventualmente poderia estar em causa seria um erro de julgamento que, se for caso disso, será infra apreciado.
Improcede assim esta argumentação.
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D). Erro de julgamento.
D1). Crédito de «D…».
O que o impugnante questiona redunda na questão de o crédito não poder reconhecido por não existir incumprimento ao invés de ter sido reconhecido como condicional, como entendeu o tribunal recorrido.
Nada mais temos a acrescentar ao já mencionado na decisão sob recurso.
O crédito reclamado resulta de um contrato de crédito em que o insolvente é fiador e que está a ser cumprido.
Pelos motivos indicados na sentença recorrida, esse crédito não é exigível ao fiador/impugnante atenta a acessoriedade da sua obrigação (artigo 627.º, n.º 2, do C. C.) pelo que, ao abrigo do artigo 50.º, n.º 2, c), do C. I. R. E., os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível, são tidos como crédito sob condição.
Foi essa a posição do tribunal recorrida, suportada legal e jurisprudencialmente, pelo que se mantém esse entendimento, improcedendo a argumentação do recorrente.
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D2). Crédito reclamado por «E…».
O insolvente/impugnante suscita desde logo algumas questões relativas ao ter-se dado por assente que a letra que serve de base à reclamação possa ter a data de emissão que aí consta e que essa data possa fazer entender que está em causa a falta de cumprimento de obrigações do contrato de utilização de uma loja de um centro comercial.
Uma vez que o recorrente não alega qual a factualidade que então poderia resultar assente, pensamos que ou entende que não se podia dar como assente tal factualidade e assim procedia a sua impugnação ou então que se deveria prosseguir para produção de prova para se aferir que tipo de dívida estava em questão (uma vez que não houve produção de prova e o recorrente suscita dúvidas, pensamos que não se pretende dar como provada qualquer factualidade intermédia).
O impugnante alegou na respetiva impugnação:
a letra que sustenta a execução, emitida alegadamente em 26/01/2000, vencida a 26/12/2003, foi subscrita pelo insolvente como sócio-gerente de H…, Lda., intervindo, com a sua mulher, como avalistas;
a referida letra foi entregue à reclamante apenas para servir de garantia a contrato de utilização de loja (loja 25), sita no Hipermercado I…, no …, celebrado entre a firma H…, Lda. e a K… - Gestão, S.A.;
a letra foi entregue sem valor, data de emissão ou vencimento sendo para ser utilizada quando a credora «K…» interpelasse a referida firma mencionando o incumprimento do contrato;
a letra encontra-se emendada/rasurada/adulterada, na parte da data de emissão de pagamento devido à alteração da moeda de escudos para euro;
o valor constante da letra não é devido por «H…, Lda.» pois no início do contrato de utilização da loja, liquidou um mês de caução pela contrapartida da utilização da mesma.
Esta questão do pagamento de um mês não foi suscitada no presente recurso.
Assim, temos na peça processual de impugnação apresentada pelo insolvente a alegação de que efetivamente entregou a letra em questão, em branco, para servir de garantia a eventuais dívidas da sua parte, em relação à exploração da loja 25.
Não vemos por que motivo não poderia ser dada como assente tal factualidade que o próprio impugnante alega.
As dúvidas que o impugnante suscita sobre a data de emissão da letra são, para nós, à partida irrelevantes pois não é a data de emissão que está em causa como fator potenciador da exigência do crédito por «E…»; o que determina essa exigência é a data de vencimento e quanto a essa não é suscitada qualquer questão na impugnação.
Mesmo a existência de uma emenda, rasura na letra, no sentido de existir para permitir a sua cobrança em virtude da entrada em circulação do EURO é irrelevante, como se refere na decisão recorrida (no fundo, haveria que converter a quantia expressa em escudos para euros, conforme artigo 3.º, do Regulamento (CE) n.º 1103/97, do Conselho, de 17/06/1997[4], operando-se a conversão em euros de harmonia com a taxa de conversão fixada no artigo 14.º, do Regulamento (CE) n.º 974/98, do Conselho, de 03/05/1998.[5]
Acresce que o impugnante, se pretende suscitar dúvidas sobre a matéria, tem de atender que, referindo que não sabe o que sucede em relação a determinada situação na qual teve intervenção, esse alegado desconhecimento equivale a confessar o facto alegado – artigo 574.º, n.º 3, do C. P. C. -.
Ora, alegar que se tem dúvidas que a letra em questão possa estar relacionada com a dívida em questão por eventualmente existirem outros contratos, não especificando afinal a que se dívida se reporta a letra, não é uma impugnação que permita considerar-se o facto controvertido.
Se o impugnante quer alegar que a letra não corresponde à sua dívida ora reclamada contra si, não lhe basta alegar que tem dúvidas que o seja e que há outros contratos (e porventura outras dívidas) para que a matéria fique controvertida; tratando-se de negócios em que teve intervenção e que, por isso, tem de ter conhecimento, o simples desconhecimento equivale a confessar o que o credor alega, como já referimos.
Assim, no caso concreto, porque o impugnante admite, expressa ou através do artigo 574.º, n.º 3, do C. P. C., a emissão da letra e qual dívida a que se reporta, não vemos que haja qualquer erro de julgamento.
No que respeita aos alegados «vícios» da autorização para preenchimento - «documento tem aposto como data 11.06.2001, sendo o reconhecimento de assinaturas de 26.06.2001, e refere ao abrigo do presente contrato mas sem definir qual» - artigo 34.º da impugnação -, não se alega qual será o vício; o reconhecimento é efetuado quinze dias depois da assinatura, não se vislumbrando qual a irregularidade que possa existir já que não existe um prazo para se efetuar o reconhecimento tendo por base a data do documento.
E a questão de não se definir o contrato, mais uma vez, se o impugnante entende que pode a autorização não se referir ao contrato e instrumento cambiário em causa, terá que mencionar mais do que dúvidas, referindo qual seria o contrato e instrumento em causa.
Não o fez, pelo que ocorre a confissão do facto de que a autorização se menciona ao preenchimento da letra em questão, nos termos já acima referidos.
No que respeita ao valor da letra, como já mencionamos, o impugnante/recorrente não suscita a questão do abatimento do valor da caução no recurso como meio de alterar a factualidade assente, pelo que não podemos apreciar essa problemática.
O que o recorrente faz é alegar, no recurso, nova matéria para se dever, na sua opinião, alterar o valor da letra, a saber:
«com efeito, resulta do documento 7, junto com a resposta apresentada pela credora reclamante, à impugnação da lista de créditos reconhecidos pelo Sr. AI, que esta resolveu em 06.10.2003 o contrato de utilização da loja sita no CC do …. Logo, o valor constante do doc. 4 relativa ao mês de outubro está incorreto, porque relativo à totalidade do mês, e bem assim, o valor constante do doc. 5, já que não é devido, pois que em Novembro de 2003, já não se encontrava a sociedade H… a exercer qualquer actividade na loja do ….».
Mas o impugnante não alegou esta factualidade na impugnação, pelo que não o pode fazer agora no recurso, como matéria nova que assim não pode ser valorada e apreciada. Tinha de a ter suscitado nos autos em sede de primeira instância e depois recorrer da decisão que tivesse recaído sobre essa matéria, sob pena de se estar a apreciar uma «questão nova» o que não é permitido num recurso – Ac. R. G. de 08/11/2018, processo n.º 212/16.5T8PTL.G1, www.dgsi.pt -.
Assim, não existe nenhum motivo que permita alterar a factualidade em causa.
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D3). Créditos da Fazenda Nacional.
D3a). Obrigações fiscais.
A primeira (e maioria) parte do recurso sobre estes créditos reporta-se à necessidade de o tribunal apreciar e julgar as oposições fiscais apensas ao processo de insolvência, assim se decidindo as questões aí suscitadas.
Já referimos que não é assim que deve suceder; a suspensão das execuções fiscais significa que não podem ser apreciadas nem julgadas por causa da declaração de insolvência.
A matéria que aí tiver sido alegada, se o interessado/insolvente entender, tem de ser alegada na respetiva impugnação aos créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência para poder ser atendida na insolvência – Ac. R. L. de 03/03/2018, processo n.º 28336/15.9T8SNT-B.L1-1, www.dgsi.pt -.
Note-se que é nosso entendimento que o recorrente poderia criar nos autos a necessidade de se apreciar se a reversão que a entidade fiscal decidiu operar podia ser efetivamente operada, bastando que alegasse os fundamentos para que não existisse reversão (por exemplo, os que alegou em sede de oposição fiscal). Na verdade, ainda não tendo sido decidida a oposição na execução fiscal e, consequentemente, os respetivos fundamentos que poderiam impedir a reversão, esta ainda não estava consolidada pelo que se poderia apreciar, na insolvência, se o crédito existia por força da reversão (podendo o tribunal fazê-lo ao abrigo do artigo 151.º, n.º 2, do C. P. P. T.).
Mas para tal, tinha o insolvente que alegar na respetiva impugnação essa factualidade, sendo o processo de insolvência auto-suficiente para decidir todas as questões (incluindo a reclamação de créditos mesmo que já tenham sido peticionados noutra sede e, naturalmente, a oposição a esses créditos reclamados).
Não tendo produzido tal alegação, não pode o tribunal apreciar a factualidade respeitante à reversão das dívidas fiscais.[6]
Deste modo, esta alegação não obtém procedimento.
*
A outra parte da alegação do recurso respeita à prescrição das dívidas vencidas até ao ano de 2009 e, em específico, à situação de o tribunal recorrido ter entendido que a dedução de oposição às execuções fiscais suspendia o prazo de prescrição.
Na visão do recorrente, só a oposição que legalmente possa suspender a execução (por exemplo, com prestação de garantias) é que pode suspender o prazo de prescrição.
Vejamos então, desde já, se assim é.
O artigo 49.º, da Lei Geral Tributária (L. G. T.), na sua redação inicial, dispunha que:
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.
A Lei n.º 100/99, de 26/07, acrescentou ao n.º 1, como causa de interrupção da prescrição, a citação.
Com a Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, este artigo passou a ter a seguinte redação:
1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - (Revogado)
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
A revogação do n.º 2 aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo – artigo 91.º, da citada Lei – a qual entrou em vigor em 01/01/2007 – artigo 163.º -.
A redação atual, no que respeita ao caso do presente recurso, mantém-se com igual conteúdo, tendo sido desdobrado o n.º 4, integrando-se agora a situação da dedução de impugnação na alínea b).
Assim, inicialmente a prescrição interrompia-se com a apresentação da impugnação mas se o processo estivesse parado por mais de um ano sem responsabilidade do devedor do imposto, cessava o efeito da interrupção e, nesse caso, contabilizava-se o tempo de prescrição do seguinte modo:
somava-se o tempo decorrido até à data da autuação do processo ao tempo de paragem do processo ao fim de um ano.
Mas se o sujeito passivo deduzia impugnação, havendo paragem do processo, então não só o prazo de prescrição estava interrompido como se suspendia – n.º 3, do referido artigo 49.º -.
Com a alteração acima referida, temos que:
a interrupção da prescrição ocorre (no que aqui releva) com a citação no processo;
foi suprimida a cessação do efeito interruptivo prevista no n.º 2;
a suspensão da prescrição ocorre quando haja reclamação e dura enquanto não houver decisão final, referindo-se que tal sucede quando a atuação do sujeito passivo determine a suspensão da cobrança da dívida.
É esta última parte que suscita dúvidas sendo que entendemos que só se a reclamação puder suspender a execução da dívida é que o prazo de prescrição está suspenso.
Mas sobre esta problemática, temos o Ac. do S. T. A. de 10/05/2017, processo n.º 0452/17 (www.dgsi.pt) onde se menciona, também citando doutrina, que:
«o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo;
os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida.
Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3.
Ou seja, a causa de interrupção da prescrição (a instauração da impugnação judicial) teve (a par do efeito instantâneo, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido) o efeito duradouro, de obstar a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respectivo processo. E, para que se mantenha o efeito duradouro do facto interruptivo não é necessária a prestação de qualquer garantia (ou a dispensa da prestação da mesma) nem que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos» (nosso sublinhado).
Há outras decisões em que se afigura que se pondera que a suspensão da prescrição estará sempre subordinada à circunstância de a impugnação ter efeito suspensivo sobre a execução – Ac. do S. T. A. de 08/05/2013, processo n.º 0629/13, www.dgsi.pt-.
A nossa visão corresponde àquela que é maioritariamente assumida no Supremo Tribunal Administrativo e que entende que, citado o sujeito passivo para a execução, o efeito interruptivo da prescrição operado ela citação se mantém até ao final do processo.
Entende-se que, tendo a disposição tributária que regulava os efeitos da prescrição sido revogada (o n.º 2, do artigo 49.º, da L. G. T.), atualmente não se descortina, pela mesma lei, se os efeitos interruptivos da citação são duradouros (durante um período de tempo a prescrição não corre) ou instantâneos (após o evento interruptivo, o prazo volta a correr de novo).
Estão previstas causas de suspensão mas não se define se, ocorrendo citação do sujeito passivo, o prazo de prescrição volta a correr de novo e quando.
E isso deve-se a que o n.º 3, da nova redação do citado artigo 49.º, determina que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e, verificando-se esta primeira causa interruptiva com a citação, já não volta a correr até ao final do processo.
A suspensão da prescrição, condicionada à prestação de garantia (ou deferimento da dispensa da sua prestação) está reservada para as outras causas de interrupção que se sigam à primeira (pagamento em prestações, reclamação, impugnação, recurso ou oposição).
E assim, não prevendo a lei tributária quais os efeitos que tem a citação do sujeito passivo quanto ao prazo de prescrição, aplica-se o regime do artigo 327.º, n.º 1, do C. C. que determina que o prazo não volta a correr após a citação enquanto não transitar em julgado a decisão que põe termo ao processo.
Se o sujeito passivo toma conhecimento, através da citação, que pende contra si o pedido de pagamento de um seu débito, conhecimento esse prestado com todas as garantias, não tem sentido permitir que ainda beneficie do mero decurso do tempo para se poder extinguir esse débito. Terá o devedor que exercer no processo a sua defesa para se poder libertar desse pagamento, ficando ciente que o prazo de prescrição com que eventualmente contava foi interrompido.
E assim, uma vez citado o sujeito passivo, se o prazo de prescrição ainda não tinha ocorrido, interrompe-se o mesmo, regressando ao início e não se reinicia a sua contagem até à decisão final.[7]
Os argumentos que são aduzidos de que não faria sentido o legislador tributário regular causas de suspensão quando com a citação já estava definido o que sucedia com tal contagem, sendo desnecessário regular a sua suspensão, sendo impressivos[8], para nós esbarram na efetiva possibilidade não só de não ocorrer citação e o processo avançar (artigos 193.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, a), do C. P. P. T.) como também com a circunstância de nem toda a citação efetuada ter efeito interruptivo (por exemplo, a citação por via postal simples, prevista no artigo 191.º, n.º 1, do mesmo diploma, conforme se menciona no Ac. do mesmo S. T. A. de 11/10/2017, processo n.º 0203/17, no mesmo sítio).
Assim, para nós, citado o sujeito passivo, não mais corria o prazo de prescrição até decisão final; no caso concreto, acresce o disposto no artigo 100.º, do C. I. R. E. que determina a suspensão de todos prazos de prescrição até ao fim do processo de insolvência com a sentença de declaração de insolvência (como se refere na decisão recorrida, aplicável ao caso por o devedor subsidiário, por reversão, ser ele próprio o insolvente).
Mas, não correndo o prazo de prescrição até decisão final no processo executivo fiscal e estando esta suspensa com a declaração de insolvência do executado (artigo 88.º, n.º 1, do C. I. R. E.)[9], a decisão final na execução «só» surgirá quando o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d), do n.º 1, do artigo 230.º do mesmo diploma.
Não havendo notícia, nos factos em causa, que tenha ocorrido esse encerramento, o prazo de prescrição interrompido com a citação nos processos fiscais não mais voltou a correr sendo que sempre se teria de atender à suspensão advinda do citado artigo 100.º, do C. I. R. E. se aquela interpretação não fosse de sufragar.
No caso concreto, não existem situações (fora uma possível, que infra se analisará), elencadas na sentença em que, quando o sujeito passivo foi citado, já tivesse decorrido o prazo de prescrição (nem o recorrente o alega, em qualquer momento).
As citações (sabendo-se que só estão em causa as dívidas vencidas até 2009), têm data de ocorrência que se situam entre 10/06/2008 e 13/03/2012 pelo que, quando a citação ocorre, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de oito anos, produzindo assim efeitos interruptivos.
No que se reporta aos créditos mencionados no artigo 9.º, da reclamação do M.º P.º, o crédito mais antigo sobre o insolvente respeita a agosto de 2003 pelo que, datando a sentença de declaração de insolvência de 13/06/2014 (conforme se menciona na decisão sob recurso, o que não suscita qualquer divergência), poderia estar em causa a prescrição pelo decurso do prazo de oito anos, situação que também podia ocorrer quanto a todos os outros créditos referidos neste ponto, sendo necessário saber se ocorreu alguma interrupção do prazo de prescrição.
Ora, na sentença menciona-se que a execução quanto a estes créditos foi intentada em 2005 (o que não é questionado no recurso) mas não se menciona se houve citação e quando, sendo certo que se não houver nenhuma causa interruptiva, os oitos anos de prescrição podem ter ocorrido em relação a parte desses créditos.
Sucede que, além de não ser questionado nos autos que o insolvente tenha sido citado, para nós, mesmo não se sabendo quando foi citado o insolvente, ao abrigo do artigo 323.º, n.º 2, do C. C., tem-se a prescrição interrompida com a citação ficta efetuada ao fim de cinco dias. Ou seja, no máximo, tendo a execução sido interposta em 31/12/2005, tendo em atenção o período de férias judiciais de Natal, temos que a citação sempre se teria por realizada, para efeitos de interrupção da prescrição, em 09/01/2006, para não voltar a corre até decisão final.[10]
Deste modo, mesmo em relação a tais créditos, por a citação ter de se considerar como ocorrendo ainda dentro do prazo da prescrição, este está ainda interrompido.
Improcede esta argumentação.
*
D3b). Coimas.
O recorrente alega que todas as coimas aplicadas até 2009 estão prescritas, certamente tendo em atenção que, tendo a sentença de declaração de insolvência sido proferida em 13/06/2014, com a decisão definitiva de aplicação da coima ocorrendo até 12/06/2009, decorriam os cinco anos previstos no artigo 34.º, do R. G. I. T. - as sanções por contra-ordenação tributária prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data da sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e de suspensão previstas na lei geral -.
O tribunal recorrido entendeu que não estavam, do que percebemos, devido a:
ter sido intentada execução fiscal;
ter sido apresentada oposição;
o artigo 100.º, do C. I. R. E., impedir a prescrição.
Vejamos então.
Em termos sucintos diremos, em primeiro lugar, que às contra-ordenações tributárias aplicam-se subsidiariamente as regras do regime geral do ilícito de mera ordenação social – artigo 3.º, b), do R. G. I. T. -.
Em termos de prescrição, as causas de suspensão e interrupção são as previstas no indicado regime geral, conforme citado artigo 34.º, do R. G. I. T..
Nesse regime geral - Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 -, estabelece-se que:
artigo 30.º - suspensão da prescrição da coima:
a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que a) por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar; b) a execução foi interrompida; c) foram concedidas facilidades de pagamento.
artigo 30.º-A - interrupção da prescrição da coima:
a prescrição da coima interrompe-se com a sua execução (n.º 1); a prescrição da coima ocorre quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Ora, tal como acaba por ser alegado pelo M.º P.º na resposta à impugnação, o único impedimento à prescrição de coimas aplicadas há mais de cinco anos, por referência à data de declaração de insolvência, que está em cima da mesa é o de ter havido execução da mesma coima – artigo 30.º-A, n.º 1 acima citado, como causa de interrupção -.
Sucede que a execução coerciva de pagamento do valor da coima, não é entendido como uma execução da coima. Na verdade, essa questão acaba por já estar, na nossa opinião, sedimentada com a prolação do Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 08/03/2012, D. R. 3/2012, Série I de 2012/04/12, com o seguinte teor: «A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respetivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.».
Apesar de o Acórdão versar sobre a pena de multa criminal, atento o regime de subsidiariedade que o regime contra-ordenacional prescreve (artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27/10 - em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita ao regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal -), aquele entendimento uniformizador deve ser transposto para o regime contra-ordenacional que aliás é igual nesta parte em causa – interrupção da prescrição com instauração da execução -.[11]
No fundo, entende-se que só quando há um início de cumprimento da coima é que se pode ter em atenção que a prescrição não deve correr; caso contrário, está apenas em causa o desenvolvimento de uma atividade processual que não deve causar aquele efeito.
Deste modo, e não estando alegado nem mencionada qualquer outra causa de suspensão ou interrupção da prescrição, concluindo-se que a execução (e qualquer oposição que aí tenha sido deduzida) não tem efeito interruptivo, então efetivamente todas as coimas vencidas (é a data de que se dispõe, presumindo-se que se trata da data da sua aplicação - em que se torna definitiva -) até 12/06/2009 estão prescritas por terem decorrido cinco anos até à declaração de insolvência.
Assim, mesmo podendo estar em causa uma dívida por reversão, o prazo continua a ser de cinco anos, nada constando do processo que possa alterar a sua contagem, pelo que se consideram prescritas as coimas vencidas até 12/06/2009, ou seja, quanto às reclamadas pelo M.º P.º:
todas relativamente a Q…, Lda. e F…, Lda.;
as vencidas até 21/05/2009 quanto a S…, processo n.º 1821200901093916, inclusive;
as vencidas até 24/05/2009, processo 3387200901041363, inclusive, mencionadas no artigo 14.º, da reclamação.
Procede assim parcialmente esta argumentação do recorrente.
*
D4). Crédito de C…, S. A.
A). A primeira questão que é suscitada é a de possibilidade de apreciação da prescrição que foi alegada pelo impugnante/insolvente.
E tal deve-se a que, tendo havido duas decisões de declaração de insolvência (uma em 2012 e outra em 2014), o certo é que a segunda é que tem valor pois ocorreu a revogação da primeira tendo sido proferido aquela outra decisão.
Mas como foram proferidas essas duas decisões, houve credores que reclamaram logo em 2012 os seus créditos e depois em 2014 voltaram a apresentar outra reclamação, que foi o que sucedeu com o C…, S. A..
Ora, tendo o tribunal detetado que a impugnação do insolvente versava a primeira reclamação, determinou que fosse junta a segunda e que se aguardasse pela sua impugnação (despacho de 25/01/2021).
Apesar de o tribunal ter denominado essa segunda reclamação de retificação da primeira, o certo é que, para nós, não o é, sendo nada mais do que a reclamação que tem vigência no processo por derivar da efetiva sentença de declaração de insolvência.
Tendo a questão sido suscitada, então o que se tem de efetivar é a real oposição a tal reclamação, o que tribunal corretamente fez não só ao aguardar pela possível impugnação desses créditos indicados na segunda reclamação como pela aceitação do respetivo articulado do impugnante como já referimos.
Se o impugnante nada dissesse sobre o crédito, ter-se-ia de entender que não tinha havido impugnação a não ser que algo em contrário resultasse da própria parte (remetia para o anteriormente referido, por exemplo, como em parte fez).
Se o impugnante alegasse menos do que tinha antes alegado (em relação à primeira reclamação), era esse menos que constituía a sua impugnação.
Mas se alega mais, então tudo o que alega quanto à reclamação vigente tem de ser apreciado pois é este o efetivo exercício de contraditório por ter como base a efetiva reclamação de créditos.
Assim, a exceção de prescrição podia ser apreciada pelo tribunal, como acabou por ser.
B). Da prescrição.
B1). Do contrato de abertura de crédito de prazo fixo disponibilizado em conta crédito.
O recorrente não questiona que celebrou o contrato, em 01/11/2003, como resultou assente nem que não reembolsou esse mútuo a partir da prestação vencida em 24/01/2005, tal como alegado.
Também não questiona o recorrente que foi interposta execução contra si tendo por base essa falta de pagamento – execução 650/05.9TBESP -.
O que questiona é que o prazo de prescrição não pode ser aquele que o tribunal considerou (ordinário) mas antes o de cinco anos, previsto no artigo 310.º, e), do C. C..
Concordamos que o prazo a aplicar neste caso é o de cinco anos. Estando em causa o pagamento de um mútuo (ainda que sob a forma de abertura de crédito) em prestações (cláusula 5.ª do contrato), sendo acionado o pagamento da totalidade do crédito em 2005 e não só das prestações vencidas, através de execução, pensamos que o exequente/credor C… usou da faculdade prevista no artigo 781.º, do C. C. (com a falta de cumprimento de uma prestação, todas as restantes ficaram vencidas). Daí que tenha pedido todo o valor que estava em dívida, abrangendo as que só se venceriam depois de maio de 2005 até julho de 2006.
Mas se em relação a cada quota de amortização e juros se aplica o prazo de cinco anos como consta do citado artigo 310.º, e), do C. C., a questão que se coloca é saber se, sendo a dívida exigida na totalidade, se deve ser esse o prazo a aplicar. Ora, na nossa opinião, assim se deve manter pois o crédito é concedido com a possibilidade de um pagamento fracionado e, seja porque se poderia deixar prolongar no tempo a exigência do pagamento de várias prestações seja porque o crédito agora se considera totalmente vencido, não se deve confrontar o devedor com o pagamento súbito de toda uma quantia dentro de um prazo amplo como seria o de vinte anos previsto no artigo 309.º, do C. C. o que iria permitir uma grande acumulação de juros.
Se se permitisse não só o pagamento da totalidade da quantia mas também que o credor o pudesse fazer em vinte anos, a finalidade que o legislador pretendeu com a fixação do prazo curto de cinco anos seria postergada o que, na nossa visão, não deve suceder sob pena de colocar o devedor numa situação muito difícil.
Sendo o prazo de prescrição de cinco anos, com o pagamento total exigido em 2005 através de execução, mesmo não sabendo a data em que ocorreu a efetiva citação, não estando questionado em relação a esta mesma execução 650/05.9TBESP que ocorreu, ao abrigo do disposto no já referido artigo 323.º, n.º 2, do C. C. sempre se teria de considerar que ocorria ao fim de cinco dias da entrada em juízo do mesmo processo.
É certo que não se sabe quando deu entrada a execução mas, lendo o teor do requerimento executivo, verifica-se que é elaborado tendo por referência a data de 01/04/2005 (artigo 7.º); no entanto, continua a não se ter a data inicial de entrada em juízo da execução que servia como referência para a contagem dos cinco dias.
Ora, o que se pode concluir de modo seguro é que em 31/12/2005 o insolvente tinha sido citado para essa execução pois em dezembro de 2005 (mais uma vez se desconhece a data concreta) celebrou acordo de pagamento ao credor incluindo esta dívida – facto assente 12 -.
Assim, pelo menos em 31/12/2015 ocorre seguramente a interrupção do prazo de prescrição com a citação, nos termos do citado artigo 323.º, nºs. 1 e 2, do C. C.. Ocorresse esta interrupção em abril, maio ou setembro de 2005, a conclusão era a mesma pois o prazo de cinco anos de prescrição do crédito em relação a cada uma das prestações em dívida (isto antes de ser pedido o pagamento total através da execução) também não tinha decorrido (prestações vencidas em 2005 e ainda não vencidas de 2006).
Interrompido assim o prazo de prescrição, ele só volta a correr quando transitar a decisão que puser termo ao processo – artigo 327.º, n.º 1, do C. C. -, sendo que não consta qualquer factualidade assente (nem foi alegada) de onde se possa retirar a extinção da respetiva execução a qual se tem de entender como estando suspensa ao abrigo do artigo 88.º, n.º 1, do C. I. R. E..
Assim, o prazo de prescrição de cinco anos interrompeu-se em 31/12/2005 e não corre desde então, pelo que não ocorre a prescrição deste crédito.
Improcede a argumentação do recorrente nesta parte.
*
Quando aos restantes créditos, não foi alegada qualquer questão relativamente aos contratos que sustentam a emissão das livranças sendo que, como já acima referimos, não pode o insolvente só impugnar os créditos que lhe são peticionados suscitando dúvidas pois sendo executado é porque teve intervenção de algum modo nos negócios e tem de ter conhecimento do seu andamento. Daí que, alegando desconhecimento do que possa estar em dívida, esse desconhecimento equivale a confissão do alegado pelo credor – artigo 574.º, n.º 3, do C. P. C. -.
Tinha o impugnante de alegar que os valores alegados pelo credor não estão corretos e o motivo para se indagar em julgamento qual o valor em causa e não apenas suscitar dúvidas sobre se os valores estavam corretos.
No que concerne à prescrição, está em causa a ação (execução) cambiária de livranças, sendo o prazo aplicável o de três anos – artigos 32.º, 70.º e 77.º, da L. U. L. L. -.
Ora, vencendo-se as três livranças ainda vigentes em 24/01/2005 e tendo as execuções referentes às mesmas sido intentadas em 2005 e 2006, pelo menos com a citação que ocorreu em 31/12/2005 (atento o acordo de pagamento que as abrangeu) e 09/01/2007 (se a execução tiver dado entrada no período de férias judiciais de natal de 2006, então só pode contabilizar-se o prazo de cinco dias do artigo 323.º, n.º 2, do C. C. a partir do seu fim das mesmas férias, a saber, 04/01/2007, ou seja, 09/01/2007; note-se que o impugnante expressamente alegou no artigo 75.º, da impugnação que foi citado).
Nessas duas datas – 31/12/2005 e 09/01/2007 – interrompeu-se o prazo de prescrição de três anos que ainda não tinha decorrido e não mais voltou a correr face ao disposto no artigo 327.º, n.º 1, do C. C. pois não há notícia de que as execuções tinham atingido o seu termo antes da declaração de insolvência.
Deste modo, improcede esta argumentação.
*
Não são suscitadas quaisquer outras questões no recurso, nomeadamente sobre a prova do pagamento parcial ou qualquer outra, pelo que se conclui pela procedência parcial do recurso nos termos acima expostos.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência decide-se:
1). Julgar prescritas as seguintes coimas reclamadas pelo M.º P.º no artigo 9.º, da respetiva reclamação:
todas relativamente a Q…, Lda. e F…, Lda.;
as vencidas até 21/05/2009 quanto a S…, Lda., processo n.º 1821200901093916, inclusive;
as vencidas até 24/05/2009, processo 3387200901041363, inclusive, mencionadas no artigo 14.º, da reclamação.
2). Manter a parte restante da decisão.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique.

Porto, 9 de Setembro de 2021.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Deolinda Varão.
______________
[1] No sentido de não deverem ser elencados factos não provados no saneador-sentença, Ac. da R. L. de 03/12/2020, processo n.º 4711/18.6T8LRS-A.L1-2, ainda que este mencione que os factos não provados podem resultar por inferência ou ilação dos provados e da mesma Relação, de 06/06/2019, processo n.º 21172/16.7T8LSB.L1-2, salientando-se aqui a relevância dos factos que se elencam, ambos em www.dgsi.pt.
[2] Veja-se Ac. da R. L. de 03/12/2015, processo n.º 442-14.4TYLSB-A.L1-8, www.dgsi.pt.
[3] Ac. R. C. de 14/12/2020, processo n.º 4161/18.4T8PBL-A.C1, www.dgsi.pt.
[4] A introdução do euro não tem por efeito alterar qualquer termo previsto num instrumento jurídico, nem eximir ou dispensar da execução de qualquer obrigação decorrente de um instrumento jurídico, nem proporcionar a uma parte o direito de unilateralmente modificar ou pôr termo a esse instrumento jurídico. O presente artigo é aplicável sob reserva do que tiver sido acordado entre as partes.
[5] As referências às unidades monetárias nacionais em instrumentos jurídicos existentes no final do período de transição são consideradas referências à unidade euro, aplicando-se as respectivas taxas de conversão. As regras de arredondamento estabelecidas no Regulamento (CE) n.º 1103/97 são aplicáveis.
[6] Sobre esta questão, vejam-se Acs. da R. C. de 23/09/2014, processo n.º 1982/12.5TBMGR-B.C1, R. L. de 13/03/2018, processo n.º 28336/15.9T8SNT-B.L1-1, ambos em www.dgsi.pt e onde foi impugnado o crédito na insolvência.
[7] Sobre esta problemática, defendendo uma posição contrária à nossa, «Prescrição da Prestação tributária; execução Fiscal, suspensão e declaração em falhas», Tomás Cantista Tavares, https://portal.oa.pt/media/132108/tomas-cantista-tavares.pdf.
[8] Por exemplo, voto de vencido constante do Ac. S. T. A. 13/03/2019, processo n.º 01437/18.4BELRS, www.dgsi.pt
[9] Redação da Lei n.º 16/2012, de 20/04 que esclareceu a dúvida sobre se as execuções se extinguiam com a declaração de insolvência.
[10] Veja-se Ac. do S. T. A. de 18/11/2020, processo n.º 02045/11.6BEPRT, www.dgsi.pt.
[11] Ac. R. P. de 14/04/2021, processo n.º 300/19.6Y9PRT-B.P1, www.dgsi.pt.