Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
822/17.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS EM PARTE COMUM
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RP20171127822/17.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 11/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 663, FLS 495-502)
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 1437.º do Código Civil não se reporta à legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, mas apenas à legitimatio ad processum, daí decorrendo que a representação do condomínio em juízo (parte na ação por força da extensão da personalidade judiciária prevista no art.º 12/e) do CPC) incumbe ao respetivo administrador.
II - Numa ação intentada por condóminos, em que é pedida a condenação na realização de obras de restauro e impermeabilização do terraço dum prédio urbano em regime de propriedade horizontal, e no pagamento de uma quantia indemnizatória, deverá ser demandado o condomínio, a citar na pessoa do seu administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 822/17.3T8VFR.P1

Sumário do acórdão:
I. O artigo 1437.º do Código Civil não se reporta à legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, mas apenas à legitimatio ad processum, daí decorrendo que a representação do condomínio em juízo (parte na ação por força da extensão da personalidade judiciária prevista no art.º 12/e) do CPC) incumbe ao respetivo administrador.
II. Numa ação intentada por condóminos, em que é pedida a condenação na realização de obras de restauro e impermeabilização do terraço dum prédio urbano em regime de propriedade horizontal, e no pagamento de uma quantia indemnizatória, deverá ser demandado o condomínio, a citar na pessoa do seu administrador.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 9.03.2017 B... e C... intentaram no Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira (Juiz 2), do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro ação declarativa de condenação contra D..., Lda., formulando os seguintes pedidos:
«Ser a Ré condenada a realizar as indispensáveis obras de restauro e impermeabilização do terraço que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., n.º ...., Freguesia ..., Concelho de Santa Maria da Feira; descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º 82/19851211.
De igual modo,
Deverá Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 1.080,00, (a que acresce IVA à taxa legal em vigor), correspondente ao custo das obras de restauro a efectuar no imóvel – fracção “D”, a que acresce o valor respeitante aos lucros cessantes, a ser fixado equitativamente pelo Tribunal, em sede de Sentença».
Como fundamento da sua pretensão, alegam, em síntese os autores, que na sua fração ocorrem humidades e infiltrações com origem numa parte comum do condomínio.
Citada, a ré, em síntese, veio invocar a sua ilegitimidade passiva por ter sido demandada a título pessoal quando a ação deveria ter intentada contra o condomínio.
Os autores responderam invocando o disposto no art.º 1437.º, n.º 2, do CC, e reafirmando que a ré é parte legítima.
Em 5.06.2017 foi proferida sentença com o seguinte teor:
«Cumpre apreciar e decidir.
Independentemente do que é mencionado na petição inicial, na sentença o tribunal não vai alterar as partes que constam no processo nem o respectivo pedido. E a petição inicial é inequívoca: a acção foi intentada contra uma sociedade comercial (sem nenhuma ressalva) e caso os pedidos procedam, forma-se título executivo contra aquela, respondendo o património daquela sociedade perante os autores (pois não foi feita nenhuma ressalva).
Ora, isto não é admissível, pois confunde patrimónios autónomos. É certo que, como alegam os autores, o art. 1437.º, n.º 2, do CC, estabelece que o administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (excepção prevista no n.º 3 e que aqui não é aplicável: exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador).
No entanto, apesar da jurisprudência citada pelos autores, e salvo o devido respeito, esta norma tem de ser devidamente interpretada, desde logo com o art. 12.º, e), do CPC: tem ainda personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Deste modo, estas duas normas, devidamente conjugadas, dispensam os autores de intentarem acções contra todos os condóminos, podendo demandar o condomínio (o qual não possui personalidade jurídica) quando as acções respeitem aos poderes do administrador, isto é, quando respeitem às acções previstas no art. 1437.º, n.º 2, do CC, pelo que, nesta situação, os autores demandam directamente o condomínio na pessoa do seu representante legal: o administrador do condomínio, sendo que nessa situação, não será o património do administrador que responde pelo não cumprimento de uma eventual sentença condenatória, mas sim o património do condomínio.
Como se argumenta no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 586/11.4TBACB-A.C1, de 27-01-2015 (Sumário: Numa ação em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das paredes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fração e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio. O Administrador desse Condomínio, na sua própria pessoa, é parte ilegítima e intervirá na ação apenas enquanto representante legal do Condomínio), são os condóminos, no seu conjunto e na proporção das respetivas quotas, os titulares dos direitos ou das obrigações, dos créditos ou dos débitos emergentes de responsabilidade civil quanto às partes comuns do prédio. […]
Por fim, cite-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07B1875, de 04-10-2007: o art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. […].
Como se disse, a acção foi intentada contra uma sociedade comercial (sem nenhuma ressalva), pelo que a condenação teria de proceder contra aquela sociedade comercial, quando, a nosso ver, a acção deveria ter sido intentada contra o condomínio, devidamente representado pelo seu administrador. Como se viu, os autores consideram que acção foi devidamente instaurada. Além disso, a nosso ver, não estamos perante um caso de aperfeiçoamento da petição inicial já que somente o condomínio tem legitimidade para ser parte neste processo e não a administradora a título pessoal. Senão vejamos:
O art. 260.º, do NCPC, consagra o princípio da estabilidade da instância. Segundo este normativo, depois de citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
As modificações subjectivas da instância são permitidas em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros – art. 262.º, b), do NCPC.
A intervenção principal pode ser espontânea e provocada. Quanto à intervenção provocada vigora o art. 316.º, do NCPC, que estabelece que qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. Quem faz o chamamento fica incumbido de alegar a causa do chamamento e justificar o interesse que, através dele, pretende acautelar.
Como se sabe, qualquer das partes pode provocar tanto a intervenção principal activa, como a passiva, ou seja, quer a das pessoas que, nos termos do art. 311.º, do NCPC, podiam intervir espontaneamente ao lado do autor, quer a daquelas que, ao abrigo do mesmo preceito, se podiam colocar ao lado do réu. Pode provocar tanto a intervenção principal dessas pessoas em litisconsórcio com o autor ou com o réu, como a intervenção delas em coligação com o autor.
Assim, a intervenção provocada não se distingue, do ponto de vista substancial, da intervenção espontânea pois ambas têm por objecto permitir, em demanda pendente, o litisconsórcio ou a coligação de um terceiro com alguma das partes da mesma demanda.
Há, pois, intervenção principal em litisconsórcio e intervenção principal em coligação.
Quanto ao litisconsórcio, devemos estar perante dois ou mais sujeitos activos ou passivos da mesma relação jurídica controvertida desde que o pedido seja o mesmo relativamente a todos eles. No litisconsórcio há pluralidade de partes mas unicidade da relação material controvertida.
Já na coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes (nas palavras de CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II, 1987, AAFDL, p. 174, há litisconsórcio quando há pluralidade de partes e unidade quanto a certo ponto; há coligação quando há pluralidade de partes e pluralidade quanto ao mesmo ponto, defendendo que o critério de distinção é a unidade ou pluralidade de pedidos, isto é, unidade ou pluralidade quanto ao objecto do processo).
Em resumo, e nas palavras de EURICO LOPES-CARDOSO, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3.ª edição, Livraria Petrony, 1999, p. 103, o interveniente faz valer um direito próprio e assume, portanto, a posição de parte principal na causa em que intervém; enquanto o direito do opoente há-de ser incompatível com o do autor, o direito do interveniente há-de ser paralelo ao de alguma das partes da causa em que a intervenção se verifica.
Desta forma, pode concluir-se que o interveniente principal somente pode ser uma de duas coisas: ou co-autor ou co-réu. De tal forma que assim é, que o art. 320.º, do NCPC, determina que, se o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele.
Ora, nada disto ocorre in casu já que a ré não tem legitimidade passiva para ser demandada atenta a causa de pedir. Uma vez que não é parte legítima, à mesma não se pode associar outra parte, neste caso a parte legítima. Em rigor, um despacho ao aperfeiçoamento redundaria numa mera substituição de sujeitos processuais, o que não é processualmente admissível neste caso, o que apenas seria possível nos termos previstos no art. 262.º, a), do NCPC.
Pelo exposto, declaro a ilegitimidade passiva da ré D..., Lda, absolvendo a mesma da instância.
Custas pelos autores.
Valor da acção (art. 315.º, n.º 2, do CPC): €30.001,00.».
Não se conformaram os autores, e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões[1]:
I. O Tribunal “a quo” julgou verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da Ré “D..., Lda.” e, consequentemente absolveu a mesma da instância.
II. No caso sub judice, a questão que se coloca é, então, averiguar se, tendo a acção sido interposta contra a Ré “D..., Lda.”, na qualidade de Administradora do Condomínio do Edifício “...” sito na Av. ..., n.º ...., Freguesia ..., Concelho de Santa Maria da Feira, estamos ou não perante um caso de ilegitimidade passiva.
III. Para tanto, é indispensável proceder à distinção entre a designada legitimidade processual e a legitimidade substantiva.
IV. No que respeita à legitimidade processual a qual fundamenta a Sentença ora recorrida, é a mesma apurada em função do pedido e da causa de pedir (tal como os apresenta o Autor) pois, só em função desses dois elementos é possível averiguar do interesse directo, da utilidade ou prejuízo resultantes da acção.
V. Para tanto, estabelece o artigo 30.º do Código do Processo Civil que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar.
VI. Já o réu, é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
VII. Por outro lado, dispõe o n.º 3 que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
VIII. Com efeito, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.
IX. Logo, a ilegitimidade de qualquer das partes só se verifica quando em juízo se não encontrem os titulares da relação jurídica material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.
X. Segundo Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1963, pág. 83), a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada, correspondendo "grosso modo" ao conceito civilista de poder de disposição: é o poder de dispor do processo, de o conduzir ou gestionar no papel de parte.
XI. Como o poder de dispor da relação jurídica deduzida em juízo cabe, em geral, aos respectivos sujeitos, e só a eles, analogamente se passam as coisas quanto à legitimidade, que é o poder de dispor do processo, cuja sorte vai influir naquela relação.
XII. Assim, o poder de dispor dessa relação por via processual deve competir a quem dela pode dispor por via extraprocessual.
XIII. No caso sub judice temos então que, segundo o n.º 1, do artigo 1430.º, do Código Civil, com a constituição do Condomínio nascem, com caráter obrigatório e necessário, dois órgãos administrativos: a assembleia dos condóminos e o administrador, cujas funções e competências estão absolutamente conexas com a sua vocação de expressão da vontade do grupo condominial que se formou com a constituição da propriedade horizontal.
XIV. Segundo Mota Pinto (“in Direitos Reais, 1970/71”, pág. 284), “O administrador é o órgão executivo. É um órgão de execução, nomeado e exonerado pela Assembleia de Condóminos, a quem tem de prestar contas da sua actividade. Procede, portanto à execução das decisões daquela e à adopção das medidas necessárias à conservação e vida do edifício”.
XV. Embora competindo àqueles dois órgãos, a administração das coisas comuns na propriedade horizontal é preponderantemente exercida por este último.
XVI. De entre as funções que a lei atribui ao administrador, cujo elenco consta do artigo 1436.º (CC), conta-se a de realizar os actos conservatórios dos direitos relativos a bens comuns, a que se alude na alínea f) de tal normativo legal.
XVII. Discutem-se neste pleito, além do mais, questões relativas às partes comuns do prédio que está constituído em propriedade horizontal, cabendo ao condomínio intervir em juízo, devendo o respetivo administrador assegurar a sua representação, como preceitua o artigo 1437.º do Código Civil.
XVIII. Efectivamente, o n.º 1 do mencionado artigo 1437.º (CC) estatui que o Administrador do Condomínio tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer condómino, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela Assembleia.
XIX. O artigo 1437.º (CC) versa assim, sobre uma legitimatio ad processum, ou seja, prescreve sobretudo uma regra de suprimento da incapacidade judiciária do condomínio (cf. Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2002, p. 339), e perante o estabelecido nela, não podemos deixar de considerar que, estando em causa prejuízos emergentes da utilização e manutenção das partes comuns (no caso, o telhado), é ao condomínio que cabe a legitimidade passiva, embora representado pelo administrador.
XX. Assente está, portanto, que é ao condomínio que cabe o interesse em contradizer, devendo ser representado pelo seu administrador, pois que o poder de representação é inerente a este órgão do condomínio.
XXI. Mas, além disso, a ação pode ser intentada diretamente contra este, de harmonia com o disposto no n.º 2, do artigo 1437.º (CC), segundo o qual, “O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício”.
XXII. “Esta disciplina encontra a sua ratio na realização de uma evidente exigência de simplificação nas relações entre o condomínio e terceiros, ou algum dos condóminos que pretenda fazer valer em juízo pretensões respeitantes a bens ou interesses comuns. (…) Por exemplo, o administrador (…) Também é demandado nas acções propostas por condóminos, para obter o ressarcimento de danos causado pelas partes comuns do edifício, como, por exemplo, as infiltrações de água provenientes do terraço de cobertura” (op. cit., pág. 343).
XXIII. Temos então que, o artigo 1437.º (CC) consagra a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, em execução de alguns dos actos previstos no artigo 1436.º
XXIV. Quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação de serviços de interesse comum, além de poder ainda agir em juízo, em representação do grupo de condóminos, quando a assembleia lhe confira autorização para tal.
XXV. Logo, estando em causa factos respeitantes às partes comuns do prédio – como é o caso - cuja vigilância, reparação e gestão cabe à administração do condomínio assiste à mesma legitimidade.
XXVI. Consequentemente, dispõe o administrador de legitimidade passiva legitimidade, tal como consagrada no artigo 1432.º, n.º 2 do Código Civil.
Deste modo,
XXVII. Deverá reconhecer-se ao (à) Administrador (a) o poder de exigir a eliminação dos defeitos ou contestar a acção em que a sua eliminação é pedida por algum Condomínio, nos termos do artigo 1221.º, ex vi artigo 1225.º, n.º 3 do Código Civil.
XXVIII. Sendo que, com a pretendida contestação, o (a) Administrador (a) outra coisa não está a fazer que não seja a defesa das partes comuns do prédio e, desse modo, o interesse de todos os Condóminos.
XXIX. Pelo que, tendo os Autores demandado diretamente a pessoa do administrador do condomínio - no caso, a ré - fizeram-no demandando-a enquanto legal representante, donde será forçoso concluir pela legitimidade – processual – da ora Ré para ser demandada na presente acção.
XXX. Sendo o condomínio o titular da relação jurídico-material controvertida, o certo é que é representado pela sociedade “D..., Lda.” e que, nos termos do n.º 2 do art.º 1437.º do Código Civil, pode esta ser demandada, como administradora daquele.
XXXI. Veja-se neste sentido, a contrario sensu, o douto Acórdão do STJ de 02.02.2006 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf/954), o qual “apenas” afasta a legitimidade passiva do administrador, nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos.
XXXII. No mesmo sentido, veja-se o douto Acórdão do TRP de 01.06.2000 (proc. JTRP00029685 – in www.dgsi.pt), segundo o qual, “Em acção destinada à realização de obras de conservação em parte imperativamente comum de prédio em regime de propriedade horizontal, devem ser demandados ou o administrador, em representação dos condóminos...”.
XXXIII. Em suma, o administrador, enquanto representante do condomínio, tem legitimidade passiva para as acções propostas por um condómino com vista ao ressarcimento de danos causados por partes comuns do edifício (cf. neste sentido, Acórdão do TRP de 02.05.2006 – in www.dgsi.pt). XXXIV. Como tal, em face do disposto no artigo 1437.º do Código Civil e, bem assim, no artigo 30.º do NCPC e tendo em conta a forma como foi delineada a ação, facilmente se conclui que a Ré é efetivamente parte legítima.
Por outro lado,
XXXV. A legitimidade substantiva, tem que ver com a efetividade da tal relação material, interessando já ao mérito da causa.
XXXVI. Seguindo Castro Mendes (in “Direito Processual Civil” Vol. II, FDL, Lisboa, 1974, págs. 176 e 177), estão em causa “condições subjetivas da titularidade do direito”.
XXXVII. Assim, se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa (tal pessoa não tem o direito de anular o contrato; tal pessoa não é credora de perdas e danos; etc. …) e profere uma absolvição do pedido. Estamos em presença da legitimidade em sentido material.
XXXVIII. Saliente-se porém, que é figura diversa daquela a que se referem os artigos 24.º, 26.º, 288.º, 494.º (do Código de Processo Civil de 1961) etc. …, e em que temos vindo falando – aquilo que designaremos sempre por legitimidade “tout court”, a legitimidade processual ou em sentido processual”.
XXXIX. Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, (Acórdão de 02.06.2015, processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1 - in www.dgsi.pt), “É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade.
XL. Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva”.
Ou seja,
XLI. No caso em apreço, apurar se os Autores, enquanto proprietários de fracção autónoma de edifício constituído em propriedade horizontal, têm direito a exigir da Administração do Condomínio a realização de obras em parte comum e, bem assim, o pagamento da quantia de € 1.080,00 (a que acresce IVA à taxa legal em vigor), correspondente ao custo das obras de restauro a efectuar no imóvel, a que acresce o valor respeitante aos lucros cessantes, a ser fixado equitativamente pelo Tribunal, em sede de Sentença.
XLII. Esta questão, a da legitimidade substantiva, no entanto, pertence ao fundo, ao mérito da causa, à discussão sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada na acção (cf. neste sentido, Acórdão do TRL, de 15.12.2009, processo n.º 3150/08.1TVLSB.L1-1 – in www.dgsi.pt).
XLIII. O que, no caso sub judice, não aconteceu. Termos em que,
XLIV. Atento todo o supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo a mesma por decisão que julgue improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva invocada.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente. Assim se fará, como sempre, inteira e sã
JUSTIÇA!
A ré respondeu às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: aferição da legitimidade passiva da ré.

4. Fundamentos de facto
A factualidade relevante é a que consta do relatório que antecede.

5. Fundamentos de direito
Prevê o artigo 12º do Código de Processo Civil, na alínea e), a extensão da personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Como refere o Juiz Conselheiro Carlos Lopes do Rego[2], o legislador consagrou explicitamente a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal, com referências às ações que, nomeadamente, por força do estatuído no artigo 1437.º do Código Civil, se inserem no âmbito dos poderes de administração e da legitimidade do administrador, pelo que esta entidade (condomínio) estará em juízo em representação daquele património autónomo e não em representação pessoal dos diversos condóminos[3].
A disposição legal em apreço remete assim diretamente para o citado artigo 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade” para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436.º que discrimina as diversas funções que competem ao administrador.
Dispõe o artigo 1437.º do Código Civil:
1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.
Em suma, a medida da personalidade judiciária do condomínio coincide com a das funções do administrador, ou seja, as ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas por (ou contra o) condomínio. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio[4].
No que respeita ao específico âmbito da impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, preceitua o n.º 6 do artigo 1433.º do diploma legal citado, que «A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito».
Como se refere no acórdão desta Relação, de 13.02.2017[5], mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio, dado que a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.
Conclui-se no citado aresto que «… quando no nº 6, do artigo 1433º, do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão e de facto parece ter-se tido na mira, uma entidade coletiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador…».
Revertendo à situação em debate nos autos, não restam dúvidas de que a questão se centra na interpretação do n.º 2 do artigo 1437.º do Código Civil, que atrás se transcreveu: «O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício».
Na interpretação da disposição legal citada, ensinava o Professor Castro Mendes[6]: “A legitimidade do administrador a que se refere o art.º 1437.º é uma legitimidade indirecta: a entidade que está em juízo é a associação de condóminos”.
Como lapidarmente refere Rui Pinto Duarte na anotação ao normativo em apreço[7] “Não tendo o administrador interesse pessoal nestas ações, essa legitimidade só pode ser atribuída na qualidade de representante dos condóminos, à semelhança do disposto no n.º 6 do art.º 1433.º, quanto às ações de impugnação das deliberações da assembleia”.
No seu acórdão de 4.10.2007[8], o Supremo Tribunal de Justiça adere à posição doutrinária enunciada, sediando a questão no pressuposto processual da personalidade judiciária (por extensão legal) e na exigência legal de representação dos patrimónios autónomos pelos seus administradores, e sintetizando-a no respetivo sumário que se transcreve parcialmente:
«[…] 4. O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns. […]
8. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.
9. O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata, é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.
10. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício, é o condomínio, sendo relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade. […]».
Regressamos assim à questão recursória, para concluir, salvo todo o respeito devido, que o raciocínio expresso nas conclusões de recurso se alicerça num equívoco: o de que pode ser parte na ação e, nessa medida, titular de legitimidade substantiva, o administrador do condomínio.
Pensamos que o referido equívoco decorre do facto de no caso concreto a administração estar atribuída a uma sociedade comercial (ré).
Se não vejamos.
Nos termos do n.º 4 do artigo 1435.º do Código Civil, «[o] cargo de administrador […] tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro…».
Imaginemos agora que o administrador do condomínio, ao invés de ser uma sociedade comercial que tem por objeto essa atividade, é um dos condóminos.
Na situação ficcionada (absolutamente viável face à lei), faria algum sentido a insistência dos recorrentes na tese de que assistia legitimidade ao administrador do condomínio (um dos condóminos) que, em conformidade, devia ocupar a posição de réu, com legitimidade passiva?
O equívoco em que se alicerça a tese dos recorrentes tem a ver com o facto de esquecerem uma realidade incontornável: é o condomínio que tem personalidade judiciária (por expressa extensão legal); é o condomínio que deve ser demandado; é ao administrador que incumbe a sua representação (n.º 1 do art.º 1437.º do CC).
Como refere Gonçalo Oliveira Magalhães na obra citada (pág. 64 a 66), no artigo 1437.º do Código Civil o legislador não trata da legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, até porque a legitimidade, que consiste no interesse direto em demandar ou em contradizer é um pressuposto processual que só em concreto pode ser determinado. A norma em apreço respeita à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual, dizendo-nos apenas que a representação do condomínio em juízo incumbe ao administrador. Assim sendo, a propositura de ação inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, sem que daí derive qual quer modificação subjetiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa»[9]. Sendo a ação proposta contra o condomínio, este deve ser citado na pessoa do seu administrador, recaindo sobre o autor o ónus de o identificar na petição inicial.
No sentido preconizado decidiu a Relação de Coimbra, em acórdão de 27.01.2015[10]:
«I – Numa ação em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das paredes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fração e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio.
II - O Administrador desse Condomínio, na sua própria pessoa, é parte ilegítima e intervirá na ação apenas enquanto representante legal do Condomínio».
Como se enfatiza no aresto citado, logo no n.º 1 desse art.º 1437º se deixa consignado que a “legitimidade” do administrador lhe é cometida apenas no domínio da “(…) execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia”, ou seja, uma legitimidade não própria mas decorrente duma relação de mandato.
Concluindo, não merece censura a sentença recorrida, já que a ação deveria ter sido intentada contra o condomínio, citando-se o administrador como seu representante legal.
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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo dos recorrentes.
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O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 27 de novembro de 2017
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão
O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte do recorrente, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada. A simplicidade da questão jurídica suscitada no recurso não justifica a prolixidade desta peça processual.
No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso.
[2] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição - 2004, Almedina, página 43, anotação VI.
[3] Por força do n.º 3 do artigo 1437.º do CC excetuam-se do âmbito da personalidade judiciária atribuída ao condomínio as causas relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns, salvo se forem atribuídos poderes especiais ao administrador.
[4] Vide Gonçalo Oliveira Magalhães, in Revista Julgar, n.º 23, Coimbra Editora, 2014, pág. 62.
[5] Proferido no Processo n.º 232/16.0T8MTS.P1, subscrito pelo ora relator na qualidade de adjunto.
[6] Direito Processual Civil, II, AAFDL, Lisboa, 1980, pág. 25.
[7] In Código Civil Anotado, Volume II, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 294.
[8] Proferido no processo n.º 07B1875, acessível no site da DGSI, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino.
[9] Expressão atribuída a Montalvão Machado pelo autor citado.
[10] Proferido no processo n.º 586/11.4TBACB-A.C1, acessível no site da DGSI. Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 15.10.2013, 379/03.2TBOFR.C1.