Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1222/17.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: DANO BIOLÓGICO
PROPOSTA RAZOÁVEL
INCUMPRIMENTO DO DEVER DE APRESENTAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP202102231222/17.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O conceito de dano biológico remete para uma forma de organização conceptual dos danos, possuindo interesse meramente descritivo ou adjectivo.
II - A responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação recai sobre qualquer detentor efectivo do veículo e não apenas o proprietário do mesmo.
III - A Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, regula a proposta razoável de indemnização a apresentar aos lesados no âmbito dos acidentes de viação, nos termos do disposto no artigo 39º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007
IV- Tendo-se fixado na sentença um valor indemnizatório mais de cinco vezes superior ao que a seguradora havia apresentado na proposta, deve ser-lhe aplicada a sanção prevista no nº 3 do art. 38º ex vi nº 2 do art. 39º do DL n.º 291/2007, do pagamento de juros no dobro da taxa sobre a diferença entre o montante proposto e o montante fixado, contados desde o dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do art. 38º até à data da decisão final.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1222/17.0T8PVZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
B…, residente no …, N.º .., Vila Nova de Famalicão, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, residente na Rua…, N.º …, …, Vila do Conde; “Sociedade D…, Lda.”, com sede na Rua…, N.º …, Vila do Conde, Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Av. …, .., em Lisboa e “E… - Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no …, N.º ..., Lisboa formulando os seguintes pedidos:
“A. Sendo o condutor do veículo com o numero de matricula ND-..-.. (C…), considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA e o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos e aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €37.500,00 (Trinta e Sete Mil e Quinhentos Euros);
B. Sendo o condutor do veiculo com o numero de matricula ND-..-.. (C…), considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA e o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui autora B… uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em A)- e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 378.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da autora, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
b) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da autora, de realizar tratamento fisiátrico e/ou hidroginástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
c) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da autora, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
C. Sendo o condutor do veículo com o número de matricula ND-..-.. (C…), considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA e o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B…:
a) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, ou sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016), ou contados desde a data da citação de todos os Réus e até e até efectivo e integral pagamento;
b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação de todos os Réus e até efectivo e integral pagamento;
D. Sendo o condutor do veículo com o numero de matricula ND-..-.. (C…), considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA e o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… as custas legais e condigna procuradoria.
OU SUBSIDIÁRIAMENTE,
A. Sendo o condutor do veículo segurado na 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o número de matricula ..-..-QU (F…, considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, deve ser a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., condenada a pagar à aqui Autora B… uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos e aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €37.500,00 (Trinta e Sete Mil e Quinhentos Euros);
B. Sendo o condutor do veiculo segurado na 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o número de matricula ..-..-QU (F…, considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, deve ser a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., condenada a pagar à aqui Autora B… uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em A) - e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 378.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
b) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de realizar tratamento fisiátrico e/ou hidroginástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
c) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
C. Sendo o condutor do veículo segurado na 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o número de matricula ..-...-QU (F…, considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, deve ser a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., condenada a pagar à aqui Autora B…:
a) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que vierem a ser fixados à Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, ou sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016), ou contados desde a data da citação de todos os Réus e até e até efectivo e integral pagamento;
b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação de todos os Réus e até efectivo e integral pagamento;
D. Sendo o condutor do veículo segurado na 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o número de matrícula ..-..-QU (F…, considerado como único e exclusivo culpado pela produção do acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, deve ser a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., condenada a pagar à aqui Autora B… as custas legais e condigna procuradoria.
OU SUBSIDIÁRIAMENTE,
A. Devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA, o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL e a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… (em função da percentagem/proporção da culpa dos respectivos condutores e/ou do risco de circulação dos veículos matriculas ND-..-.. e ..-..-QU e a apurar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento) uma Indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos e aqui devidamente descriminados e já quantificados, de montante nunca inferior a €37.500,00 (Trinta e Sete Mil e Quinhentos Euros);
B. Devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA, o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… (em função da percentagem/proporção da culpa dos respectivos condutores e/ou do risco de circulação dos veículos matriculas ND-..-.. e ..-..-QU e a apurar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento) uma Indemnização a acrescer à primeira e referida em A)- e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 378.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
b) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de realizar tratamento fisiátrico e/ou hidroginástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
c) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas;
C. Devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA, o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL e a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… (em função da percentagem/proporção da culpa dos respectivos condutores e/ou do risco de circulação dos veículos matriculas ND-..-.. e ..-..-QU e a apurar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento):
a) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, ou sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016), ou contados desde a data da citação de todos os Réus e até e até efectivo e integral pagamento;
b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação de todos os Réus e até efectivo e integral pagamento;
D. Devem ser o 1.º Réu C…, a 2ª Ré SOCIEDADE D…, LDA, o 3.º Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMOVÉL e a 4ª Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., solidariamente responsáveis e condenados a pagar à aqui Autora B… (em função da percentagem/proporção da culpa dos respectivos condutores e/ou do risco de circulação dos veículos matriculas ND-..-.. e ..-..-QU e a apurar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento) as custas legais e condigna procuradoria.”.
Para tanto a autora alegou, em síntese, que nas circunstâncias de tempo e lugar que indica, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram os seguintes veículos automóveis:
1. Um veículo agrícola/tractor agrícola, com a matrícula ND-..-.., de propriedade da sociedade D… Lda. e conduzido por um funcionário deste de nome C…, e
2. Um veículo ligeiro, de passageiros, de serviço particular, com a matrícula ..-..-QU, de propriedade e conduzido por F… e no qual era transportada gratuitamente como ocupante (passageira) a aqui autora sua esposa. Mais alegou que inexistia qualquer seguro obrigatório válido e eficaz que cobrisse a responsabilidade civil emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo veículo de matrícula ND-..-.. à referida data de 09-09-2014. Por sua vez, entre F… e a 4.ª ré “E… - Companhia de Seguros, S.A.” existia à data do acidente de viação descrito nos presentes autos um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, mediante o qual, havia transferido para aquela seguradora a responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do veículo com a matrícula ..-...-QU. Invocou ainda que a produção do acidente se ficou a dever à conduta do 1º réu, que em plena manobra de ultrapassagem, sem sinalizar qualquer manobra, guinou o veículo que conduzia e procedeu à mudança de direcção à esquerda, embatendo no veículo em que a autora era transportada. Em consequência do embate, a autora sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca. O réu Fundo de Garantia Automóvel reconheceu por escrito perante a autora, a responsabilidade e culpa exclusivas do condutor do veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-.. na produção do acidente de viação e procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar à autora. Contudo, em consequência das lesões e sequelas que advieram para a autora com o acidente de viação, o réu Fundo de Garantia Automóvel apenas em 18/04/2016 apresentou à autora uma proposta de indemnização apenas pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma, no valor de €4.178,06 e posteriormente, em 16-01-2017, apresentou por escrito à autora uma proposta de indemnização final por todos os danos não patrimoniais sofridos pela autora no valor global de apenas € 5.000,00, pelo que responde aquele réu pelos juros em dobro desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 nos termos do artigo 39º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. E sendo a proposta apresentada por aquele insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.

Os réus foram regularmente citados.

O réu Fundo de Garantia Automóvel contestou a acção, alegando que após o processo de averiguações concluiu que o acidente de viação em apreço se ficou a dever ao comportamento culposo do condutor do tractor de matrícula ND-..-.., o réu C… e que cumpriu com as obrigações legais previstas nos artigos 36.º e seguintes do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Também impugnou parte da factualidade invocada na petição inicial e defendeu que é manifestamente exagerada a liquidação operada pela autora, quanto aos danos sofridos, sendo que o contestante só responderá, desde que se verifiquem taxativamente as condições descritas no Dec. Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto.

A ré “E… Companhia de Seguros, S.A.” também contestou a acção, tendo reconhecido que à data do acidente era válido o contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… e reproduzido a versão do acidente alegada a título principal pela autora, tendo pugnado pela sua absolvição do pedido.

A ré “Sociedade D…, Lda.” apresentou contestação, na qual alegou a responsabilidade do condutor do veículo identificado com a matrícula ..-..-QU pela produção do acidente, por seguir a uma velocidade não inferior a 60/70 Km2, por ter-se apercebido que se aproximava de um veículo com atrelado, e não ter reduzido a sua velocidade e por ter iniciado uma ultrapassagem numa zona onde existe um entroncamento para uma via municipal. Mais sustentou que o veículo ND sinalizou a mudança de direcção. Concluiu pela sua absolvição do pedido.

O réu C… não contestou.

Teve lugar audiência prévia, na qual foram proferidos despacho saneador e despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Mediante requerimento de 13-09-2018, a autora requereu a condenação da ré “Sociedade D…, Lda.”, como litigante de má fé em multa e indemnização, invocando que a mesma deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos e/ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa, praticou omissão grave do dever de cooperação e fez um uso manifestamente reprovável do processo.

Notificada de tal requerimento, a ré “Sociedade D…, Lda.” veio responder, pugnando pelo indeferimento do requerido, por não existir alteração dos factos ou omissão da sua parte e sustentando que os ofícios da ANSR ou da G… não são elementos probatórios que demonstrem ser a mesma proprietária do veículo acima identificado.

Realizou-se a audiência final.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Pelo exposto, decido:
A) Condenar solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e “Sociedade D…, Lda.” no pagamento à autora da quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da presente decisão até integral pagamento;
B) Condenar a ré “E… - Companhia de Seguros, S.A.” no pagamento à autora da quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da presente decisão até integral pagamento;
C) Condenar solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e “Sociedade D…, Lda.” no pagamento à autora da proporção de 50 % do valor das despesas que aquela realizar fundadamente no futuro, com tratamentos de hidroterapia e com anti-inflamatórios e analgésicos em caso de crises álgicas, face às sequelas decorrentes do acidente, a quantificar em incidente de liquidação de sentença;
D) Condenar a ré “E… - Companhia de Seguros, S.A.” no pagamento à autora da proporção de 50 % do valor das despesas que aquela realizar fundadamente no futuro, com tratamentos de hidroterapia e com anti-inflamatórios e analgésicos em caso de crises álgicas, face às sequelas decorrentes do acidente, a quantificar em incidente de liquidação de sentença; E) Absolver os réus do demais peticionado.
F) Absolver a ré “Sociedade D…, Lda.” do pedido de condenação como litigante de má-fé.

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), Veio interpor recurso, concluindo:
1. O valor de €15.000,00 fixado para ressarcimento do dano biológico qualificado como dano não patrimonial e dos restantes danos não patrimoniais concretos a que a douta sentença atribuiu valor de €10.000,00 são elevados.
2. Assim sendo, e repercutindo-se as diferentes parcelas da alteração do julgado recorrido na condenação global proferida no dispositivo da sentença, a mesma deverá ser alterada no sentido de que a importância a pagar pelo aqui recorrente seja de 5.000,00€, mantendo-se o demais decidido quanto a juros de mora;
3. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve levar-se em conta a prática indemnizatória seguida para ressarcimento de danos morais de semelhante gravidade, bem como a experiência da jurisprudência e as regras da experiência comum;
4. A indemnização global pelos danos não patrimoniais do recorrente deve fixar-se em €5.000,00;
5. O tribunal a quo violou os artigos 496.º, 562.º e 564.º, nº 2 do CC.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados.

A ré, E… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., também interpôs recurso, concluindo:
1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida, por entender que a matéria de facto provada foi incorretamente julgada e que não existiu correta aplicação do Direito.
DA MATÉRIA DE FACTO:
2. Assim, os pontos 25 dos factos provados e 2 dos factos não provados foram incorretamente julgados.
3. Isto pois, ignora-se quais as regras da experiência comum ou Leis da Física invocadas pelo Tribunal a quo para justificar a convicção de que o veículo Mercedes circulava a mais de 50 km/h perante o peso elevado da cisterna acoplada ao trator.
4. Tal fundamentação está incorreta e não está demonstrada, pois as regras da experiência comum e as Leis da Física não permitem demonstrar os factos em questão e o seu julgamento pelo Tribunal a quo.
5. Acresce que, dos depoimentos de B…, F…, H… e I… resulta que o veículo Mercedes circulava a menos de 50 km/h, pelo que impunha-se ao Tribunal formar convicção diferente da que consta na douta sentença.
6. Desta forma, impõe-se considerar provado que “o veículo com a matrícula ..-...-QU circulava a uma velocidade inferior a 50 km/h” e não provado que “o veículo com a matrícula ..-..-QU circulava a velocidade acima dos 50 Km/horários”.
7. Mesmo que assim não se entenda, deve considerar-se não provado o ponto 25 da matéria de facto.
8. DO DIREITO:
9. Resulta da análise dos documentos juntos pelo Fundo Garantia Automóvel que o mesmo assumiu a culpa do veículo “lesante” matrícula ND …, o que consubstancia confissão extrajudicial, revestindo força probatória plena, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil.
10. Desta forma, não deveria o Tribunal a quo ao fazer o julgamento da matéria de facto sobre o apuro da responsabilidade do acidente, pois deveria considerar assente a confissão plena já constante dos autos, condenando, por isso, o Fundo Garantia Automóvel.
Sem prescindir e caso assim não se entenda,
11. Na procedência de impugnação da matéria de facto deve considerar-se que inexiste culpa do condutor do veículo Mercedes, absolvendo-se a Recorrente do pedido e condenando-se o Fundo Garantia Automóvel pelo valor arbitrado.
Mesmo que assim não se entenda,
12. Deve, pelo menos, o Tribunal ad quem considerar não provado o ponto 25 dos factos provados (relativo à velocidade do Mercedes).
13. E, por isso, considerar-se a presunção de culpa do condutor do veículo com a matrícula ND, condenando-se também, desta forma, o Fundo de Garantia Automóvel no valor a arbitrar.
Sempre sem prescindir,
14. O Tribunal a quo arbitrou à Autora a quantia de 10.000€ pelos danos não patrimoniais e 15.000€ pelo dano biológico, o que a Recorrente considera ser um valor desadequado, por excessivo e por se situar para além dos padrões da normalidade e razoabilidade por que se devem pautar as decisões judiciais.
15. Bem como, atendendo às decisões já proferidas pelos nossos Tribunais, a propósito.
16. Desta forma, a Recorrente entende por demais razoável a fixação de 5.000€ para majorar os danos não patrimoniais decorrentes do acidente dos autos e 5.000€ pelo dano biológico.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA !!!

B…, notificada do RECURSO DE APELAÇÃO, interposto pelo Ré/Recorrente FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, veio, nos termos do preceituado no artigo 633.º, n.º2 e seguintes do C.PCivil., interpor RECURSO SUBORDINADO, concluindo;
1) A Autora/Recorrente não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto dada como não provada e constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
2) A Autora/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
3) A Autora/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação do Réu Fundo de Garantia Automóvel, em pagar à Autora/Recorrente juros de mora no dobro da taxa legal prevista.
4) O Autora não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto dada como não provada e constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
5) A Douta Sentença recorrida, padece de erro notório na apreciação e valoração da prova constante dos autos, ao dar como não provados os factos constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
6) O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante no item .º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta e positiva a dar aos mesmos, no seguinte meios de prova:
1. Oficio junto aos autos pela G… - SUCURSAL EM PORTUGAL, em 22/06/2018 com a ref.ª citius 19227626, pelo qual o contrato com o numero de apólice ……… teve inicio em 09/09/2014 as 19:20horas, e portanto na hora referida (18 horas e 30 minutos) não tinha seguro valido e eficaz, proposta de seguro essa que deu entrada nos serviços da Companhia G… no dia 06/10/2014, tendo o seguro sido efetuado na qualidade de proprietário do veiculo de matricula ND-..-.., que deu origem referida apólice, tomador esse a ora Ré Sociedade D…, Lda, com morada em Rua…, …. - … Vila do Conde.
2. Oficio junto aos autos pela AUTORIDADE NACIONAL DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA em 04/07/2018 com a ref.ª citius a9355924, pelo qual a ora Ré Sociedade D…, Lda, NIPC ………, foi identificada pela entidade autuante como sendo a proprietária do veículo matricula ND-..-.. que no dia 09/09/2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, transitava sem seguro de responsabilidade civil obrigatório.
3. Requerimento junto aos autos pela Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., em 25/10/2018, com a refª citius 20395808.
7) Ofícios, requerimento e os documentos juntos com os mesmos, que foram devidamente notificados a 2ª Ré Sociedade D…, Lda e que não foram objeto de qualquer impugnação ou reclamação por parte da mesmas 2ª Ré.
8) O contrato de compra e venda de automóvel é meramente consensual, dispensando, pois, qualquer formalidade (artigo 219.º CC), operando-se a transferência de propriedade por mero efeito do contrato (cfr. artigo 408.º, n.º 1, 874.º e 879.º, alínea a), CC).
9) Nos termos do artigo 7,º, n.º 1, CRP, aplicável ex vi artigo 29.º do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, esse registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
10) Trata-se, no entanto, de presunção ilidível mediante prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, CC).
11) Nos termos do artº 7º do CRP, «O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o tribunal o define», não existe, no domínio dessa presunção uma qualquer proibição de ilisão – pelo que não oferece dúvida que estamos perante uma presunção ilidível (juris tantum).
12) A ilisão da presunção faz-se, designadamente, pela prova de que o direito a que se reporta o registo pertence a outrem.
13) Os autos dispõem assim de abundante prova, quer testemunhal, quer documental, quer por confissão das partes (Ré Sociedade D…, Lda) no sentido de que o veículo matricula ND-..-.. no dia 09/09/2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, era da propriedade da 2ª Ré Sociedade D…, Lda.
14) CONCLUINDO: “A 2ª Ré Sociedade D…, Lda ré tinha adquirido veículo agrícola/tractor agrícola de matrícula ND-..-.. em data anterior à do embate.”
15) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 30, 41, 42, 45, 46,47 e 48 e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €22.5000,00, quantia essa cujo pagamento a Autora/Recorrente desde já peticiona de todos os Réus.
16) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1. Como consequência do embate, a autora sofreu vários ferimentos e lesões traumáticas, tendo dado entrada no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar J…, no dia 09/09/2014, onde foi examinada, com o diagnóstico de contusão na região do ombro.
2. A autora teve alta hospitalar no dia 09/09/2014.
3. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 17/09/2014, a autora foi observada no Hospital K…, S.A., tendo efectuado uma Ecografia do Ombro e Braço Direito a qual revelou “ruptura completa dos tendões do supra e do infraespinhoso medindo 30x28mm com acentuada retração medial das fibras que distam 15 a 20 mm do toquiter umeral”.
4. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, nos dias 12/09/2014 e 25/09/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE,
5. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 14/10/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE, na Especialidade de Ortopedia, tendo sido elaborado registo de episódio de consulta no qual consta:
a) omalgia direita desde 9/9/2014 após acidente de viação,
b) efetuou Eco com Dx de ruptura da coifa (30x28mm e a 15 mm do toquiter),
c) incapacitada para o esforço com o braço, e
d) inscrita para cirurgia”.
6. Após a sua alta hospitalar, a autora passou a ser acompanhada e assistida por conta, a mando e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel no Hospital M…, pelo Dr. N…, médico especialista em Ortopedia e Traumatologia, tendo sido sujeita a uma sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça) com tenotomia da LPB no dia 31/01/2015, com recurso a anestesia geral.
7. Após a intervenção cirúrgica a que foi submetida, a autora efectuou tratamentos de hidroginástica, durante cerca de um ano no “O…, Lda.”.
8. Em consequência do embate, a autora apresenta as seguintes lesões no membro superior direito: desnível de ombros por atrofia ligeira da cintura escapular; apresenta cinco cicatrizes punctiformes no ombro próprias de artroscopia; rigidez ligeira do ombro direito com abdução e elevação a 130º, rotações com alguma limitação dolorosa nos últimos graus do movimento, conseguindo com alguma dificuldade levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar.
9. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22-01-2016.
10. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 3 dias.
11. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias.
12. O Quantum Doloris é fixável no grau 4/7.
13. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 4 pontos.
14. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7.
15. A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7, pelas dificuldades actuais em executar o trabalho de costura e as tarefas diárias de jardinagem e horticultura que desempenhava sem dificuldades antes do embate.
16. A autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
17. A autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito.
18. Na altura do embate, a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.
19. As cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
17) O valor da indemnização deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.
18) Estão em causa lesões na integridade física da Autora que pela sua gravidade e extensão justificam a tutela do direito, quando além do mais determinaram:
1. uma intervenção cirúrgica (sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça),
2. tratamentos de hidroginástica durante cerca de um ano,
3. Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias,
4. Quantum Dolóris é fixável no grau 4/7,
5. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 4 pontos,
6. Dano Estético Permanente de grau 2/7, uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7,
7. tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços, a autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito,
8. na altura do embate a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer, e 9. as cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
19) Atenta a matéria de facto enunciado nos pontos n.ºs 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62 da matéria de facto dada como provada e constante da Douta Sentença, o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL deve ser condenado a pagar à Autora/Recorrente os juros de mora no dobro da taxa legal prevista aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial final a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.
20) A autora, por conta e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel, em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada, foi submetida a uma “Avaliação do Dano Corporal no âmbito do Direito Civil” pelos Serviços Clínicos daquele réu, realizada pelo Dr. P….
21) Em 18/04/2016, réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou à autora uma proposta de indemnização pelos “danos não patrimoniais” sofridos pela mesma, no valor de €4.178,06.
22) A Autora, através do seu mandatário, por fax enviado para o réu Fundo de Garantia Automóvel, em 24/11/2016 e pelo mesmo recepcionado na mesma data, apresentou por escrito àquele um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência do embate, nos termos constantes de fls. 53 verso a 58 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, com os seguintes valores: “Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 3 pontos:7.500,00€; Danos não patrimoniais: 30.000,00€”.
23) Em 16/01/2017, o réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais” sofridos, no valor de €5.000,00.
24) O embate foi participado ao réu Fundo de Garantia Automóvel pela autora em Setembro de 2014.
25) Na sequência dessa participação, o réu Fundo de Garantia Automóvel deu início a um processo de averiguações.
26) Terminada a instrução do processo de averiguações, o réu Fundo de Garantia Automóvel entendeu que o embate se ficou a dever ao comportamento do condutor do tractor de matrícula ND-..-.., o réu C….
27) O réu Fundo de Garantia Automóvel comunicou no dia 17/10/2014 que “consideramos demonstrada a responsabilidade indemnizatória”, nos termos constantes de fls. 361 verso cujo teor aqui se considerada integralmente reproduzido.
28) A autora teve alta médica no dia 21/01/2016.
29) As consultas de avaliação do dano corporal tiveram lugar em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada.
30) Em 29/02/2016 foi enviado o respectivo relatório médico ao representante da autora.
31) A proposta apresentada à Autora pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, teve lugar em 18/04/2016, muito para além do prazo de 15 dias, quer após a data da alta clínica atribuída pelo próprio Réu FGA à Autora em 22/01/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 07/02/2016 -, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela próprio Réu FGA à Autora em 17/02/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 05/03/2016.
32) Assim, responde o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (que havia assumido a culpa do condutor do veículo agrícola/trator agrícola matrícula ND-..-.. C… na produção do embate descrito nos autos – pagando a reparação do veículo segurado na 4.ª Ré matricula ..-..-QU propriedade de F… e as despesas hospitalares a 100%), pelos juros em dobro desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data da alta clínica atribuída pelo próprio Réu FGA à Autora em 22/01/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 07/02/2016 -, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela próprio Réu FGA à Autora em 17/02/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 05/03/2016), nos termos do artigo 39º, n.º 22, do Decreto-Lei n.º 291/2007 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
33) A par da não apresentação da proposta por parte do Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL no prazo devido, o montante indemnizatório proposto pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL à Autora nos termos da proposta razoável e por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, atentas as lesões sofridas e as sequelas atuais de que a Autora padece e no montante de €5.000,00, salvo o devido respeito, é assim manifestamente insuficiente.
34) No caso dos autos, em 16/01/2017, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais, o réu Fundo de Garantia Automóvel, em sede extrajudicial, apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor global de apenas €5.000,00.
35) Ora, existe uma diferença enorme entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel, o valor do pedido de indemnização final formulado pelo Autor e o valor da condenação no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pela Autora em consequência do acidente em discussão nos presentes autos.
36) Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegou em 1.ªinstância, se retira que efetivamente a proposta feita pelo réu Fundo de Garantia Automóvel não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revela uma flagrante desproporção entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel e o valor devido à Autora, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, podendo considerar-se o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.°s 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007.
37) Os factos - lesões e sequelas que serviram de base às propostas do réu Fundo de Garantia Automóvel datadas de 18/04/2016 e 16/01/2017 -, são exatamente os mesmos que estão na base da condenação do tribunal, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, alias, a razão pela qual os valores são diferentes).
38) Também não releva, para esta questão, a forma como o réu Fundo de Garantia Automóvel quantificou os danos, porque o que releva, uma vez mais, objetivamente, são os factos e esses já existiam quando o réu Fundo de Garantia Automóvel fez as suas propostas em 18/04/2016 e 16/01/2017.
39) Este normativo visa, claramente, desincentivar o oferecimento por parte das seguradoras/ Fundo de Garantia Automóvel de valores muito abaixo dos devidos, o que, infelizmente, acontece de forma muito generalizada.
40) Assim sendo, atento o preceituado, entre outros, nos artigos 39º, n.º 1 e 38º, n.º 3 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto:” Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
41) Assim sendo e no que concerne aos juros de mora, deve o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL ser condenado a pagar à Autora/Recorrente:
a) pela não apresentação de uma proposta à Autora no prazo devido: devem ser todos os Réus solidariamente condenados no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, ou caso V.Ex.ª assim o não entenda,
b) pela apresentação de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: devem ser todos os Réus solidariamente condenados no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
42) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais:
a) artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil;
b) os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel);
c) artigos 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SUBORDINADO DE APELAÇÃO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE OS RÉUS/RECORRIDOS NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
E ASSIM COMO SEMPRE, V.EX.AS FARÃO A DEVIDA E HABITUAL JUSTIÇA.

A autora, B…, notificada do RECURSO DE APELAÇÃO, interposto pela E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. apresentou:
- CONTRA ALEGAÇÕES nos termos do preceituado nos artigos 638º, n.º 5 do C.P.Civil;
REQUEREU A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO. nos termos do preceituado no artigo 636º, n.º 2 ambos do C.P.Civil;
INTERPÔS RECURSO, nos termos do preceituado no artigo 633.º, n.º2 e seguintes do C.P.Civil., concluindo:
1) A Autora/Recorrente não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto dada como não provada e constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
2) A Autora/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
3) A Autora/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação do Réu Fundo de Garantia Automóvel, em pagar à Autora/Recorrente juros de mora no dobro da taxa legal prevista.
4) O Autora não concorda e dessa forma impugna a decisão proferida relativamente à matéria de facto dada como não provada e constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
5) A Douta Sentença recorrida, padece de erro notório na apreciação e valoração da prova constante dos autos, ao dar como não provados os factos constante do item n.º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença.
6) O Mº Juiz de Direito “a quo” quanto à matéria de facto constante no item .º 1 dos factos dados como não provados na Douta Sentença, deveria fundamentar a sua convicção e respetiva resposta e positiva a dar aos mesmos, no seguinte meios de prova:
1. Oficio junto aos autos pela G… - SUCURSAL EM PORTUGAL, em 22/06/2018 com a ref.ª citius 19227626, pelo qual o contrato com o numero de apólice ……… teve inicio em 09/09/2014 as 19:20horas, e portanto na hora referida (18 horas e 30 minutos) não tinha seguro valido e eficaz, proposta de seguro essa que deu entrada nos serviços da Companhia G… no dia 06/10/2014, tendo o seguro sido efetuado na qualidade de proprietário do veiculo de matricula ND-..-.., que deu origem referida apólice, tomador esse a ora Ré Sociedade D…, Lda, com morada em Rua…, …., …. - … Vila do Conde.
2. Oficio junto aos autos pela AUTORIDADE NACIONAL DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA em 04/07/2018 com a ref.ª citius a 9355924, pelo qual a ora Ré Sociedade D…, Lda, NIPC ………, foi identificada pela entidade autuante como sendo a proprietária do veículo matricula ND-..-.. que no dia 09/09/2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, transitava sem seguro de responsabilidade civil obrigatório.
3. Requerimento junto aos autos pela Ré E… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., em 25/10/2018, com a refª citius 20395808.
7) Oficios, requerimento e os documentos juntos com os mesmos, que foram devidamente notificados a 2ª Ré Sociedade D…, Lda e que não foram objeto de qualquer impugnação ou reclamação por parte da mesmas 2ª Ré.
8) O contrato de compra e venda de automóvel é meramente consensual, dispensando, pois, qualquer formalidade (artigo 219.º CC), operando-se a transferência de propriedade por mero efeito do contrato (cfr. artigo 408.º, n.º 1, 874.º e 879.º, alínea a), CC).
9) Nos termos do artigo 7,º, n.º 1, CRP, aplicável ex vi artigo 29.º do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, esse registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
10) Trata-se, no entanto, de presunção ilidível mediante prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, CC).
11) Nos termos do artº 7º do CRP, «O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o tribunal o define», não existe, no domínio dessa presunção uma qualquer proibição de ilisão – pelo que não oferece dúvida que estamos perante uma presunção ilidível (juris tantum).
12) A ilisão da presunção faz-se, designadamenet, pela prova de que o direito a que se reporta o registo pertence a outrem.
13) Os autos dispõem assim de abundante prova, quer testemunhal, quer documental, quer por confissão das partes (Ré Sociedade D…, Lda) no sentido de que o veículo matricula ND-..-.. no dia 09/09/2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, era da propriedade da 2ª Ré Sociedade D…, Lda.
14) CONCLUINDO: “A 2ª Ré Sociedade D…, Lda ré tinha adquirido veículo agrícola/tractor agrícola de matrícula ND-..-.. em data anterior à do embate.”
15) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 30, 41, 42, 45, 46,47 e 48 e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €22.5000,00, quantia essa cujo pagamento a Autora/Recorrente desde já peticiona de todos os Réus.
16) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1. Como consequência do embate, a autora sofreu vários ferimentos e lesões traumáticas, tendo dado entrada no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar J…, no dia 09/09/2014, onde foi examinada, com o diagnóstico de contusão na região do ombro.
2. A autora teve alta hospitalar no dia 09/09/2014.
3. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 17/09/2014, a autora foi observada no Hospital K…, S.A., tendo efectuado uma Ecografia do Ombro e Braço Direito a qual revelou “ruptura completa dos tendões do supra e do infraespinhoso medindo 30x28mm com acentuada retração medial das fibras que distam 15 a 20 mm do toquiter umeral”.
4. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, nos dias 12/09/2014 e 25/09/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE,
5. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 14/10/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE, na Especialidade de Ortopedia, tendo sido elaborado registo de episódio de consulta no qual consta:
a) omalgia direita desde 9/9/2014 após acidente de viação,
b) efetuou Eco com Dx de ruptura da coifa (30x28mm e a 15 mm do toquiter),
c) incapacitada para o esforço com o braço, e
d) inscrita para cirurgia”.
6. Após a sua alta hospitalar, a autora passou a ser acompanhada e assistida por conta, a mando e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel no Hospital M…, pelo Dr. N…, médico especialista em Ortopedia e Traumatologia, tendo sido sujeita a uma sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça) com tenotomia da LPB no dia 31/01/2015, com recurso a anestesia geral.
7. Após a intervenção cirúrgica a que foi submetida, a autora efectuou tratamentos de hidroginástica, durante cerca de um ano no “O…, Lda.”.
8. Em consequência do embate, a autora apresenta as seguintes lesões no membro superior direito: desnível de ombros por atrofia ligeira da cintura escapular; apresenta cinco cicatrizes punctiformes no ombro próprias de artroscopia; rigidez ligeira do ombro direito com abdução e elevação a 130º, rotações com alguma limitação dolorosa nos últimos graus do movimento, conseguindo com alguma dificuldade levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar.
9. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22-01-2016.
10. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 3 dias.
11. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias.
12. O Quantum Doloris é fixável no grau 4/7.
13. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 4 pontos.
14. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7.
15. A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7, pelas dificuldades actuais em executar o trabalho de costura e as tarefas diárias de jardinagem e horticultura que desempenhava sem dificuldades antes do embate.
16. A autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
17. A autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito.
18. Na altura do embate, a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.
19. As cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
17) O valor da indemnização deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar
um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.
18) Estão em causa lesões na integridade física da Autora que pela sua gravidade e extensão justificam a tutela do direito, quando além do mais determinaram:
1. uma intervenção cirúrgica (sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça),
2. tratamentos de hidroginástica durante cerca de um ano,
3. Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias,
4. Quantum Dolóris é fixável no grau 4/7,
5. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 4 pontos,
6. Dano Estético Permanente de grau 2/7, uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7,
7. tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços, a autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito,
8. na altura do embate a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer, e 9. as cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
19) Atenta a matéria de facto enunciado nos pontos n.ºs 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62 da matéria de facto dada como provada e constante da Douta Sentença, o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL deve ser condenado a pagar à Autora/Recorrente os juros de mora no dobro da taxa legal prevista aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial final a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.
20) A autora, por conta e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel, em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada, foi submetida a uma “Avaliação do Dano Corporal no âmbito do Direito Civil” pelos Serviços Clínicos daquele réu, realizada pelo Dr. P….
21) Em 18/04/2016, réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou à autora uma proposta de indemnização pelos “danos não patrimoniais” sofridos pela mesma, no valor de €4.178,06.
22) A Autora, através do seu mandatário, por fax enviado para o réu Fundo de Garantia Automóvel, em 24/11/2016 e pelo mesmo recepcionado na mesma data, apresentou por escrito àquele um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência do embate, nos termos constantes de fls. 53 verso a 58 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, com os seguintes valores: “Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 3 pontos:7.500,00€; Danos não patrimoniais: 30.000,00€”.
23) Em 16/01/2017, o réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais” sofridos, no valor de €5.000,00.
24) O embate foi participado ao réu Fundo de Garantia Automóvel pela autora em Setembro de 2014.
25) Na sequência dessa participação, o réu Fundo de Garantia Automóvel deu início a um processo de averiguações.
26) Terminada a instrução do processo de averiguações, o réu Fundo de Garantia Automóvel entendeu que o embate se ficou a dever ao comportamento do condutor do tractor de matrícula ND-..-.., o réu C….
27) O réu Fundo de Garantia Automóvel comunicou no dia 17/10/2014 que “consideramos demonstrada a responsabilidade indemnizatória”, nos termos constantes de fls. 361 verso cujo teor aqui se considerada integralmente reproduzido.
28) A autora teve alta médica no dia 21/01/2016.
29) As consultas de avaliação do dano corporal tiveram lugar em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada.
30) Em 29/02/2016 foi enviado o respectivo relatório médico ao representante da autora.
31) A proposta apresentada à Autora pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, teve lugar em 18/04/2016, muito para além do prazo de 15 dias, quer após a data da alta clínica atribuída pelo próprio Réu FGA à Autora em 22/01/2016 -prazo esse que teve assim lugar em 07/02/2016 -, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela próprio Réu FGA à Autora em 17/02/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 05/03/2016.
32) Assim, responde o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (que havia assumido a culpa do condutor do veículo agrícola/trator agrícola matrícula ND-..-.. C… na produção do embate descrito nos autos – pagando a reparação do veículo segurado na 4.ª Ré matricula ..-..-QU propriedade de F… e as despesas hospitalares a 100%), pelos juros em dobro desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data da alta clínica atribuída pelo próprio Réu FGA à Autora em 22/01/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 07/02/2016 -, quer após a realização do relatório de avaliação clínica efetuado pela próprio Réu FGA à Autora em 17/02/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 05/03/2016), nos termos do artigo 39º, n.º 22, do Decreto-Lei n.º 291/2007 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
33) A par da não apresentação da proposta por parte do Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL no prazo devido, o montante indemnizatório proposto pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL à Autora nos termos da proposta razoável e por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, atentas as lesões sofridas e as sequelas atuais de que a Autora padece e no montante de €5.000,00, salvo o devido respeito, é assim manifestamente insuficiente.
34) No caso dos autos, em 16/01/2017, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais, o réu Fundo de Garantia Automóvel, em sede extrajudicial, apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor global de apenas €5.000,00.
35) Ora, existe uma diferença enorme entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel, o valor do pedido de indemnização final formulado pelo Autor e o valor da condenação no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pela Autora em consequência do acidente em discussão nos presentes autos.
36) Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegou em 1.ª instância, se retira que efetivamente a proposta feita pelo réu Fundo de Garantia Automóvel não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revela uma flagrante desproporção entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel e o valor devido à Autora, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, podendo considerar-se o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.°s 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007.
37) Os factos - lesões e sequelas que serviram de base às propostas do réu Fundo de Garantia Automóvel datadas de 18/04/2016 e 16/01/2017 -, são exatamente os mesmos que estão na base da condenação do tribunal, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, alias, a razão pela qual os valores são diferentes).
38) Também não releva, para esta questão, a forma como o réu Fundo de Garantia Automóvel quantificou os danos, porque o que releva, uma vez mais, objetivamente, são os factos e esses já existiam quando o réu Fundo de Garantia Automóvel fez as suas propostas em 18/04/2016 e 16/01/2017.
39) Este normativo visa, claramente, desincentivar o oferecimento por parte das seguradoras/ Fundo de Garantia Automóvel de valores muito abaixo dos devidos, o que, infelizmente, acontece de forma muito generalizada.
40) Assim sendo, atento o preceituado, entre outros, nos artigos 39º, n.º 1 e 38º, n.º 3 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto:” Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
41) Assim sendo e no que concerne aos juros de mora, deve o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL ser condenado a pagar à Autora/Recorrente:
a) pela não apresentação de uma proposta à Autora no prazo devido: devem ser todos os Réus solidariamente condenados no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados à Autora na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, ou caso V.Ex.ª assim o não entenda,
b) pela apresentação de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: devem ser todos os Réus solidariamente condenados no pagamento à Autora dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
42) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais:
a) artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil;
b) os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel);
c) artigos 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil.
NESTES TERMOS
E NOS DEMAIS EM DIREITO APLICAVÉL, QUE V.EX.AS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SUBORDINADO DE APELAÇÃO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR DOUTO ACORDÃO QUE CONDENE OS RÉUS/RECORRIDOS NA MEDIDA DO ACIMA ASSINALADO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
E ASSIM COMO SEMPRE, V.EX.AS FARÃO A DEVIDA E HABITUAL JUSTIÇA.

O FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL apresentou contra-alegações quanto ao recurso da Ré E… – Companhia de Seguros, S.A., pugnando pela total improcedência do mesmo.
Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões as questões a resolver são as seguintes:
- Recurso do réu Fundo de Garantia Automóvel
Montante dos danos.
- Recurso subordinado da autora
Montante dos danos.
Erro na aplicação da matéria de facto nos pontos indicados.
Aplicação da sanção civil dos juros em dobro nos termos previstos no Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto.
- Recurso da ré E…
Montante dos danos.
Erro na aplicação da matéria de facto nos pontos indicados a determinar a exclusão da culpa do condutor do veículo segurado nesta ré.
II – Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou:
Factos provados
1. No dia 09-09-2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, na Rua…, junto ao n.º …., freguesia…, concelho de Vila do Conde, distrito do Porto, ocorreu um embate no qual intervieram os seguintes veículos automóveis:
- Um veículo agrícola/tractor agrícola, com a matrícula ND-..-.., conduzido pelo réu C…, e
- Um veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-QU, de e conduzido por F… e no qual era transportada, sem contrapartida, a autora, sua esposa.
2. Em 09-09-2014, pelas 18 horas e 30 minutos, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula ND-..-.. não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros.
3. Em 09-09-2014, pelas 18 horas e 30 minutos, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula ..-..-QU encontrava-se transferida para a ré “E… - Companhia de Seguros, S.A.”, através de acordo titulado pela apólice nº ……….
4. A autora nasceu em 20-05-1956.
5. Em 09-09-2014, o réu C… era funcionário da ré “Sociedade D…, Lda.” e conduzia o veículo com a matrícula ND-..-.. por conta, às ordens, sob a orientação, instruções, fiscalização, com o conhecimento, autorização e ao serviço daquela, no período do horário de trabalho e seguindo por um itinerário que ela lhe havia determinado.
6. A ré “Sociedade D…, Lda.” dedica-se à actividade de criação de bovinos, produção de leite de bovino, comercialização dos mesmos.
7. Em 09-09-2014, pelas 18 horas e 30 minutos, o veículo com a matrícula .. - .. - QU circulava na referida Rua…, junto ao n.º …., freguesia…, concelho de Vila do Conde, distrito do Porto, no sentido de marcha Poente/Nascente.
8. O veículo com a matrícula ..-..-QU circulava dentro da meia faixa de rodagem direita.
9. No mesmo sentido de marcha, na mesma hemi-faixa de rodagem direita e imediatamente à frente do veículo de matrícula ..-..-QU circulava o veículo agrícola/tractor agrícola, com a matrícula ND-..-...
10. O condutor do veículo com a matricula ..-..-QU, depois de verificar que não circulava nenhum outro veículo automóvel, quer em sentido contrário, e porque pretendia iniciar a manobra de ultrapassagem ao referido veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.., aproximou-se do eixo da via, para o efeito acendendo o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo.
11. O condutor do veículo com a matrícula ..-..-QU flectiu à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, passando a circular pela faixa de rodagem esquerda.
12. Estando o veículo com a matrícula ..-..-QU dentro na hemifaixa de rodagem esquerda e com a frente do lado direito do seu veiculo paralelamente em relação à frente do lado esquerdo do veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.. o qual seguia no mesmo sentido de marcha mas na hemifaixa de rodagem direita, o 1º réu guinou e procedeu à manobra de mudança de direção à sua esquerda e com destino a um caminho de acesso a um prédio que se encontrava à sua esquerda, que não corresponde a arruamento municipal, saindo da hemi-faixa de rodagem direita atento o seu sentido de marcha (Poente/Nascente), invadindo e passando a transitar dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda.
13. O embate ocorreu entre a roda da frente do lado esquerdo do veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.. e a parte da frente do lado direito do veículo com a matrícula ..-..-QU.
14. O veículo com a matrícula ..-..-QU apenas conseguiu imobilizar a sua marcha a cerca de 14,30 m metros de distância do local onde ocorreu o embate.
15. A Rua…, à data e no local onde ocorreu o embate tinha uma faixa de rodagem que em toda a sua largura media cerca de 7,00 metros, dispondo cada hemi-faixa de rodagem, de uma largura de cerca de 3,50 metros.
16. Na metade da faixa de rodagem esquerda onde ocorreu o embate ficaram peças, plásticos e vidros partidos de ambos os veículos intervenientes.
17. A Rua…, à data e no local onde ocorreu o embate entre ambos os veículos, disponha de dois sentidos de trânsito delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua marcada no pavimento e de cor branca.
18. O embate entre os veículos ocorreu durante o dia.
19. A Rua…, à data e no local onde ocorreu o embate, atento o sentido de marcha de ambos os veículos, apresentava uma configuração em forma de recta, com cerca de 200 a 300 (duzentos a trezentos) metros de extensão e com visibilidade em ambos os sentidos de marcha.
20. À hora e no local onde ocorreu o embate, o piso alcatroado/betuminoso da Rua… encontrava-se conservado e seco e as condições climatéricas eram de tempo seco e com sol.
21. Na altura do embate, a autora fazia-se transportar no banco traseiro, usava o cinto de segurança e encontrava-se sentada dentro do assento.
22. À data e no local onde ocorreu o embate, o veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-.. não disponha de espelho retrovisor do seu lado esquerdo.
23. À data e no local onde ocorreu o embate, o veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-.. tinha acoplado/engatado a si um reboque, o qual durante a execução da referida manobra de mudança de direcção à sua esquerda, obstruía em parte o campo visual do seu condutor relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-QU.
24. O condutor do veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.., circulava a uma velocidade que não excedia os 50 Km/hora.
25. O veículo com a matrícula ..-..-QU circulava a velocidade acima dos 50 Km/horários.
26. Com embate o veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.. foi projectado para a sua direita, tendo transposto quer o eixo da via quer a berma direita, acabando por galgar o passeio existente na berma direita da Rua…, atento o seu sentido de marcha Ponte /Nascente.
27. Como consequência do embate, a autora sofreu vários ferimentos e lesões traumáticas, tendo dado entrada no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar J…, no dia 09/09/2014, onde foi examinada, com o diagnóstico de contusão na região do ombro.
28. A autora teve alta hospitalar no dia 09/09/2014.
29. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 17/09/2014, a autora foi observada no Hospital K…, S.A., tendo efectuado uma Ecografia do Ombro e Braço Direito a qual revelou “ruptura completa dos tendões do supra e do infraespinhoso medindo 30x28mm com acentuada retração medial das fibras que distam 15 a 20 mm do toquiter umeral”.
30. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, nos dias 12/09/2014 e 25/09/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE,
31. Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, no dia 14/10/2014, a autora foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE, na Especialidade de Ortopedia, tendo sido elaborado registo de episódio de consulta no qual consta:
“a) omalgia direita desde 9/9/2014 após acidente de viação,
b) efetuou Eco com Dx de ruptura da coifa (30x28mm e a 15 mm do toquiter),
c) incapacitada para o esforço com o braço, e
d) inscrita para cirurgia”.
32. Após a sua alta hospitalar, a autora passou a ser acompanhada e assistida por conta, a mando e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel no Hospital M…, pelo Dr. N…, médico especialista em Ortopedia e Traumatologia, tendo sido sujeita a uma sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça) com tenotomia da LPB no dia 31/01/2015, com recurso a anestesia geral.
33. Após a intervenção cirúrgica a que foi submetida, a autora efectuou tratamentos de hidroginástica, durante cerca de um ano no “O…, Lda.”.
34. Em consequência do embate, a autora apresenta as seguintes lesões no membro superior direito: desnível de ombros por atrofia ligeira da cintura escapular; apresenta cinco cicatrizes punctiformes no ombro próprias de artroscopia; rigidez ligeira do ombro direito com abdução e elevação a 130º, rotações com alguma limitação dolorosa nos últimos graus do movimento, conseguindo com alguma dificuldade levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar.
35. A autora apresenta quadro clínico do foro psicopatológico com 2-3 décadas de evolução, reformada em 2002 por esse motivo e seguida e medicada por Psiquiatria.
36. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22-01-2016.
37. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 3 dias.
38. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias.
39. O Quantum Doloris é fixável no grau 4/7.
40. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 4 pontos.
41. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7.
42. A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7, pelas dificuldades actuais em executar o trabalho de costura e as tarefas diárias de jardinagem e horticultura que desempenhava sem dificuldades antes do embate.
43. A autora pode beneficiar de tratamentos de hidroterapia.
44. A autora pode necessitar de tomar anti-inflamatórios e analgésicos em caso de crises álgicas.
45. A autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
46. A autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito.
47. Na altura do embate, a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.
48. As cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
49. O réu Fundo de Garantia Automóvel procedeu ao pagamento das despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar à autora.
50. O réu Fundo de Garantia Automóvel, em inícios de 2015, procedeu ao pagamento a F… dos estragos causados no veículo matricula ..-..-QU, no valor de cerca de €6.000,00.
51. A autora, por conta e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel, foi acompanhada e assistida no Hospital M…, no Porto.
52. A autora, por conta e a expensas do réu Fundo de Garantia Automóvel, em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada, foi submetida a uma “Avaliação do Dano Corporal no âmbito do Direito Civil” pelos Serviços Clínicos daquele réu, realizada pelo Dr. P….
53. Em 18/04/2016, réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou à autora uma proposta de indemnização pelos “danos não patrimoniais” sofridos pela mesma, no valor de €4.178,06.
54. A Autora, através do seu mandatário, por fax enviado para o réu Fundo de Garantia Automóvel, em 24/11/2016 e pelo mesmo recepcionado na mesma data, apresentou por escrito àquele um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência do embate, nos termos constantes de fls. 53 verso a 58 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, com os seguintes valores:
“Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 3 pontos: 7.500,00€;
Danos não patrimoniais: 30.000,00€”.
55. Em 16/01/2017, o réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais” sofridos, no valor de €5.000,00.
56. O embate foi participado ao réu Fundo de Garantia Automóvel pela autora em Setembro de 2014.
57. Na sequência dessa participação, o réu Fundo de Garantia Automóvel deu início a um processo de averiguações.
58. Terminada a instrução do processo de averiguações, o réu Fundo de Garantia Automóvel entendeu que o embate se ficou a dever ao comportamento do condutor do tractor de matrícula ND-..-.., o réu C….
59. O réu Fundo de Garantia Automóvel comunicou no dia 17/10/2014 que “consideramos demonstrada a responsabilidade indemnizatória”, nos termos constantes de fls. 361 verso cujo teor aqui se considerada integralmente reproduzido.
60. A autora teve alta médica no dia 21/01/2016.
61. As consultas de avaliação do dano corporal tiveram lugar em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada.
62. Em 29/02/2016 foi enviado o respectivo relatório médico ao representante da autora.
63. Do lado direito do local do embate, atento o sentido poente/nascente, existe zona de estacionamento.
64. A via onde ocorreu o embate é municipal e no interior de localidade.
65. O veículo QU, seguindo atrás do veículo ND, saiu de uma rotunda localizada a cerca de 150 metros do local ocorreu o embate.
66. O condutor do veículo QU percorria uma recta e o seu condutor viu de que à sua frente circulava um tractor com um atrelado.
67. O condutor do QU acelerou e iniciou a ultrapassagem.
68. A via era marginada por habitações.
*
Factos não provados
1. A 2ª ré tinha adquirido veículo agrícola/tractor agrícola de matrícula ND-..-.. em data anterior à do embate.
2. O veículo com a matrícula ..-..-QU circulava a uma velocidade inferior a 50 Km/horários.
3. O veículo com a matrícula ..-..-QU circulava com as luzes de cruzamento (médios) e as luzes de presença traseiras ligadas.
4. O veículo agrícola/tractor agrícola com a matrícula ND-..-.. mudou de direcção com destino a uma estrada municipal.
5. O embate ocorreu a cerca de 1,50 metros de distância relativamente à berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha de ambos os veículos (Poente/Nascente).
6. O embate ocorreu a cerca de 1,50 metro de distância do eixo da via, atento o sentido de marcha de ambos os veículos (Poente/Nascente).
7. O embate ocorreu a cerca de 5,00 metros de distância da berma direita, atento o sentido de marcha de ambos os veículos (Poente/Nascente).
8. À data e no local onde ocorreu o embate, o veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-... não dispunha do sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo.
9. O reboque tinha comprimento superior a 5,00 metros e altura superior a 2,50 metros.
10. A cerca de trinta ou quarenta metros antes daquele cruzamento, o veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-.. accionou o sinal luminoso de mudança de direcção do lado esquerdo e, acto contínuo, iniciou a aproximação ao eixo da via, ainda que dentro da sua faixa de rodagem, mantendo sempre o sinal luminoso ligado, ao mesmo tempo que reduzia a sua velocidade, e observava se circulavam veículos em sentido contrário àquele em que seguia e se existiam veículos à sua retaguarda que o viessem a ultrapassar, tendo para o efeito olhado pelo retrovisor do lado esquerdo.
11. O veículo agrícola/tractor agrícola matrícula ND-..-.. atravessou-se perpendicularmente no corredor de circulação mais à esquerda da sobredita Rua…, atento o seu sentido de marcha.
12. A autora necessita e necessitará no futuro, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia e Fisiatria para superar as consequências das lesões e sequelas supra descritas.
13. A autora necessita e necessitará no futuro, de realizar tratamento fisiátrico para superar as consequências das lesões e sequelas supra descritas.
14. A autora necessita e necessitará no futuro de tomar antidepressivos e ansiolíticos para superar as consequências das lesões e sequelas supra descritas.
15. Em consequência das lesões e sequelas supra referidas, a autora padece de alterações de humor e alterações afectivas.
16. Devido às lesões sofridas e às sequelas de que padece, a autora tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.
17. O condutor do ND parou antes de iniciar a viragem para a esquerda.
18. O condutor do QU iniciou a ultrapassagem, quando o ND já se encontrava a calcar a faixa contrária, atento o sentido de marcha de ambos, para mudar de direcção para a esquerda.
19. Com o embate ficou danificada a bomba de direcção e todo o sistema eléctrico do ND.
20. O veículo ND tinha sido entregue pela empresa ‘Q…, Limitada” à ré “Sociedade D…, Lda.” e por razões que se prendem com penhoras que recaiam sobre o mesmo, não se efectivou a venda, tendo sido devolvido a mesmo àquela.
O demais alegado não obtém qualquer resposta a nível probatório uma vez que se trata de matéria de direito e/ou conclusiva, mera impugnação ou não releva para a decisão da causa.
III – Do mérito das apelações.
Recurso do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA)
Sustenta este recorrente que a indemnização global pelos danos não patrimoniais deve fixar-se em €5.000,00.
A autora apresentou recurso subordinado em que questiona também o montante da indemnização.
Em consonância defende que atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 30, 41, 42, 45, 46,47 e 48, a título de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €22.5000,00.
Também a ré E… entende ser mais razoável a fixação de 5.000€ para majorar os danos não patrimoniais decorrentes do acidente dos autos e 5.000€ pelo dano biológico.
Dado que se trata da mesma questão irá apreciar-se de um passo o recurso do FGA e parte correlativa do recurso subordinado da autora e do recurso da ré E….
Apresenta-se na situação, nomeadamente, o denominado dano biológico que é um dano base, perspectivado como diminuição somática psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, o qual é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
A maioria da jurisprudência e certa doutrina consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, de 10 de Julho de 2008 – 08B2101 e Prof. Sinde Monteiro, “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).
Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta - pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
Mas também é lícito defender que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
E esses condicionalismos naturais podem ser agravados ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
Tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial ou compensado a título de dano moral.
A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.” – Vide Ac. do STJ Proc. nº 103/2002.L1.S1, de 20-05-2010 in www.dgsi.pt.
Assim, a indemnização a arbitrar pelo dano corporal deverá ter em conta as consequências patrimoniais daí resultantes (como as despesas médicas) e as consequências não patrimoniais (onde se integra a compensação pela lesão corporal em si que, pela sua própria natureza, não é susceptível de qualquer mensurabilidade.
Conclui-se maioritariamente, pois, que esta nova categoria de dano é uma classificação normativa com um interesse meramente descritivo ou adjectivo, na medida em que constitui apenas uma nova forma de organização conceptual de danos, contrapondo os corporais aos não corporais. As diversas categorias podem, assim, ser cruzadas entre si e, de acordo com o critério adoptado, é possível obter-se várias perspectivas do dano corporal em todas elas, quer dizer, o dano corporal pode ser um dano patrimonial e/ou dano não patrimonial.
O tribunal recorrido, neste ponto consignou o seguinte: “Considerando que a autora se encontrava reformada à data do acidente, entendemos que a incapacidade traduzida no Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 4 pontos não lhe acarretou perdas remuneratórias, nem qualquer redução de futura capacidade de ganho, pelo que o dano biológico consequente ao nível dos esforços e penosidade ao nível do desenvolvimento das tarefas correntes da vida diária deve ser qualificado como dano não patrimonial.”
E, ponderando o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, o período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 3 dias e o período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 498 dias, a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7, que a autora à data do acidente tinha 58 anos de idade, que a esperança média de vida é para os indivíduos do sexo feminino de 83 anos, segundo os dados do INE de 2014, acessíveis na internet., e ainda a circunstância de a indemnização ser recebida por inteiro, entendeu-se ajustada a fixação da indemnização pelo dano biológico na quantia de €15.000,00 (quinze mil euros).
Quanto aos restantes danos não patrimoniais ou morais foi tido em conta o quantum doloris fixável no grau 4/7; que a autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem continuado e continuará a sofrer, no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços; que a autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito; que o Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7; que as cicatrizes causam à autora desgosto e inibição; e que, na altura do embate, a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.
Nesta base, atentando no disposto no artigo 494º do C. Civil e nos critérios jurisprudenciais, reputou-se ajustada a indemnização de € 10. 000, 00 (dez mil euros).
Dado que se provou que a autora pode beneficiar de tratamentos de hidroterapia e que pode necessitar de tomar anti-inflamatórios e analgésicos em caso de crises álgicas que se traduzirão em danos patrimoniais emergentes futuros, relegou-se a sua avaliação e liquidação em incidente próprio.
Portanto, podemos sinteticamente dizer que o dano biológico autónomo de incapacidade traduzido no Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, qualificado como dano não patrimonial, foi computado em 15.000,00 euros e os restantes danos não patrimoniais foram avaliados em 10.000 euros.
Vejamos.
O Código Civil, no artigo 496.º, admite, independentemente da natureza contratual ou extracontratual, a indemnização dos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”.
Entende-se que este tipo de danos, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados.
O ressarcimento do dano não patrimonial assume simultaneamente uma vertente compensatória e uma vertente sancionatória: Compensatória, na medida em que os danos que vão ser indemnizados (compensados), não podem ser fácil e directamente avaliados, porque estão em causa danos que não têm um valor económico directo. Sancionatória, na medida em que se considera uma ideia de reprovação, no plano civilistico e pelos meios próprios do direito privado, da conduta do lesante.
A gravidade do dano haverá de medir-se por um padrão objectivo (essa apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias do caso concreto), devendo abstrair-se dos factores subjectivos (“de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”).
O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o de que o tribunal deve julgar exclusivamente com equidade “dentro dos limites que tiver por provados” (artigo 566.º n º3 do Código Civil), atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização (artigo 496.º, n.º 3), e quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram, (como se extrai da remissão para o artigo 494.º do Código Civil).
O quantum doloris é um parâmetro de dano relativo à incapacidade temporária, que valoriza a dor física resultante não só dos ferimentos como dos tratamentos, mas também a dor psicológica, referente à angústia e ansiedade criadas pelas circunstâncias inerentes ao acidente, como sejam as resultantes da hospitalização, a consciência do risco de vida, o afastamento do meio familiar, o afastamento das ocupações profissionais, etc. É também comum integrar nesta valorização a angústia e ansiedade face a intervenções cirúrgicas e particularmente à anestesia geral. O quantum doloris está dependente destas duas vertentes (dor física e também da dor psíquica). A avaliação do quantum doloris é muito complexa, pois trata-se de um parâmetro do dano muito subjectivo: de facto a avaliação da dor é muito subjectiva; cada pessoa sente o estímulo doloroso de maneira diferente e há também a subjectividade do próprio perito médico que está avaliar, que também não conhece senão as dores que também ele próprio já experienciou. Por tudo isto a avaliação da dor é duplamente subjectiva. Mas, se a avaliação do quantum doloris é duplamente subjectiva, a verdade é que a avaliação da dor tem também muito de objectivo. Por exemplo, a natureza e a gravidade das lesões podem, objectivamente, ser consideradas de dolorosas (em qualquer mortal, uma queimadura de 3º grau, por muito resistente que a pessoa possa ser à dor, é uma situação que objectivamente se pode concluir como dolorosa). Também o timbre de tratamentos que foram administrados é um factor a considerar (por exemplo, permanecer dois ou três meses com um colete gessado na mesma posição, na sequência de uma fractura da coluna vertebral, é naturalmente uma situação dolorosa para qualquer mortal). O mesmo acontece com o número de incidentes verificados no decurso do processo evolutivo das lesões (as complicações infecciosas, o número de intervenções cirúrgicas, etc.). São parâmetros que podem objectivamente ser indicadores de uma situação dolorosa, independentemente da capacidade de resistência à dor que o indivíduo possa ter. A medicina dispõe “hoje de diversos métodos de avaliação da dor (métodos de Fisher, de Gunther, de Terry, de Wussow e Krause, etc.) bem como de uma multiplicidade de escalas (binárias, de categorias, de analogia visual, etc.) e de questionários (MPQ, Wisconsin, McGill, etc.) susceptíveis de constituírem um precioso auxiliar para uma avaliação mais fundamentada deste parâmetro de dano. São, todavia, métodos que têm as suas limitações, nomeadamente em termos da cooperação do examinado, da sua idade, do seu contexto clínico (ansiedade, compromisso do nível de consciência, patologia psiquiátrica, etc.), do seu nível intelectual, sendo necessário que o perito domine o seu manuseamento para que deles retire alguma utilidade. Considera-se de particular relevância para a quantificação do quantum doloris a Tabela de Tierry e Nicourt, amplamente divulgada na prática médico-legal, a qual proporciona valorizações de referências (que o perito ajustará em função do caso concreto) susceptíveis de facultarem uma maior equidade nesta avaliação.
Para referenciar e qualificar o quantum doloris (no nosso país e noutros) é utilizada uma escala de 7 graus (que vai do muito ligeiro até ao muito importante). Trata-se de uma escala que não é obrigatória, o perito pode recorrer a uma outra qualquer escala qualificadora (desde que no relatório faça menção da escala adoptada, porque o qualificativo que atribuiu e o seu valor, depende do posicionamento relativo que tem dentro da escala escolhida), mas, por uma questão de harmonização, deve utilizar a escala de 7 graus (que neste momento é uma das escalas mais utilizadas dentro da União Europeia, e também por uma questão de actualização). Entende-se, e com alguma razão, que em vez de se utilizar uma escala qualitativa (que vai do muito ligeiro até ao muito importante), o perito deverá utilizar uma escala quantitativa (isto é, dizer: dor de grau 2 em 7), porque às vezes os sinistrados aceitam mal o qualificativo (por exemplo, quando um perito médico escreve num relatório dor de grau ligeiro, o sinistrado pode não concordar, porque pode sempre dizer que a dor que sentiu não foi ligeira...). Para que não surjam este tipo de situações, o perito deve estabelecer o grau do quantum doloris numa perspectiva quantitativa (por exemplo, em vez de dizer dor ligeira, deve dizer dor de grau 2 em 7) - Vide DUARTE NUNO VIEIRA, “A “missão” de avaliação do dano corporal em direito civil”, in Sub Júdice, 2000, pág. 26 e 27).
No caso verifica-se a seguinte factualidade:
Em consequência do embate, ocorrido em dia 09/09/2014, a autora sofreu vários ferimentos e lesões traumáticas; apresentou queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos;
Em 17/09/2014 foi observada no Hospital K…, S.A., tendo efectuado uma Ecografia do Ombro e Braço Direito a qual revelou “ruptura completa dos tendões do supra e do infraespinhoso medindo 30x28mm com acentuada retração medial das fibras que distam 15 a 20 mm do toquiter umeral”;
Dada a persistência das queixas dolorosas a nível do ombro e braço direitos, nos dias 12/09/2014 e 25/09/2014, foi observada no Centro Hospitalar L…, EPE;
No dia 14/10/2014 foi observada de novo neste Centro Hospitalar, na especialidade de Ortopedia, com registo do seguinte:
“a) omalgia direita desde 9/9/2014 após acidente de viação,
b) efetuou Eco com Dx de ruptura da coifa (30x28mm e a 15 mm do toquiter),
c) incapacitada para o esforço com o braço, e
d) inscrita para cirurgia”.;
No Hospital M…, no dia 31/01/2015, foi sujeita a uma sutura astroscópica da coifa dos rotadores direita (maciça) com tenotomia da LPB, com recurso a anestesia geral;
Após esta intervenção a autora efectuou tratamentos de hidroginástica, durante cerca de um ano no “O…, Lda.”;
A autora ficou com as seguintes lesões no membro superior direito: desnível de ombros por atrofia ligeira da cintura escapular; cinco cicatrizes punctiformes no ombro próprias de artroscopia; rigidez ligeira do ombro direito com abdução e elevação a 130º, rotações com alguma limitação dolorosa nos últimos graus do movimento, conseguindo com alguma dificuldade levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar;
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22-01-2016.
O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 3 dias.
O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 498 dias.
O Quantum Doloris é fixável no grau 4/7.
O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7.
A autora pode necessitar de tomar anti-inflamatórios e analgésicos em caso de crises álgicas.
A autora, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem continuado e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, a nível do ombro direito, as quais se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.
A autora, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível do ombro direito quando se deita para o lado direito.
Na altura do embate, a autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.
As cicatrizes causam à autora desgosto e inibição.
A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7, pelas dificuldades actuais em executar o trabalho de costura e as tarefas diárias de jardinagem e horticultura que desempenhava sem dificuldades antes do embate.
De tudo ressalta que a consolidação das lesões demorou mais de um ano, melhor especificando, o Défice Funcional Temporário Parcial prolongou-se por 498 dias e o Défice Funcional Temporário Total foi de 3 dias. Neste período sofreu dores e ansiedade em relação ao desfecho de todo processo terapêutico, tendo passado por uma cirurgia (que, mesmo com finalidade curativa, não deixa de representar uma agressão corporal).
Do ponto de vista funcional a autora ficou com rigidez ligeira do ombro direito com abdução e elevação a 130º rotações com alguma limitação dolorosa nos últimos graus do movimento e, se estes danos foram já contabilizados na indemnização do dano biológico, o certo é que também ficou com desnível de ombros por atrofia ligeira da cintura escapular; cinco cicatrizes punctiformes no ombro próprias de artroscopia, o que, além do mais, configura um dano estético (fixável no grau 2/7) a ponderar nesta particular compensação.
Atenta-se também em tudo o que se disse relativamente ao quantum doloris para se reconhecer que o grau de 4/7 é uma situação ligeiramente acima da mediana da escala.
O choque traumático que sofreu na altura do acidente, as dificuldades que tem agora nas suas actividades de lazer, as dores que a irão acompanhar e que a levam ao recurso a anti-inflamatórios e analgésicos nas crises álgicas e a tratamentos de hidroterapia são importantes transtornos que importa valorar.
Ponderando todo este circunstancialismo consideram-se ajustados os valores atribuídos na sentença a título de dano biológico (no caso caracterizado como dano não patrimonial) e a título dos restantes danos morais.
Recurso subordinado da autora
Arrumada que está a questão do montante da indemnização também suscitada pela autora neste recurso, passemos às restantes questões.
Sustenta a autora/recorrente que os factos constantes do item n.º 1 dos factos dados como não provados deviam ser considerados factos provados porque os autos dispõem de abundante prova, quer testemunhal, quer documental, quer por confissão das partes (Ré Sociedade D…, Lda) no sentido de que o veículo matricula ND-..-.. no dia 09/09/2014, cerca das 18 horas e 30 minutos, era da propriedade da 2ª Ré Sociedade D…, Lda.
Ponderemos.
Efectivamente foi dado como não provado que a 2ª ré tinha adquirido o veículo/tractor agrícola de matrícula ND-..-.. em data anterior à do embate.
Fundamenta-se na sentença este ajuizamento da seguinte forma:
Quanto à alegada transmissão da propriedade do veículo para a ré “Sociedade D…, Lda.”, não foi junta qualquer prova documental que suportasse a aquisição do mesmo por aquela, que até foi alegada de forma algo conclusiva, sendo que a mera celebração de contrato de seguro, já após o acidente, não é suficiente para a demonstrar. Também a informação prestada pela A.N.S.R. a fls. 259 e da cópia do auto de contra-ordenação de fls. 260 não é bastante para sustentar tal prova, já que daquela consta que aquela entidade não “dispõe de qualquer suporte documental respeitante ao mesmo”.
Paralelamente, na altura do acidente o veículo permanecia registado a favor de uma outra sociedade, conforme consta da certidão remetida pela Conservatória do Registo Automóvel a 16-10-2019, o que faz presumir que a propriedade do mesmo pertencia a “S…, S.A.” (artigo 7º do Código de Registo Predial aplicável “ex vi” do artigo 29º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro), presunção essa que não foi ilidida e contraria a identificação alegadamente obtida em através de informático pela entidade autuante.”
Devemos começar por afirmar que o modelo processual introduzido pela reforma do Novo Código do Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, que entrou em vigor no dia 01/09/2013 (NCPC), é o da prevalência do fundo sobre a forma com vista a alcançar a justa composição do litígio, ou seja, a verdade material que reclama a aplicação do direito substantivo.
Nesta linha se vem acentuando que a reapreciação da matéria de facto, por parte do tribunal da Relação, tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância para assegurar plenamente o duplo grau de jurisdição. (cfr. Ac. do STJ de 24 de Setembro de 2013, Proc. 1965/04.9TBSTB.E1.S1 in www.dgsi.pt.).
Mas também é preciso ter em conta que o objecto da prova não são todos os factos alegados pelas partes, mas apenas os pertinentes e que precisem de prova. E factos pertinentes são todos aqueles que forem determinantes para a decisão.
E, em bom rigor, sendo a reapreciação da decisão de facto um recurso é necessário que o recorrente esclareça qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
Significa, evidentemente, a demonstração da relevância da factualidade a alterar para a decisão do mérito.
Ora, é esta proposição que aqui não se observa.
Com efeito, a responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação recai sobre qualquer detentor efectivo do veículo e não apenas o proprietário do mesmo.
Por isso prescreve o artigo 503º do C. Civil que:” Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.” (sublinhado nosso)
Quer dizer, esta responsabilidade impende sobre quem tiver a direcção efectiva do veículo e o utilizar no seu próprio interesse, o que permite abranger uma amplitude de situações de detenção do veículo.
Nesta compreensão da matéria, refere Menezes Cordeiro, em Direito dos Seguros, 2ª ed,, pág. 511, que “no seguro de danos, o interesse configura-se como uma relação existente entre o segurado e o valor patrimonial seguro: uma orientação sufragada pelo artigo 47.º/1. A lei não refere esse tipo de relação: tendencialmente, tratar-se-á de propriedade ou de outra forma de titularidade, incluindo posições ativas em obrigações ou em valores imateriais”.
Assim, o que interessa é a relação económico-jurídica com o bem segurado, sendo o risco exposto referente a essa relação económica.
Conclui-se, pois, que os danos causados pelos veículos, em circulação ou não, terão de ser assumidos por aqueles que os usufruem.
Deste modo, de nada releva para qualquer das plausíveis soluções do pleito que a detentora do veiculo seja ou não proprietária do veículo, sendo, aliás, de notar que, no entendimento aqui enunciado, se mostra alvo de responsabilização na sentença recorrida,
Por fim, entende a autora no recurso que a proposta apresentada que lhe foi apresentada pelo réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, teve lugar em 18/04/2016, muito para além do prazo de 15 dias, quer após a data da alta clínica atribuída pelo próprio réu FGA à Autora em 22/01/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 07/02/2016 - quer após a realização do relatório de avaliação clínica efectuado pelo próprio Réu FGA à Autora em 17/02/2016 - prazo esse que teve assim lugar em 05/03/2016. Que existe uma diferença enorme entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel, o valor do pedido de indemnização final formulado pelo Autor e o valor da condenação no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pela Autora em consequência do acidente em discussão nos presentes autos.
Assim sendo, conclui que:
a) pela não apresentação de uma proposta no prazo devido devem ser todos os réus solidariamente condenados no pagamento dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que lhe vierem a ser fixados na decisão judicial, a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, ou caso V.Ex.ª assim o não entenda,
b) pela apresentação de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: devem ser todos os réus solidariamente condenados no pagamento dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€5.000,00) e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 07/02/2016 ou 05/03/2016 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.
Ponderemos.
Neste aspecto consignou-se na sentença:
“Pretende a autora que sejam arbitrados juros correspondentes ao dobro da taxa legal, invocando o disposto nos nº s 2 e 3, do artigo 38º do DL nº291/2007, de 21 de Agosto.
Ora, tal penalização teve em vista o incumprimento pelas seguradoras dos deveres estabelecidos na alínea e) do nº1 e no nº5 do artigo 36º, ou seja, a falta de comunicação da assunção da responsabilidade do sinistro (alínea e) ou a falta de decisão final nos casos em que tal assunção ocorre, ao arrepio da posição do tomador do seguro ou do segurado. Em tais situações a posição da seguradora “consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte” (nº1 do artigo 38º). Ou seja, não havendo controvérsia quanto à responsabilidade do segurado – ou tendo a seguradora abdicado de a suscitar – cumpre-lhe apresentar uma proposta razoável de indemnização, no caso de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. Incumprindo a seguradora tal dever, justifica-se então a fixação da penalidade prevista no nº2, traduzida no agravamento dos juros, porquanto o dano sofrido pelo lesado é quantificável, ainda que só parcialmente. Assim, se em consequência do sinistro resulta a destruição de bens cujo valor de mercado não gera controvérsia, ou a perda de remuneração motivada por imobilização forçada, justifica-se plenamente o agravamento dos juros da responsabilidade da seguradora, no caso de esta não se pronunciar sobre a assunção ou não assunção da responsabilidade no prazo fixado na alínea e do nº1 do artigo 36º, ou, assumindo-a, não apresentar proposta razoável de indemnização ao sinistrado. Tratando-se de danos corporais, é aplicável o disposto no nº1 do artigo 39º do mesmo diploma, que remete para a violação dos deveres fixados na alínea c) do nº1 e alínea b) do nº2, ambos do artigo 37, o primeiro dos quais pressupõe a “emissão do relatório de alta clínica” e que “o dano seja totalmente quantificável”, enquanto o segundo pressupõe a aceitação pelo lesado da “proposta provisória” apresentada pela seguradora, no caso de o relatório da alta clínica não ter sido apresentado no prazo de 45 dias a que se refere a alínea c), do nº 1, do artigo 37º. Ou seja, o agravamento para que remete o nº2 do artigo 39º do diploma em análise pressupõe necessariamente, por um lado, que a responsabilidade não foi objecto de controvérsia e que o dano é quantificável, no todo ou em parte. Mas mesmo quando verificados tais pressupostos, os juros são liquidados à taxa legal, “quando a proposta tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (…) e, quanto aos danos não patrimoniais, os juros apenas são devidos a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos” (nº3 do artigo 39º). Por isso mesmo e seguindo na mesma linha, o nº4 do mesmo artigo, estabelece que “relativamente aos prejuízos futuros, a proposta prevista no nº1 pode ser limitada ao prejuízo provável para os três meses seguintes (…) excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado”. Ou seja, a penalização fixada no nº3 do artigo 38º para que remete o nº2 do artigo 39º do diploma em análise, só tem cobertura legal relativamente ao dano corporal quantificável sofrido pelo lesado e não relativamente ao dano não patrimonial e ao dano futuro, salvo neste último caso se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado.
Ora, só o réu Fundo de Garantia Automóvel assumiu a responsabilidade, sendo controvertida quanto aos demais réus.
Ademais, na situação dos autos estão em causa apenas danos não patrimoniais e danos futuros ainda não liquidados, já que o réu Fundo de Garantia Automóvel liquidou as despesas realizadas pela autora. Por conseguinte, são aplicáveis os juros legais, sem qualquer acréscimo. “Sempre que a indemnização é fixada através da equidade, como sucede na fixação da compensação por danos não patrimoniais, deve considerar-se que tal valor é actualizado.” – Ac. RP de 16-03-2015, processo n.º 224/12.8TVPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt., com o qual concordamos. Com efeito, relativamente aos danos não patrimoniais, os juros são contados a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos, pelo que, face aos concretos pedidos formulados na petição inicial quanto aos juros, às mencionadas quantias acrescem os juros legais de mora à taxa de 4% contados da data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento. “
Efectivamente, o Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto estabelece um regime especial de juros de mora relativamente às obrigações das seguradoras no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Importa aqui particularmente o capitulo III deste diploma intitulado “Da regularização dos sinistros”, o qual “fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.”- artigo 31º.
Importa também esclarecer que estes procedimentos se aplicam aos sinistros cuja regularização deva ser efectuada pelo Fundo de Garantia Automóvel. - artigo 32º, nº 4.
E o artigo 37º, epigrafado, “Diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais”, prescreve:
1.Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais: a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado; b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão; c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico.
2.Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:
a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos; b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.
3. À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando-se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias.”
O artigo 38º, nº 2 determina que:” Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.”, sendo que o artigo 39º, nº 2 alarga este regime aos sinistros que envolvam danos corporais, como é o caso que nos ocupa.
No caso o embate foi participado ao réu Fundo de Garantia Automóvel pela autora em Setembro de 2014, o qual, nessa sequência, deu início a um processo de averiguações.
A autora teve alta médica no dia 21/01/2016.
As consultas de avaliação do dano corporal tiveram lugar em 17/02/2016 e em data anterior não concretamente apurada.
Em 29/02/2016 foi enviado o respectivo relatório médico ao representante da autora.
Em 18/04/2016, réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou à autora uma proposta de indemnização pelos “danos não patrimoniais” sofridos pela mesma, no valor de €4.178,06.
A Autora, através do seu mandatário, por fax enviado para o réu Fundo de Garantia Automóvel, em 24/11/2016 e por este recepcionado na mesma data, apresentou um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência do embate, nos termos constantes de fls. 53 verso a 58 verso, com os seguintes valores:
“Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 3 pontos: 7.500,00€;
Danos não patrimoniais: 30.000,00€”.
Em 16/01/2017, o réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou por escrito à autora uma nova proposta de “indemnização pelos danos não patrimoniais” sofridos, no valor de € 5.000,00.
Com esta factualidade se tem de perceber se foi inobservado o prazo de 15 dias no procedimento de regularização do sinistro cuja sanção é a aludida aplicação de juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
O réu FGA comunicou à autora a assunção da responsabilidade dentro do prazo dos 45 dias, isto é, em 17/10/2014.
Aquilo que se segue, como atrás se descreveu, é que se nesse prazo não tiver sido emitido o relatório de alta clínica ou o dano não for totalmente quantificável, a assunção da responsabilidade assume a forma de «proposta provisória».
E, se esta a proposta tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.
Portanto, este prazo de 15 dias tem aplicação na situação em que o lesado aceita a tal “proposta provisória”, o que se compreende porque aqui a situação ficará resolvida no procedimento extra judicial, sendo imperioso o desiderato de prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais.
Claramente o circunstancialismo em analisado não coaduna com o caso dos autos pois a autora não aceitou a proposta do FGA.
Resta agora verificar se existe uma diferença enorme entre o valor da proposta do réu Fundo de Garantia Automóvel, o valor do pedido de indemnização final formulado pelo Autor e o valor da condenação no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pela Autora.
A comunicação da assunção da responsabilidade feita nos termos do disposto no nº 1 al. e) e nº 5 do artigo 36º é considerada uma proposta razoável de indemnização conforme expressamente dita o artigo 38º nº 1.
Porém o º 3 deste preceito comanda que “se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial”.
E o nº 4 do mesmo preceito aduz que ”Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável, aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.”
A jurisprudência tem vindo a entender que a profunda divergência entre o montante da proposta efectuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal é quanto basta para que, em termos objectivos, não se possa qualificar aquela como "razoável", nada mais precisando o lesado de provar para poder beneficiar do estabelecido no artigo 38, nº2 ex vi artigo 39.º n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007.
Querendo a seguradora beneficiar do regime do n.º 3 do referido artigo 39.º tem o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efectuou a proposta "nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil". – V. g. acórdão da Relação de Guimarães de 07-05-2020, proc. nº 8404/15.8T8GMR.G1 in www.dgsi.pt.
Importa então determinar se a proposta apresentada à autora se apresenta manifestamente insuficiente para efeitos da cominação prevista no mencionado nº 3 do artigo 38º ex vi nº 2 do artigo 39º.
Esta sanção civil depende da verificação dos seguintes pressupostos:
Que a seguradora assuma a responsabilidade pelo sinistro
Que a proposta apresentada se considere manifestamente insuficiente em face do montante fixado na decisão judicial.
E a sanção consiste na aplicação de juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do artigo 38º (prazos previstos na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36º) até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
A lei não precisa ou concretiza o que deve ter-se por proposta manifestamente insuficiente.
Deve notar-se que o artigo 39º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 estabelece que:” Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.”
E foi emitida a Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio para densificar a “proposta razoável de indemnização” a apresentar aos lesados no âmbito dos acidentes de viação
Esta Portaria veio fixar critérios e valores orientadores estabelecendo em anexo tabelas relativas às indemnizações a arbitrar em caso de morte e por danos corporais.
No preâmbulo diz-se que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Mas o certo é que estes critérios orientadores passaram a ser tomados à letra pelas seguradoras e respaldam agora propostas miserabilistas em nada contribuindo para o desiderato da almejada a “proposta razoável de indemnização”.
A pretendida resolução extra judicial do litígio fica comprometida e proliferam as acções instauradas em tribunal onde não é discutida a dinâmica do acidente (pois a seguradora assume a responsabilidade pela obrigação de indemnizar o lesado) mas apenas os danos e essencialmente o quantum indemnizatório.
É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invoca-los.
É neste quadro que temos de avaliar o que é uma proposta manifestamente insuficiente.
Nesta conjuntura, o principio norteador da boa-fé objectiva associado a valores éticos e morais por que se devem pautar as pessoas nas suas relações umas com as outras, quer dizer com lealdade e rectidão e em observância aos bons costumes, acaba por merecer uma descontinuidade numa normatividade que não serve o ordenamento jurídico como sistema em que as partes estão interrelacionadas actuando como suporte para a integridade deste.
No caso, a proposta apresentada pelo réu FGA de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos (incluindo aqui o dano corporal foi no valor de €5.000,00.
Na sentença fixou-se a título de dano corporal e danos não patrimoniais o montante total 25.000.00€, o que aqui se confirmou.
Quer dizer, o valor oferecido foi cinco vezes menor.
Ora, manifestamente insuficiente quer necessariamente dizer obviamente diminuto para compensar o prejuízo e uma quantia cinco vezes inferior a outra é manifestamente menor que ela.
Logo, deve ser aplicada a mencionada sanção do pagamento de juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do artigo 38º (prazos previstos na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36º) até à data da decisão judicial, ou seja do presente acórdão.
Assim, o réu FGA, que foi quem aceitou a responsabilidade e os réus C… e “Sociedade D…, Lda, com ele solidariamente responsáveis, devem pagar juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável desde 05/03/2016 (última data peticionada pela autora como sendo a do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do artigo 38º e não contestada) até à data do presente acórdão.
Recurso da ré E…
Argumenta esta recorrente que os pontos 25 dos factos provados e 2 dos factos não provados foram incorrectamente julgados.
Que dos depoimentos de B…, F…, H… e I… resulta que o veículo Mercedes circulava a menos de 50 km/h pelo que se impunha ao Tribunal formar convicção diferente da que consta na sentença. Desta forma, impõe-se considerar provado que “o veículo com a matrícula .. – ... -QU circulava a uma velocidade inferior a 50 km/h” e não provado que “o veículo com a matrícula .. - .. - QU circulava a velocidade acima dos 50 Km/horários”.
Que mesmo que assim não se entenda, deve considerar-se não provado o ponto 25 da matéria de facto.
E ainda que da análise dos documentos juntos pelo Fundo Garantia Automóvel resulta que o mesmo assumiu a culpa do veículo “lesante” matrícula ND…, o que consubstancia confissão extrajudicial, revestindo força probatória plena, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil pelo que deveria considerar-se assente a confissão plena, condenando, por isso, o Fundo Garantia Automóvel.
Analisemos.
Pontos de facto em divergência:
PROVADO
25. O veículo com a matrícula .. - .. - QU circulava a velocidade acima dos 50 Km/horários.
NÃO PROVADO
2. O veículo com a matrícula .. - .. - QU circulava a uma velocidade inferior a 50 Km/horários.
Na sentença, neste aspecto, fundamentou-se:
A testemunha T…, disse que se deslocava no veículo atrás do automóvel da marca Mercedes e que presenciou o acidente. Referiu que o veículo da marca Mercedes “deu o pisca para ultrapassar”, que não vinha qualquer veículo em sentido contrário e quando o carro estava ao lado do tractor, este tentou virar e embateu no carro. O embate deu-se na faixa de rodagem da esquerda. O tractor circulava devagar e embora não tenha a certeza quanto à velocidade a que seguia o veículo da marca Mercedes, admitiu que poderia ir a cerca de 40 ou 50 km/hora e ter aumentado a velocidade para ultrapassar. Referiu que não viu o tractor a dar “pisca”.
(só viu o mercedes à sua frente quando fez a rotunda, talvez aumentasse a velocidade quando ia a ultrapassar, a tendência é acelerar….o trator virou de repente à esquerda
…..
A testemunha U…, primo do gerente da ré “Sociedade D…, Lda.”, disse que se encontrava a pé a cerca de 200 metros do local do acidente, tendo visto o tractor conduzido pelo 1º réu, que seguia a não mais de 20 km/hora, o veículo Mercedes, que circulava a cerca de 50 a 60 km/hora e uma outra viatura a passar por si, no início da recta, até à passadeira pois a partir daí deixou de ter visibilidade. Por isso, não viu o embate, ouvindo apenas o “barulho”. Indicou os danos apresentados por ambos os veículos e referiu que a ficha de ligação do tractor à cisterna estava rebentada, mas não saber com certeza se tal se deveu ao embate. Afirmou que o tractor só tinha um espelho retrovisor em cima do capô, mas insuficiente para visibilidade por causa da cisterna e que não tinha espelhos laterais. Quanto à propriedade do tractor, revelou ter conhecimento meramente indirecto, através do que lhe foi contado pelo seu primo.
A testemunha V…, perito averiguador que presta serviços à ré seguradora declarou ter elaborado o relatório de averiguação de fls. 277 e seguintes. Explicou que não lhe foi apresentado qualquer documento referente à propriedade do tractor e que a informação de fls. 283 foi prestada pela Câmara Municipal de Vila do Conde a seu pedido por ter tido dúvidas sobre a caracterização do local. Não verificou o funcionamento do sistema de sinalização do tractor, nem da cisterna, nem a caixa de fusíveis ou o cabo de ligação. Precisou os danos visíveis nas fotografias de fls. 288 verso e seguintes. Reforçou a violência do embate, por o canto direito da frente do veículo da marca Mercedes ter ficado deformado.
A testemunha W…, amigo do 1º réu, disse que se encontrava na Rua…, nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente. Contudo, reconheceu que não viu o mesmo pois estava de costas para a estrada nesse momento. Não conseguiu concretizar a velocidade a que seguiam os veículos. No entanto, confirmou a posição final dos mesmos e disse ainda que não viu qualquer veículo em sentido contrário ao do tractor após o embate. Embora tenha referido que o tractor tinha a “ficha rebentada” e fusíveis queimados, admitiu não saber como estes estavam antes do acidente.
Nas fotografias de fls. 283 verso a 292 verso, 302 a 303, 306 a 310 e 353 verso a 356 verso, 415 a 424 são visíveis os danos apresentados pelos veículos intervenientes no embate, que indicam as zonas embatidas, sendo bem perceptível o ponto de impacto no rodado do tractor na fotografia de fls. 307 verso.
Nas suas declarações, a autora admitiu que a viatura na qual era transportada podia circular a mais de 50 km/hora.
Ademais, considerando que o veículo da marca Mercedes ainda percorreu mais de 14 metros até se imobilizar, que o tractor, que circulava a velocidade não superior a 50 km/hora, que tinha acoplada uma cisterna, com peso necessariamente muito elevado, ainda foi projectado para o lado direito e os danos apresentados por ambas as viaturas, com base nas regras da experiência comum e nas leis da física, consideramos que o automóvel com a matrícula QU circulava efectivamente a velocidade superior a 50 km/hora.”
Apreciando.
Têm sido desenvolvidas diversas metodologias para cálculo da velocidade de veículos automotores que apresentam diferentes graus de dificuldades de acordo com as variáveis envolvidas e a confiabilidade requerida.
Nestes métodos entram, designadamente, vectores como o rasto de travagem, a distância de paragem, a posição de imobilização dos veículos.
Observando todos os elementos provatórios, sobretudo aqueles que oferecem uma percepção mais objectiva, como sejam o croquis elaborado pelo agente da PSP que tomou conta da ocorrência e os contributos para a melhor compreensão do mesmo apresentados em audiência, o relatório de averiguações efectuado pelo perito averiguador que presta serviços à ré E…, os esclarecimentos por ele prestados em audiência e ainda as fotografias juntas com o dito relatório que documentam os danos nos veículos, impõe-se-nos a seguinte reflexão.
A distância de travagem (que é a distância percorrida pelo veículo, desde o local em que é accionado o pedal do travão, até ao local onde fica imobilizado) e a extensão dos danos ocasionados, inculcam a convicção de que o veículo mercedes teria de seguir a uma velocidade superior a 50 Km/h.
Com efeito, é do conhecimento geral que os principais factores que influem na distância de travagem são a velocidade do veículo e a sua massa pelo que quanto maior for a velocidade, maior é a distância de imobilização e também quanto maior a velocidade de aproximação entre os dois corpos deformáveis que se chocam, maiores serão os danos causados.
Deste modo, é de manter o juízo probatório desenvolvido neste ponto factual que determinou a solução jurídica da concorrência de culpa nos precisos termos concebidos na sentença recorrida.
Resta apenas declarar que é incontornável que o facto de o FGA ter assumido extrajudicialmente a responsabilidade do acidente para efeitos de seguro, nada pode valer em termos de confissão judicial nesta acção em que se discutem vários aspectos do instituto da responsabilidade civil entre os vários intervenientes.
Pelo exposto delibera-se julgar:
Totalmente improcedentes o recursos do Fundo de Garantia Automóvel e da Seguradora E… e parcialmente procedente o recurso subordinado da autora, ou seja, procedente quanto à aplicação da sanção do pagamento de juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados desde 05/03/2016 até à data do presente acórdão e a pagar pelo réu FGA e os réus C… e “Sociedade D…, Lda, com ele solidariamente responsáveis.
Custas pelos apelantes nas respectivas apelações, sendo a da autora na proporção do decaimento que se fixa em 90%..

Porto, 23 de Fevereiro de 2021
Atesta-se que o presente acórdão tem voto de concordância do Exmº Desembargador Adjunto José Carvalho, nos termos do disposto no artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13/3, na redacção introduzida pelo artigo 3º do DL 20/2020, de 1/5.
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues