Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9983/20.3T8PRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
REMUNERAÇÃO ADICIONAL DEVIDA A AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP202304179983/20.3T8PRT-E.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de remuneração adicional do agente de execução, tendo o processo executivo terminado por transação entre as partes na qual o exequente declara que a quantia exequenda, incluindo juros, se encontra liquidada, e tendo a mesma ocorrido mais de dois anos após a instauração da execução e depois de a agente de execução, no exercício das suas funções, ter procedido à penhora de saldos bancários e de imóveis desonerados de garantias reais anteriores e ter já praticado actos de preparação de venda de um dos imóveis por si só considerado suficiente para pagar aquelas quantias, o pagamento da quantia exequenda que naquela transação se dá conta não pode deixar de ter-se como decorrente ou motivado por tais diligências, porquanto, pese embora a agente de execução não tenha tido intervenção directa no acordo entre as partes, foi na sequência de tais diligências que a mesma veio a ser concretizada.
II - Assim, considerando o disposto no nº5 e no nº6, alíneas a) e b), do art. 50º da Portaria 282/2013 de 29/8, houve, por via daquela actuação da agente de execução, “valor recuperado” correspondente àquelas quantias, e já havia, aquando de tal recuperação, “valor garantido” suficiente para o pagamento daquelas mesmas quantias através da execução, do que decorre que é devida à agente de execução a remuneração adicional ali prevista.
III - Não é exigível que, para ter lugar aquela remuneração adicional em caso de transação, o agente de execução tenha que, por si próprio e sob qualquer forma, procurado obter tal transação junto das partes, pois isso, como decorre da previsão do art. 719º nº1 do CPC, é matéria que extravasa as suas competências e está antes reservada às próprias partes e/ou aos seus mandatários; o que é determinante é que haja produto recuperado ou garantido na sequência das diligências do agente de execução, o que aponta para que deve evidenciar-se algum nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da execução, nos termos das alíneas a) e b) do nº6 do art. 50º daquela Portaria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº9983/20.3T8PRT-E.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 5)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

No âmbito de execução comum ordinária em que é exequente AA e em que são executados BB e CC, que corre termos sob o nº 9983/20.3T8PRT no Juízo de Execução do Porto, veio a Agente de Execução, DD, apresentar nota de honorários e despesas, na qual se conta a quantia de €59.415,32 a título de remuneração adicional prevista no art. 50º da Portaria 282/2013 de 29/8 e seu Anexo VIII.
O exequente, notificado de tal nota de honorários e despesas, veio ao abrigo do disposto no art. 46º daquela Portaria reclamar da mesma para a Sra. Juíza do processo, defendendo que no caso não deve ter lugar tal remuneração adicional pois a execução terminou com uma transação (que deu entrada nos autos a 16/8/2022) e a agente de execução não promoveu quaisquer diligências importantes e muito menos essenciais à sua celebração.
A agente de execução respondeu, dando conta do seguinte:
- que o processo teve início em Junho de 2020;
- que nessa sequência penhorou a pensão auferida pelo executado BB, 1 prédio urbano sito na Avenida ..., ... saldos bancários num total de 40.124,00€, 1 prédio urbano sito na Rua ..., V. N. Famalicão, 1 fração destinada a arrumos e arrecadação do prédio urbano sito com entrada pelo n.º ... da Rua ... do Bairro ..., 1 fração destinada a habitação do prédio urbano sito Rua ..., ... do Bairro ..., sendo que contabilizando os imóveis pelo seu valor patrimonial constante da caderneta predial (que sabemos que em nada se assemelha ao valor comercial dos mesmos) tais bens totalizam o valor de 1.180.341,87€;
- que tal valor era mais do que suficiente para garantir a recuperação da totalidade da dívida exequenda, acrescida de juros e despesas prováveis e tanto assim que, quando notificado nos termos do artigo 812º n.º 1 do Código de Processo Civil, o Exequente veio atribuir à fração destinada a habitação, do prédio urbano sito Rua ..., ... do Bairro ..., o valor de 2.000.000,00 (dois milhões de euros), que foi o valor que veio a ser atribuído por si para efeitos de venda (ou seja, só a penhora de tal fração assegurou a totalidade da divida exequenda);
- que daqui decorre que realizou todas as diligências de penhora suscetíveis de garantir o pagamento integral da dívida, diligências que naturalmente vieram a contribuir para a transação, isto porque não fosse a penhora de bens o executado não tinha interesse em celebrar o acordo e tal penhora promoveu a celebração do mesmo; ou seja, face à penhora realizada nos autos, o exequente, em qualquer circunstância, sempre seria pago da totalidade do seu crédito, ou pela venda judicial dos bens ou pelos meios determinados no acordo, como veio a acontecer.
Pugnou por isso pelo indeferimento da reclamação.
De seguida foi pela Sra. Juíza proferida a seguinte decisão (só não se transcreve o respectivo relatório):
“São estes os factos:
A execução deu entrada em Juízo em 20.06.2020, com o valor de 1.804.055,17€.
A Senhora AE fez inúmeras pesquisas no registo predial, segurança social, Banco de Portugal e registo automóvel a fim de encontrar bens penhoráveis.
Penhorou saldos bancários nos valores de: 1.059,08€, 5.619,62€, 3.952,94€, 28.940,12€ e 552,24€.
Penhorou a pensão do executado BB.
Penhorou os seguintes imóveis:
- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 252.570,00€;
- Prédio urbano sito em Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Famalicão sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 170.154,60€;
- Fração autónoma designada pela letra “P”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...... - ..., com o valor patrimonial de 8.211,35€;
- Fração autónoma designada pela letra “B”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...... - ..., com o valor patrimonial de 709.282,00€.
Tais imóveis não tinham constituídas garantias reais anteriores.
A Senhora AE notificou as partes para se pronunciarem sobre o valor base a fixar ao prédio descrito na verba n. 1 do auto de penhora de 02.07.2020, bem como a modalidade da venda.
O exequente pronunciou-se através de requerimento de 20.07.2022, indicando o valor base de 2.000.000,00€ e requereu que a venda fosse efetuada na modalidade de leilão eletrónico.
A Senhora AE citou os credores.
Entretanto, por requerimento de 16.08.2022, as partes vieram apresentar transação, nos termos da qual o exequente declarou ter recebido a quantia exequenda, incluindo capital e juros.
Apreciando e decidindo,
Pelo artigo 50º da portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados nas tabelas dos respetivos anexos. E, quanto aos processos executivos para pagamento de quantia certa, postula que, no termo do processo, é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
- Do valor recuperado ou garantido;
- Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
- Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
E clarificando o significado desses conceitos define como “Valor recuperado” o valor do dinheiro restituído, o entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; como “Valor garantido” o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global (n.º 6).
A atribuição da remuneração adicional, conforme se assinala no preâmbulo da referida portaria, implica que o reforço dos valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, visa promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias exequendas, assim estimulando o seu pagamento integral voluntário e/ou celebração de acordos de pagamento entre as partes para pôr termo ao processo.
Daí que a previsão do pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução pressuponha que “a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas”, o que, aliás, resulta da dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a sua intermediação.
Acresce que a tabela do Anexo VIII daquela portaria, ao descrever o cálculo da remuneração adicional, alude a que: “O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º, é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.”.
O nº 11 consagra que o valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
Assim, o critério legalmente desejado para a constituição do direito à remuneração adicional é o da obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que, na sequência das que foram realizadas pelo agente de execução, se consiga recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou firmar um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende da medida do cumprimento do acordo.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2.06.2016 in dgsi.pt, proc. 3559/16.7T8PRT-B.P1, este sistema de remuneração tem em vista dois objetivos fundamentais: por um lado, assegurar uma remuneração mínima que constitua em qualquer dos casos incentivo suficiente à realização dos atos e diligências por parte do agente de execução no processo executivo (remuneração fixa) e, por outro, proporcionar uma remuneração adicional que estimule a eficiência e celeridade na realização desses atos e diligências (remuneração adicional), sendo por isso tão mais reduzida quanto mais demorado for o processo e tardios os efeitos do seu resultado.
Importa assim que haja um nexo de causalidade entre o resultado e a atividade desenvolvida pelo Agente de Execução, que a nosso ver, existe no caso que nos ocupa.
Na verdade, a Senhora Agente de Execução demonstrou diligência e eficiência na sua atividade, penhorando bens que garantem a totalidade da quantia exequenda (veja-se que o próprio exequente, ofereceu como valor base da verba n. 1, o de 2.000.000,00€) e providenciando pelo regular andamento da execução.
O processo encontrava-se na fase da venda, tendo sido já citados os credores, pelo que é de presumir que todas estas diligências levadas a cabo pela Senhora Agente de Execução contribuíram de modo significativo para a obtenção do acordo entre as partes, nos termos em que ocorreu, ou seja, com o pagamento integral da quantia exequenda e consequente extinção da execução.
Não fora a conduta diligente da Senhora AE, não era de esperar que as partes tivessem transigido nos termos e no momento em que o fizeram.
Seja pelo valor recuperado, seja pelo valor garantido (que até podia ser bem mais elevado, se considerarmos que o imóvel da verba n. 1 vale 2.000.000,00€), justifica-se que à Senhora Agente de Execução seja atribuída a remuneração adicional a que alude o artigo 50º, nºs 5 e 6 da Portaria 282/2013.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação.
Custas pelo exequente/reclamante pelo incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de
justiça em 2 (duas) UC.
Notifique.”

De tal decisão veio o exequente interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O despacho de que ora se recorre versa sobre o pedido de reclamação apresentado pelo ora Exequente, no âmbito do qual o Tribunal a quo indefere a reclamação com base no elemento literal das normas aplicáveis à remuneração variável dos Agentes de Execução, desatendendo em absoluto à corrente dominante da jurisprudência que interpreta o direito à remuneração variável cum grano salis.
B. A decisão de que ora se recorre ignorou a corrente maioritária de jurisprudência e limitou-se a aplicar a letra da lei, sem ter em atenção os especiais contornos do caso concreto, sem atender às circunstâncias do caso concreto.
C. A apresentação da nota discriminativa de honorários e despesas, remetida pela Sra. Agente de Execução, onde vem peticionada a quantia total de €74.429,05, dos quais apenas €525,30 são referentes a honorários referentes aos atos praticados, sendo que €59.415,32 são referentes a remuneração adicional, calculada nos termos do Anexo VIII, da Portaria 282/2013, o ora Recorrente apresentou a competente reclamação, por considerar, não só que a Agente de Execução não teve qualquer papel ativo na negociação, mas também porque a negociação não se realizou na sequência de qualquer penhora efetuada por aquela.
D. O montante peticionado pela Agente de Execução a título de remuneração adicional é manifestamente desajustado, pelo que é entendimento do Recorrente que terá que ser eliminado ou, pelo menos, reajustado, conforme infra se demonstrará.
E. O espírito do art. 50º da Portaria nº 282/2013 de 29/08, relativo à remuneração adicional do Agente de Execução pressupõe que a recuperação da quantia exequenda tenha ocorrido na sequência de diligências por si promovidas e está diretamente relacionada com o sucesso nas diligências executivas encetadas pelos Agentes de Execução.
F. Aliás, tal resulta do preâmbulo VIII da Portaria 282/2013, onde ficou referido que a remuneração adicional “destina-se a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução.”.
G. Sucede que, no âmbito dos presentes autos, a Agente de Execução não teve qualquer intervenção no que respeitou à obtenção do acordo e, por conseguinte, à recuperação da quantia exequenda pelo Exequente.
H. O acordo celebrado nos presentes autos não foi celebrado na pendência de qualquer venda em curso, pelo que não se compreende a decisão da qual se recorre. Aliás, diferente seria o cenário se o Exequente, ora Recorrente, tivesse adjudicado o imóvel na pendência da venda judicial, com pedido de dispensa de depósito do preço em virtude do contra crédito que tem.
I. Portanto, contrariamente ao que a Agente de Execução referiu, não foi devido à sua diligência e eficácia que foi celebrado um acordo, conforme facilmente se afere.
J. Note-se que, as penhoras realizadas datam de junho de 2020, e o acordo foi celebrado em agosto de 2022, logo não terá sido o ato de penhora que levou ao acordo entre os sujeitos processuais...
K. Acresce que, quando as partes celebraram acordo tinha ocorrido a notificação, nos termos do art. 812º do CPC, pelo que não estava qualquer venda em curso, nem tampouco agendada, ao contrário do que se pretendeu fazer crer ao tribunal a quo.
L. Por outro lado, o período que mediou desde a penhora do imóvel até à venda ultrapassou os 2 anos, pelo que os atos praticados no que respeitou à penhora do referido imóvel em nada contribuíram para a celebração da transação.
M. Por outro lado, o Recorrente não poderá deixar de esclarecer que, ao contrário do que foi indicado pela Agente de Execução, os seus honorários não foram descontados no preço do imóvel adquirido pelo Exequente, pelo que, contrariamente ao que se pretendeu sugerir, o Exequente não reservou para si quantias respeitantes aos honorários da Agente de Execução.
N. Na realidade foi celebrado um acordo no âmbito dos presentes autos, que foi construído, exclusivamente, pelas partes, que, sendo familiares, optaram por chegar a um consenso com vista ao término do processo judicial, que submeteram aos presentes autos, sem qualquer auxílio da Sra. Agente de Execução, que consistiu na entrega de um imóvel.
O. Portanto, o Exequente nem sequer viu a sua dívida ressarcida de forma líquida, mas antes através da dação em pagamento de um bem imóvel, sendo que o Exequente ainda teve que pagar o remanescente para o adquirir, não obstante o seu crédito executivo.
P. Por tudo o exposto, é entendimento do Exequente que a quantia peticionada pela Agente de Execução, a título de remuneração adicional, é manifestamente injustificada, desproporcionada e desprovida de qualquer nexo causal, tendo por referência o trabalho prestado.
Q. No que tange ao pagamento da remuneração adicional e à interpretação que o Exequente defende existe inúmera jurisprudência, nomeadamente jurisprudência recente que defende que os Agentes de Execução só têm direito a um acréscimo quando têm intervenção ou mediação no acordo alcançado.
R. Resulta da jurisprudência maioritária que a cobrança da remuneração adicional pressupõe a existência de um nexo causal entre a recuperação da quantia que serve de base ao cálculo da remuneração adicional, e a atividade desenvolvida pelos Agentes de Execução, tendo sempre por referência as diligências por eles desenvolvidas nesse concreto domínio.
S. Nos presentes autos, as partes chegaram a um entendimento que resulta da transação obtida, não tendo a Agente de Execução promovido quaisquer diligências importantes, muito menos essenciais à celebração do referido acordo, logo, atendendo a que a retribuição variável funciona como um prémio/incentivo no sentido de manter o foco destes profissionais na recuperação do crédito e desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a efetiva obtenção de valores recuperados, evidentemente não se poderá aplicar ao caso concreto.
T. Ora, sem qualquer intervenção na celebração do acordo alcançado, como sucedeu in casu, não se poderá considerar que a causalidade exigida para o pagamento da remuneração adicional, no montante de €59.415,32, possa ser aplicável, muito menos na quantia que foi aplicada pela Agente de Execução, sob pena de existir uma manifesta desproporção entre o valor pago pelo Exequente e a intervenção da Agente de Execução para a celebração do acordo.
U. Recorda-se que, no que à remuneração variável respeita, só está em causa a intervenção e essencialidade da Agente de Execução quanto ao acordo alcançado entre as partes e não quanto ao seu desempenho no processo executivo, pelo que a condenação ao pagamento da respetiva verba terá que se cingir concretamente a este ponto e não ao restante comportamento da Agente de Execução.
V. Por tudo o exposto, considera-se indevida a quantia peticionada pela Sra. Agente de Execução, a título de honorários em função dos resultados obtidos, calculada nos termos do Anexo VIII da Portaria 282/2013, que foi calculada tendo por base o valor da quantia exequenda, acrescida de juros, pelo que deverá ser eliminada ou reduzida em conformidade com uma quantia que não se afigure manifestamente desproporcional.”

A agente de execução apresentou contra-alegações de resposta, as quais concluiu nos seguintes termos:
(i) O legislador expressamente previu o pagamento de uma remuneração adicional nos casos em que a quantia exequenda se mostra garantida (por penhora) – não a resumindo apenas aos casos em que se verifica a concreta recuperação,
(ii) O legislador previu que, à remuneração fixa devida pela tramitação dos autos e prática dos actos executivos, acresce uma remuneração adicional,
(iii) Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a remuneração adicional desde que haja produto recuperado ou apreendido,
(iv) A remuneração adicional ou variável do agente de execução visa premiá-lo pela “eficiência e eficácia” na recuperação ou garantia do crédito exequendo,
(v) O direito do agente de execução à remuneração adicional não depende de ter tido intervenção directa nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação,
(vi) Ainda que a execução termine por acordo, a remuneração adicional não deixa de ser devida, desde que haja produto recuperado ou garantido, na sequência das diligências do agente de execução, o que aponta para que deve evidenciar-se algum nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da execução,
(vii) Haverá sempre nexo sempre que dos factos apurados se possa concluir com alguma segurança, lógica e razoabilidade que a actividade do agente de execução contribuiu, criou as condições, para a obtenção de um acordo, ou para que haja valor recuperado,
(viii) Desde que a atividade do AE assuma relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva, é devida a remuneração adicional,
E, BEM ASSIM, PORQUE,
(ix) A AE, no caso dos autos, exerceu a sua actividade de forma diligente e célere,
(x) A AE garantiu, através da penhora, o pagamento da quantia exequenda,
(xii) Foi na sequencia das diligências do agente de execução que foi realizada a adjudicação extrajudicial do imóvel – transação – o que aponta para que exista nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e o resultado positivo da execução,
(xiii) Não fora a conduta diligente da Senhora AE, não era de esperar que as partes tivessem transigido nos termos e no momento em que o fizeram,
É mister concluir que assiste à AE direito a receber a remuneração adicional.”

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: apurar se é devida à agente de execução a remuneração adicional prevista no art. 50º da Portaria 282/2013 de 29/8 e seu Anexo VIII.
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II – Fundamentação

Vamos à questão enunciada.
Comecemos por dar conta de que do regime jurídico traçado pela Portaria 282/2013 de 29/8 (que procede à Regulamentação de Vários Aspetos das Ações Executivas Cíveis) constam as disposições atinentes à remuneração adicional em discussão nos autos que se referem de seguida.
No nº 5 do art. 50º preceitua-se:
Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
No nº6 daquele mesmo artigo preceitua-se:
Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) “Valor recuperado” o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) “Valor garantido” o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
No nº9 daquele artigo preceitua-se:
O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
No nº10 daquele artigo preceitua-se:
Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora e bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante”.
No nº11 daquele artigo preceitua-se:
O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução”.
No nº12 daquele artigo preceitua-se:
Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
No Anexo VIII daquela Portaria, a anteceder a tabela que ali consta, diz-se que “O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência de recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar”.
Ainda relativamente a tal Portaria, com enfoque sobre esta remuneração adicional, consta do seu preâmbulo o seguinte: “Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução”.
A matéria de facto a ter em conta – integrada pela actuação que a agente de execução desempenhou no processo de execução – é a referida na decisão recorrida e já supra transcrita, pois esta não está questionada no recurso.
Assim, remete-se para a mesma (art. 663º nº6 do CPC).
De tal factualidade decorre que entre o início do processo de execução, que deu entrada a 9/6/2020, e até à entrada nos autos do requerimento que integra a transação efectuada pelas partes, em 16/8/2022, a agente de execução, indicada pelo próprio exequente no seu requerimento inicial, praticou os seguintes actos no processo: procedeu a pesquisas no registo predial, segurança social, Banco de Portugal e registo automóvel a fim de encontrar bens penhoráveis; penhorou saldos bancários nos valores de: 1.059,08€, 5.619,62€, 3.952,94€, 28.940,12€ e 552,24€; penhorou a pensão do executado BB; penhorou os 4 bens imóveis ali identificados, os quais não tinham sobre si constituídas garantias reais anteriores (prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 252.570,00€; prédio urbano sito em Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Famalicão sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 170.154,60€; fração autónoma designada pela letra “P”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...... - ..., com o valor patrimonial de 8.211,35€; e fração autónoma designada pela letra “B”, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...... - ..., com o valor patrimonial de 709.282,00); notificou as partes para se pronunciarem sobre o valor base a fixar ao prédio descrito na verba n. 1 do auto de penhora de 02.07.2020 (o descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...) bem como a modalidade da venda, tendo o exequente, através de requerimento de 20.07.2022, indicado o valor base de 2.000.000,00€ e requerido que a venda fosse efetuada na modalidade de leilão eletrónico; e procedeu às citações previstas no art. 786º do CPC em vista do concurso de credores.
Assim, nomeadamente, a agente de execução penhorou saldos bancários no montante global de 40.124,00€, imóveis desonerados de garantias reais anteriores cujo valor patrimonial ascende no total a 1.140.217,95€ e, em Julho de 2022 – cerca de um mês antes de dar entrada nos autos a transação efectuada pela partes –, estava a providenciar pela venda do imóvel penhorado como verba nº1 do auto de penhora de 2/7/2020, cujo valor patrimonial é de 252.570,00€ e ao qual, em vista de tal venda, foi atribuído pelo próprio exequente o valor base de 2.000.000€, valor este só por si superior à quantia exequenda (1.804.055,17€ acrescida de juros).
Visando o processo executivo o cumprimento coercivo de uma obrigação que não foi voluntariamente cumprida, o credor, como decorre dos arts. 601º e 817º do C. Civil, tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, respondendo todos os bens deste suscetíveis de penhora. Assim, a concretização da penhora retira da esfera de disponibilidade do devedor os bens necessários a tornar efetiva a obrigação exequenda, que aquele voluntariamente não cumpriu.
No caso, não tendo os executados pago voluntariamente a quantia exequenda após a sua citação para a execução (art. 726º nº6 do CPC), houve lugar às penhoras supra referidas, as quais, retirando os respectivos bens da sua disponibilidade, foram efectuadas pela agente de execução na sequência de variadas diligências por si feitas junto do registo predial, segurança social, Banco de Portugal e registo automóvel, e estava já em Julho de 2022 a ser providenciada a venda de um dos imóveis penhorados, cujo valor, só por si, seria suficiente para liquidar a quantia exequenda.
Deste modo, a transação efectuada pelas partes, entrada nos autos a 16/8/2022, teve lugar mais de dois anos após a instauração da execução e já depois da prática pela agente de execução de todos os actos que supra se referiram – e apenas cerca de um mês depois de a mesma estar já a praticar actos próprios da preparação da venda do imóvel penhorado sob a verba nº1 do auto de penhora de 2/7/2020 – e, note-se, só ocorreu depois das decisões proferidas em primeira instância no apenso de embargos à execução deduzidos pelo executado CC (apenso com o nº 9983/20.3T8PRT-A) e no apenso de oposição à execução e à penhora deduzidas pelo executado BB (apenso com o nº 9983/20.3T8PRT-C), em ambos os casos no sentido da respectiva improcedência.
Se as partes não tivessem transigido iria brevemente ter lugar a venda do imóvel e também por via dela, tudo o indicava, seria na mesma obtido o pagamento da quantia exequenda.
Assim, o pagamento da quantia exequenda que por via daquela transação se dá conta – na qual, como se vê do seu conteúdo, o exequente declarou singelamente que “a quantia exequenda, incluindo capital e juros, se encontra liquidada e extinta”, sem referir por que meio ou meios ocorreu aquela liquidação nem juntar qualquer documento consubstanciador da mesma – não pode deixar de ter-se como decorrente ou motivado pelas diligências de penhora supra referidas, designadamente de saldos bancários e de imóveis desonerados de garantias reais anteriores, e de preparação de venda de imóvel a que foi atribuído o valor base de 2.000.000,00€, porquanto, pese embora a agente de execução não tenha tido intervenção directa no acordo entre as partes que a tal transação conduziu, o certo é que foi na sequência de tais diligências que a mesma veio a ser concretizada.
Isto é, foi na sequência de tal actuação que foi logrado meio de o exequente, por via de transação, vir a ser pago da quantia exequenda e respectivos juros, sendo que à data de tal transação já o valor dos bens penhorados, nomeadamente por via do imóvel cuja venda se preparava, seria, tudo o indica, suficiente para também pagar aquelas quantias por via da própria execução.
Assim, considerando o disposto no nº5 e no nº6, alíneas a) e b), do art. 50º da Portaria supra referida, houve, por via daquela actuação, “valor recuperado” correspondente àquelas quantias, e já havia, aquando de tal recuperação, “valor garantido” suficiente para o pagamento daquelas mesmas quantias através da execução, do que decorre que é devida à agente de execução a remuneração adicional ali prevista.
Na verdade, e em contrário do entendimento do recorrente, não é exigível que, para ter lugar aquela remuneração adicional em caso de transação, o agente de execução tenha que, por si próprio e sob qualquer forma, procurado obter tal transação junto das partes, pois isso, como decorre da previsão do art. 719º nº1 do CPC, é matéria que extravasa as suas competências e está antes reservada às próprias partes e/ou aos seus mandatários.
Como se refere no Acórdão do STJ de 2/6/2021 (proc. nº3252/17.3T8OER-E.L1.S1; rel. Ferreira Lopes), citando-se o Acórdão da Relação de Évora de 23/4/2020 (proc. nº252/14.9TBVRS-E.E1; rel. Albertina Pedroso)[1] – o qual se acompanhou de perto nalgumas partes da argumentação supra explanada –, “[a] lei não faz depender o direito do agente de execução à remuneração adicional do facto de este ter tido intervenção directa nas negociações entre exequente e executado que levaram ao pagamento imediato ou em prestações da totalidade ou de parte da quantia cujo pagamento coercivo foi peticionado”, acrescentando-se logo a seguir que “[o] que é determinante é que haja produto recuperado ou garantido, na sequência das diligências do agente de execução, o que aponta para que deve evidenciar-se algum nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da execução, nos termos das alíneas a) e b) do nº6 do art. 50º” (a palavra a negrito consta assim do texto do acórdão).
No mesmo sentido, cabe ainda aludir ao Acórdão desta mesma Relação de 2/6/2016 (proc. nº 5442/13.9TBMAI-B.P1; rel. Aristides Rodrigues de Almeida; disponível em www.dgsi.pt) , onde se refere que “[o] critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento”.
Como refere a recorrida na sua motivação – e que subscrevemos –, prevendo a lei as concretas situações em que tal remuneração adicional deva ser reduzida (art. 50º nº11) ou eliminada (art. 50º nº12), o pagamento da mesma apenas deve ser afastado nos casos em que a actuação do agente de execução não assume relevância, actual ou potencial, para o sucesso da lide ou quando a remuneração se mostra desproporcional e inadequada.
No caso, como vimos, foi na sequência da actuação da agente de execução que supra se referiu que teve lugar a transação pela qual o exequente se declarou pago da quantia exequenda e respectivos juros e quando tal transação ocorreu já o valor dos bens penhorados seria suficiente para também pagar aquelas quantias.
Assim, como já supra se referiu, há lugar à remuneração adicional referida pela agente de execução, sendo que, por outro lado, não se vê qualquer fundamento – nem vem concretamente referido pelo recorrente – para a sua redução.
Nesta conformidade, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.
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Porto, 17/4/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.