Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1139/19.4T8AMT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
RESPONSABILIDADE DOS GERENTES DE FACTO
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
CULPA NA CRIAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP202010271139/19.4T8AMT-B.P1
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para a constatação de uma situação de insolvência (artº 3º nº1 CIRE), assume importância decisiva tão só o “fluxo de caixa”, no sentido de que o devedor apenas se torna insolvente quando é incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que elas se vencem, e não revela perspectivas de que o venha a ser.
II - A questão dos “capitais próprios” positivos e/ou negativos é alheia à definição legal de situação de insolvência, aludida no artº 3º nº1 CIRE – comprova-o até o facto de a situação de inferioridade do passivo, relativamente ao activo social, constituir insolvência apenas em casos particulares (cf. nº2 do artº 3º CIRE).
III - Integra o disposto na al.a) do artº 186º nº2 CIRE a conduta da gerente de direito se os factos revelam que, numa empresa em que o inventário e o valor das máquinas e aparelhos diversos eram avultados, esses referidos bens não foram encontrados ou de qualquer forma apreendidos, conhecendo-se apenas invocadas vendas cujo retorno de preço inexistiu.
IV - A previsão do artº 186º nºs 1 e 2 CIRE não visou excluir os administradores de direito, que o não sejam de facto, mas, inversamente, estender a qualificação a actos praticados por administradores de facto.
V – O PER não suspende o prazo de apresentação à insolvência, apenas o processo de insolvência que anteriormente haja sido requerida, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência - nº6 do artº 17º-E CIRE, e o recurso ao PER não desobriga o devedor de se apresentar à insolvência.
VI – O critério legal da indemnização a fixar nos termos do artº 189º nº2 al.e) CIRE é o da diferença entre o valor global do passivo da insolvência e o que o activo pode cobrir.
VII – Todavia, a aplicação conjugada dos artºs 186º e 189º nºs 2 als. a) e e) e 4 CIRE vincula a uma interpretação que salvaguarde o princípio da proporcionalidade, pelo que, na fixação do montante indemnizatório, deve ser ponderada a culpa do afectado.
VIII – Se a sociedade devedora teve um ciclo de vida relativamente longo (constituída no ano de 1982), possuindo uma dimensão considerável e tendo fornecido trabalho a um número considerável de pessoas, se as dívidas da sociedade insolvente não se constituíram todas até à constatação de uma situação de insolvência e se se demonstrou que um outro gerente de direito era o verdadeiro dinamizador da actividade da empresa e foi o seu falecimento que agravou substancialmente a situação de insolvência, tal diminui o grau de culpa relativo da gerente Requerida.
IX - Vista toda a factualidade apurada, e o grau de culpa relativo manifestado pela Requerida, administradora de direito, deve ela responder apenas na proporção de 1/10 dos créditos não satisfeitos na insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.1139/19.4T8AMT-B.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos –Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 23/6/2020.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Razão do Recurso
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial incidental para Qualificação da Insolvência nº1139/19.4T8AMT-B, do Juízo de Comércio de Amarante.
Insolvente – B…, Ldª.
Requerente/Apelado – Digno Magistrado do Ministério Público.
Requerida/Apelante – C… (gerente da Insolvente).

Nos presentes autos de Insolvência, foi requerida a qualificação da insolvência como culposa, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, acompanhando o Parecer do Administrador da Insolvência.
Deste referido Parecer, ressaltava a seguinte fundamentação:
“a) No decurso do presente ano, foram transmitidos à sociedade D…, SA, um conjunto diversificado de equipamentos e viaturas (docs 1 a 5).”
“De referir que a citada sociedade tem como membros do Conselho de Administração as senhoras D. E… e D. F…, sócias da insolvente, com uma quota de 25% do capital social, cada uma.”
“De referir igualmente que a última fatura, referente a um empilhador, é datada de 22-07-2019, i.é., a escassos dias de entrada do processo de insolvência.”
“b) Em 25-07-2019, foi igualmente transmitida a G…, sócio da insolvente, a viatura Mercedes Benz, de matrícula RD-..-.. (doc.6).”
“c) Em 5-07-2019, i.é, menos de um mês antes da entrada do processo de insolvência, foi igualmente transmitida a H…, a viatura Peugeot, de matrícula ..-..-SA, não tendo sido localizado qualquer documento de venda.”
“d) Mesmo tendo em conta as transmissões efetuadas, continua por esclarecer o desaparecimento de vário equipamento administrativo e do necessário à videovigilância.”
“e) Continua por esclarecer, embora tenha sido solicitado há muito e reiterado o pedido por diversas vezes, incluindo na reunião da assembleia de credores, que máquinas estavam em regime de aluguer e que, segundo as informações recebidas terão sido levantadas, o que impediu a continuação da atividade da insolvente. Desconhece-se igualmente quem era o proprietário das referidas máquinas.”
“f) Encontram-se espelhados no último balancete analítico relativo a Julho de 2019, 223.224,50€ de existências, valor muito superior ao valor das existências encontradas.”
“Crê assim a A.I. que existem indícios muito fortes de que:”
“1 - A situação de insolvência foi agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, pelo menos nos sete meses anteriores ao início do processo de insolvência.”
“2 - Os administradores, de direito ou de facto, tenham:”
“- destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;”
“- Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;”
“- Feito dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indirecto.”
“Assim, salvo melhor opinião, atendendo ao anteriormente exposto e de acordo com o preceituado no nº1 do Artº 186º do CIRE, bem como nas alíneas a), d), f) do nº 2 do mesmo artigo, considera a A.I. que se justifica a abertura do incidente de qualificação da insolvência, considerando a mesma como culposa, sendo responsável pela mesma a gerente, Srª D. C….”
A Requerida deduziu oposição, pugnando pela qualificação da presente insolvência como fortuita. Para tanto, alega que:
a) A transmissão de diversos equipamentos à sociedade D… foi efectuada a titulo oneroso, a preços de mercado, respeitando os termos usuais no comércio jurídico e satisfazendo interesses seus;
b) A requerida é sócia da insolvente, não tendo qualquer ligação com a D…, sendo que nenhum dos membros da administração desta sociedade é sócia da insolvente.
c) A venda do veículo automóvel ao sr. G… constituiu um negócio oneroso com este comprador, a quem a insolvente vendeu o veículo a preço de mercado e de quem recebeu o preço por depósito na sua conta bancária, sendo certo que o negócio de venda foi superior às propostas apresentadas à gerência.
d) A transmissão do veículo automóvel à H… resultou de uma prévia negociação do valor de venda, tendo existido emissão de factura e recebimento do preço, tratando-se de um acto regular do giro comercial de uma sociedade que, perante dificuldades financeiras e para pagamento dos salários aos seus trabalhadores promoveu a venda de material de que não carece, a preços de mercado e relevando a sua actuação na contabilidade.
e) A requerida nunca foi abordada pela Sr.ª AI para prestar esclarecimentos, apresentar documentos ou dissipar dúvidas, tendo inclusivamente esclarecido a Sr.ª AI que alguns bens foram retirados das instalações da sociedade e outros foram vendidos.
f) Os bens que foram retirados pela Requerida tratavam-se de objectos pessoais que tinham sido levados para as instalações da sociedade com um fito meramente decorativo, como uns jarros, um sofá, etc.
g) Impugna que o valor das existências constantes do último balancete seja muito inferior ao valor das existências encontradas, sendo que a Sr.ª AI também não concretiza a que bens ou existências se refere.
h) Em 2018 os credores, conhecendo e tendo acesso a toda a documentação contabilística da sociedade votaram favoravelmente o PER assim manifestando expressamente acreditar que servia melhor os seus interesses a recuperação do que a dita insolvência.
i) O PER é o melhor meio para demonstrar que a gerência, perante a iminência de uma insolvência, não ficou parada, não podendo ser acusada de uma insolvência dolosa por passividade ou negligência.
A final, foi proferida sentença na qual o Mmº Juiz “a quo” decidiu, na procedência do pedido, considerar culposa a insolvência. Mais aí se decidiu:
- Considerar afectada pela qualificação da insolvência a gerente, C….
- Decretar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.
- Declarar C… inibida para o exercício do comércio pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
- Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por C…, e condena-se a mesma na restituição dos bens ou direitos que já tenha recebido em pagamento desses créditos.
- Condenar C… no pagamento aos credores no montante de 270.000,00 (duzentos e setenta mil) euros.

Conclusões do Recurso de Apelação:
1 – Foi a Recorrente notificada da sentença proferida, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu: (…)
2 - Não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, pelo que vem o Recorrente impugná-la de facto e de direito nos termos das disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 1 e 14.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa e 627.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 e 7, 639.º, 640.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Senão vejamos,
3 - O erro notório na apreciação da prova consiste num vício no apuramento da matéria de facto, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, é o que nos parece ter acontecido nestes autos.
4 - Porquanto, salvo o devido respeito, não podiam ter sido considerados provados ou carecem de aditamentos e esclarecimentos os factos constantes dos pontos 38, 40, 41, 42, 43, 44, 46, 60 e 62.
5 – Quanto ao ponto 38, o Tribunal a quo considerou provado que “(…) em 25-07-2017 a devedora, por intermédio do seu gerente I… constituiu penhor sobre bens móveis para garantia do crédito da Segurança Social no valor de € 44.796,58 (cfr. documento de fls. 74 e ss., cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos) (…)”.
6 – Sucede que, o penhor constituído em 25 de julho de 2017 foi a favor da Autoridade Tributária e visava garantir o plano de pagamentos n.º ………… deferido pelo Serviço de Finanças de Amarante por despacho de 19 de julho de 2017.
8 - Desta forma, urge efetuar a alteração do ponto 38 dos factos assentes no sentido de esclarecer que, conforme documentalmente provado, o penhor constituído foi a favor da Autoridade Tributária e não da segurança social.
9 - Em consequência, é igualmente necessário aditar ao ponto 40 dos factos provados (que descreve a origem e valores devidos à Autoridade Tributária) que os valorem em divida estão integralmente garantidos pelo penhor constituído sobre diversos equipamentos no valor total de €44.796,58. Ainda,
10 - Veio o Tribunal a quo a considerar assente que (cf. pontos 41, 42 e 43): Entre 1-01-2016 e 31-12-2016 a devedora registou contabilisticamente um resultado líquido negativo de € 39.909,50; Entre 1-01-2017 e 31-12-2017 a devedora registou contabilisticamente um resultado liquido negativo de € 100.580,52;
11 - Contudo, tais factos carecem de esclarecimentos que foram omitidos pelo Tribunal a quo e que foram prestados pelas testemunhas em sede de audiência e julgamento.
12 - Na verdade, tais resultados não podem ser analisados, sem serem enquadrados no contexto financeiro da Sociedade.
13 – Sendo certo que, esse enquadramento foi fornecido ao Tribunal pela Testemunhas J… (passagem 02:18:36 a 02:22:13 da gravação)
14 - Das declarações prestadas, as quais se fundaram em documentos contabilísticos que estavam na posse da testemunha, resulta que os factos provados terão que ser completados com as concretas circunstâncias financeiras em que os mesmos ocorreram.
15 - Na verdade, e quanto ao facto 41 importará acrescentar que: a Sociedade, no ano de 2016, tinha capitais próprios positivos, o que se mostra absolutamente relevante para se concluir que a pendência de um resultado operacional negativo não significa uma situação de insolvência nem sequer iminente.
16 - Quanto ao ponto 42, e sendo de reconhecer a existência de um resultado negativo no ano 2017, importará acrescentar que “… porquanto, sendo o ano de apresentação do PER, a sociedade viu refletido na contabilidade a sua divida não corrente”.
17 - Já quanto ao ano 2018, e considerando o facto 43, a verdade é que a conclusão apresentada pelo Tribunal quanto ao resultado contabilístico da devedora, só chegou ao conhecimento da gerência no fecho de contas, o que legalmente acontece em maio/junho do ano seguinte.
18 - Veio igualmente o Tribunal a quo a considerar provado que (vide ponto 44) “(…) no último balancete analítico relativo a Julho de 2019 da devedora constam existências/inventários de ativo corrente no valor de €223.224,50, sendo este o mesmo valor que consta do balanço histórico de 2018 (…)”.
19 – Sucede que, a própria Administradora esclareceu que, à data da apresentação da insolvência, era desconhecido o valor das existências (passagem 00:59:34 a 01:01:48 da gravação)
20 - Pelo que, será necessário aditar ao ponto 44 que: o valor real e efetivo das existências da sociedade é desconhecido à data de julho de 2019.
21 - Por outro lado, o Tribunal a quo considerou provados factos sem que tivesse sido carreada para os autos qualquer prova documental que os sustentasse, sendo certo que, tais factos apenas poderiam ser provados por documento, pois que, tratando-se de elementos contabilísticos, não pode o Tribunal fundar a sua convicção na mera perceção da Senhora Administradora.
22 - Vejamos, o ponto 46 e 62 que preveem que: “(…) em Janeiro de 2019 faziam parte do ativo da devedora vários equipamentos, designadamente, máquinas de secar, máquina de lavar, computadores, tanques de ar, compressores, prensa, caldeira, impressora, fotocopiadora, balanças, máquina de reforço, máquinas de tiras e torcedor (…)” e “(…) foram retirados da sede da devedora jarras com flores, quadros, uma mobília de escritório, pelo menos um armário (…)”.
23 - Se os bens existem e pertencem à sociedade, constam do seu imobilizado, se não constam: ou não existem ou não pertencem à Sociedade.
24 – Sendo que, a própria administradora reconheceu tal facto nas declarações que prestou, reconhecendo igualmente a falta de diligência com que atuou (passagem 00:29:44 a 00:33:44 e passagem 00:45:05 a 00:47:36)
25 – Desta forma, as afirmações constantes da sentença proferida pelo Tribunal a quo se baseiam nas especulações e perceções da Senhora Administradora, pois que, não existe qualquer documento que comprove a existência dos equipamentos em janeiro de 2019, nem existe qualquer documento ou outra qualquer prova que ateste que os bens descritos no ponto 62 foram retirados.
26 - Pelo que, em conformidade com a prova produzida, deverão tais factos ser suprimidos da matéria assente.
27 - Ainda, e quanto ao acervo factual provado, o Tribunal a quo considerou provado que (vide ponto 60): “(…) o valor constante das facturas acima descritas não foi entregue pelos seus destinatários e não ingressou no património da devedora (…)”, fundamentando tal alegação em presunções naturais ou judiciais.
28 - Contudo, na aplicação das referidas presunções naturais e judiciais, olvidou o Tribunal a quo de valorar as declarações da Senhora Administradora.
29 - Foi a própria que confessou não conseguir confirmar ou infirmar se o valor foi entregue, e por conseguinte, ingressou no património da devedora, pois não consultou os extratos bancários da devedora (!), nem tão pouco cuidou de solicitar tais elementos à contabilidade ou à própria compradora.
30 - Pois que, se atendermos às declarações da Senhora Administradora – único interveniente munido dos meios necessários ao apuramento de tais factos – concluímos que a mesma não cuidou de o fazer, não podendo concluir-se – por inercia – no sentido indicado pelo tribunal (passagem 00:50:10 a 00:51:46 da gravação).
31 – Por outro lado, a testemunha K… – na qualidade de acionista da compradora – declarou que as faturas foram pagas (passagem 01:31:06 a 01:31:40 da gravação)
32 - Assim, atento o desconhecimento declarado pela Senhora Administradora e as declarações perentórias da testemunha sobre o pagamento do preço, não alcançamos como é que o Tribunal a quo, lançando mão de presunções, conclui que o valor constante das faturas não foi entregue.
33 - Pelo que, tal facto deve ser suprimido ou substituído no sentido de constar que não foi possível apurar se o valor foi entregue e, por conseguinte, se ingressou no património da devedora. Ademais,
34 - Veio o Tribunal a quo a considerar como não provados factos que, salvo o devido respeito, resultaram integralmente provados.
35 – O facto constante da alínea a) resultou integralmente provado pelas declarações da Senhora Administradora – que esclareceu que tais bens não constam do imobilizado da Sociedade – e ainda pelas declarações prestadas pelas Testemunhas K… (passagem 01:32:50 a 01:33:08 da gravação) e J… (passagem 02:32:32 a 02:33:46 da gravação).
36 - Pelo que, deve o facto alegado ser aditado à matéria assente.
37 – A alínea c) prevê que: “alguns desses equipamentos estivessem “danificados”, não dispondo a sociedade insolvente de liquidez para proceder à necessária reparação”.
38 - Este facto foi amplamente demonstrado pela Testemunha K… que, na qualidade de acionista da compradora, demonstrou ter conhecido direto do negócio celebrado e do estado em que os objetos adquiridos se encontravam (passagem 01:28:45 a 01:29:17 e passagem 01:31:59 a 01:32:04 da gravação).
39 - Atenta a assertividade com que a testemunha esclareceu o Tribunal quanto a esta matéria, terá a mesma que ser considerada como provada, até porque, na verdade, não vemos como poderia tal facto ser provado de outra forma que não seja através da prova testemunhal.
40 - O mesmo se diga quanto ao facto constante da alínea h) A sociedade D…, S.A. recebeu e aceitou as referidas facturas, lançando-as na sua contabilidade…
41 - Pois tal facto foi expressamente confirmado pela Testemunha K…, accionista da Sociedade compradora (passagem 01:31:06 a 01:31:40 da gravação).
42 - Assim, entendemos que tal facto terá que ser considerado provado.
43 - Ainda, e quanto ao facto alegada na alínea l) A transmissão da viatura a G… consistiu na celebração de um negócio oneroso com o comprador, tendo a devedora recebido o preço por depósito na sua conta bancária, foi o mesmo confessado pela Senhora Administradora, pelo que deverá o mesmo ser considerado provado (passagem 00:49:39 a 00:49:48 da gravação)
44 - Por último, e quanto ao facto constante na alínea u) I… era o único gerente de facto da sociedade, sendo ele sozinho que conduzia toda a atividade da empresa, o Tribunal a quo considerou não provado.
45 - Com efeito, esta matéria foi amplamente demonstrada pela testemunha K… (passagem 01:34:01 a 01:34:12 da gravação) e J… (passagem 02:23:59 a 02:24:43 da gravação) que não tiveram dúvidas em informar que o Senhor I… era a alma da Sociedade e todas as decisões era tomadas por si.
46 - Ainda, e por forma a corroborar estas declarações teremos que atender a todos os documentos juntos aos autos relativos ao processo especial da revitalização, pois que, todos esses documentos, sem exceção, são assinados pelo Sr. I….
47 - Motivo pelo qual, deve tal facto ser considerado provado, o que se requer.
48 - Assim, e em cumprimento do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, deve o acervo fatual ser alterado nos seguintes termos:
- O ponto 38 deve passar a ter a seguinte redação: em 25-07-2017 a devedora, por intermédio do seu gerente I… constituiu penhor sobre bens móveis para garantia do crédito da Autoridade Tributária no valor de € 44.796,58 (cfr. documento de fls. 74 e ss., cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
- O ponto 40 deve passar a ter a seguinte redação: o montante devido à Autoridade Tributária e Aduaneira que está integralmente garantido pelo penhor constituído sobre diversos equipamentos no valor total de €44.796,58, resulta, designadamente:
a) De IVA, com data de vencimento de 22-02-2017, respeitante ao período de tributação de 01-12-2016 a 31-12-2016, no montante de capital de € 11.378,25;
b) De IVA, com data de vencimento de 27-06-2019, respeitante ao período de tributação de 01-04-2019 a 30-04-2019, no montante de capital de €9.910,89;
c) De IVA, com data de vencimento de 24-07-2019, respeitante ao período de tributação de 01-05-2019 a 31-05-2019, no montante de capital de € 7.994,59 (cfr. documento de fls. 71 verso, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
- O ponto 41 deve passar a ter a seguinte redação: Entre 1-01-2016 e 31-12-2016 a devedora registou contabilisticamente um resultado líquido negativo de € 39.909,50 (cfr. declaração de IES de fls. 21 e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos), exibindo a Sociedade capitais próprios positivos.
- O ponto 42 deve passar a ter a seguinte redação: Entre 1-01-2017 e 31-12-2017 a devedora registou contabilisticamente um resultado líquido negativo de € 100.580,52 (cfr. declaração de IES de fls. 52 verso e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos), porquanto, sendo o ano de apresentação do PER, a sociedade viu refletido na contabilidade a sua divida não corrente.
- O ponto 43 deve passar a ter a seguinte redação: Entre 1-01-2018 e 31-12-2019 a devedora registou contabilisticamente um resultado líquido negativo de € 9.753,30 (cfr. declaração de IES de fls. 85 e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos), sendo que tal resultado só chegou ao conhecimento da Requerida em julho de 2019, ou seja, nos 30 dias anteriores à apresentação à insolvência.
- O ponto 44 deve passar a ter a seguinte redação: No último balancete analítico relativo a Julho de 2019 da devedora constam existências/inventários de ativo corrente no valor de €223.224,50, sendo este o mesmo valor que consta do balanço histórico de 2018, mas o valor real e efetivo das existências da sociedade é desconhecido à data de julho de 2019.
- Os pontos 46 e 62 devem ser suprimidos da matéria assente.
- O ponto 60 deve ser suprimido ou substituído no sentido ter a seguinte redação: Não foi possível confirmar se o valor foi entregue e, por conseguinte, se ingressou no património da devedora.
49 - Ainda, deverão ser aditados à matéria assente os seguintes factos:
a) As jarras com flores, quadros, uma mobília de escritório e pelo menos um armário foram retirados das instalações da devedora e não lhe pertenciam, mas antes à gerente e a um ou outro trabalhador, encontrando-se ali apenas por empréstimo dos proprietários.
c) Alguns dos equipamentos vendidos estavam “danificados”, não dispondo a sociedade insolvente de liquidez para proceder à necessária reparação.
h) A sociedade D…, S.A. recebeu e aceitou as referidas facturas, lançando-as na sua contabilidade…
l) A transmissão da viatura a G… consistiu na celebração de um negócio oneroso com o comprador, tendo a devedora recebido o preço por depósito na sua conta bancária.
u) I… era o único gerente de facto da sociedade, sendo ele sozinho que conduzia toda a actividade da empresa.
Isto posto,
50 - Após a enumeração dos factos provados e não provados, ocupa-se o Tribunal a quo, em sede de motivação, de discorrer a propósito da credibilidade das testemunhas inquiridas, declarando, com défice de imparcialidade, que a Senhora Administradora depôs de forma credível e fiável, tendo corroborado tudo quanto foi alegada em sede de parecer.
51 - Ao longo das suas declarações a Senhora Administradora confessou que todas as declarações que apresentou no pedido de qualificação de insolvência resultam de meras perceções e suposições, cuja veracidade ou fundamento não cuidou sequer de apurar
52 - Não tendo desenvolvido um único ato com vista a esclarecer o rigor e adequação das vendas ocorridas nos meses que antecederam a declaração de insolvência.
53 - Confessou a Senhora Administradora que nem as contas bancárias da Devedora tinham sido analisadas, desconhecendo-se sequer se as apreendeu, e se e quando, foram efetuados os pagamentos das vendas realizadas.
54 - Confessou a Senhora Administradora que se limitou a analisar os documentos que estão disponíveis no portal das finanças, limitando-se a apresentar o presente incidente, através de um requerimento sem qualquer concretização fática, não desconhecendo as gravosas consequências que do mesmo poderiam advir. A agravar,
55 - Nos termos peticionados pela Senhora Administradora e pelo Ministério Publico, o presente incidente tem como alvo a aqui Recorrente, a quem atribuem dolo na insolvência ocorrida porquanto lhe cabia ter apresentado a empresa à insolvência no decurso do ano de 2017.
56 - Sem prejuízo de tudo quanto se disse a propósito da situação da empresa em 2016 e 2017 – apresentava capitais próprios positivos e não estava insolvente – é de todo absurdo atribuir tal responsabilidade à aqui Recorrente.
57 - Só em julho de 2019 – data do fecho de contas do ano anterior - é que a Recorrente constata o resultado negativo da empresa quanto ao ano 2018 e constata a sua situação de insolvência, tendo apresentado neste tribunal tal declaração.
58 – Pelo que, além de não ser de atribuir à Recorrente qualquer responsabilidade pela situação da empresa – cujos destinos só acolhe no 2.º semestre de 2018 pela morte do seu marido – o facto da mesma senhora ter 70 anos de idade e um passado de respeito e honorabilidade devia ser relevado para efeitos de decisão. A agravar,
59 - Para além das perceções e conjeturas da Senhora Administradora, dos autos resulta que também o Tribunal decidiu seguir igual caminho.
60 - Pois que, mesmo não tendo qualquer evidência documental ou outra, profere as seguintes afirmações: “tudo isto para afirmar que, nas instalações da insolvente existiam variados e valiosos bens (cfr. relação de bens apresentada pela devedora no PER), que já lá não se encontravam à data da realização da apreensão neste processo de insolvência”.
61 – Sendo que, nem a Senhora Administradora, nem o Tribunal a quo conseguem identificar um único bem que devesse estar nas instalações da devedora e não estava.
62 - E ainda, vai o Tribunal mais longe, afirmando que “(…) passaram então os autos a saber que o alegado contrato de locação teria sido celebrado com a sociedade D… (…)”, contudo, em momento algum foi alegado ou demonstrado que o contrato de locação foi celebrado com a Sociedade D….
63 - Aliás, o que resulta demonstrado e provado nos autos – veja-se o plano PER – é que a locadora da devedora era a L…, entidade reclamante no PER e reconhecida nesta insolvência.
64 - Desta forma, não se alcança o que terá fundamentado as declarações do Tribunal a quo em sede de motivação. Isto posto,
65 - A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo – artigo 186.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
66 – Sendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 186 do CIRE, «Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.»
67 - Ora, in casu, não resultou demonstrado que a Recorrente tenha praticada qualquer um dos atos invocados pela Senhora Administradora ou pelo Ministério Público.
68 - Nenhuma das testemunhas declarou que os negócios aqui em causa foram negociados e ou formalizados pela Recorrente.
69 - Não tendo a Recorrente sido referida, em nenhum momento, como sendo a pessoa responsável pelos negócios cuja formalização é invocada pela Senhora Administradora como causa dos presentes incidentes.
70 - Acresce que, os negócios celebrados não só foram lícitos como respeitaram os termos usuais do comércio, motivo pelo qual não foram suscetíveis de causar qualquer agravamento da situação patrimonial da Devedora.
71 - Foram os negócios celebrados que permitiram pagar os salários dos trabalhadores relativos ao mês de julho de 2019, permanecendo apenas em divida o valor relativo às indemnizações resultantes da cessação dos contratos de trabalho (cf. resulta das reclamações de créditos apresentadas pelos trabalhadores).
72 - No que se refere aos credores estaduais, não obstante o facto de existir crédito vencido, certo é que o mesmo se encontrava garantido (recorde-se que a Autoridade Tributário dispõe de um penhor sobre diversos equipamentos e a Segurança Social detém uma hipoteca voluntária sobre o imóvel que constitui a sede da devedora).
73 - Desta forma, não se verifica o preenchimento do fator índice invocado pela Senhora Administradora e valorado pelo Tribunal a quo na sentença proferida. Ainda,
74 - Em conformidade com o parecer emitido pelo Ministério Público, o Tribunal a quo concluiu pela qualificação da insolvência como dolosa invocando a verificação da presunção prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, considerando que a Recorrente incumpriu o dever de apresentação à insolvência, que reporta ao ano 2017.
75 - Ora, não se alcança a bondade de tal conclusão na medida em que, a Recorrente assumiu a gerência de facto da Devedora (ou seja, nos doze meses que antecederam a apresentação da Sociedade à insolvência).
76 - Sendo que, naquela data, a Sociedade ostentava um PER aprovado e o apoio dos seus credores para a sua revitalização.
77 - Em 2018, a Devedora já apresentava capitais próprios positivos.
78 - Na verdade, de acordo com a sua prestação de contas (IES e Bases de Dados Financeiras), a Devedora, entre 2015 e 2018, apresenta invariavelmente resultados positivos, exceto no ano 2017 pelas razões já invocadas.
79 - Pelo que, o conceito de insolvência técnica, apenas tem aplicabilidade ao exercício de 2017 – sendo que tal facto ocorre em virtude do PER.
80 - Desta forma, e contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo, verifica-se o cumprimento pela gerência dos princípios de proteção dos seus credores até ao final de 2018, ano em que os mesmos acordaram e aprovaram a viabilização da sociedade por via de um Plano Especial de Revitalização, com a consequente reposição dos seus capitais próprios.
81 - Acresce que, conforme esclarece a nossa jurisprudência (vide acórdão do STJ de 6 de outubro de 2011 disponível em www.dgsi.pt) não se dispensa neste n.º 3 do artigo 186.º do CIRE a demonstração do nexo causal entre o comportamento presumido gravemente culposo do devedor e o surgimento ou agravamento da situação de insolvência.
82 - In casu, a pendência do PER afasta totalmente o agravamento da situação de insolvência, pois que, se por um lado estava em curso o período de carência acordado com a maioria dos credores, por outro lado estava já em execução o plano de pagamentos quanto aos credores estaduais.
83 - Inexistindo por isso qualquer nexo causal entre a não apresentação à insolvência e o agravamento da situação patrimonial.
84 - Desta forma, andou mal o Tribunal a quo quando declarou que a pendência do PER não obstava ao pedido de declaração de insolvência nos termos do artigo 18.º do CIRE.
85 - Atento o supra exposto, ao declarar como culposa a insolvência da Devedora e ao afetar a Recorrente o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 18.º, 186.º e 188.º do CIRE.
86 - Por último, e caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, certo é que a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela-se manifestamente desproporcional quanto ao montante indemnizatório.
87 - Não cuidou o Tribunal a quo de considerar o facto da Recorrente apenas ter assumido a gerência de facto durante 12 meses, nem o facto da sua atuação da Recorrente não ter criado ou agravado a situação de insolvência da Devedora.
88 - Aliás, é o próprio Tribunal a quo que reconhece que, os negócios que – no entendimento do Tribunal – fundamentam a qualificação da insolvência como culposa teriam um valor global de “(…) € 28.536 (14.120,40 + 2.054,10 + 8.610,00 +1.906,50 + 1.845,00) (…)”.
89 - Sendo neste cenário este o prejuízo para os credores da atuação da gerente, devendo, pois, ser também este o valor da sua condenação.
90 - Desta forma, e caso se conclua pela qualificação da insolvência como culposa – o que não se concede – o valor da indemnização não poderá exceder o valor do alegado prejuízo para os credores o qual foi fixado pelo Tribunal em €28.536,00.

Por contra-alegações, o Requerente sustenta a confirmação da sentença recorrida, mais requerendo a rectificação do lapso constante do ponto 38 da matéria de facto provada.

Factos Provados
1. M… nasceu no dia 30-07-1966 e é filha de I… e de C… (cfr. documento de fls. 40, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
2. E… nasceu no dia 19-01-1979 e é filha de I… e de C… (cfr. documento de fls. 38, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos)
3. G… nasceu no dia 16-11-1981 e é filho de I… e de C… (cfr. documento de fls. 36, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos)
4. A insolvente B…, Lda. foi matriculada no registo comercial em 06-12-1982, tendo por objecto a indústria de malhas e a sua confecção (cfr. documento de fls. 8 e ss. do processo de insolvência cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos)…
5. …com o capital social de € 425.000,00, correspondente a uma quota de € 220.320,00 titulada pelo sócio I… e uma quota de € 204.680,00 titulada pela mulher C… (cfr. documento de fls. 8 e ss. do processo de insolvência cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos)…
6. Em 26-10-2009, os sócios aumentaram o capital social para € 700.000,00, ficando o sócio I… com uma quota de € 362.880,00 e a sócia C… com uma quota de € 337.120,00 (cfr. documento de fls. 8 e ss. do processo de insolvência cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos)...
7. A gerência ficou a caber a ambos os sócios, obrigando-se a sociedade com a intervenção de um gerente (cfr. documento de fls. 8 e ss. do processo de insolvência cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
8. I… estabelecia contactos com os clientes e fornecedores, apresentando propostas e negociando preços de matérias-primas, contratando fornecedores.
9. No dia 09-02-2017 a sociedade B… apresentou-se a Processo Especial de Revitalização no Juízo do Comércio de Amarante, processo esse que foi distribuído ao J3 e correu termos sob o n.º 196/17.2T8AMT.
10. Na relação de bens da devedora junta com o requerimento de apresentação a PER foram identificados pela devedora os seguintes:
a) Imóvel, Terreno, a que atribuiu o valor de €29.985,73;
b) Imóvel, Edifício …, a que atribuiu o valor de €218.211,31;
c) Móvel, diverso material de produção industrial, a que atribuiu o valor de € 2.018.782,78;
d) Móvel, viatura automóvel ..-..-II, a que atribuiu o valor de €28.790,58;
e) Móvel viatura automóvel ..-..-FU, a que atribuiu o valor de €28.790,58;
f) Móvel viatura automóvel RD-..-.., a que atribuiu o valor de €28.790,58;
g) Móvel, viatura automóvel ligeiro de mercadorias ..-..-IE, a que atribuiu o valor de € €28.790,58;
h) Móvel, viatura automóvel ligeiro de mercadorias ..-..-SA, a que atribuiu o valor de € 14.395,29;
i) Móvel, veículo automóvel ..-CL-.., a que atribuiu o valor de € 30.371,90;
j) Móvel, veículo automóvel ..-FT-.., a que atribuiu o valor de € €48.165,20;
k) Móvel, viatura automóvel ..-LA-.., a que atribuiu o valor de €13.595,04;
l) Móvel viatura automóvel ..-MT-.., a que atribuiu o valor de €23.500,00;
m) Móvel, viatura automóvel ligeiro de mercadorias ..-..-IC, a que atribuiu o valor de € 1.000,00;
n) Móvel, Máquinas e instalações industriai, a que atribuiu o valor de €2.735.543,23;
o) Móvel, Máquinas e aparelhos não especificados a que atribuiu o valor de € €52.991,21.
11. Na lista de credores constante do requerimento de apresentação a PER surge identificado como credora, designadamente, a sociedade D…, S.A. com um crédito de € 34.267,59.
12. Na apresentação a PER a devedora juntou declaração de adesão ao PER assinado pela gerência da devedora, na pessoa de I… e, pela D…, S.A., representada por E… e por F….
13. Na lista de créditos reconhecidos pelo AJP surgem créditos no montante global de € 2.053.525,41 (cfr. lista provisória de credores do referido PER, junta ao PE em 22-03-2017).
14. A referida lista foi objecto de impugnação por N…, Lda., requerendo o reconhecimento do crédito no montante de €8.393,63, acrescido de juros.
15. Também o Banco O…, S.A. apresentou impugnação, pugnando pelo reconhecimento do crédito de € 395,97.
16. A ali devedora e aqui insolvente apresentou também impugnação em que defende:
a) O reconhecimento dos créditos da D…, P… e Q…;
b) O reconhecimento de créditos reclamados pela Autoridade Tributária;
c) Que os créditos titulados por S…, T…, U… e V…, SL devem ser qualificados como comuns e não como subordinados;
d) Que o crédito da W… deve ser qualificado como sob condição.
17. A sociedade D… deduziu também impugnação, defendendo o reconhecimento do seu crédito.
18. Por decisão de 18-04-2017 foram julgadas procedentes todas as impugnações.
19. Foi então junta nova lista provisória de credores em 28-04-2017, que reconhece créditos no montante de € 2.106.582,86.
20. Foi requerida a correcção dessa lista pela devedora, alegando a respectiva desconformidade com a decisão das impugnações.
21. A lista foi também objecto de impugnação pela W….
22. No Plano Especial de Revitalização que consta da do PE do PER em 28-06-2017, pode ler-se, designadamente: “A qualidade dos seus produtos está intimamente relacionada com a qualidade das matérias-primas empregues e a fiabilidade dos seus equipamentos. A empresa alia a alta qualidade das matérias – primas italianas (à exceção do algodão que é adquirido em Portugal) à fiabilidade da maquinaria alemã, sendo que a empresa opera atualmente com um parque de máquinas da mais alta gama tecnológica, da marca X…. Deste equipamento são de realçar os teares retos de última geração, computorizados eletronicamente, que asseguram a excelência da produção” (cfr. p. 9 do referido Plano).
23. No referido Plano propôs-se o seguinte:
a) Quanto aos créditos da Autoridade Tributária, a devedora propôs o seu pagamento nos seguintes termos: Pagamento em 36 prestações mensais de capital e juros, nos termos da lei aplicável, atendendo à pendência do PER. A primeira prestação vence-se no mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº5 do artº 17º D do CIRE. A título de garantia, propõe-se a constituição de penhor sobre equipamentos produtivos a constituir no prazo de quinze dias seguintes ao términus do prazo previsto no nº5 do artº 17º D do CIRE. Pagamento de juros vencidos e vincendos com redução de juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, face à renuncia dos demais credores e às garantias a constituir. Pagamento de coimas e custas; A devedora compromete-se a pagar os impostos que entretanto venham a ser liquidados; Para os efeitos previstos no nº1 do art.º 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção do processo fiscal só se dará nos termos do Código do Procedimento e Processo Tributário. A suspensão prevista naquele normativo cessa com o fim das negociações mas manter-se-á em função do cumprimento do plano acordado.
b) Quanto aos créditos da Segurança Social, a devedora propôs o seu pagamento nos seguintes termos: Pagamento em 120 prestações mensais de capital e juros, nos termos da lei aplicável, atendendo à pendência do PER (os juros vincendos à taxa legal serão pagos mensalmente durante o período prestacional, juntamente com a prestação de capital); A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data de transito em julgado da decisão de homologação do plano. Manutenção das garantias prestadas e reforço, se necessário, através de alargamento do valor da hipoteca já constituída e que se mostra adequada e suficiente a satisfizer o credito que assegura. Pagamento de juros vincendos, à taxa anual de 3%, face à garantia prestada, com perdão dos juros vencidos em função da garantia prestada. Pagamento de coimas e custas. A devedora compromete-se a pagar as contribuições e cotizações que entretanto se venham a vencer. Para os efeitos previstos no nº1 do art.º 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção do processo fiscal só se dará nos termos do Código do Procedimento e Processo Tributário. A suspensão prevista naquele normativo cessa com o fim das negociações mas manter-se-á em função do cumprimento do plano acordado;
c) Quanto a créditos de Instituições Bancárias, a devedora propôs o pagamento de 100% do capital em divida, no prazo de 10 anos. No que respeita aos juros, comissões e despesas, propôs o perdão dos juros de mora, o perdão de comissões e outras despesas, a capitalização de juros vencidos e o pagamento dos juros vincendos mensalmente à taxa anual remuneratória formada pelo indexante composto pelo máximo da Euribor a 12 meses ou zero, acrescida de um spread de 3 %. Quanto a prestações estipulou-se: Período de carência de capital de 1 ano, com pagamento de 12 prestações mensais de juros vincendos, a primeira 60 dias após a data de trânsito em julgado da decisão judicial homologatória do plano, e as seguintes ao mesmo dia dos 11 meses. subsequentes; Prestações mensais de capital nos 9 anos remanescentes (108 prestações), sendo a primeira paga 30 dias depois do final do período de carência, e com os seguintes pagamentos globais de capital de 6.25% do capital inicial em dívida no 2º e 3º ano (ou seja, 0.5208(3)% por mês) após data de transito em julgado da decisão homologatória do plano, e 12.5% do capital inicial em dívida em cada um dos anos remanescentes (ou seja, 1.041(6)% por mês); Manutenção das garantias prestadas. No que respeita a comissões de garantia, comissões de garantia bancária e similares, vincendas, respeitantes a créditos sob condição, o valor das notas de débito será pago no seu vencimento. Reabertura do contrato de leasing celebrado com o credor L…, à data do trânsito em julgado, com pagamento dos juros referentes ao período de inatividade do contrato, ou seja, desde 12/10/2016 (data rescisão contrato) até à data da reabertura do contrato com pagamento do remanescente através de 60 prestações mensais constantes de capital e juros, vencendo-se a primeira 30 dias após o trânsito em julgado, sendo os juros calculados a partir do indexante Euribor a 12 meses ou zero (caso o indexante seja inferior a zero, deverá considerar-se para a determinação da taxa de juro aplicável que o valor daquele corresponde a zero), acrescido de spread de 3%, mantendo-se as garantias já prestadas.
d) Quanto a sociedades de garantia mutua, a devedora propôs, a nível de Capital: Pagamento de 100% do capital em dívida; Prazo total de 10 anos; Quanto a Juros, Comissões e Despesas: Capitalização de juros, comissões e outras despesas já vencidas à data de aprovação do plano; Pagamento dos juros vincendos mensalmente à taxa anual remuneratória formada pelo indexante composto pelo máximo da Euribor a 12 meses ou zero, acrescida de um spread de 3%; Quanto a prestações propôs: o Período de carência de capital de 1 ano, com pagamento de 12 prestações mensais de juros vincendos, a primeira 60 dias após a data de trânsito em julgado da decisão judicial homologatória do plano, e as seguintes ao mesmo dia dos 11 meses subsequentes; Prestações mensais de capital nos 9 anos remanescentes (108 prestações), sendo a primeira paga 30 dias depois do final do período de carência, e com os seguintes pagamentos globais de capital de 6.25% do capital inicial em dívida no 2º e 3º ano (ou seja, 0.5208(3)% por mês) após data de transito em julgado da decisão homologatória do plano, e 12.5% do capital inicial em dívida em cada um dos anos remanescentes (ou seja, 1.041(6)% por mês); Manutenção das garantias prestadas. No que respeita a comissões de garantia, comissões de garantia bancária e similares, vincendas, respeitantes a créditos sob condição, o valor das notas de débito será pago no seu vencimento.
e) Quanto aos créditos comuns a devedora propôs: Os créditos comuns, respeitantes aos fornecimentos de mercadorias e serviços prestados decorrentes da atividade/funcionamento da empresa serão pagos com um perdão de 50% em 10 prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se as prestações em Junho e em Dezembro de cada ano, sendo a primeira prestação paga no mês de Junho ou no mês de Dezembro subsequente à passagem de dois anos da data de trânsito em julgado da decisão judicial homologatória da aprovação do plano, com perdão de juros vencidos e vincendos (cfr. Plano de Revitalização junto ao PER em 28-06-2017, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
24. O referido plano foi aprovado e homologado por sentença de 29-06-2017.
25. Dessa sentença foi interposto recurso pelo Instituto de Segurança Social, nos termos que constam do req. que ali consta de 14-07-2017 e a devedora apresentou contra-alegações em 01-08-2017.
26. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-11-2017 foi anulada a decisão objecto de recurso.
27. Por sentença de 09-01-2018 foi decidido, além do mais, homologar o Plano Especial de Revitalização, considerando-se o mesmo ineficaz no que respeita ao credor Instituto de Segurança Social, I.P.
28. Dessa sentença foi interposto recurso, desta feita pela devedora, nos termos que constam das alegações constantes do PE de 30-01-2018.
29. Por Acórdão de 20 de Março de 2018 foi julgado improcedente o recurso de apelação e confirmada a decisão recorrida.
30. Em 1 de Julho de 2018, faleceu o sócio e gerente da devedora, I….
31. Em 22 de Janeiro de 2019 foram as duas quotas da sociedade devedora registadas em comum e sem determinação de parte ou direito em favor de C…, F…, E… e I… (cfr. documento de fls. 8 e ss. do processo de insolvência cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
32. Em 31-07-2019 a sociedade B…, Lda. apresentou-se à insolvência.
33. A qual foi declarada por sentença de 07-08-2019.
34. Na lista de 03-02-2020 a Exma. Sr.ª AI reconheceu créditos a 119 credores, com créditos no valor global de € 2.710.849,78 (cfr. lista de fls. 257 e ss. do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente integrada e reproduzida para os devidos e legais efeitos).
35. O Instituto da Segurança Social reclamou créditos no montante de € 201.173,22, sendo que € 63.735,11 constituíram-se menos de 12 meses antes do início do processo de insolvência.
36. O referido crédito da Segurança Social encontra-se reconhecido pela Sr.ª AI na lista de credores.
37. A devedora apresenta dividas de Contribuições à Segurança Social:
a) Ininterruptamente entre Fevereiro (inclusive) de 2015 a Maio (inclusive) do mesmo ano;
b) Ininterruptamente de Agosto (inclusive) de 2015 a Outubro (inclusive) do mesmo ano;
c) Ininterruptamente de Dezembro (inclusive) de 2015 a Janeiro (inclusive) de 2017;
d) Ininterruptamente de Janeiro (inclusive) de 2019 a Julho (inclusive) de 2019 (cfr. documento de fls. 41 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
38. Em 25-07-2017 a devedora, por intermédio do seu gerente I… constituiu penhor sobre bens móveis para garantia do crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 44.796,58 (cfr. documento de fls. 74 e ss., cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos – redacção rectificada nesta instância, consoante fundamentação infra).
39. A devedora apresenta dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira no montante global de € 30.739,76 (cfr. lista de fls. 257 e ss. do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente integrada e reproduzida para os devidos e legais efeitos).
40. O montante devido à Autoridade Tributária e Aduaneira resulta, designadamente:
a) De IVA, com data de vencimento de 22-02-2017, respeitante ao período de tributação de 01-12-2016 a 31-12-2016, no montante de capital de € 11.378,25;
b) De IVA, com data de vencimento de 27-06-2019, respeitante ao período de tributação de 01-04-2019 a 30-04-2019, no montante de capital de €9.910,89;
c) De IVA, com data de vencimento de 24-07-2019, respeitante ao período de tributação de 01-05-2019 a 31-05-2019, no montante de capital de € 7.994,59 (cfr. documento de fls. 71 verso, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
41. Entre 1-01-2016 e 31-12-2016 a devedora registou contabilisticamente um resultado liquido negativo de € 39.909,50 (cfr. declaração de IES de fls. 21 e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
42. Entre 1-01-2017 e 31-12-2017 a devedora registou contabilisticamente um resultado liquido negativo de € 100.580,52 (cfr. declaração de IES de fls. 52 verso e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
43. Entre 1-01-2018 e 31-12-2019 a devedora registou contabilisticamente um resultado liquido negativo de € 9.753,30 (cfr. declaração de IES de fls. 85 e ss. do processo de insolvência, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
44. No ultimo balancete analítico relativo a Julho de 2019 da devedora constam existências/inventários de activo corrente no valor de €223.224,50, sendo este o mesmo valor que consta do balanço histórico de 2018.
45. No âmbito da insolvência procedeu-se à apreensão do imóvel sito na Rua …, n.º …, na freguesia …, dos veículos automóveis de matrícula ..-..-IC e ..-..-II, de vários equipamentos e maquinaria, e, bem assim, de 14.650 acções representativas do capital da W…, bens a que foi atribuído pela Sr.ª AI o valor global de € 265.484,38 (cfr. autos de apreensão de fls. 3, 4 e 6 do apenso A).
46. Em Janeiro de 2019 faziam parte do activo da devedora vários equipamentos, designadamente, máquinas de secar, máquina de lavar, computadores, tanques de ar, compressores, prensa, caldeira, impressora, fotocopiadora, balanças, máquina de reforço, máquinas de tiras e torcedor.
47. Esses bens não foram apreendidos.
48. Para justificar a inexistência desses bens do activo da devedora constam da contabilidade desta as facturas n.ºs ../2019, de 19-02-2019, e 17/2019, de 27-02-2019, emitidas em nome da D1…, nos valores, respectivamente, de € 14.120,40 e € 2.054,10.
49. Os bens indicados tinham, pelo menos, os valores identificados nas aludidas facturas.
50. No mês de Janeiro de 2019 faziam parte do activo da devedora os seguintes veículos automóveis:
a) Viatura de Mercadorias de marca Mercedes, modelo …, matricula ..-CL-..;
b) Viatura de Mercadorias de marca Ford, de matricula ..-..-FU.
51. Para justificar a inexistência desses bens do activo da devedora constam da contabilidade desta as facturas n.ºs ../2019 e ../2019, com data de 17-03-2019, emitidas em nome da D…, nos valores, respectivamente, de € 8.610,00 e € 1.906,50, sendo que os referidos bens tinham, pelo menos, os valores referidos.
52. Os referidos veículos encontram-se registados em nome da sociedade D…, S.A. desde 08-03-2019 (cfr. documentos de fls. 43 e ss. cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
53. Em Junho de 2019 fazia parte do activo da devedora o empilhador Linde-L10, TVP, n.º de Série, ……………...
54. Para justificar a inexistência desse bem do activo da devedora consta da contabilidade desta a factura n.º ../2019, datada de 22-07-2019, em nome de D…, com o valor de €1.845,00.
55. O referido empilhador tinha, pelo menos, o valor identificado na factura.
56. Em Junho de 2019 fazia parte do activo da devedora a viatura de passageiros de marca Mercedes, modelo …, com a matrícula RD-..-...
57. Tal veículo fazia parte do activo da insolvente desde 27-02-1989 (cfr. documento de fls. 52 cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
58. Para justificar a inexistência deste bem no activo da devedora consta da contabilidade desta a factura/recibo n.º 65/2019, emitida em nome de I…, com o valor de € 861,00.
59. Este veículo automóvel encontra-se registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de I… desde 25-07-2019 (cfr. documento de fls. 50 e 50 verso cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
60. O valor constante das facturas acima descritas não foi entregue pelos seus destinatários e não ingressou no património da devedora.
61. Em 05-07-2019 foi transmitida à H… a viatura Peugeot, de matrícula ..-..-SA., não tendo sido localizada na contabilidade da devedora qualquer documento de venda.
62. Foram retirados da sede da devedora jarras com flores, quadros, uma mobília de escritório, pelo menos um armário.
63. Esses bens não foram apreendidos pela Sr.ª AI.
64. A C…, S.A. é uma sociedade anónima que tem como objecto o comércio por grosso de vestuário e acessórios e fabricação de vestuário de malha, a gestão de imóveis próprio e a compra de imóveis para revenda, foi inicialmente constituída como sociedade por quotas e que tem actualmente como membros do conselho de Administração E… e F… (cfr. documento de fls. 32 e ss. cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
65. Nas facturas emitidas a devedora discriminou o montante de IVA.

Factos Não Provados
a) Que as jarras com flores, quadros, uma mobília de escritório e pelo menos um armário retirados das instalações da devedora não lhe pertencessem, mas antes à gerente e a um ou outro trabalhador, encontrando-se ali apenas por empréstimo dos proprietários.
b) Em finais do ano de 2018 a requerida manifestou junto dos seus parceiros de negócio, a intenção de vender alguns equipamentos que não estava a utilizar com a mesma frequência de outrora e cuja venda poderia resultar em encaixe financeiro necessário ao equilíbrio da sua tesouraria.
c) Alguns desses equipamentos estivessem “danificados”, não dispondo a sociedade insolvente de liquidez para proceder à necessária reparação.
d) Atento o facto de a sociedade D… estar em franco crescimento da sua actividade, interessou-se por promover a tal aquisição.
e) Foi apresentado pela devedora o preço que pretendia realizar a venda, apurado com base em avaliações realizadas por terceiros, muito superior ao valor dos equipamentos.
f) Na medida em que correspondia genericamente ao seu valor de mercado, anuiu a D…, S.A. em efectivar a sua aquisição.
g) A sociedade devedora tenha entregue ao Estado o IVA inerente às facturas ../2019, ../2019, ../2019 e ../2019.
h) A sociedade D…, S.A. recebeu e aceitou as referidas facturas, lançando-as na sua contabilidade…
i) Honrando o compromisso que as mesmas consubstanciavam;
j) E estando o negócio há muito “saldado”;
k) A D…, S.A. levantou os ditos equipamentos, que fez seus e que usará na sua actividade, de acordo com o motivo que determinou o seu interesse naquele negócio, que igualmente satisfez os interesses da insolvente, permitindo uma retracção do seu passivo.
l) A transmissão da viatura a I… consistiu na celebração de um negócio oneroso com o comprador, tendo a devedora recebido o preço por depósito na sua conta bancária.
m) A sociedade celebrou negócio de venda por valor superior às propostas que tinham sido apresentadas à gerência.
n) Através desse negócio verificou-se um encaixe financeiro para a sociedade insolvente…
o) Sendo um negócio realizado a favor dos “interesses sociais”;
p) …A sociedade Insolvente negociou com a H… o valor da venda do veículo Peugeot, de matricula ..-..-SA.
q) Emitindo a respetiva factura e recebido o preço;
r) A venda deste veículo deveu-se a dificuldades financeiras e para pagamento dos salários aos trabalhadores, não carecendo dele a devedora;
s) Tal veículo foi vendido a “preços de mercado”;
t) A venda de tal veículo tenha sido relevada na contabilidade.
u) I… era o único gerente de facto da sociedade, sendo ele sozinho que conduzia toda a actividade da empresa.
v) A actual gerente da devedora é pouco conhecedora do negócio, sem qualquer experiência ou conhecimento da área;
w) Sendo alheada da actividade do dia-a-dia da empresa e marginal à área de negócio a que esta se dedica.

Discussão e Decisão
A pretensão resultante do presente recurso de apelação consiste em conhecer dos seguintes pontos:
- Saber se cabe alterar a matéria de facto provada nos pontos nºs 38, 40, 41, 42, 43, 44 e 60 (eventualmente), no sentido propugnado nas dotas alegações de recurso;
- saber se devem ser considerados não provados os factos nºs 46, 60 (eventualmente) e 62;
- saber se devem ser considerados provados os factos não provados sob a), c), h), l) e u);
- saber se se verificam os índices de insolvência culposa invocados na sentença recorrida;
- saber se o valor da indemnização fixada não deveria ultrapassar o prejuízo para os credores, de € 28 536,00.
Vejamos pois.
I
Para a impetrada alteração dos factos, foi ouvida na íntegra a audiência de julgamento, bem como consultados os documentos do processo.
Quanto ao ponto 38º, tem razão a Recorrente – fez-se constar em 1ª instância que o penhor foi constituído para garantia do crédito da Segurança Social, quando, na verdade, resulta da referida constituição do penhor, junta ao processo, que o mesmo foi constituído a favor da Autoridade Tributária. Da rectificação em causa demos já nota supra.
Quanto ao ponto 40º, pretende-se se esclareça que o montante devido à AT (débitos de IVA e respectivos juros) se encontra integralmente garantido pelo penhor. Assim não é exactamente, pois que o penhor garantia créditos da AT vencidos até à data da constituição da garantia, em 2017, na sequência do PER, e apenas, o que não abrange, obviamente, a totalidade dos créditos reclamados, nomeadamente os vencidos em data posterior à constituição do penhor.
A matéria, sensivelmente irrelevante para a decisão de mérito, pese o merecido respeito, improcede neste ponto.
Quanto ao ponto 41, pretende-se se esclareça que a sociedade apresentava, em 2016, capitais próprios positivos – mas improcede a pretensão recursória, apenas e só porque a matéria dos capitais próprios irreleva, seja para a decisão de mérito, seja para a própria situação de insolvência, que, por um lado, pacificamente não ocorria em 2016 e para a qual assume importância decisiva tão só o “fluxo de caixa”, no sentido de que o devedor apenas se torna insolvente quando é incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que elas se vencem, e não revela perspectivas de que o venha a ser (veja-se, por todos, Prof. Menezes Leitão, Dtº da Insolvência, 2ª ed., pg.77).
Quanto ao ponto 42, pretende-se se esclareça que o resultado líquido de 2017 ficou a dever-se ao facto de, nesse ano, a sociedade ter visto reflectida a sua dívida não corrente, por força da apresentação do PER – mas, uma vez mais, e por idêntica razão à anteriormente enunciada, o esclarecimento irreleva, e tanto mais assim é quanto se verificou que o PER em nada adiantou à solvabilidade da Insolvente, a qual, apesar dos perdões parciais de dívida e das moratórias resultantes do PER (judicialmente aprovado apenas por decisão judicial transitada em Abril de 2018) não conseguiu, num curto espaço de tempo de um ano ou até menos de um ano, honrar o acordo de revitalização a que se propôs. Improcede, também aqui, a alteração proposta.
No ponto nº43, pretende-se se esclareça que o resultado negativo posterior a Janeiro de 2018 apenas chegou ao conhecimento da Requerida em Julho de 2019 – esta asserção irreleva, pura e simplesmente por não ser crível que um gestor minimamente atento (e pese embora a gestão anterior a 2018 ser levada a cabo, na sua maior parte, pelo marido da Requerida), em contacto com a contabilidade, não soubesse ou não soubesse potencialmente que as responsabilidades em curso não eram solvidas e/ou que os negócios e a facturação da empresa não eram de molde a poder satisfazer os encargos anteriores. Improcede a alteração.
Quanto ao ponto nº44, pretende-se o aditamento de que o valor real das existências da sociedade era desconhecido, à data de Julho de 2019 – não era desconhecido, porém, e deveria ser esse o valor aproximado do existente, a não ser que existisse justificação plausível para a discrepância.
Isso mesmo foi asseverado em audiência pela AI (“era preciso haver ali muito fio e muito vestuário”; “teria que haver estas matérias-primas nas instalações”; “não sei o valor que havia ao certo, não posso ser rigorosa, mas havia € 20 mil, no máximo”; “só lá vi uma coisa mínima de produto acabado”). Improcede a impugnação recursória, nesta parte.
Pretende-se se exclua do acervo provado o facto 46 (“em Janeiro de 2019 faziam parte do activo da devedora vários equipamentos, designadamente, máquinas de secar, máquina de lavar, computadores, tanques de ar, compressores, prensa, caldeira, impressora, fotocopiadora, balanças, máquina de reforço, máquinas de tiras e torcedor”).
Resultou porém do depoimento da testemunha K… (genro da Requerida e accionista da sociedade “D…”, sociedade esta para quem trabalhava, em subempreitada ou “a feitio”, a Insolvente) que computadores, máquinas de secar, lavar, impressora, balanças, máquinas de tiras e outro diverso equipamento (enunciado expressamente no referido depoimento) foi adquirido pela referida “D…”, a partir de Fevereiro de 2019, pela que, obviamente, haveria de fazer parte das existências da Insolvente.
Note-se também que seria contraditório aceitar (em 48) o elenco constante das facturas ali referenciadas e não aceitar que as mesmas pertencessem à agora Insolvente. Improcede a impugnação neste ponto.
Quanto ao facto 62 (“foram retirados da sede da devedora jarras com flores, quadros, uma mobília de escritório, pelo menos um armário”) não se pode classificar como especulação que existências contabilizadas e não existentes tivessem sido retiradas da sede, o que, de resto, a testemunha K… admitiu, embora classificando alguns como “bens pessoais” dos sogros – quadros/bibelôs.
Por outro lado, a prova positiva de que tais bens pertencessem à Requerida gerente não foi lograda. É plausível o facto, principalmente no que respeita aos meros objectos de decoração, mas a plausibilidade não se transforma em prova, na ausência de elementos probatórios, designadamente documentais e para lá do já referido depoimento de K….
Por essa via, não se justifica a prova positiva do facto não provado constante da al.a).
Quanto ao facto 60, pugna-se por que o mesmo seja suprimido, ou então substituído por “não foi possível confirmar se o valor foi entregue e, por conseguinte, se ingressou no património da devedora”.
Todavia, entendemos que o facto provado (o valor das facturas não ter sido entregue pelos destinatários, nem ter ingressado no património da Insolvente) é de manter.
A esse propósito, teremos muito pouco a acrescentar à fundamentação da douta sentença recorrida:
- os negócios surgem nos 6 meses anteriores à apresentação à insolvência e mesmo 6 dias antes dessa apresentação (veículo RD-..-..), período no qual a Insolvente continuou a acumular dívida, v.g. à Segurança Social;
- com excepção da venda de veículos à H…, no mais todas as transacções foram realizadas com pessoas ou entidades com uma relação até familiar muito próxima da gerente Requerida, e a “D…”, para além de ter por administradoras duas filhas da Requerida, tinha na Insolvente o único fornecedor (depoimento de K…), sendo portanto de estimar como de extrema dependência económica, mesmo em termos relativos da facturação da Insolvente, a relação entre as duas sociedades;
- a D… era já, à data da revitalização, credora da ora Insolvente, e tal crédito aumentou substancialmente, no ínterim, sendo despropositado que alguém se proponha a pagar determinada quantia pela aquisição de bens precisamente a um seu devedor;
- tais bens, comprados em Fevereiro, permaneceram até praticamente à data da insolvência, em finais de Julho, nas instalações da Insolvente (depoimento de K…);
- nenhuma prova do pagamento foi feita, pelo menos com o nível probatório exigido ao pagamento entre empresas, sempre documentado; espontaneamente o declarou a AI, no sentido de não existir recibo das transacções, com excepção da venda do veículo RD (quantia ou quantias em dinheiro de que se não logrou a apreensão); contra estes factos e constatações, não vale esgrimir o desconhecimento pela AI, verba a verba, do teor da conta-corrente bancária ou a análise invocada por K…, pelo seu conhecimento, do extracto de conta na D….
Diga-se que, quanto ao facto não provado c), o mesmo vem na sequência da prova do facto de o valor das facturas não ter ingressado no património da devedora, consoante provado em 60 – e não existe prova do dano ou da necessidade de reparação, sendo para tanto (para a convicção a formar) insuficiente o depoimento da testemunha K….
O facto não provado h) caberia ter sido antes “provado” caso os autos não dispusessem apenas de um depoimento indirecto, testemunhal, nesse sentido (K…), cabendo ter sido junta a própria escrita da sociedade.
O facto não provado u) igualmente se confirma – sendo certo que I… era a “alma” da Insolvente (depoimento de J…), não se demonstra que a Requerida não desempenhasse um papel de gerente de facto; uma coisa é a importância relativa dos gerentes na condução dos destinos sociais, outra coisa é determinado gerente excluir, em termos práticos, a intervenção de outro gerente, que o era de direito.
E finalmente, quanto ao facto não provado l), não há dúvida de que o preço foi depositado na conta bancária da Insolvente seis dias antes da apresentação à insolvência, mas, mais importante ainda, o valor em causa não foi apreendido para o processo, desconhecendo-se o destino que lhe foi dado por quem poderia movimentar a conta, designadamente a Requerida, razão pela qual se não pode afirmar que “a devedora recebeu o preço”, pese embora o referido depósito.
II
Saber agora se se verificam os índices de insolvência culposa invocados na sentença recorrida.
Nos termos do artº 186º nº1 CIRE, “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
O nº2 do normativo exemplifica, nas respectivas alíneas, casos em que, do comportamento dos administradores de direito ou de facto, se retira que a insolvência se considerará “sempre culposa” – estabelecem-se assim, é pacífico, diversas hipóteses de presunções juris et de jure, à semelhança do disposto no artº 350º nº2 CCiv.
Provadas as situações contempladas, elas determinam inexoravelmente a atribuição de carácter culposo à insolvência – assim, Prof. Carvalho Fernandes e Dr. João Labareda, CIRE Anotado, II (2005), pg.14.
Ao invés, no nº3 do normativo estabelecem-se presunções ilidíveis de culpa qualificada na insolvência – “oneram-se os sujeitos abrangidos pelas presunções com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respectivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade – p.e., a conjuntura económica ou as condições de mercado” (Consª Catarina Serra, CDP, 21º/69).
Significa isto também que, como escreveu o Prof. Carneiro da Frada, ROA, 66º, II, disponível em www.oa.pt, cit. in Ac.R.C. 8/4/2014 Col.II/32, relatado pelo Des. Emídio Santos, “tendo lugar alguma das situações previstas, a culpa presume-se, não havendo lugar a prova em contrário e estando portanto precludida a alegação e demonstração de alguma causa de desculpação (…). O nº2 do artº 186º contempla, desta sorte, um conjunto de hipóteses em que se estabelece inilidivelmente ter ocorrido uma conduta ilícita e culposa dos administradores; mas não se trata apenas disso; a referida conduta é tida pelo preceito como causadora ou agravadora de uma insolvência; só assim é que a insolvência pode ser qualificada como culposa pelo legislador; temos portanto que o artº 186º nº2 também faz presumir iuris et de iure a causalidade da violação ilícita e culposa de determinados deveres, em relação à insolvência”.
A douta sentença recorrida inicia por integrar a conduta da Requerida no disposto na al.a) do citado artº 186º nº2 CIRE, no sentido de se considerar sempre culposa a conduta dos administradores de direito ou de facto quando tenham “destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor”.
Nesse sentido, os factos revelam que, numa empresa em que o inventário e o valor das máquinas e aparelhos diversos eram avultados (cf. factos provados nº10, 44 e 46 a 59), esses referidos bens não foram encontrados ou de qualquer forma apreendidos, conhecendo-se apenas invocadas vendas cujo retorno de preço inexistiu.
A Requerida, enquanto gerente de direito, não poderia dizer-se não responsável pela avultada dissipação de bens que ocorreu.
Note-se, com o devido respeito, que a previsão do artº 186º nºs 1 e 2 CIRE não visou excluir os administradores de direito, que o não fossem de facto, mas, inversamente, estender a qualificação a actos praticados por administradores de facto (assim, Acs.R.C. 11/10/16 Col.IV/15 e de 22/11/16 Col.V/23, ambos relatados pela Desª Mª João Areias).
Como resulta do artº 72º nº1 CSCom, “os gerentes ou os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa” – responsáveis pois são os titulares do órgão e não, meramente, o órgão em si.
Para o Prof. Coutinho de Abreu, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade, 2010, pg. 25, resultando do disposto no artº 64º nº1 als. a) e b) CSCom, os administradores têm poderes-função, poderes-deveres – e os deveres fundamentais são os deveres de cuidado e de lealdade.
No dever de cuidado englobam-se o dever de controlar e vigiar a condução da actividade da sociedade e o dever de se informar sobre as eventuais causas de danos sociais rectius de se informar sobre a situação económico-financeira da sociedade.
Nos termos da própria norma do artº 64º nº1 al.a), os deveres de cuidado deverão revelar a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e o emprego, nesse âmbito, da diligência de um gestor criterioso e ordenado.
Pelo contrário, “a ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se lhe impunham, enquanto gerente da insolvente” – cf. Ac.R.C. 22/11/2016 cit.
Portanto, a invocação de que a Requerida, gerente de direito, estava afastada do dia-a-dia da sociedade, antes do 2º semestre de 2018, não dispensava a gerente de direito dos seus deveres para com a sociedade, por outro lado não a afastando do englobamento a que procede a norma do artº 186º nºs 1 e 2 CIRE.
III
A douta sentença recorrida integra ainda os factos na presunção ilidível do artº 186º nº3 al.a) CIRE – incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência.
Resulta do artº 18º nº1 CIRE que o devedor possui um prazo de 30 dias posterior ao conhecimento da situação de insolvência (ou à data em que tal conhecimento devesse ocorrer) para a apresentação à insolvência.
A questão dos “capitais próprios” positivos e/ou negativos é alheia à definição legal de situação de insolvência, aludida no artº 3º nº1 CIRE – comprova-o até o facto de a situação de inferioridade do passivo, relativamente ao activo social, constituir insolvência apenas em casos particulares (cf. nº2 do artº 3º CIRE).
O que está em causa é a impossibilidade patrimonial, económico-financeira, de cumprir, equiparando-se a situação de insolvência actual à insolvência meramente iminente (artº 3º nºs 1 e 4 CIRE).
Como atrás já assinalámos, para a situação de insolvência assume importância decisiva tão só o “fluxo de caixa”, no sentido de que o devedor apenas se torna insolvente quando é incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que elas se vencem, e não revela perspectivas de que o venha a ser (veja-se, por todos, Prof. Menezes Leitão, Dtº da Insolvência, 2ª ed., pg.77).
Ora, se existe comprovação dessa “impossibilidade de caixa”, ela está no facto de os créditos, entre os valores constantes do processo especial de revitalização e os valores reclamados na insolvência, não terem sofrido diminuição, antes acrescento, assim se comprovando que a Insolvente não se encontrava já antes em condições de solver as suas responsabilidades, mesmo perante os perdões de dívida, as moratórias e os períodos de carência estipulados no plano de revitalização.
Tal comprova também que desde 2017 – ano da proposta de revitalização – a devedora se encontrava já em situação de insolvência, como se retira do resultado líquido desse ano, independentemente do processo de revitalização.
Como se aduziu nos fundamentos da douta sentença:
“(…) Em primeiro lugar, a lei em lado algum faculta ao devedor que se encontre em situação de insolvência actual o recurso ao PER. Resulta do n.º 2 do artigo 1.º e do n.º 1 do artigo 17.º-A, ambos do CIRE, que o processo especial de revitalização destina-se aos devedores que, comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente. Os que se encontrem em situação de insolvência actual, ou seja, os que, segundo o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, já se encontrem impossibilitados de cumprir as suas obrigações vencidas, não estão em condições de recorrer ao processo especial de revitalização, tais devedores devem apresentar-se à insolvência.”
“Em segundo lugar, não há norma no CIRE da qual resulte que o PER suspende o prazo de apresentação à insolvência. O que o PER suspende é o processo de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor e, ainda assim, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência. É o que afirma o n.º 6 do artigo 17.º- E do CIRE.”
“Em terceiro lugar, também não tem apoio no CIRE a afirmação de que o recurso ao PER desobriga o devedor de se apresentar à insolvência.”
“Por último, convirá notar que a existência do PER e a aprovação e homologação do plano não atesta, nos termos legais, a inexistência de uma situação de insolvência anterior e a sua manutenção.”
“Efectivamente, nos termos legais, no PER o tribunal em lado algum atesta/certifica a inexistência de insolvência actual, ou a existência de uma insolvência meramente iminente.”
“(…) E não é a aprovação dos credores do plano de revitalização que certifica essa inexistência de insolvência actual (bastando a esse propósito pensar que, no sistema vigente, mesmo após a declaração de insolvência e, portanto, já numa situação de insolvência actual poder ser apresentado um plano de insolvência que pode ser aprovado pelos credores).”
“Nada na lei permite, assim, afastar a conclusão que acima se alcançou (no sentido de que a insolvência deve considerar-se culposa, em consonância com o disposto no artigo 186.º, n.ºs 1 e 3, al. a) do CIRE.”
Trata-se de uma conclusão subsuntiva que corroboramos e confirmamos.
IV
Por fim, a questão de saber se o valor da indemnização fixada não deveria ultrapassar o prejuízo para os credores, de € 28 536,00, que não o montante fixado de € 270 000,00.
Como quadro geral, assume relevância o critério legal de que a indemnização deve ser fixada em função dos “montantes dos créditos não satisfeitos”, limitada pelas forças dos patrimónios das pessoas afectadas (artº 189º nº2 al.e) CIRE) .
Daí que, perante os credores da massa insolvente prejudicados pela actuação da Insolvente (do seu gerente ou Administrador), a pessoa afectada responde em princípio integralmente pelos montantes dos créditos não satisfeitos decorrentes daquela sua actuação (artºs 497º nº1 e 512º CCiv).
Releva a diferença entre o valor global do passivo da insolvência e o que o activo pode cobrir, constituindo esse o critério matricial a adoptar pelo juiz – cf. Prof. Carvalho Fernandes e Dr. João Labareda, CIRE Anotado, pg. 697 e Drª Carina Magalhães, Incidente de Qualificação de Insolvência - Uma Visão Geral, in Estudos de Direito da Insolvência, coord. Profª Maria do Rosário Epifânio, págs. 133ss., cits. in Ac.R.G. 19/1/2017, pº 391/16.1T8GMR-C.G1, relatado pelo Des. Damião e Cunha.
Ou seja, em princípio, neste âmbito o legislador apenas impõe que seja efectuada uma mera operação matemática de passivo menos o resultado do activo.
Porém, cumpre igualmente considerar que, nos termos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente no Ac.T.C. 280/2015, de 16/6/2015 (disponível no endereço https://dre.tretas.org/dre/896506/acordao-280-2015-de-16-de-junho), os efeitos jurídicos da qualificação da insolvência “são cumulativos e automáticos, como claramente decorre do proémio do n.º 2 do artigo 189.º, pelo que, uma vez proferida tal decisão, não pode o juiz deixar de aplicar todas essas medidas. Não obstante, a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 189.º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas coletivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.”
Desta forma, e em sequência, concordamos igualmente, na substância, com o juízo plasmado no Ac.R.C. 16/12/2015, pº 1430/13.3TBFIG-C.C1, relatado pela Desª Maria Domingas Simões, no sentido de que “tendo em conta tal solução da lei inspiradora e porque o severo regime que emerge da aplicação conjugada dos art.ºs 186.º e 189.º vincula a uma interpretação que salvaguarde o princípio da proporcionalidade, conjugando o teor das als. a) e e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189º, entendemos que encontra acolhimento no texto legal o entendimento de que na fixação do montante indemnizatório deve ser ponderada a culpa do afectado, que deverá responder na medida em que o prejuízo possa/deva ser atribuído ao acto ou actos determinantes dessa culpa”.
Vista toda a factualidade apurada, e o grau de culpa da Requerida, assume relevo a constatação, também em parte constante da douta sentença, no sentido de que:
“- A sociedade devedora teve um ciclo de vida relativamente longo (foi constituída no ano de 1982), possuindo uma dimensão considerável e tendo fornecido trabalho a um número considerável de trabalhadores;”
- as dívidas da sociedade insolvente não se constituíram todas até à constatação de uma situação de insolvência;
“- apesar de não se ter provado que a requerida opoente é pouco conhecedora do negócio, (…) demonstrou-se que o dito I…, enquanto vivo, estabelecia contactos com os clientes e fornecedores, apresentando propostas e negociando preços de matérias-primas e contratando fornecedores. Significa isto que se demonstrou que I… era um importante dinamizador da actividade da empresa e o seu falecimento (ainda que já posterior à data em que a insolvente devia ter-se apresentado à insolvência, e anterior à data dos factos vertidos em 46. e ss. dos factos provados) é considerado pelo Tribunal como causador de uma diminuição da ilicitude do comportamento da requerida opoente;”
- mas que, contrariamente, o valor dos bens objecto de apreensão (45 - € 265 484,38) é muito inferior à grandeza dos créditos reconhecidos (€2.710.849,78);
- e que os factos dados como provados são objectivamente graves (tanto a não apresentação á insolvência, como a conduta de ocultação de bens da requerida numa altura em que era a única gerente da sociedade);
- do inventário (44), constava um valor habitual (repetido de ano para ano), que não existia, sendo, em concreto, muito inferior ao valor dos balancetes analíticos da devedora.
Neste sentido, para o valor da quantia indemnizatória fixada, de € 270 000,00, atendeu-se a um montante ligeiramente inferior a 1/10 do passivo da insolvente, o que se ajusta à jurisprudência subscrita pelos ora relator e 1ª adjunta, em caso semelhante (cf. Ac.R.P. 19/5/2020, pº 976/19.4T8AMT-C.P1, relatado pela Desª Alexandra Pelayo).
Pensamos, porém, que cumpria ter apurado o resultado do activo (45) e, após, diminuído este ao valor dos créditos reconhecidos e aplicando a percentagem supra, também seguida na douta sentença recorrida, se apuraria um quantum indemnizatório de cerca de € 240 000,00, no qual se fixa agora o montante da indemnização a cargo da Requerida.

Concluindo:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Na parcial procedência do recurso, revoga-se em parte a douta sentença recorrida, condenando-se agora a Requerida a indemnizar os credores da devedora Insolvente reconhecidos no apenso de reclamação de créditos, no montante de € 240.000,00.
No mais, confirma-se a douta sentença.
Custas do recurso a cargo da Requerida, na proporção de vencido.

Porto, 27/10/2020
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença