Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15931/19.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: DECISÃO ADMINISTRATIVA
FUNDAMENTAÇÃO
AÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
CASO JULGADO
REGIMES CONTRIBUTIVOS
Nº do Documento: RP2020051815931/19.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, MANTIDA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 5 do art. 25ºda Lei 107/2009, de 14.09 é expresso no sentido de que a fundamentação da decisão administrativa pode ser feita por remissão para o teor da proposta de decisão, remissão essa que tanto abrange a fundamentação de facto, como a fundamentação de direito, apenas dela estando excluída a parte decisória propriamente dita (de condenação, e respectiva medida da coima, ou de absolvição).
II - Na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, criada pela Lei 63/2013, de 27.08 e a que se reportam os arts.186º-K do CPT e segs, a sentença transitada em julgado que reconheça a existência de um contrato de trabalho, no que se reporta ao empregador, faz caso julgado material [art. 619º, nº 1, do CPC/2013], a qual, por via da autoridade material desse caso julgado, se lhe impõe também no âmbito do processo contra-ordenacional que previamente havia sido instaurado pela ACT nos termos do art. 15º-A, nº 1, da citada Lei 107/2009 [introduzido pela citada Lei 63/2013] e que, de harmonia com o nº 4 do mesmo, havia ficado suspenso até ao trânsito em julgado de tal decisão.
III - O reconhecimento da existência do contrato de trabalho não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa, de simples reconhecimento da sua existência, sendo que o facto dos “prestadores da actividade” não pretenderem “regularizar” a situação em consonância com o tipo contratual verdadeiramente vigente entre as partes não obsta à responsabilidade contra-ordenacional do empregador.
IV - Se o legislador entendeu ser de estabelecer um determinado enquadramento contributivo para os trabalhadores por conta de outrem (contrato de trabalho) e outro, diferente, para os trabalhadores por conta própria (prestação de serviços) é porque é aquele o regime contributivo que, em caso de contrato de trabalho, serve os interesses do Estado, não podendo as partes da relação jurídico privada que, efectiva e realmente estão vinculadas por um contrato de trabalho, por sua vontade e por via da falsa existência de um contrato de prestação de serviços, ficarem sujeitas ao regime contributivo legal vigente paras os trabalhadores independentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 15931/19.6T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1167)
Adjunto: Des. Rui Penha

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Inconformados com a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) que condenou na coima de €12.000,00 (doze mil euros) pela prática, imputada a título de dolo, da infracção prevista no art.º 12.º, n.º 2, conjugado com o n.º 1, als. a), b) e c) do mesmo artigo, do Código do Trabalho, que constitui contra-ordenação muito grave, punida nos termos do disposto no art.º 554.º, n.º 4, al. a) do mesmo Código, vieram a arguida B…, LDA, bem como C…, na qualidade de responsável solidário, impugnar judicialmente a mesma, ao abrigo do disposto nos artigos 32.º e seguintes da Lei nº 107/2009 de 14/09.

Recebido o recurso, foram a arguida e o MP notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de decisão por simples despacho, ao que os mesmos não se opuseram, na sequência do que foi proferida decisão julgando improcedente a impugnação judicial e mantenho a decisão administrativa impugnada.

Inconformados, veio a arguida e responsável solidário recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“Da nulidade da decisão por falta de menção da norma alegadamente violada
……………………………
……………………………
……………………………
O Ministério Público contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
……………………………
……………………………
……………………………
A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de facto que se tem como assente

Porque provado documentalmente, tem-se como assente a seguinte factualidade:
A. Na proposta de decisão, elaborada pela ACT, consta, para além do mais, o seguinte:

VI. DOS FACTOS PROVADOS
Ponderado o conteúdo do auto de notícia e da resposta escrita bem como dos depoimentos prestados, valorados criticamente, consideramos provados os seguintes factos:
1. A arguida, pessoa coletiva n.º ………, dedica-se à atividade de prestação de serviços médicos de medicina física, fisiatria e reabilitação bem como o exercício de todas as actividades relacionadas com os mesmos, incluindo a investigação e meios auxiliares de diagnóstico.
2. Á data dos factos, a arguida tinha sede na Rua …, n.° …, Hab. .., ….-… Porto e local de trabalho na Rua …, n.º …, 1.º, sala 4, e 3», sala 3, ….-… Porto.
3. Em julho de 2014, a arguida mudou a sua sede para a Rua …, n.° …, 1°, sala 4, e 3°, sala 3, ….-… Porto.
4. A arguida é legalmente representada por C….
5. C…, a sociedade «D…, S.A.» e E… são sócios da arguida.
6. O conselho de administração da sociedade «D…, S.A.», pessoa coletiva n.° ………, com a atividade de prestação de serviços médicos de fisiatria e reabilitação, bem como o exercício de todas as atividades relacionadas com os mesmos, incluindo a investigação e meios auxiliares de diagnóstico, com sede na Rua …, n.º …, Hab. ., ….-… Porto, é composto pelo Presidente C… e a vogal E….
7. Para além de sócia da arguida, E… é médica fisiatra na arguida.
8. F… é Diretora Clínica da arguida e médica fisiatra na arguida.
9. E… e F… são sócias gerentes da sociedade «G…, Lda.», pessoa coletiva n.º ………, com a atividade de prestação de serviços médicos de fisiatria e reabilitação (com convenção com a ADSE), com sede na Rua …, n.° .., no Porto, e local de trabalho/clínica na Rua …, n.° …, 3.°, ….-… Porto.
10. A arguida e a sociedade «G…, Lda.» partilham instalações.
11. A arguida possui um organigrama, cuja cópia se encontra a fls. 156 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. A arguida possui um regulamento interno, cuja cópia se encontra a fls. 200 a 203 dos autos.
13. No regulamento interno da arguida consta o seguinte:
- F… era a Diretora Clínica (substituída por E…) - artigo 8.º;
- a gestão do pessoal e o exercício do poder disciplinar compete à gerência da clínica, em estreita colaboração com o Diretor Clínico (artigo 11.º);
- são deveres dos profissionais (artigo 14.º)
comparecer ao serviço com pontualidade e assiduidade e realizar o trabalho com zelo e diligência (al. b));
respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a gerência da Clínica, os superiores hierárquicos... (al. c));
obedecerá gerência, ao Diretor Clínico e aos superior hierárquico direto em tudo o que respeitará execução e disciplina do trabalho (al. d));
- compete à gerência fixar, dentro dos condicionalismos legais e regulamentares, os termos em que o trabalho deve ser prestado (artigo 15.°);
- compete à gerência fixar o horário de trabalho (artigo 17.°, n.° 1).
14. No dia 23 de junho de 2011, a Diretora Clínica F… remeteu à trabalhadora H… o e-mail cuja cópia consta a fls. 199 dos autos, no qual solicitava à referida trabalhadora que fizesse uma cópia do regulamento interno da clínica, o desse a ler a cada um dos funcionários e os fizesse assinar em como tinham tomado conhecido do seu teor.
15. No dia 10 de abril de 2014, pelas 15 horas e 30 minutos, foi realizada uma visita inspetiva ao local de trabalho situado na Rua …, n.° …, 1.º, sala 4, e 3.°, sala 3, no Porto.
16. Na data e local da visita inspectiva referida em 15., a arguida mantinha ao seu serviço:
- H… (NIF ………, NISS …………, portadora do Cartão de Cidadão n.° …….., com residência na Rua …, n.° …, hab. .., ….-… …, Vila Nova de Gaia), a prestar a sua atividade de técnica administrativa na receção da clínica da arguida;
- I… (NIF ………, NISS ……….., com residência na Av. …, n.º …, 2.° Dto, ….-… Vila Nova de Gaia), a prestar a sua atividade de técnica de fisioterapia;
- J… (NIF ………, NISS ……….., portador do Cartão de Cidadão n.° …….., com residência na Rua …, n.° .., hab. .. - 2.°, ….-… Vila Nova de Gaia), a prestar a sua atividade de fisioterapeuta;
- K… (NIF ………, NISS ……….., portadora do Cartão de Cidadão n.° …….., com residência na Tv. …, n.° .., …, ….-… Vila Nova de Gaia), a prestar a sua atividade de fisioterapeuta.
17. Na data e local da visita inspetiva referida em 15., H… encontrava-se, na receção da clínica, a executar tarefas próprias da atividade de técnica administrativa: atendimento telefónico, apoio às consultas de fisiatria, marcação de doentes para consultas e para tratamentos, faturação dos doentes com taxas moderadoras.
18. Em inícios do mês de janeiro de 2011 H… foi contratada pela arguida para exercer as funções de técnica administrativa e rececionista na clínica da arguida situada na Rua …, n.° …, 1.°, sala 4, e 3.º, sala 3, no Porto.
19. No exercício dessa sua atividade cabia a H…, entre outras tarefas que prestava à arguida, atender telefonemas, marcar consultas, encaminhar os doentes aos gabinetes dos médicos, receber o dinheiro dos doentes e emitir faturas.
20. H… exerceu ininterruptamente tais tarefas para a arguida desde inícios de janeiro de 2011 até ao dia 15 de maio de 2014, data em que cessou tal atividade profissional com a arguida.
21. No exercício das suas funções, H… utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à arguida e por ela disponibilizados, nomeadamente telefone fixo, computador, monitor, teclado, rato, intranet, cadeira, secretária, impressora, fotocopiadora e fax.
22. H… cumpria um horário de trabalho, atribuído pela arguida: de segunda-feira a sexta-feira, das 9h00 às 18h30, com intervalo de descanso das 12h30 às 14h00.
23. H… obedecia a ordens diretas e instruções de trabalho da Diretora Clínica e médica fisiatra F… e da sócia e médica fisiatra E…, nomeadamente no que respeita à marcação de consultas e tratamentos, à elaboração de mapas de horas trabalhadas pelos terapeutas, à supervisão e pagamento dos serviços de limpeza da clínica, aos procedimentos internos a seguir com os utentes da clínica, incluindo regras de faturação e contagem de doentes/utentes.
24. Em contrapartida do serviço prestado, H… recebia da arguida uma quantia fixa e líquida de 700,00 € (setecentos euros), que lhe era paga doze vezes ao ano, através de transferência bancária.
25. A quantia paga pela arguida a H… não dependia do número de doentes ou utentes que fossem atendidos na clínica.
26. H… emitia recibos verdes, nos quais ela constava como “Prestador de Serviço” e a arguida como a “Adquirente do Serviço”, entre eles (cfr fls. 158 a 174 dos autos):
(...)
27. H… gozava férias geralmente no mês de agosto, embora prestasse a sua atividade nos últimos dias desse mês, para “fechar” as contas da arguida, conforme lhe era determinado por esta.
28. A arguida pagava a H… a retribuição das férias, mas não lhe pagava subsídio de férias nem subsídio de Natal.
29. A pedido das médicas fisiatras E… e F…, H… também fazia marcações dos utentes da sociedade «G…, Lda.».
30. No Organigrama da arguida, a fls. 156 dos autos, H… consta na Receção.
31. No “Quadro de Pessoal” da arguida, a fls. 157 dos autos, H… consta como Técnica Administrativa.
32. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do regulamento interno da arguida, a fls. 201 e 202 dos autos, do qual consta, nomeadamente, que:
i) H… pertencia ao “Pessoal Administrativo” (artigo 8.°).
ii) “cabe à técnica administrativa a marcação de consultas, exames e a confirmação da realização dos tratamentos. É ainda da sua competência a supervisão da limpeza da unidade de saúde” (artigo 11.º, fim).
33. Até fevereiro de 2011, a arguida teve ao seu serviço na área administrativa/receção a trabalhadora subordinada L… (NISS ………..), que emigrou para a Suíça.
34. H… foi substituir a trabalhadora L….
35. No dia 11 de abril de 2014 foi entregue à H… o “Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo”, com início a 1 de abril de 2014 e termo a 31 de março de 2015, cuja cópia se encontra a fls. 293 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual figurava como entidade empregadora a sociedade «G…, Lda.», sendo a remuneração mensal de 650,00 €, incluindo subsídio de refeição no valor de 4,27 € por cada dia útil.
36. H… não aceitou subscrever o contrato de trabalho referido em 35..
37. No dia 15 de maio de 2014 foi entregue à H… o “Contrato de Trabalho”, cuja cópia se encontra a fls. 292 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual figurava como entidade empregadora a sociedade arguida, com início a 1 de maio de 2014, sendo a remuneração mensal de 600,00 €, incluindo subsídio de refeição no valor de 4,27 € por cada dia útil.
38. H… também não aceitou subscrever o contrato de trabalho referido em 37..
39. H… foi a única técnica administrativa da arguida entre o mês de janeiro de 2011 e o dia 15 de maio de 2014, cabendo-lhe nomeadamente receber e responder aos e-mails que eram enviados para o endereço eletrónico M…@gmail.com.
40. Na data e local da visita inspetiva referida em 15., I… encontrava-se a executar tarefas próprias da atividade de técnica de fisioterapia: colocação de gelo, pomadas e massagens aos doentes bem como técnicas de A.V.V. e de apoio ao fisioterapeuta.
41. I… exercia tais funções para a arguida, pelo menos, desde 2000.
42. As funções de I… eram realizadas na clínica da arguida situada na Rua …, n.° …, l,°, sala 4, e 3.º, sala 3, no Porto.
43. No exercício das suas funções, I… sempre utilizou os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à arguida e por ela disponibilizados, nomeadamente aparelhos de ultrassons (iontofurese), pomadas, gelo, marquesas, parafina, compressas de calor húmido.
44. Esporadicamente e na ausência de H…, I… efetuava o atendimento telefónico, o apoio às consultas de fisiatria, a marcação de doentes para consultas e tratamentos de acordo com as ordens das médicas fisiatras.
45. I… cumpria um horário de trabalho, estabelecido/atribuído pela arguida: de segunda-feira a sexta-feira, das 9h00 às 16h00, com intervalo de descanso das 12h00 às 13h00.
46. A título de contrapartida pelo trabalho prestado, I… recebia, com uma periodicidade mensal, uma retribuição calculada de acordo com as horas trabalhadas em cada mês, remuneradas com um valor fixo de 5,00 € (cinco euros) por cada hora que permanecia na clínica da arguida, que lhe era paga habitualmente até ao dia 7 do mês seguinte, através de transferência bancária.
47. I… emitia recibos verdes, nos quais ela constava como “Prestador de Serviço” e a arguida como a “Adquirente do Serviço”, entre eles (cfr. fls. 203 a 217 dos autos):
(…)
48. No final do dia de trabalho, I… elaborava um relatório com o nome dos doentes que tinha tratado ou ajudado a tratar e a hora do tratamento.
49. O relatório elaborado por I… era entregue à médica fisiatra E… ou a um dos outros médicos fisiatras da clínica.
50. I… gozava férias geralmente nos meses de agosto ou Setembro.
51. A arguida não pagava a I… subsídio de férias nem subsídio de Natal.
52. No Organigrama da arguida, a fls. 156 dos autos, consta I… como Técnica de Fisioterapia.
53. No “Quadro de Pessoal” da arguida, a fls. 157 dos autos, consta a I… como sua Técnica de Fisioterapia.
54. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do regulamento interno da arguida, a fls. 201 e 202 dos autos, do qual consta, nomeadamente, que:
i) I… era Técnica de Fisioterapia (artigo 8°).
ii) Aos colaboradores técnicos de saúde (auxiliares de fisioterapia)
- Compete-lhes executar com profissionalismo e zelo as tarefas e funções que lhe forem determinadas superiormente.
- Respeitar as regras e regulamentos internos existentes, aprovados superiormente.
- Respeitar e promover o espírito de equipa, de respeito e de bom «relacionamento com os utentes e seus familiares.
- Têm ainda o dever de obediência e lealdade para com os seus superiores hierárquicos.
55. À data da visita inspetiva referida em 15. I… também prestava trabalho como ajudante de fisioterapia, em “regime de prestação de serviços”, para a sociedade «G…, Lda.».
56. No dia 1 de abril de 2014, I… declarou por escrito que não tinha qualquer interesse em celebrar qualquer contrato de trabalho com a arguida, pretendendo continuar a exercer a sua atividade de prestação de serviços a esta e a outras entidades (cfr. declaração cuja cópia consta a fls. 291 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
57. No dia 1 de abril de 2014, I… e a sociedade «G…, Lda.» celebraram um contrato de trabalho a tempo parcial de 20h/semana e 4h/dia (das 8h00 às 12h00) para exercer as funções de técnica de fisioterapia, com uma remuneração mensal de 350,00 €.
58. I… prestou serviços pontuais como ajudante de fisioterapia para a sociedade «N…, Lda.», com sede e local de trabalho no …, n.° …, Fração HL, ….-… Vila Nova de Gaia.
59. C…, E… e a sociedade «D…, S.A.» são sócios da «N…, Lda.».
60. No período de 1 de abril de 1993 a 31 de outubro de 1996, I… foi trabalhadora subordinada da sociedade «P…, Lda.”, pessoa coletiva n.° ………, com sede na Rua …, n.° …, ….-… São João da Madeira.
61. C… e E… são sócios da «P…, Lda.».
62. I… continua a trabalhar para a arguida em regime de recibos verdes.
63. Em 3 de março de 2019, I… requereu a pensão por velhice junto da Segurança Social.
64. Na data e local da visita inspetiva referida em 15., J… e K… encontravam-se a executar tarefas próprias da atividade de Fisioterapeuta: realização de tratamentos de fisioterapia aos doentes de acordo com os tratamentos prescritos pelas médicas fisiatras F… e E….
65. J… exercia tais funções para a arguida, pelo menos, desde junho de 2013.
66. K… exercia tais funções para a arguida, pelo menos, desde março de 2014.
67. As funções de J… e de K… eram realizadas na clínica da arguida situada na Rua …, n.° …, 1.º, sala 4, e 3., sala 3, no Porto.
68. No exercício das suas funções, J… e K… sempre utilizaram os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à arguida e por ela disponibilizados, nomeadamente aparelhos de ultrassons (iontofurese), aparelhos de electroestimulação, de ionização galvânica, TENS, marquesas, cremes, gel e gelo.
69. J… cumpria um horário de trabalho, estabelecido/atribuído pela arguida: de segunda-feira a sexta-feira, das 8h00 às 16h00.
70. K… cumpria um horário de trabalho, estabelecido/atribuído pela arguida: de segunda-feira a sexta-feira, das 14h00 às 20h00.
71. A título de contrapartida pelo trabalho prestado, J… e K… recebiam, com uma periodicidade mensal, uma retribuição calculada de acordo com as horas trabalhadas em cada mês, remuneradas com um valor fixo de 5,00 € (cinco euros) por cada hora que permaneciam na clínica da arguida, que lhes era paga habitualmente até ao dia 7 do mês seguinte, através de transferência bancária.
72. J… emitia recibos verdes, nos quais ele constava como “Prestador de Serviço” e a arguida como a “Adquirente do Serviço”, entre eles (cfr. fls. 223 a 232 dos autos):
(...)
73. K… emitia recibos verdes, nos quais ele constava como “Prestador de Serviço” e a arguida como a “Adquirente do Serviço”, entre eles a Fatura-Recibo n.° 2, de 04/04/2014, no valor de 330,00 € (cfr. fls. 236 dos autos).
74. Por determinação da arguida, J… e K… tinham, desde o início da prestação de atividade para a arguida e durante a realização das suas atividades, que utilizar uma farda - a farda oficial de fisioterapeuta - composta por uma calça azul marinho e um pólo branco ou azul marinho, onde consta a menção de “Fisioterapeuta”.
75. A farda era adquirida pelos próprios (J… e K…).
76. Do mapa do quadro de pessoal da arguida, com as mesmas tarefas de J… e de K…, consta Q…, admitido em janeiro de 2009, com a categoria profissional de Fisioterapeuta e com uma remuneração mensal declarada pela arguida no Relatório Único de 2014 de 1.124,71 € (mil cento e vinte e quatro euros e setenta e um cêntimos).
77. Q… exerce as mesmas funções que J… e de K… e em condições exatamente iguais, no que se refere à forma de exercício da atividade profissional, instrumentos de trabalho utilizados, procedimentos internos a cumprir e utilização da farda.
78. No Organigrama da arguida, a fls. 156 dos autos, consta J… como Fisioterapeuta.
79. No “Quadro de Pessoal” da arguida, a fls. 157 dos autos, consta J… como Funcionário.
80. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do regulamento interno da arguida, a fls. 201 verso dos autos, do qual consta, nomeadamente, que:
- Os técnicos de saúde têm a competência de execução de atos terapêuticos prescritos pelos médicos fisiatras e o dever de os informarem da sua aplicação e evolução.
- Compete-lhes também zelar pela correta utilização do equipamento e Informar o diretor clínico se for detetada qualquer anomalia.
- Respeitar as regras e regulamentos internos existentes, aprovados superiormente.
- Respeitar e promover o espírito de equipa.
- Promover o bom relacionamento com os utentes e seus familiares.
- Promover a produtividade e eficiência das atividades a seu cargo bem como a qualidade e eficácia da sua execução.
- Informar a direção clínica sobre todos os utentes com duração de tratamento superior a 3 meses.
- Procurar valorizar-se técnico profissionalmente, segundo as diretrizes, no interesse da melhoria assistencial da clínica.
- Têm ainda o dever de obediência e lealdade para com os seus superiores hierárquicos.
81. J… declarou por escrito que não tinha qualquer interesse em celebrar qualquer contrato de trabalho com a arguida, pretendendo continuar a exercer a sua atividade de prestação de serviços a esta e a outras entidades (cfr. declaração cuja cópia consta a fis. 290 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
82. No dia 1 de maio de 2015, K… declarou por escrito que não pretendia celebrar qualquer contrato de trabalho com a arguida, já que preenchendo as condições legalmente estabelecidas para a realização de estágio profissional em condições idênticas às de contrato de trabalho em outra clínica de fisioterapia, e tal lhe tendo sido proposto, aceitou (cfr. declaração cuja cópia consta a fls. 294 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
83. No caso de eventual indisponibilidade de I…, J… e de K… para o cumprimento do horário, estes não só não podiam designar alguém para os substituir como tinham de comunicar previamente tal situação às medicas fisiatras F… e E…, caso em que os utentes/doentes eram distribuídos pelos colegas fisioterapeutas em serviço na clínica ou eram desmarcados.
84. I…, J… e K… obedeciam a ordens diretas e instruções de trabalho da Diretora Clinica e médica fisiatra F… e da sócia e médica fisiatra E…, nomeadamente no que respeita às normas a seguir com os utentes, aos procedimentos internos da clínica a seguir e ao modo de execução dos tratamentos, incluindo a ordem cronológica e a duração dos mesmos.
85. A atividade de I…, J… e de K… era objeto de verificação pelos médicos fisiatras ou estava sujeito ao cumprimento da prescrição daqueles.
86. A arguida possuía um plano de trabalho, na qual constava a atribuição dos utentes/doentes e a respetiva prescrição médica emitida pelos médicos fisiatras da clínica.
87. A arguida nunca pagou quaisquer contribuições sociais relativas à prestação de trabalho de H…, I…, J… e K… nem efetuou as devidas retenções em sede de IRS.
88. No dia 10 de abril de 2014, a arguida foi advertida (Advertência n.° AV……….) para a “requalificação dos trabalhadores independentes H…, I…, J… e K… em trabalhadores por conta de outrem, com todos os direitos e obrigações perante a Segurança Social e Fisco desde o início da relação laboral”.
89. A arguida respondeu à advertência, referindo não aceitar que se verificassem quaisquer situações de prestação de atividade aparentemente autónoma em condições análogas ao contrato de trabalho em relação aos prestadores de serviços (cfr. resposta a fls. 241 dos autos, cujo teor se dá aqui por integramente reproduzido)
90. A arguida não cumpriu com as medidas recomendadas no auto de advertência n.° AV………..
91. No dia 5 de maio de 2014, a arguida foi notificada para regularizar a situação dos trabalhadores H…, I…, J… e K…, nos termos do artigo 15°-A, n.° 1, da Lei n.° 107/2009.
92. A arguida não fez prova da regularização da situação dos trabalhadores H…, I…, J… e K… junto dos Serviços do Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho.
93. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
94. No âmbito do Processo n.° 151/14.4TTVLG que correu termos no Tribunal do Trabalho de Valongo foi proferida sentença que reconheceu a existência de um contrato de trabalho entre H… e a arguida, o qual teve o seu início em janeiro de 2011 (cfr. fis. 45 a 57 dos autos).
95. No âmbito do Processo n.° 558/14.7TTVNG que correu termos no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia foi proferida sentença (cfr. fls. 16 a 19 dos autos) que condenou a arguida a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre si e – I…, com início, pelo menos, em 2000, nos termos do qual esta exerce, por conta da arguida, as funções de técnica de fisioterapia e aufere uma retribuição mensal não inferior a 800,00 €;
- J…, com início, pelo menos, em Junho 2003, nos termos do qual este exerce, por conta da arguida, as funções de fisioterapeuta e aufere uma retribuição mensal não inferior a 800,00 €;
- K…, com início, pelo menos, em Março de 2014, nos termos do qual esta exerce, por conta da arguida, as funções de fisioterapeuta e aufere uma retribuição mensal não inferior a 800,00 €.
96. No Relatório Único de 2013 a arguida indicou ter obtido um volume de negócios de 154.505,00 €.

B. Da referida proposta de decisão mais consta o seguinte:

VII. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Para além dos factos supra transcritos não se provaram, com interesse para a decisão a proferir, quaisquer outros fados, designadamente, entre os alegados, todos os que estejam em oposição ou que tenham ficado prejudicados com a matéria dada por assente.
Assim, não resultou provado que:
1. J… e K… prestavam serviços para outras clínicas.
2. A arguida tenha proposto a J… a celebração de um contrato de trabalho e que este tenha recusado.
3. À data da visita inspetiva, K… estivesse presente nas instalações da arguida há cerca de uma semana em fase de avaliação do interesse mútuo na realização de um estágio profissional.

VIII. DA MOTIVAÇÃO
Os factos provados tiveram em consideração o conteúdo do auto de notícia, sendo que, para alicerçar a nossa convicção, foi ainda atribuída relevância ao conjunto da prova produzida, analisada e concatenada criticamente de acordo com as regras da experiência comum.
Quanto aos factos não provados, tal resultou de a prova feita ter estado em contradição com a matéria dada como provada bem como da inexistência de prova suficiente e credível em relação a estes.

C. No relatório da mencionada proposta de decisão consta também, e para além do mais, o seguinte:
“(…), vem acusada de ter violado o disposto no artigo 12º, nº 2, conjugado com o nº 1, alíneas a), b) e c), do mesmo artigo, ambos do Código do Trabalho.
A infracção consistiu no facto da entidade empregadora mesmo após advertida, manter na qualidade de prestadores de serviços quatro trabalhadores, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, causadora de prejuízo para os trabalhadores e para o Estado.
De acordo com o auto de notícia, o comportamento supra descrito constitui contra-ordenação laboral muito grave, nos termos do artigo 12º, nº 2, do Código do Trabalho, facto punível, dado o volume de negócios da arguida, nos termos do artigo 554º, nº 4, alínea a), do mesmo diploma com uma coima (…)”.

D. E, em sede do “Direito Aplicável”, consta da referida proposta de decisão, para além de diversas outras considerações jurídicas, o seguinte:
A questão que importa resolver nos autos é a da identificação da natureza da relação jurídica havida entre as partes, a arguida e H…, I…, J… e K…. Saber se essa relação contratual deve ser qualificada como contrato de trabalho ou como contrato de prestação de serviços.
No caso dos autos temos duas posições antagónicas: a arguida a sustentar que a relação contratual que detém com estas pessoas consubstancia um contrata de prestação de serviços, enquanto a Inspetora autuante, ao proceder ao levantamento do auto de notícia, entende que as ditas relações consubstanciam verdadeiros contratos de trabalho.
(…)”,

E. Mais passando a tecer diversas considerações jurídicas ao longo de várias páginas, no âmbito das quais referiu, para além do mais, o seguinte:
“(…)
contraordenações imputadas à aqui arguida com base neste normativo, Com efeito, e como já vimos, de acordo com o disposto no n,° 2 do artigo 12.º do Código do Trabalho: «[c]onstitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado».
Para se poder concluir pela verificação destas contraordenações laborais, necessária será também a demonstração de factos que, de algum modo, revelem que a prestação de trabalho por parte dos trabalhadores H…, I…, J… e K… ao serviço da aqui arguida se fazia de forma aparentemente autónoma o que resulta

(…)”.

F) Foi, pela ACT [subdirectora], proferida a seguinte decisão:
“Vistos os autos e considerada a proposta do Sr. Instrutor, nos termos do Artº 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, profiro a presente decisão com a prévia advertência de que:
(…)
Assim:
No uso da delegação de competências (…), concordo com a proposta acima referida a fls. ----- dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do nº 5 do Art. 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, passando a fazer parte integrante da presente decisão.
Nestes termos, aplico a B…, LDA a coima de Euros 12000,00 (doze mil Euros).
(…)”

G. E, bem assim, foi proferida a seguinte decisão:
“Vistos os autos e considerada a proposta do Sr. Instrutor, nos termos do Artº 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, profiro a presente decisão com a prévia advertência de que:
(…)
Assim:
No uso da delegação de competências (…), concordo com a proposta acima referida a fls. ----- dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do nº 5 do Art. 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, passando a fazer parte integrante da presente decisão.
Nestes termos, determino que C… pague a coima de Euros 12000,00 (doze mil Euros) como responsável solidário com C…, LDA (nº 3 do Artº 551º do Código do Trabalho).
(…)”

H. Conforme informação prestada aos autos pelos respectivos Tribunais, as sentenças proferidas nos Processos 151/14.4TTVLG e 558/14.7TTVNG transitaram em julgado aos, respectivamente, 23.07.2015 e 16.02.2015.
***
III. Do Direito

1. Tendo em conta as conclusões do recurso, são as seguintes as questões suscitadas:
- Da nulidade da decisão administrativa por falta de menção da norma alegadamente violada
- Da nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação.
- Da nulidade da decisão administrativa por falta de descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas.
- Da consideração de prova proibida.
- Dos erros de Direito

2. Da nulidade da decisão administrativa por falta de menção da norma alegadamente violada

A propósito desta questão alegam os Recorrentes que: “I. A Decisão ora impugnada, proferida pela ACT, aplicou aos Impugnantes Sociedade e seu gerente único, uma coima de doze mil euros sem que dela conste qual o comportamento ilícito que deva ser punido. Não constando da decisão nem da proposta de decisão que a acompanhava, qual a norma ou normas alegadamente violadas. II. Tal elemento é essencial e indispensável à decisão, nos termos do nº 1 alínea c) do artigo 25º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, como o define aliás e também o artigo 58º 1 c) do Regime Geral das Contraordenações, caso se entenda que o artigo 25º não seja em si mesmo completo, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 60º 1 do Regime Processual, e como o determina, amplamente, o artigo 374º nº 3 al. a) do CPP, aplicável subsidiariamente se necessário fosse, nos termos do 41º nº 1, do RGCO. III. Pelo que na falta de tal elemento essencial, sem o qual os arguidos ou quaisquer outros que tenham de rever a Decisão não podem saber qual a infração que cometeram e qual a norma que prevê e pune o seu comportamento. E por tal a decisão é nula, consequência imposta pelo artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP. Vício que é insuprível, incorrigível, e é de conhecimento oficioso. Não sendo aplicável à falta de indicação da norma violada o disposto no nº 5 do artigo 25º do Regime Processual que diz respeito à fundamentação. IV. A decisão recorrida ao entender de modo diferente, e ao considerar que a remissão para um qualquer projeto de decisão de qual a norma violada é suficiente, viola o disposto no artigo 25º nº 1 al c) da Lei 107/2009, que obriga a que da própria decisão conste a norma violada.”.

2.1. Na decisão recorrida, a propósito desta questão, referiu-se o seguinte:
I - Da nulidade da decisão por falta de menção da norma alegadamente violada
Alega a arguida que não consta da decisão, nem da proposta de decisão que a acompanha, qual a norma ou normas alegadamente violadas, e que tal elemento é essencial e indispensável à decisão, nos termos do nº 1 alínea c) do artigo 25º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, como o define também o artigo 58.º 1 c) do Regime Geral das Contraordenações, caso se entenda que o artigo 25.º não seja em si mesmo completo, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 60.º 1 do Regime Processual, e como o determina, amplamente, o artigo 374.º n.º 3 al. a) do CPP, aplicável subsidiariamente se necessário fosse, nos termos do artigo 41.º n.º 1, do RGCO.
Ora, compulsada a Decisão administrativa impugnada, que remete para a proposta de decisão que a antecede (fls. 318ss dos autos e fls.337), refere-se ali que a Arguida “...vem acusada de ter violado o disposto no artigo 12.º, n.º 1, conjugado com o n.º 1, alíneas a), b) e c), do mesmo artigo, ambos do Código do Trabalho”, e que “De acordo com o auto de notícia, o comportamento supra descrito constitui contraordenação laboral muito grave, nos termos do artigo 12.º, n.º 2 do Código do Trabalho, facto punível, dado o volume de negócios da arguida, nos termos do artigo 554.º, n.º 4, al. a) do mesmo diploma legal (...)
Verifica-se, pois, que a Decisão administrativa identifica claramente a norma violada, bem como a sanção aplicável, pelo que, sem outras considerações, por desnecessárias, se conclui que não se verifica a invocada nulidade.”.

2.2. Concordamos com a decisão recorrida, não assistindo qualquer razão à Recorrente que, aliás e no essencial, se limita a transcrever o que já havia sido alegado no âmbito da impugnação judicial.
Acrescentar-se-á o seguinte:
Dispõe o art. 25º da Lei 102/2009, de 14.09 que: “1. A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a) a identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção; b) A descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias. …). 5. A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.”.
O nº 5 do citado preceito é expresso no sentido de que a fundamentação da decisão pode ser feita por remissão para o teor da proposta de decisão, sendo que dessa remissão apenas é excluída a parte decisória propriamente dita, qual seja a da concreta condenação e respectiva medida da coima ou da absolvição. No que se reporta à fundamentação da decisão, ela comporta a possibilidade de remissão quer para a fundamentação de facto, quer para a fundamentação de direito, sendo que a norma não restringe a possibilidade de tal remissão no que toca a uma e/ou outra. Ora, a indicação da norma violada insere-se no âmbito da fundamentação da decisão, nada impedindo que conste da remissão da decisão para a proposta de decisão.
Necessário é que da proposta de decisão constem os elementos, quer de facto, quer de direito, indicados na norma, isto é, a fundamentação da decisão, na medida em que, assumindo embora esta “uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal”, deverá todavia ser patente para o arguido “as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial, permitir a tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada” [António de Oliveira Mendes e José Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 3ª edição, pág.104].
De referir ainda que a questão da possibilidade da decisão administrativa remeter para a proposta de decisão há muito que se colocou no âmbito do Regime Geral das Contra-ordenações Laborais [constante do DL 433/82, alterado, entre outros, pelo DL 244/95 e cujo art. 58º não prevê expressamente a possibilidade de remissão da decisão para a proposta de decisão] sobre ela se tendo pronunciado a jurisprudência e doutrina no sentido da sua admissibilidade, designadamente os autores acima mencionados, in ob. citada, págs. 194 a 196, onde, para além do mais, referiram o seguinte:
Como decisão administrativa que é, hão-de aplicar-se neste procedimento especial as normas que não envolvam diminuição das garantias dos particulares, conforme determina o próprio CPA a partir da reforma de 1996.
Face às características e natureza do procedimento por contra-ordenação não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o designado “relatório” e a “fundamentação”, ficando o decisor incumbido de proferir a em sentido próprio, isto é a determinar a coima eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos de agravação ou de atenuação da culpa e às normas legais (…), para a proposta de decisão.
É esta uma posição que se arrima ao disposto no nº 1 do artigo 125º do CPA:
(…)
Obrigar a decisão a repetir literalmente considerações já expressas noutra peça processual é uma imposição vazia de sentido que apenas tem por resultado o desperdício de tempo. (No sentido proposto aceitando a aplicabilidade do referido artigo 125 do C:P.A. na fundamentação da decisão contra ordenacional condenatória pronunciaram-se os seguintes Acórdãos do tribunal Constitucional 50/2003; 62/2003; 136/2003; 249/2003; 469/2003 e 492/2003.”.
Ora, se assim era e é no âmbito do regime geral contra-ordenacional, muito mais o será no âmbito do regime jurídico aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social constante da Lei 107/2009, a qual dispõe de norma expressa (art. 25º, nº 5) a permitir, na decisão, a mera declaração de concordância com os fundamentos constantes da proposta de decisão, carecendo de total fundamento legal a pretensão dos Recorrentes no sentido de que da própria decisão deveria constar a indicação da norma jurídica violada, não bastando a remissão ou declaração de concordância com os fundamentos, incluindo essa indicação, constantes da proposta de decisão.
No caso, a decisão administrativa remeteu para a proposta de decisão, aderindo a toda a fundamentação desta. Ora, desta, mormente do relatório e da sua fundamentação jurídica, consta ter sido prestada actividade, pelos “prestadores/trabalhadores” nela identificados, por forma aparentemente autónoma, mas em condições características próprias do contrato de trabalho e, bem assim, a indicação de ter sido cometida a contra-ordenação prevista no art. 12º, nº 2, do CT/2009.
Foi pois indicada a norma jurídica violada, carecendo os Recorrentes, manifestamente, de razão e, assim e nesta parte, improcedendo as conclusões do recurso.

3. Da nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação

A propósito desta alegada nulidade, alegam os Recorrentes que: “V. A decisão ora impugnada é ainda nula por falta de fundamentação, o que igualmente constitui violação do artigo 25º do Regime Processual da Contraordenações Laborais. VI. Pois não obstante o n.º 5 de tal preceito preveja a possibilidade de a fundamentação da decisão seja realizada por remissão a parecer/proposta/auto de notícia/ ou outro qualquer documento que conste dos autos, é necessário que seja devidamente identificado qual o documento que o decisor pretende que constitua a necessária fundamentação. VII. E facto é que da decisão comunicadas aos impugnantes, no espaço referente ao documento para o qual se remete, encontra-se em branco, vide (terceira linha após o “Assim”). VIII. Não se encontrando assim identificado o documento para o qual a decisão remete, pelo que não remetendo para nada, nada fundamenta. Sendo assim nula por falta de fundamentação a decisão ora impugnada. IX. A sentença ora recorrida substitui-se à entidade administrativa penal, o ACT, na identificação de qual o documento para o qual esta remete. O que não lhe é admissível fazer, suprindo uma nulidade que o tribunal não tem poder para fazer.”.

3.1. Na decisão recorrida referiu-se o seguinte:
“Alega a arguida que a decisão impugnada é ainda nula por falta de fundamentação, o que igualmente constitui violação do artigo 25º do Regime Processual da Contraordenações Laborais.
Compulsada a Decisão administrativa impugnada, a mesma remete para a proposta de decisão que a antecede, que identifica claramente os factos imputados à arguida, assim como fundamenta a prova desses factos no ponto VIII, sob epígrafe “Da Motivação”.
Nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 25.º da Lei 107/2009 de 14/09, que estabelece o regime jurídico do procedimento aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, “A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaboradas no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.”
No caso dos autos, foi precisamente o que aconteceu, tendo a Decisão remetido para a proposta de decisão que a antecede, referindo-se “Assim: No uso da delegação de competências (...) concordo com a proposta acima referida (...) que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do nº 5 do Artº 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, passando a fazer parte integrante da presente decisão.”
Termos em que não se verifica a invocada nulidade.”

3.2. Carecem também os Recorrentes de razão, concordando-se com a decisão recorrida.
Na decisão administrativa consta o seguinte:
“Vistos os autos e considerada a proposta do Sr. Instrutor, nos termos do Artº 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, profiro a presente decisão (…).
Assim: No uso da delegação de competências (…), concordo com a proposta acima referida a fls. ----- dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do nº 5 do Art. 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, passando a fazer parte integrante da presente decisão.”
A decisão administrativa refere expressamente que remete para os fundamentos constantes da proposta de decisão do Instrutor.
E, por outro lado e pese embora nela não se identifique as fls. do processo, tal proposta acompanhou a notificação da decisão, o que aliás os Recorrentes não põem em causa no recurso, daí decorrendo que ficaram a conhecer perfeitamente a proposta de decisão para a qual a decisão administrativa remeteu, em nada ficando comprometido o direito de impugnação judicial da mesma.
Não foi pois cometida qualquer nulidade, nem a sentença recorrida se substituiu à entidade administrativa na identificação de qual o documento para o qual esta remete.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso.

4. Da nulidade da decisão administrativa por falta de descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas

A propósito desta invocada nulidade da decisão administrativa, alegam os Recorrentes: «X. A decisão é ainda nula por lhe faltar outro elemento essencial: a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. O artigo 25º, nos seus números 1 e 2, do Regime Processual elenca o que deve constar da decisão de condenação em coima, e entre este a alínea b) do nº 1 é clara ao exigir “ A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”, na alínea c) exigindo, como acima se referiu, também e além da indicação da norma violada, a fundamentação da decisão. XI. Sendo apenas permitida a remissão para qualquer coisa que o decisor entenda suficiente para fundamentar a decisão, no que toca à fundamentação, nos termos do n.º 5 do citado artigo. A alínea b) do seu nº 1 exige que conste da Decisão algo diferente da fundamentação, até porque se fosse a mesma coisa, fundamentação e descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, inútil seria repeti-lo. Lei processual aplicável exigindo que conste da decisão os factos que aos condenados com a coima são imputados, e que mais, que demonstre quais as provas que foram obtidas e que permitiram levar à conclusão de que a violação foi cometida e que levaram à aplicação da coima. Não sendo tal indicação suprível através da remissão a outros elementos do processo. XII. Devendo constar da própria decisão a identificação dos factos imputados e das provas recolhidas, de tal modo descritos na sentença / decisão que permitam aos arguidos e às instâncias de recurso minimamente entenderem quais os factos que estiveram presentes na mente e raciocínio do julgador, quais as provas recolhidas e qual o encadeamento que entre uns e outros foram estabelecidos na decisão final. De tal modo que permita a um outro Juiz aferir do encadeamento lógico e justificativo da decisão proferida. XIII. Uma vez que tais elementos não constam da decisão, e não sendo tal falta suprível ou corrigível, a decisão é nula. XIV. O tribunal e a sentença ora recorrida, de novo e à semelhança do que fez para a falta de identificação da norma violada que justifica a aplicação da coima, entende que a remissão para um qualquer outro documento anteriormente preparado em relação à decisão, é suficiente. XV. E com isso viola o disposto no artigo 25º nº 1 al b) da Lei 107/2009, que define tal elemento como essencial na decisão e IMPEDE o seu suprimento ou sanação por remissão para documento externo.”.

4.1. Sobre esta alegada nulidade, pronunciou-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
“Entende a arguida que a decisão é ainda nula por lhe faltar a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, devendo constar da própria decisão a identificação dos factos imputados e das provas recolhidas, de tal modo descritos na sentença/decisão que permitam aos arguidos e às instâncias de recurso minimamente entenderem quais os factos que estiveram presentes na mente e raciocínio do julgador, quais as provas recolhidas e qual o encadeamento que entre uns e outros foram estabelecidos na decisão final. De tal modo que permita a um outro Juiz aferir do encadeamento lógico e justificativo da decisão proferida.
A este propósito refere-se que o artigo 25.º, n.º 1 da Lei 107/2009 de 14/09 elenca o que deve constar da Decisão, exigindo na b) que conste da decisão “A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”.
Compulsada a proposta de decisão para a qual remete a Decisão administrativa impugnada, da mesma consta no ponto VI o elenco dos factos provados, que estão numerados e constituem 96 factos. No ponto VII consta o elenco dos factos não provados, também numerados. E, no ponto VIII, como já referido, sob epígrafe “Da Motivação”, consta a respectiva motivação. Assim, não se compreende a alegação da recorrente, concluindo-se que não se verifica a invocada nulidade.”

4.2. Concorda-se com a decisão recorrida, remetendo-se também para o que se disse no ponto II.2.2. do presente acórdão.
Em síntese, a decisão administrativa encontra-se fundamentada por remissão para a proposta de decisão, nada impedindo que essa remissão tenha também por objecto a remissão para a matéria de facto que a autoridade administrativa tenha por provada.
E, no caso, a proposta de decisão encontra-se suficientemente fundamentada, dela constando o relatório, com a indicação da contra-ordenação imputada à arguida, a decisão da matéria de facto, com o elenco dos factos tidos como provados e não provados e com a motivação da decisão relativa à factualidade, bem como a fundamentação de direito.
Importa também referir que, pese embora a motivação da decisão da matéria de facto seja algo genérica, ela dá contudo satisfação mínima à fundamentação prevista no art. 25º, nº 1, al. b), 2ª parte, nela se tendo feito referência aos meios de prova constantes do processo e indicado, como prova justificativa da factualidade dada como assente, o auto de notícia, os autos de inquirição das testemunhas e as regras da experiência comum.
Importa referir que, como se tem entendido, o grau de exigência de fundamentação, designadamente no que toca à factualidade, não é, nem tem que ser, o mesmo exigido no âmbito da sentença judicial, mormente penal. Como referem António Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, ob. citada, pág.194, “[i]mporta, porém salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processuais, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal”. Acresce que, no domínio contra-ordenacional, os interesses em jogo e desvalor jurídico da conduta são também de menor intensidade do que no âmbito penal, não se justificando um grau de exigência de fundamentação semelhante.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso.

5. Da consideração de prova proibida

No que se reporta a esta questão, alegam os Recorrentes o seguinte: “XVI. Constam do processo administrativo contraordenacional emails dirigidos e enviados por quem não é parte no processo. São emails impressos de contas de correio eletrónico juntos por uma das prestadoras de serviços da arguida sociedade, H…, emails que não lhe pertencem, emails que não lhe foram dirigidos nem que por si foram enviados e que foram fraudulenta e ilicitamente por si consultados, descarregados e impressos, em violação de diversas normas criminais que se destinam a tal impedir. XVII. É o caso dos email trocados entre os endereços S…@hotmail.com – email a conta pessoal da Dra. E…, não arguida nos presentes autos, e T…@gmail.com, uma conta pessoal do consultor jurídico DR. U…, aqui mandatário judicial dos arguidos, que foram ilegitimamente impressos por acesso à conta primeiramente mencionada, sem autorização do seu titular. XVIII. Encontram-se também juntos aos autos emails impressos a partir do email da arguida, B…, Lda., correspondentes a emails a esta dirigidos, ou por esta enviados, mas em nenhum caso sendo dirigidos ou enviados por conta de correio eletrónico pertencente quer à autuante quer à H… esta não tendo sido autorizada nem a aceder, nem a utilizar em seu benefício. XIX. Em tais circunstâncias, o acesso a tais emails tendo sido obtido por recurso de meios ilegais, não autorizados, a sua junção aos autos constitui por tal facto um comportamento criminal previsto e punido no artigo 194º do Código Penal, como crime de “Violação de correspondência ou de telecomunicações”. XX. E consequentemente tais elementos de prova obtidos ou cuja divulgação constituam ilícitos criminais não podem ser considerados, sendo nula a sua consideração na decisão impugnada, nos termos do artigo 126º nº 3 do Código de Processo Penal. XXI. Mesmo o argumento do “estado de necessidade probatório” para validar prova obtida ilicitamente e com violação de preceitos criminais é contudo muito mais grave e ainda mais insustentável. O direito à privacidade da correspondência, na qual o envio e receção de emails se incluem naturalmente, corresponde a uma necessidade tão relevante para a sociedade, que a sua violação constitui ilícito criminal. E tal direito é um interesse público que se sobreleva aos direitos e interesses individuais manifestados numa qualquer necessidade de prova. XXII. O argumento do estado de necessidade probatório simplesmente legitimando o argumento de que não há provas proibidas em direito penal ou contraordenacional, o que é contrário não apenas ao disposto no Código do Processo Penal, na Constituição e constitui uma conquista do Estado de Direito. XXIII. A sentença recorrida não o entende assim, e não apenas admitiu tal prova obtida ilicitamente, como o próprio tribunal a apreciou. E não obstante a sua óbvia relevância para a decisão proferida, demonstrada pela sua invocação na alegada fundamentação da decisão, considerou que a mesma se trata de uma “falsa questão”, e que não teve influência na decisão proferida, no que se substituiu à própria entidade administrativa no seu processo decisório.”

5.1. Na decisão recorrida, a propósito da questão ora em apreço, referiu-se o seguinte:
“A propósito desta questão, refere-se que não se vislumbra que esses documentos (e-mails) tenham sido relevantes para o apuramento dos factos que constam da Decisão impugnada (e proposta de decisão para a qual a mesma remete), pelo que a questão colocada trata-se de uma falsa questão, não cabendo apreciar da valoração de prova ilícita se a mesma não foi valorada na Decisão administrativa, como aliás a própria arguida admite, pois condiciona tal questão “se eventualmente o documento junto à decisão tem um qualquer significado”.
E, ainda que a propósito de uma outra questão suscitada na impugnação judicial, mas que se nos afigura relevante à questão ora em apreço, na decisão recorrida foi referido o seguinte:
“(…)
O presente processo contra-ordenacional tem por fundamento a prolação de duas sentenças judiciais, transitadas em julgado, nos autos sob n.º 558/14.7TTVNG do 1.º juízo do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia, e nos autos sob n.º 151/14.4TTVLG do J1 da então 4.ª Secção de Trabalho (Valongo) da Instância Central da Comarca do Porto, nos termos das quais foi reconhecida a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a arguida e I…, J…, I… e H….
(…) nestes autos, considerando o tipo objectivo da infracção imputada à arguida, prevista no n.º 2 do art.º 12.º do Código do Trabalho, que dispõe que “Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado”, a prática da contra-ordenação imputada basta-se com a factualidade que foi considerada provada naqueles autos e com o trânsito em julgado daquelas sentenças judiciais que reconheceram as relações estabelecidas entre a arguida e aqueles trabalhadores como contrato individual de trabalho. Assim, a impugnação daquela factualidade mostra-se, em face daquelas decisões judiciais já transitadas em julgado, irrelevante à presente decisão.”
E, mais adiante, que “Como já se referiu, considerando o tipo objectivo da infracção imputada à arguida, prevista no n.º 2 do art.º 12.º do Código do Trabalho, a prática da contra-ordenação imputada basta-se com o trânsito em julgado daquelas sentenças judiciais que reconheceram as relações estabelecidas entre a arguida e aqueles trabalhadores como contrato individual de trabalho.
A alusão àquelas sentenças é, assim, essencial ao preenchimento do elemento objectivo do tipo contra-ordenacional imputado à arguida, pelo que também neste aspecto não se vislumbra que a Decisão impugnada padeça e qualquer vício ou irregularidade.
No que diz respeito à argumentação de aquelas sentenças se tratarem de erros judiciários, tal situação só naqueles autos poderia ser sindicada, e nunca nestes autos, onde apenas releva o facto de tais sentenças terem transitado em julgado.”

5.2. Desde já, cabe consignar que concordamos com este segundo excerto, acima transcrito.
Com efeito:
Dispõe o art. 15-A da Lei 107/2009, de 14.09, introduzido pela Lei 63/2013, de 27.08, que, visando a instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, criou a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho:
Artigo 15.º -A
Procedimento a adotar em caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviços
1 - Caso o inspetor do trabalho verifique a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho, nos termos descritos no artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 - O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral.
3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público da área de residência do trabalhador, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.

Uma vez remetida a participação, nos termos do nº 3 do citado art. 15º-A, ao MP, este deverá desencadear a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a qual seguirá a tramitação prevista nos artºs 186º-K e segs do CPT [introduzidos pela mencionada Lei 63/2013], para o que deverá o MP intentar a respectiva acção contra o alegado empregador e no âmbito da qual este será citado para contestar. Tramitado o processo nos termos previstos nos preceitos 186º-L a 186º-O, o mesmo culminará com a prolação de sentença que reconheça (ou não) a existência de um contrato de trabalho e, reconhecendo tal existência, fixará a data do início da relação laboral, comunicando-a à ACT e ao ISS, IP [art. 186º-O, nºs 8 e 9]. Dispõe ainda o art. 186º-R que “Os prazos previstos no n.º 1 do artigo 337.º e no n.º 2 do artigo 387.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, contam -se a partir da decisão final transitada em julgado.”.
Conforme também entendemos, a decisão transitada em julgado que reconheça a existência de um contrato de trabalho, no que se reporta ao empregador, faz caso julgado material [art. 619º, nº 1, do CPC/2013], a qual, por via da autoridade desse caso julgado, se lhe impõe também no âmbito do processo contra-ordenacional que previamente havia sido instaurado pela ACT nos termos do art. 15º-A, nº 1, e que, de harmonia com o nº 4 do mesmo, ficou suspenso até ao trânsito em julgado de tal decisão.
Temos como indiscutível que o legislador da Lei 63/2013 assim o entendeu – no sentido do caso julgado material e da sua autoridade no âmbito do processo contra-ordenacional- o que decorre do disposto no art. 15º-A., nº 4, por aquela aditado. Com efeito, a suspensão do procedimento contra-ordenacional determinada nesse nº 4 apenas se compreende se a decisão que vier a ser proferida na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho se impuser, com autoridade de caso julgado, no procedimento contra-ordenacional. De outro modo, essa suspensão seria totalmente irrelevante e incompreensível, não fazendo qualquer sentido. O legislador pensou e desenhou a articulação entre o procedimento contra-ordenacional e a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho [ARECT], deferindo aos tribunais a competência para a apreciação e decisão da questão da existência, ou não, de um contrato de trabalho, questão essa que se apresenta como uma questão prévia e necessária ao prosseguimento da contra-ordenação. Uma vez definida essa questão, tal definição determinará a sorte do procedimento contra-ordenacional: arquivamento do mesmo, caso porventura na ARECT venha a ser decidido no sentido da inexistência de um contrato de trabalho; ou, caso na ARECT venha a ser decidido no sentido da existência de contrato de trabalho, prosseguimento do procedimento contra-ordenacional, com vista à apreciação das demais questões, que não a da existência do contrato de trabalho [que, como referido, já se mostra assente], próprias do procedimento contra-ordenacional, designadamente as relativas ao elemento subjectivo da contra-ordenação e determinação da medida da coima.
Ou seja, serve o referido para concluir que, no âmbito do presente procedimento contra-ordenacional, é totalmente irrelevante a questão, suscitada na impugnação judicial e no recurso, da utilização, pela decisão administrativa, de prova alegadamente proibida. Tal prova prende-se com a matéria relativa à determinação do elemento objectivo da contra-ordenação, qual seja a matéria relativa à existência de contratos de trabalho entre a arguida e os trabalhadores em causa, questão esta que já foi julgada e decidida, com trânsito em julgado, nos Processos 151/14.4TTVLG e 558/14.7TTVNG [diga-se que os Recorrentes não põem em causa o trânsito em julgado das sentenças proferidas nos mesmos].
A questão suscitada pelas Recorrentes é pois totalmente irrelevante no âmbito dos presentes autos, como aliás irrelevante é a factualidade dada como provada na decisão administrativa relativa à verificação do elemento objectivo da infracção e a cuja prova se destinariam os documentos cuja utilização seria alegadamente proibida.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

6. Dos erros de Direito
A este propósito, alegam os Recorrentes que: “XXIV. A 10 de Abril de 2014 Arguida foi indevidamente notificada da Advertência a que se refere o número 88 dos factos constantes do documento junto á decisão. A advertência constitui já uma forma de sanção, sendo que ao ser proferida sem que à Arguida tivesse sido dada a oportunidade de exercer o seu direito à defesa e contraditório, fez com que tal sanção está ferida de vício grave que a tornou nula. XXV. Mas a Arguida sociedade esteve atenta às diligências da ACT e logo de imediato ao conhecimento do auto de notícia, diligenciou pela celebração de contratos de trabalho com todos os envolvidos e propôs a cada um dos envolvidos a celebração de contratos de trabalho. Mas cada um dos prestadores de serviços envolvidos recusou a sua celebração, e a D. I…, a Dra K… e o Dr J… emitiram as declarações por escrito de que não pretendiam celebrar contratos de trabalho, e que são referenciadas nos números 56, 81 e 82 dos factos considerados como provados no documento que acompanha a decisão. XXVI. À D. Ivone Maia, cada uma das sociedades a que esta prestava serviços, a Arguida e a sociedade G…, lhe propôs, sucessivamente, a celebração de contrato de trabalho, como resulta dos factos referenciados na decisão com os números 35 e 37. Em ambos os casos tal prestadora de serviços RECUSOU a celebração de contrato de trabalho, números 36 e 38. XXVII. O contrato de trabalho é um acto bilateral, não podendo ser imposto unilateralmente por uma das partes à outra. A falta de vontade do potencial trabalhador é insuprível, quer pela vontade única da proponente, quer pela vontade de terceiros, mesmo que seja a ACT. Não se pode obrigar ninguém a celebrar um contrato de trabalho. XXVIII. É errado o pressuposto de que parte a ACT, páginas 33 do documento junto com a decisão, de que com os contratos de prestação de serviços resulta em prejuízo para os prestadores e para o Estado. Quem afere dos seus interesses, quem compara as vantagens e inconvenientes da celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, a nível do prestador de serviços ou potencial trabalhador, é este e apenas este. E o Estado em nada saí prejudicado por isso, também o prestador de serviços está obrigado a contribuir para o sistema de segurança social, e do mesmo modo tem de pagar os seus impostos, que, se se distinguem da carga fiscal incidente sobre o trabalho, é por serem mais elevados. XXIX. A sentença recorrida entendeu como facto demonstrado de que os prestadores de serviços à Recorrente empresa, efetivamente tinham recusado a celebração de contratos de trabalho o fizeram no exercício dos seus legítimos direitos. XXX. Mas que mesmo assim a Recorrente era merecedora da sanção a coima de 12 mil euros, porquanto o Estado saiu prejudicado com a celebração dos contratos de prestação de serviços, porque lucraria mais se tivessem sido celebrados contratos de trabalho. XXXI. Pressuposto jurídico que nem nas regras de experiência, nem na lei, nem na encontra qualquer boa fundamentação, pelo que juízo político que foi vertido para a sentença recorrida, e sustentação.”

6.1. Começam os Recorrentes por defender que a advertência constitui já uma forma de sanção, mais uma vez invocando uma pretensa nulidade da decisão administrativa por violação do exercício do direito de defesa e do contraditório.
Não existe qualquer nulidade, sendo que a alegada “advertência” não consubstancia qualquer forma de sanção. Como se diz na sentença recorrida, com o que se está de acordo, “No que diz respeito à notificação da Advertência à arguida para requalificação dos trabalhadores em causa como trabalhadores por conta de outrem, com todos os direitos e obrigações perante a Segurança Social e Fisco, desde o início da relação laboral, não estamos, como refere a arguida, perante uma qualquer sanção, mas apenas perante uma solicitação que a arguida é livre de acatar, ou não, e que não acarreta qualquer nulidade.”.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso.

6.2. Alegam ainda os Recorrentes que a arguida diligenciou junto dos “prestadores de serviços” pela celebração de contratos de trabalho, os quais, todavia, o recusaram, pelo que, sendo o contrato de trabalho um “acto bilateral” tal não lhes pode ser imposto pela arguida.
É certo que o contrato de trabalho, como contrato bilateral que é, envolve a concordância de ambas as partes.
Acontece que, seja no âmbito da ARECT, seja do procedimento contra-ordenacional pela utilização indevida de contratos de prestação de serviços em situações de existência de contratos de trabalho, o reconhecimento destes e da sua existência não tem natureza constitutiva, mas apenas declarativa, de simples reconhecimento da existência dos mesmos.
Dito de outro modo, a natureza do tipo contratual existente não é determinada pela qualificação jurídica feita pelas partes, mas sim pelo que decorre da própria execução contratual. Quer isto dizer que, queiram ou não os alegados, mas falsos, prestadores de serviços celebrar contratos de trabalho, o certo é que, reconhecida que seja a existência de verdadeiros contratos de trabalho e não de contratos de prestação de serviços, já aqueles se mostram celebrados, sendo esses os tipos contratuais existentes, ainda que os prestadores os não queiram formalizar. E a responsabilidade pela existência de uma falsa situação de prestação de serviços é, senão apenas, pelo menos também da empregadora que permitiu a manutenção e execução de um tipo contratual (contrato de trabalho) sob a falsa e formal aparência de um outro tipo contratual (prestação de serviços) que efectivamente não existia e não correspondia à realidade, sendo de realçar, também, que sempre poderá e deverá o empregador observar e dar cumprimento à legislação reguladora do contrato de trabalho se esse é, como é no caso, o tipo contratual verdadeiramente existente, assim como poderá não permitir a manutenção formal de um tipo contratual (prestação de serviços) que não corresponde ao tipo contratual real e em execução (contrato de trabalho).
O facto de os trabalhadores em causa não pretenderem “regularizar” a situação em consonância com o tipo contratual verdadeiramente vigente entre as partes não obsta, nem obvia, à responsabilidade contra-ordenacional da arguida.
E no sentido da irrelevância da vontade das partes em, formalmente, se pretenderem vincular por um contrato de prestação de serviços, mas não por um contrato de trabalho, já esta Relação se pronunciou em diversos acórdãos designadamente a propósito da questão que, então, se colocou da inadmissibilidade de transacção judicial celebrada entre o “trabalhador” e o “empregador”, no âmbito da ARECT, em que acordaram na vinculação por “contrato de prestação de serviços”, tendo-se, designadamente no acórdão de 20.06.2016,[1] proferido no Processo 1672/14.4/8MAI.P1, escrito o seguinte:
“(…)
Se o empregador e o trabalhador são livres de negociar à luz do artigo 405º, nº 1 do Código Civil, espelhando-se essa liberdade na escolha da forma e modo de prestação da «actividade laboral», a mesma (liberdade) esgota-se na livre qualificação do contrato celebrado. O que queremos dizer com isso é que, se, dentro dos limites da lei, as partes são livres de negociar, na qualificação jurídica desse negócio, não podem impor ao mundo jurídico uma qualificação que não está de acordo com os parâmetros reais e legais. Assim, não é pelo facto de ambas as partes dizerem que o contrato é um contrato de prestação de serviços que faz com que o mesmo na realidade o seja. Se a realidade concreta, ou seja, se a actividade desenvolvida pelo trabalhador, apreciada à luz de estritos critérios legais, corresponde a um contrato de trabalho e não ao que as partes dizem corresponder, não se pode à luz da liberdade contratual ou do princípio da autonomia privada, aceitar essa qualificação das partes. Passar-se-ia por cima da legalidade e da defesa do interesse público, que está além do mero interesse privado.
Não está aqui em causa qualquer atropelo ou limite à liberdade contratual, ao princípio da autonomia privada, mas somente um acerto jurídico da qualificação das partes que não correspondem à realidade dos factos. As partes são livres de escolher o modelo contratual regulador da sua relação profissional, mas não podem é adulterar as normas legais e pretender que, independentemente da realidade fáctica, essa regulação corresponda a um determinado contrato, que na realidade o não é. As partes foram e são livres de contratar, têm é de se submeter às regras legais. A liberdade contratual e a autonomia privada não podem estar à margem do ordenamento jurídico, já que é este que as reconhece e protege. É no ordenamento jurídico que o contrato se vai refletir e ter repercussões. Este é um dos limites à liberdade contratual e à autonomia privada.
Como é salientado no acórdão da Relação de Coimbra de 11/02/2014[7] «a teoria contratual contemporânea já não se funda apenas nos princípios liberais (autonomia privada, força obrigatória, relatividade dos efeitos), segundo uma concepção tradicional, falando-se hoje de novos princípios, chamados “princípios sociais contratuais” (princípio da função social do contrato, da boa fé objectiva, da justiça contratual), com o objectivo de adequar os contratos aos valores ético-jurídicos vigentes, com a chamada “socialização do direito civil”. Daqui decorre o entendimento de que o contrato não pode ser mais concebido pelo primado individualista da utilidade para os contraentes, mas no sentido da utilidade para a comunidade e a necessidade de o perspectivar no seu contexto social vinculante, com implicações não apenas quanto à conformação do objecto negocial, mas também quanto à sua interpretação/integração, servindo ainda de parâmetro para o controlo judicial».
Na autonomia privada existem duas valorações jurídicas e normativas diferentes: uma correspondente à valoração pelo legislador acerca do comportamento das partes e outra anterior que as partes fazem os seus próprios interesses[8]. Autonomia privada que não se confunde com autonomia de vontade. E o que a empregadora e a trabalhadora «acordaram» é expressão da autonomia de vontade e não tanto da autonomia privada. É essa autonomia de vontade que tem de ser valorada pelo tribunal quando aquelas acordam estar-se, no caso concreto, perante um contrato de prestação de serviços e saber se está na disponibilidade das mesmas, face aos interesses em causa protegidos pela lei, fazer tal qualificação de forma discricionária.
(…)
Acontece que, pelas razões acima enunciadas, entendemos que o acordo (se acordo se pode chamar ao que se passou na audiência de partes) não deveria ter sido homologado pelo Mº Juiz a quo, na medida em que o mesmo é ilegal, já que tem por base uma manifestação de vontade das partes contrária aos fins visados e protegidos pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, conforme lhe é imposto pelo nº 2 do artigo 52º do CPT, ao obrigar à certificação da legalidade do resultado da conciliação.» [fim de transcrição].

Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso.

6.3. Por fim, alegam os Recorrentes que não existe prejuízo para o Estado, uma vez que o prestador de serviço está também obrigado a efectuar contribuições para a Segurança Social, assim como está vinculado a obrigações fiscais, por regra mais elevadas.

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Já no que diz respeito à verificação de um possível prejuízo ao trabalhador ou ao Estado, efectivamente, resulta da factualidade provada da Decisão administrativa (proposta de decisão) em 35, 56, 81 e 82, que os trabalhadores em causa se recusaram em celebrar um contrato de trabalho com a arguida, pelo que, considerando que serão estes quem afere dos seus interesses, não se pode concluir que esta situação lhes pode causar prejuízo. No entanto, no que diz respeito ao possível prejuízo ao Estado, resulta da factualidade provada, em 87, que a arguida nunca pagou quaisquer contribuições sociais relativas à prestação de trabalho destes trabalhadores aqui em causa, nem efectuou as devidas retenções em sede de IRS. Ora, tal factualidade consubstancia prejuízo ao Estado, na medida em que a taxa contributiva para a Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem é superior à taxa contributiva dos trabalhadores por conta própria.”

No Acórdão de 20.06.2016 [Processo 1672/14.4/8MAI.P1] acima citado, referiu-se também o seguinte:
“2.3. E, nos nossos acórdãos acima referidos, designadamente nos de 23.03.2015, Proc. 645/14.1T8MTS.P1 e de 11.05.2015 (Proc. 299/14.T8PNF.P1), referimos o seguinte que se passa a transcrever:
«(…)
De todo o modo, sempre se dirá que o interesse público subjacente à instituição desta ação especial passa não apenas pela tutela do interesse do trabalhador, pelo combate à precariedade e pela tutela de uma sã concorrência, mas também pela salvaguarda dos interesses do Estado em matéria fiscal e de segurança social, como decorre do art. 12º, nº 2, do CT/2009, nos termos do qual “constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.” [sublinhado nosso].
O prejuízo do Estado a que se reporta a mencionada norma não é outro que não o associado a matéria fiscal e de contribuições para a Segurança Social que possam decorrer de uma verdadeira relação de trabalho subordinado “camuflada” em outro tipo contratual. Naturalmente que, como já referido, a sentença que venha a ser proferida neste tipo de ação não tem natureza condenatória, muito menos naquelas matérias. Mas define o tipo contratual que vincula ou vinculou as partes.
Diga-se que esse interesse público é acentuado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/2015, de 03-02-2015 (Proc. n.º 822/2014,disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que se refere que «[e]ste recurso indevido à figura da prestação de serviços em situação de existência de uma verdadeira relação de trabalho subordinado tem diversas implicações negativas laterais, entre as quais, o prejuízo que as mesmas acarretam para a sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam, para além de implicar uma concorrência desleal entre empresas (sobre esta matéria e, em geral, sobre o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, cfr. Pedro Petrucci de Freitas, Da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho: breves comentário, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 - Vol. IV - Out./Dez -2013, pp. 1423 e ss.).”.
Por outro lado, o prosseguimento da ação também não é destituído de utilidade em matéria contraordenacional, sendo que na economia da Lei 63/2013 a definição do tipo contratual constitui um pressuposto do prosseguimento, ou não, do processo de contraordenação. Com efeito, e como decorre do art. 15º-A, nº 4, da Lei 107/2009, de 14.09, aditado pelo art. 4º da Lei 63/2013, a ação especial por esta instituída suspende até ao trânsito em julgado da decisão que nela venha a ser proferida o procedimento contraordenacional. (…)». [fim de transcrição].

Ora, assim sendo e não se vendo razão para alterar tal entendimento, carece também a Recorrente de razão.
Se o legislador entendeu ser de estabelecer um determinado enquadramento contributivo para os trabalhadores por conta de outrem (contrato de trabalho) e outro, diferente, para os trabalhadores por conta própria (prestação de serviços) é porque é aquele o regime contributivo que, em caso de contrato de trabalho, serve os interesses do Estado, não podendo as partes da relação jurídico privada que, efectiva e realmente estão vinculadas por um contrato de trabalho, por sua vontade e por via da falsa existência de um contrato de prestação de serviços, ficarem sujeitas ao regime contributivo legal vigente paras os trabalhadores independentes.
Improcedem assim e também nesta parte as concussões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça devida.

Porto, 18.05.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Relatado pela ora relatora.