Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
306/19.5JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RP20200318306/19.5JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A agravação do crime de tráfico de estupefacientes quando cometido em estabelecimento prisional, nos ternos da alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, deriva não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação da droga entre os reclusos.
II- A situação ínsita na alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado de venda ou cedência a um recluso; a ação deverá revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado.
III – Por regra, o tráfico de estupefacientes no interior de estabelecimentos prisionais não poderá configurar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, o qual pressupõe uma considerável diminuição da ilicitude.
IV – No caso em apreço, relativo à posse, por um recluso, de 22, 876 gramas de canábis, que configura a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é adequada a pena de quatro anos e quatro meses de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 306/19.5JAPRT.P1
Recurso Penal
Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 4
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
No âmbito do processo comum colectivo que, sob o nº 306/19.5JAPRT.P1, corre termos pelo Juízo Central Criminal de Penafiel, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento após ter sido acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-C anexa, ilícito consubstanciado nos factos narrados na respectiva peça acusatória.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente reproduzida, foi proferido acórdão datado de 21/11/2019 e na mesma data depositado, tendo o arguido B… sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de seis anos de prisão.
Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“A - É recorrida a sentença proferida no processo em epígrafe, que condenou o arguido, ora
recorrente a 6 (seis) anos de prisão, “pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01”.
B - Nos factos considerados como provados não integrou o douto tribunal recorrido o facto de o arguido ser consumidor.
C - Foi dado como único facto não provado que “pela quantidade de produto que detinha, o arguido destinava o produto estupefaciente apreendido à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro, para satisfazer as suas despesas e necessidades pessoais”.
D - Resulta do teor do relatório de exame pericial ao estupefaciente que o pedaço apreendido com peso líquido de 22,876 gramas e contém 12,2% de THC, o princípio activo do produto estupefaciente, pelo que, os restantes 87,8% correspondem a qualquer outro produto lícito que não afectam a saúde pública.
E - O princípio activo releva para a decisão da causa, porquanto a nossa legislação proíbe o consumo deste princípio activo e não a composição do produto final.
F - Em relação à canabis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do TIIC existente nos produtos da Canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9TIIC”.
G. O arguido tinha na sua posse 22,876 gramas (peso líquido) de canábis (resina), com uma THC de 12,2% que destinava ao seu consumo pessoal. Assim, os 22,876 gramas de canábis(resina), com uma concentração de tetraidrocanabinol de 12,2% corresponde ao consumo médio individual durante pouco mais de 5 dias.
H - No crime de consumo de estupefacientes é essencial identificar o grau de pureza, isto é, a concentração do princípio activo existente no produto apreendido de modo a que, em abstracto, a quantidade apreendida seja superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias, considerando os valores da tabela.
I - Resultou como provado o facto de o arguido ser consumidor de estupefacientes e como facto não provado que o produto estupefaciente apreendido se destinasse “à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional”.
J - Qualquer aplicação nos termos do art. 21.º do DL 15/93 de 22.01, vislumbrar-se-ia extremamente desproporcional, desadequada e desnecessária.
K - Não deve ser sequer de considerar a alegação do digno magistrado do ministério público quando pede a condenação do arguido por crime de trafico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º a) do DL 15/93 de 22/01, cuja moldura penal prevê uma punição de 1 a 5 anos de prisão.
L - Isto porque, (i) a quantidade apreendida era diminuta, (ii) o arguido é assumidamente consumidor, (iii) não há qualquer circunstância que deva ser relevada para justificar um agravamento da sua conduta.
M - O crime praticado pelo arguido, pelo qual é, agora, condenado, é punível, em abstracto, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
N - A Constituição da República Portuguesa em matéria de direitos, liberdades e garantias pessoais, impõe que a lei apenas restrinja aqueles valores nos casos expressamente previstos na própria Constituição e com a limitação de que as restrições terão de se circunscrever ao necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – n.º 2 do artigo 18º.
O - Em matéria de privação da liberdade, mais concretamente de aplicação de pena de prisão, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade).
P- As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal.
Q - Dos elementos carreados sempre decorreria a dúvida sobre a prova da matéria acusatória no sentido do tráfico e da culpabilidade do arguido quanto a esse crime, pelo que, de acordo com o princípio in dubio pro reo, deve haver lugar à sua absolvição; quanto muito, à aplicação da pena indicada no art.º 40.º, cuja moldura penal não se parece, nem de longe nem de perto, com a do artigo 21.º, erradamente aplicado.
R. Deve, assim, ser a sentença recorrida revogada que aplicou ao recorrente a pena de prisão de 6 anos pela prática de um crime de tráfico, p.p pelo art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de janeiro,
ordenando-se a sua substituição por outro que condene o recorrente ao abrigo do art.º 40.º do mesmo Decreto-Lei.
Assim se fazendo JUSTIÇA.”.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a manutenção da decisão recorrida, por considerar que a mesma procedeu a correcta apreciação da prova produzida na audiência de julgamento e adequada subsunção jurídica dos factos demonstrados no tipo matricial de tráfico de estupefacientes, afigurando-se, ainda, adequada e proporcionada a concreta pena de prisão aplicada ao recorrente.
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O Exmo. Sr. Procurador - Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, pronunciando-se pela negação de provimento ao recurso, salientando a correcta subsunção dos factos provados ao tipo matricial de tráfico de estupefacientes, para além da adequação e proporcionalidade da pena concreta aplicada ao recorrente que, na sua perspectiva, deverá ser mantida (nos termos constantes de fls. 249/253, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
Respondeu o recorrente ao parecer atrás mencionado, nos moldes constantes de fls. 256/259 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), reiterando a sua conclusão de que o seu comportamento deverá ser integrado na previsão do art. 40.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art. 410º, nº 2 ou o art. 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes:
1) Diversamente do que foi considerado pelo tribunal a quo, resultou demonstrado que o recorrente destinava o produto estupefaciente apreendido ao seu consumo pessoal?
2) Não se encontrando preenchido, por isso, o tipo de ilícito do crime de tráfico de estupefacientes contido no art. 21.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1, mas antes se verificando a previsão do art. 40.º do mesmo diploma legal, devendo o recorrente ser absolvido ou, no limite, condenado no âmbito da moldura abstracta prevista no n.º 2, do referido art.º 40.º?
3) A pena concreta aplicada ao recorrente não cumpre os critérios de necessidade e proporcionalidade, mostrando-se excessiva?
4) Afigura-se adequada uma pena não privativa da liberdade?
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
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Factos provados e não provados [2]:
1. No dia 18 de janeiro de 2019, cerca das 14H30M, no interior da cela 199, sita na Ala A, 3.º piso do estabelecimento prisional C…, local onde o arguido se encontra a cumprir pena de prisão, foi apreendido na sua posse, dissimulado na sua roupa interior, um embrulho contendo um pedaço de uma substância de cor castanho, com um peso bruto de 23,00 gramas, que submetido ao teste rápido deu positivo para Canabis;
2- Realizado exame pericial à substância apreendida, o exame revelou tratar-se de Canabis (Resina), com peso líquido de 22,876 gramas, com um grau de pureza de 12,2%, suficiente para compor 56 doses individuais;
3. O arguido conhecia as características do produto estupefaciente que tinha na sua posse;
4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal;
5. O arguido integrou o sistema de ensino em idade própria, tendo apresentado um percurso irregular, marcado pelo absentismo, dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais. Abandonou o sistema de ensino, por opção dos pais, após conclusão do 6.º ano de escolaridade, quando tinha cerca de 14 anos, tendo iniciado atividade profissional junto do progenitor;
6. O arguido manteve este enquadramento laboral até aos 24 anos, tendo-se afastado da colaboração que mantinha com o pai, devido aos constantes conflitos relacionais entre ambos;
7. Iniciou o consumo de estupefacientes aos 16 anos de idade;
8. A problemática aditiva foi sofrendo um agravamento após ter contraído matrimónio aos 24 anos, uma vez que o cônjuge também apresentava os mesmos comportamentos;
9. Esta relação durou cerca de 1 ano e 6 meses;
10. O casal teve duas filhas, que foram entregues aos cuidados dos avós, tendo a mais velha, atualmente com 18 anos de idade, ficado aos cuidados dos avós paternos e a mais nova, atualmente com 17 anos, com os avós maternos;
11. O arguido passou a estruturar o seu quotidiano em função da problemática aditiva, mantendo-se longos períodos laboralmente inativo, fazendo-se acompanhar de indivíduos conotados no meio comunitário com a prática de delitos e assumindo um estilo de vida associal que resultou na intervenção do sistema de justiça penal. Cumpriu desde 10.03.2006 medida de coação de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância eletrónica, no âmbito do processo nº 31/06.7SFPRT da 3ª Vara do Tribunal Criminal do Porto, integrado no agregado de origem, tendo no entanto demonstrado dificuldades em interiorizar e respeitar as suas obrigações, facto que motivou a revogação da mesma e a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, tendo neste processo sido condenado em pena de prisão, suspensa por três anos, com acompanhamento pela equipa da DGRSP, também com registo de dificuldades no cumprimento das obrigações a que estava sujeito;
12. O arguido reintegrou o agregado familiar de origem, contudo as condições relacionais entre o progenitor e o arguido viriam a ditar a rutura entre ambos e nessa sequência a sua expulsão de casa, nos finais de 2006;
13. Passou a viver como “sem abrigo”, mantendo um estado de dependência compulsiva de estupefacientes, de convivência com grupo de pares com problemática semelhante e práticas delituosas, recorrendo à mendicidade para suprir as suas necessidades aditivas;
14. Cumpriu pena de prisão de 17 a 30 de Novembro de 2006 e posteriormente de 5 de Março a 15 de Setembro de 2007, pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes e furto e em Junho de 2008 voltou a ser preso para cumprimento da pena de 8 meses pela prática de um crime de furto simples, cujo termo ocorreu em Fevereiro de 2009;
15. Após, apesar do arguido ter efetuado alguns tratamentos direcionados para a problemática aditiva, estes revelaram-se infrutíferos, atentas as dificuldades de manutenção decorrentes das recidivas nos consumos e do consecutivo cumprimento de penas de prisão, mantendo o estilo de vida dissocial e respetivo registo comportamental;
16. O arguido encontra-se preso desde 27.07.2009, deu entrada no Estabelecimento Prisional C… em 15.07.2010, onde se encontrava em cumprimento de pena de prisão à data dos factos;
17. O arguido, em contexto prisional, tem revelado tendencialmente uma postura de investimento no desenvolvimento das suas competências académicas e profissionais, tendo concluído o curso de dupla certificação de jardinagem, que lhe conferiu a equivalência ao 9.º ano de escolaridade e desenvolvendo posteriormente ocupação laboral na sapataria;
18. À data dos factos, encontrava-se integrado na escola após ter sido despedido da sapataria e, em abril de 2019, iniciou a frequência do curso profissional de mecatrónica que lhe dará equivalência ao 12.º ano de escolaridade;
19. Tem vindo a evidenciar um percurso prisional irregular, marcado por dificuldades de ajustamento ao normativo institucional, registando várias punições, a última das quais por factos de 30.01.2019;
20. As relações de proximidade com a família têm sido mantidas por um regime regular de visitas efetuado pela mãe e pela filha mais velha do arguido, elementos que têm manifestado disponibilidade para acolhê-lo futuramente. Com o progenitor e com a filha mais nova, mantem uma relação de maior distanciamento, realizando apenas contactos pontuais;
21. O arguido já foi condenado:
a) No Processo comum coletivo n.º 31/08.7SFPRT, que correu termos pela 3.ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 30.11.2006, transitado em julgado a 15.12.2006, pela prática em 02.2006, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com a condição de continuar o programa terapêutico, exercer atividade profissional e regime de prova, vindo a ser revogada a suspensão da execução da pena e o arguido cumprido a pena de prisão aplicada, já declarada extinta pelo cumprimento;
b) No Processo comum coletivo n.º 184/07.7GAPRD, que correu termos pela 3.ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 05.11.2007, transitado em julgado a 21.01.2008, pela prática em 05.03.2007, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de detenção de arma proibida e uma contraordenação rodoviária grave, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de €4,00, na coima de € 500,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses;
c) No Processo comum singular n.º 136/07.7PAVLG, que correu termos pelo Tribunal Judicial de Valongo, 2.º Juízo, por sentença de 03.07.2008, transitada em julgado a 04.09.2008, pela prática em 23.02.2007 de um crime de furto simples, na pena 8 meses de prisão. Nestes autos foi realizado cúmulo jurídico com o proc. id. em b), tendo o arguido sido condenado na pena única de 8 meses de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses;
d) No Processo comum singular n.º 1507/08.7PBCBR, que correu termos pelo 4.ª Juízo Criminal de Coimbra, por sentença de 21.05.2009, transitada em julgado a 24.06.2009, pela prática em 15.07.2008, de um crime de furto simples, na pena de 10 meses de prisão;
e) No Processo comum coletivo n.º 16/08.9JACBR, que correu termos pela Vara de Competência Mista de Coimbra - 2.ª Secção, por acórdão de 13.05.2009, transitado em julgado a 21.09.2009, pela prática em 08.01.2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Nestes autos foi realizado cúmulo jurídico com o proc. id. em d), tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos de prisão;
f) No Processo comum coletivo n.º 995/07.3PBMAI, que correu termos pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, por acórdão de 08.02.2010, transitado em julgado a 10.03.2010, pela prática em 19.12.2007, de um crime de roubo, na pena de 5 anos de prisão;
g) No Processo comum singular n.º 326/08.5TDPRT, que correu termos pelo 2.º Juízo – 2.ª Secção dos Juízos Criminais do Porto, por sentença de 24.03.2010, transitada em julgado a 21.04.2010, pela prática em 24.02.2007, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
h) No Processo comum singular n.º 1084/07.6GBPRD, que correu termos pelo 1.º juízo Criminal do Tribunal Judicial da Paredes, por sentença de 09.04.2010, transitada em julgado a 04.05.2010, pela prática em 17.12.2007, de um crime de roubo, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por igual período, com a condição de tratamento de desintoxicação de produtos estupefacientes;
i) No Processo comum coletivo n.º 47/08.9PBVLG, que correu termos pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, por acórdão de 12.04.2010, transitado em julgado a 07.06.2010, pela prática em 01.2008, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 11 meses de prisão;
j) No Processo comum coletivo n.º 1320/07.9PEGDM, que correu termos pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, por acórdão de 19.10.2010, transitado em julgado a 17.11.2010, pela prática em 15, 16 e 17.12.2007 [3], de um crime de roubo qualificado, de dois crimes de roubo simples, de um crime de falsificação e de um crime de furto simples, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. Nestes autos foi realizado cúmulo jurídico com os procs. ids. em c), d), e), f), g), h) e i) tendo o arguido sido condenado na pena única de 14 anos de prisão.
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Factos não provados
Com relevo para a decisão final, não se provou qualquer outro facto, nomeadamente que:
1. Pela quantidade de produto que detinha, o arguido destinava o produto estupefaciente apreendido à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro, para satisfazer as suas despesas e necessidades pessoais.
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Apreciação dos fundamentos do recurso.
Defende o recorrente que o tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida na audiência de julgamento, na medida em que omitiu do elenco dos factos provados a circunstância de ser consumidor de produtos estupefacientes – facto este que, na sua opinião, ficou documentalmente demonstrado e não foi devidamente valorado na decisão recorrida.
Na decorrência dessa factualidade, considera o recorrente que se impunha a conclusão de que o produto estupefaciente apreendido era destinado ao seu exclusivo consumo.
A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber:
- no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
- na impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.
Quanto a esta última modalidade de impugnação (a ampla) o legislador impõe ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa; ónus que tem que ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
No presente caso, é manifesto que o recorrente não observou o ónus de impugnação especificada, não tendo procedido à indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (art. 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP), o que preclude a possibilidade de sindicar a matéria de facto sob a perspectiva da impugnação ampla [4].
Deste modo, a análise da discordância do recorrente relativamente à decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto provada tem de basear-se no chamado recurso de «revista ampliada» - reconduzido às patologias catalogadas nas alíneas do n.º 2, do art. 410º, que devem surgir evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem [5].
O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica] e o erro notório na apreciação da prova [erro patente que não escapa ao homem comum] [6].
Assim, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detectar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Em particular, o erro notório na apreciação da matéria de facto, consagrado no art. 410º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal, refere-se às situações de falha grosseira e ostensiva na análise da prova e não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes se traduz em “(…) distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados (…) ou em “(…) apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorrecta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”.
Ou seja, há um tal erro quando o homem médio suposto pela ordem jurídica, perante o que consta do texto da decisão, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, traduzindo o vício em questão “um erro supino, crasso, e inquestionável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida, que escapa à lógica das coisas, ou seja, quando sendo usado um processo lógico racional se extrai de um facto uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum” [7].
Importa também salientar que, tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o nº 2 do art. 410º do CPP, a eventual violação do princípio in dubio pro reo há-de-resultar, claramente, do texto da decisão recorrida e, portanto, ocorrerá quando se puder constatar que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que há-de decorrer, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto [8].
O “in dubio pro reo”, sendo uma das várias dimensões do princípio basilar da presunção de inocência, configura-se, basicamente, como uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos - ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida razoável e irresolúvel sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo fundamentou nos seguintes moldes a sua convicção quanto à demonstração da factualidade atrás transcrita:
“O tribunal formou a sua convicção com base na prova documental e pericial junta aos autos, nomeadamente - relatórios do exame pericial realizado ao produto estupefaciente de fls. 106 e segs., participação de fls. 25, auto de apreensão de fls. 26, fotografias de fls. 27, teste rápido de fls. 29, c.r.c. de fls. 158 e segs. e relatório social de fls. 178 e segs.- conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas, tudo analisado de forma crítica e em conjugação co regras de experiência comum.
Importa, desde já, referir que o arguido no uso do direito que lhe assistia, não prestou declarações em audiência de julgamento.
Assim, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas D…, E…, F… e G…, guardas prisionais, à data a prestarem serviço no estabelecimento prisional C… e que tiveram intervenção na busca efetuada, tendo todos eles descrito, de forma bastante credível, os factos tal como estes se provaram, isto é, a busca efetuada desde a entrada na cela, ao movimento efetuado pelo arguido para esconder o embrulho, no interior a roupa e a apreensão do mesmo, que resultou ser canábis, após o teste rápido efetuado.
Tais depoimentos, conjugados com elementos documentais supra referidos, permitiram dar por provado que o arguido tinha na sua posse o produto estupefaciente apreendido.
No entanto, por ausência de prova, uma vez que nenhuma das testemunhas conotou o arguido com a venda de produtos estupefacientes, o tribunal deu por não provado que o mesmo destinasse o produto estupefaciente apreendido à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro, para satisfazer as suas despesas e necessidades pessoais. A própria quantidade apreendida - 22,876 gramas -, não nos permite concluir, ainda que recorrendo a regras de experiência comum, pela prova de tal facto.
Por fim, teve também o tribunal em consideração o relatório social de fls. 178 e segs., quanto às suas condições socioeconómicas e o c.r.c. de fls. 158 e segs., quanto aos seus antecedentes criminais.”.

Resulta, assim, claramente da leitura da decisão recorrida que o tribunal a quo, na ausência de prova concludente de que o arguido/recorrente destinava os produtos estupefacientes que detinha à venda ou cedência a terceiros, considerou não terem ficado provados tais factos constantes do libelo acusatório.
O facto inverso – ou seja, o de que o recorrente destinava tais produtos ao seu exclusivo consumo – não foi considerado pelo tribunal colectivo, sendo certo que tal facto, aparentemente, não resultou da discussão da causa e nem sequer foi invocado no processo pelo arguido/recorrente. Com efeito, para além de não ter prestado declarações na audiência de julgamento, o recorrente não ofereceu contestação, desperdiçando, assim, dois momentos processuais adequados para afirmar a sua versão dos acontecimentos.
É verdade que o tribunal valorou o conteúdo do relatório pericial elaborado pela DGRS e constante do processo, documentando no acórdão o percurso de vida do recorrente, marcado pela forte dependência do consumo de substâncias estupefacientes. Contudo, e como justamente salienta o Exmo. Magistrado do MP na resposta ao recurso, tal circunstancialismo, desligado de meios de prova complementares e corroborantes, afigura-se insuficiente para considerar demonstrado que o recorrente destinava aquele produto estupefaciente ao seu consumo exclusivo [9].
Nenhuma censura merece, assim, a convicção do tribunal a quo, quanto à demonstração da factualidade constante do elenco dos factos provados, mostrando-se esta decisão congruente com a prova produzida, aferida segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum (e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova), e perfeitamente suportada pelo princípio in dubio pro reo [10].
Em suma, concluímos pela inexistência de “erro notório na apreciação da prova”.
Por fim, e na decorrência do atrás explanado, impõe-se concluir que o acórdão recorrido não padece igualmente de qualquer outro dos vícios elencados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, designadamente de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que da sua leitura resulta que nele, manifestamente, não se encontram quaisquer lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação.
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Considera o recorrente que o tipo de ilícito do crime de tráfico de estupefacientes, por que foi condenado, não se encontra preenchido.
O crime de tráfico de estupefacientes configura-se como um crime de perigo comum e abstrato, na medida em que visa antecipar a protecção legal de diversos bens jurídicos com dignidade penal, como por exemplo a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes (em suma, visa-se a protecção da saúde pública), ainda que em concreto não se tenha verificado o perigo de violação desses bens jurídicos.
Por outro lado, o tipo de ilícito objectivo preenche-se com a mera detenção daqueles produtos estupefacientes, desde que não se comprove que se destinam ao exclusivo consumo pessoal, não sendo, pois, necessário que a detenção do produto estupefaciente se destine à posterior venda ou cedência a terceiros.
Como é salientado no acórdão do STJ, de 17/4/2013 [11], “O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01. À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como “motivo da proibição”, sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência.”.
Considera o recorrente que o tipo legal em apreço não se encontra preenchido, dado que não ficou provado que detinha parte do produto estupefaciente que lhe foi apreendido para posterior venda ou cedência a terceiros, tendo ficado efectivamente demonstrados, para além disso, os seus hábitos regulares de consumo.
Defende, assim, o recorrente que deverá ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes ou, no limite, deverá ser condenado no âmbito da previsão do art. 40.º, n.º 2, do DL nº 15/93, de 22/1 [12].
Não lhe assiste, porém, razão, já que, como vimos, a simples circunstância de estar na posse de tais substâncias, sem que tivesse ficado demonstrado que por ele eram destinadas ao seu exclusivo consumo [13], bastava para preencher o tipo objectivo do crime de tráfico de estupefacientes.
Não se tendo provado essa finalidade exclusiva – não bastando, para o efeito, provar-se meros hábitos de consumo (eventualmente associados a uma situação de carência económica), como é salientado no acórdão deste TRP, de 11/10/2017 [14] -, não resta outra solução senão a de reconhecer que a pretensão recursória do arguido tem de improceder, sendo manifesto que o crime de tráfico de estupefacientes se encontra integralmente perfectibilizado.
A dúvida poderá passar, unicamente, pela caracterização do tráfico de estupefacientes em questão, em função da sua dimensão e gravidade. E a este propósito importa, desde já, salientar que não faz sentido fazer apelo ao princípio do in dubio pro reo no que tange à qualificação jurídica dos factos. O princípio do in dubio pro reo, que anda intimamente associado ao princípio constitucional da presunção da inocência – art.º 32º, n.º 2 da CRP – é um princípio de prova. Sendo um princípio atinente à prova, vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito – “aqui a única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto”, como salienta o acórdão do TRP, de 24/10/2012 [15] (que teve por relator o Desembargador Francisco Marcolino), na senda da jurisprudência maioritária do STJ.
Na caracterização do crime de tráfico de estupefacientes – e, em particular, do tráfico de estupefacientes de menor gravidade – prepondera a avaliação global da situação de facto, sendo também reconhecidamente aceite pela jurisprudência que o art. 24.º do DL nº 15/93, de 22/1 não constitui um tipo autónomo: é circunscrito por circunstâncias especiais (agravantes) modificativas da pena, mas a sua aplicação não resulta obrigatoriamente da sua verificação, ou seja, a sua aplicação não deve ter-se por automática.
Especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a acção era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a acção deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º.
Acentuando que, para merecer essa integração, a acção terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado, assinala o acórdão do STJ, de 13/9/2018 [16], o seguinte: “A situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um acto isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas.” [17].
Difícil já será defender que, em situações excepcionais, o facto ocorrido em estabelecimento prisional possa ser integrado no crime do art. 25.º [18]. É que o tipo de tráfico privilegiado pressupõe uma ilicitude consideravelmente diminuída – e, portanto, um caso extraordinário ou excepcional relativamente à situação normal de tráfico de estupefacientes – que, por regra, não se verificará nas situações de tráfico de estupefacientes no interior de estabelecimentos prisionais.
Como é salientado no acórdão do TRP, de 24/10/2012 (relatado pelo Desembargador Francisco Marcolino e já citado), para além dos casos em que “é evidente que a conduta é subsumível ao tipo fundamental ou ao tipo privilegiado, outros há que ficam na denominada «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico de menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão. Nesses casos, a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra - o do art.º 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do art.º 25.º, reservando este tipo criminal para outras situações de muito menor ilicitude”.
Portanto, “Só se pode falar em tráfico de menor gravidade, e enquadrar os factos no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, quando, avaliado na sua globalidade, o seu grau de ilicitude seja de tal modo inferior ao que se verifica no caso normal de tráfico de estupefacientes que se imponha considerá-lo, relativamente a este, como caso extraordinário ou excepcional”. Ainda que se verifique um conjunto de circunstâncias que apontem para uma imagem global do facto de ilicitude sensivelmente diminuída – o que acontecerá, tipicamente, se o tráfico for de carácter muito rudimentar, se a quantidade traficada não for muito elevada, se a modalidade ou as circunstâncias da acção não forem altamente desvaliosas, se o tráfico não for efectuado por estrutura organizada ou se essa estrutura for incipiente - , o comportamento do agente não deverá, em princípio, ser integrado no art. 25.º, mas antes no tipo matricial do art. 21.º, se ocorrer alguma das circunstâncias mencionadas no art. 24.º (potencialmente susceptíveis de integração dos factos no tipo agravado aqui previsto) [19].
No presente caso ficou demonstrado que o recorrente tinha na sua posse canabis (resina), com o peso líquido de 22,876 gramas e um grau de pureza de 12,2%, suficiente para compor 56 doses individuais.
Embora se admita que o recorrente poderia destinar parte daquele produto estupefaciente ao seu próprio consumo, dada a clara demonstração do seu historial de dependência do consumo de substâncias psicotrópicas, não podemos igualmente ignorar que a quantidade de estupefaciente apreendido era já de molde a permitir a sua disseminação por outros reclusos – sendo certo que, como se acentua no acórdão do STJ, de 7/7/2009 [20], “Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda de auto-estima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes.”.
Sendo assim, e não se afigurando sensivelmente diminuída a ilicitude do facto, em atenção à quantidade de produto estupefaciente detido pelo recorrente e consequente potencial de disseminação por outros reclusos (com os inerentes prejuízos para a sua saúde e para o seu processo de ressocialização, a que se acrescenta o grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta, como justamente salienta o STJ, no acórdão de 7/7/2009) [21], consideramos correcta a integração do seu comportamento no tipo matricial de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º do DL nº 15/93, de 22/1.
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Analisemos, agora, as questões igualmente suscitadas pelo recorrente, relacionadas com a dosimetria e escolha da espécie de pena aplicada.
Afirma-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16/6/2015 (disponível em www.dgsi.pt), que “Em sede de escolha e de medida concreta da pena, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, também nesta matéria, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normas legais pertinentes, não sendo de modificar penas que, dentro desses princípios e dessas normas, ainda se revelem congruentes e proporcionadas”.
No mesmo sentido conclui Souto de Moura, citado no acórdão do STJ, de 9/5/2019 [22]: “sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.
O que bem se compreende, como é assinalado no acórdão do STJ de 9/5/2019, “porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os factores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada.”.
No presente caso, o tribunal a quo fixou em 6 anos a medida concreta da pena de prisão, numa moldura abstracta de 4 a 12 anos, fundamentando a decisão nos seguintes moldes:
“Ao crime em causa corresponde a moldura penal abstrata de prisão de 4 a 12 anos (art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01).
Nos termos do art.º 40.º do C. Penal, a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art.º 71.º do C. Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de
futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de medida concreta (art.º 71.º, n.º 2 do C. Penal):
Em desfavor do arguido: - o dolo intenso (direto);
- o elevado grau de ilicitude, pelo facto de o arguido deter tal substância no interior do estabelecimento prisional, onde se encontrava a cumprir pena de prisão de longa duração;
- as elevadas necessidades de prevenção geral ínsitas ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados;
- as condições pessoais do arguido, sendo muito elevadas as exigências de prevenção especial, já que foi condenado anteriormente pela prática de crimes da mesma e de diversa natureza violenta, tendo inclusivamente cumprido prisão efetiva por crime de tráfico de estupefacientes, tendo praticado os factos durante o período de reclusão, o que denota que as penas anteriores não tiveram o efeito pretendido de o afastar da prática de novos ilícitos criminais.
Sopesando todos os fatores enunciados e considerando ainda o tipo de produto estupefaciente – canábis – (menos grave) e a quantidade não ser deveras elevada - 22,876 gramas-, o que, com um grau de pureza de 12,2%, era suficiente para compor 56 doses individuais, considera-se adequado aplicar ao arguido a pena de 6 anos de prisão.”.
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Como é assinalado no acórdão do STJ de 18/2/2016 [23], “Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
No nosso regime penal, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena” [24].
Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz a necessidade de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração”.
Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto, estabelecendo o limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando a dignidade pessoal do agente à «paz» comunitária.
Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização [25].
Necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena.
Relevantes para a determinação da medida concreta da pena são os factores elencados no art. 71º do Código Penal e que, fundamentalmente, se relacionam quer com o facto típico praticado, quer com a personalidade do agente neles documentada, podendo tais factores ser valorados, simultaneamente, por via da culpa e da prevenção [26].
Assim, o nº 2 do artigo 71º do Código Penal, manda atender, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Como bem salienta o Conselheiro Henriques Gaspar [27], “As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.
Analisada a decisão condenatória, verificamos que todos os aludidos factores foram atendidos – incluindo a qualidade e quantidade do produto estupefaciente em causa -, sendo certo que o acórdão recorrido ponderou o grau de ilicitude dos factos praticados pelo recorrente, bem como a intensidade do dolo; referenciou as necessidades de prevenção especial, valorando adequadamente a insensibilidade do arguido pela reacção penal, que se infere claramente dos seus significativos antecedentes criminais (que incluem uma condenação por ilícito idêntico, tendo este sido praticado no decurso do cumprimento de uma pena de prisão de longa duração); teve em conta as necessidades de prevenção geral, reflectidas na danosidade social inerente ao ilícito em causa e na necessidade de preservar a paz social – tudo com observância do disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, do C. Penal.
Contudo, a pena concreta afigura-se-nos excessiva e desproporcionada, considerando o grau de ilicitude do crime em causa, as necessidades de prevenção geral que lhe são inerentes e a dimensão da culpa do recorrente, impondo-se a intervenção correctiva deste tribunal de recurso.
Tratando-se de um caso que poderá ser enquadrado na zona cinzenta a que alude o acórdão do TRP, de 24/10/2012, pensamos que a pena concreta deverá ser encontrada nos limites da convergência das molduras abstractas previstas para o tráfico matricial e o de menor gravidade e, portanto, entre os 4 e os 5 anos de prisão.
Afigura-se-nos que a pena de 4 anos e 4 meses de prisão é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e necessária – mas também suficiente – para a ressocialização do recorrente [28], não ultrapassando a medida da sua culpa.
Contudo, esta pena não pode ser substituída por uma pena não detentiva, sendo manifesta a impossibilidade de formular um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do recorrente e sob pena de ser colocada em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos violados [29].
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III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, reduzindo-se a pena aplicada ao recorrente de seis para quatro anos e quatro meses de prisão (efectiva), confirmando-se, quanto ao demais, o acórdão recorrido.
Sem custas (artigo 513º, nº 1, do CPP).
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP- e assinado digitalmente).
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Porto, 18 de Março de 2020.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Maia Rodrigues
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[1] Mantendo-se a ortografia original do texto.
[2] Mantendo-se a ortografia original do texto, sem prejuízo da correcção de manifestos lapsos de escrita.
[3] Corrigindo-se o evidente erro de escrito contido no acórdão recorrido, através da consulta do CRC do arguido/recorrente constante dos autos.
[4] Como se assinala no acórdão do TRP de 2/12/2015 (Relator Desembargador Artur Oliveira), consultável em www.dgsi.pt, “Visando o recurso sobre a matéria de facto remediar erros de julgamento, estes erros devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros, sob pena de não o fazendo a impugnação não ser processualmente válida”.
[5] Vícios decisórios que não foram expressamente invocados pelo recorrente, mas que são de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, caso surjam claramente evidenciados na decisão recorrida.
[6] Cfr., neste sentido, o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 15/11/2018, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. o acórdão do TRP de 15/11/2018, e o acórdão do STJ de 18/5/2011, também disponível em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, o acórdão do STJ de 29/5/2008 (Relator: Conselheiro Rodrigues da Costa), disponível em www.dgsi.pt.
[9] Sendo este elemento que demarca a fronteira entre o crime de tráfico de estupefacientes e o ilícito previsto no art. 40.º, como veremos mais à frente.
[10] É de notar que, quanto à prova dos elementos subjectivos, e como é salientado no acórdão deste TRP, datado de 31/10/2018 e disponível para consulta em www.dgsi.pt, “Por via de regra, na ausência de confissão do arguido, a prova do dolo terá de ser feita através de prova indirecta a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente, mediante os elementos objectivamente comprovados e em conjugação com as regras da experiência comum.”.
[11] Relatado pelo Conselheiro Pires da Graça e proferido no processo nº 138/09.9JELSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Articulado com o Ac. STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008 , de 25-06-2008, in DR I A Série, de 05-08-2008, com o seguinte teor: “Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo como relativamente a aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.”.
[13] A aplicação do nº 2, do art. 40.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1 tem sempre como pressuposto a demonstração de que o agente destina as substâncias estupefacientes ao seu exclusivo consumo. Caso assim não suceda (como ocorreu no presente caso), a situação cai na previsão do tráfico de estupefacientes – matricial, agravado ou de menor gravidade, dependendo das circunstâncias do caso concreto.
Sobre a questão da determinação do consumo médio individual, importante para a determinação da eventual punição do consumo de estupefacientes, veja-se o interessante acórdão deste TRP, datado de 2/10/2013, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato (proferido no processo nº 2465/11.6TAMTS.P1) e disponível em www.dgsi.pt., com o seguinte sumário:
I - A indicação, na tabela a que se refere o artigo 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de março, dos valores correspondentes ao consumo médio de resina de Canabis (0,5 gr. diários) pressupõe um grau de concentração médio de 10% de A9TIIC, não de 100%. Se o grau de pureza desse produto for diferente dessa percentagem, tal valor terá de ser adaptado.
II - Os valores indicados nessa tabela podem ser afastados se se provar que são diferentes as necessidades de consumo habitual do arguido.
[14] Relatado pelo Desembargador Jorge Langweg e disponível em www.dgsi.pt.
[15] Disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[16] Relatado pelo Conselheiro Maia Costa e disponível em www.dgsi.pt.
[17] Como se refere no acórdão do STJ, de 26/9/2012 (relatado pelo Conselheiro Raúl Borges e disponível em www.dgsi.pt), “É uniforme o entendimento de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em EP não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.”.
[18] Neste sentido, o acórdão do STJ, de 13/9/2018.
[19] Expressamente neste sentido, o acórdão do TRP, de 24/10/2012 e o acórdão do STJ, de 23/11/2011 (proferido no processo nº 127/09.3PEFUN.S1 e relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho), também disponível em www.dgsi.pt.
[20] Relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, proferido no processo nº 52/07.2PEPDL.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[21] Importa, ainda, assinalar que, muito embora as consequências do consumo de canabis para a saúde dos respectivos utilizadores não sejam tão gravosas quanto as inerentes ao consumo de outras substâncias (designadamente, das consideradas “drogas duras”, como a cocaína e, sobretudo, a heroína), não é menos verdade que também não podem ser ignoradas. Com efeito, esta substância não é de modo algum benigna, desencadeando um efeito de adição relevante nos respectivos utilizadores e surgindo o seu consumo de longo prazo associado a uma variedade de condições, que incluem, para além de dependência, disfunção cognitiva e perturbações psiquiátricas. Além disso, evidências actuais apontam para um contributo do uso de canabis no desenvolvimento de psicose, existindo uma relação consistente entre o consumo durante a adolescência e o risco de desenvolvimento de sintomas psicóticos ou perturbações do espectro da esquizofrenia (cfr., neste sentido, os inúmeros estudos da autoria da Direcção-Geral de Saúde, consultáveis na internet).
[22] Proferido no processo nº 13/17.3SWLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[23] Proferido no processo nº 118/08.1GBAND.P1.S2, relatado pelo Conselheiro e disponível em www.dgsi.pt.
[24] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pág. 227.
[25] Cfr. o mencionado acórdão do STJ, de 9/5/2019, e, ainda, para maiores desenvolvimentos, o acórdão do STJ, de 18/2/2016, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges e proferido no processo 118/08.1GBAND.P1.S2, in www.dgsi.pt.
[26] Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, 1995, pág. 658 e seguintes.
[27] No acórdão do STJ, de 11.04.2007, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Como salientado no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 17/1/2017 (Relator: Jorge Langweg), igualmente disponível em www.dgsi.pt, reproduzindo o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
[29] A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada – e não uma certeza – de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela de bens jurídicos (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 14/5/2009, disponível em www.dgsi).