Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
536/15.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO
Nº do Documento: RP20191210536/15.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito à indemnização pela privação do uso de uma coisa está dependente não apenas da prova dessa privação, mas também das consequências negativas e danosas daí decorrentes.
II - Nessa medida, não se provando essas consequências, esse direito não pode ser reconhecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 536/15.9T8PVZ.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
1- B… e C…, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra D…, alegando em breve resumo, que são donos de uma fração autónoma, que identificam, ocupada pela Ré, que se recusa a entregar-lha.
Por isso mesmo, e porque essa ocupação lhe tem causado diversos prejuízos que enumeram, pedem que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre essa fração e a Ré condenada a pagar-lhes, pela privação dos rendimentos que lhes provocou, a quantia de 12.701,61€, acrescida dos juros vencidos, contabilizados em 334,95€, bem como dos vincendos à taxa legalmente aplicável, bem como uma indemnização igual aos custos em que incorreram e que contabilizam em 1.881,77€, relativos a IMI, seguro de responsabilidade civil, quotas e despesas de condomínio, bem como as que se vierem a vencer, na decorrência desta ação.
Além disso, pedem também que a Ré seja condenada a pagar-lhes o valor que se vier a liquidar em execução de sentença, necessários para os indemnizar pelos danos existentes na dita fração, decorrentes da atuação da mesma.
2- Contestou a Ré refutando estes pedidos, porquanto, em suma, nem reconhece o direito de propriedade invocado pelos AA., nem os danos pelos mesmos alegados.
Formularam ainda pedido reconvencional.
3- Os AA. replicaram como dos autos consta.
4- Após suspensão por causa prejudicial, foi tentada a conciliação das partes sem êxito, seguindo-se sentença, proferida no dia 09/11/2018, na qual se julgou esta ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a entregar aos AA., livre e devoluta, a fração autónoma propriedade daqueles e por esta ocupada, julgando-se totalmente improcedente a reconvenção deduzida.
5- Prosseguiram os autos apenas para a apreciação dos danos invocados pelos AA., atinentes à alegada e já referenciada ocupação abusiva da Ré.
6- Por requerimento de 26/02/2019 os AA. vieram comunicar aos autos que a Ré entregara já a fração autónoma em causa, no dia 21/11/2018, e requereram a ampliação do pedido, no sentido de ser a Ré condenada a pagar-lhes os valores que se vierem a vencer em razão da alegada privação do uso e rendimentos, a contar da data da interposição da ação até à entrega efetiva da fração, mais juros.
7- Admitida a ampliação do pedido, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a presente ação, no que resta, improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos.
8- Inconformados com esta sentença, dela recorrem os AA., terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:
a-) Que os autores interpelaram a ré a abandonar o imóvel em 03/12/2013;
b-) Que os autores pretendiam arrendar o dito imóvel e que apenas não o fizeram por a ré estar a ocupar o mesmo;
c-) Que o valor locativo daquela fracção, a preços de mercado, ascenderia a 750,00 euros mensais;
d-) Que a ré, pelo uso do imóvel, provocou danos no mesmo.
B. Para prova da alínea a) supra existe uma decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, 2.º Juízo Cível, Proc. n.º 90/14.3TBMTS, já transitada em julgado e junto da PI, onde foi dado como provado que “Á data do óbito, a requerida não abandonou o imóvel, tendo sido para tanto interpelada, directamente, quer pelo requerente quer pela sua irmã.”
C. Essa mesma decisão do Tribunal de Matosinhos, proferida em litígio entre os aqui Apelantes e Apelada constitui caso julgado entre as partes e têm de produzir os seus efeitos nestes autos,
D. Sendo que, tal prova documental foi ainda reafirmada pelo depoimento da Apelante D… e não foi contraditada por qualquer depoimento da Apelada, que o poderia sempre fazer.
E. Os Apelantes sempre pretenderam e alegaram pretender o arrendamento do imóvel, facto este bem patente da matéria alegada na PI, e reafirmada pelo depoimento da Apelante C…, pelo que este facto deveria ter sido dado como provado.
F. Assim como deveria ter sido dado como provado que os Apelantes apenas não arrendaram o imóvel face à impossibilidade objectiva determinada pela ocupação ilícita e ilegítima do mesmo pela Apelada.
G. O valor locativo do imóvel no mercado de arrendamento ascende a Eur. 750.00 mês ou ainda mais elevado, facto que foi provado pela testemunha E…,
H. Depoimento bem preciso, esclarecedor e demonstrativo da acertada contabilização que os Apelantes fizeram do seu prejuízo.
I. Nesta conformidade e no mínimo, o Tribunal a quo deveria com recurso à equidade ter considerado como como ajustado, para o efeito, o valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) mensais, a partir de Dezembro de 2013.
J. Conforme resulta do depoimento da testemunha F…, existiram danos no imóvel decorrente da ocupação da mesma pela Apelada e outros que eram decorrentes de problemas imputáveis ao condomínio,
K. Sendo que a testemunha apenas reparou os danos provocados pela Apelada, nos termos em que estão descritos nos trabalhos da fatura apresentada e junta aos autos.
L. Não é possível afirmar que a Apelada ocupou o imóvel e nele produziu danos pelo “uso normal”, porque, a ocupação do imóvel ocorreu de forma ilícita e ilegítima, pelo que qualquer deterioração no imóvel dos Apelantes na decorrência da ocupação da Apelada é ilícita.
M. A reparação dos danos provocados pela Apelada no imóvel dos Apelantes estão ao abrigo da obrigação do art. 483.º n.º 1 do Código Civil ficando a Apelada obrigada a indemnizar os Apelantes pelos danos que resultaram dessa violação.
N. Assim, estão liquidados os danos no imóvel e o Tribunal a quo andou mal quando os não imputou à Apelada, legitimando um enriquecimento sem causa desta à custa do património dos Apelantes.
O. Mais, deveria a Apelada ter sido condenada ao pagamento de todas as despesas, encargos e impostos que são, por natureza devidas pelos proprietários, nomeadamente as despesas de condomínio, seguros obrigatório e IMI, conforme peticionado na PI e contabilizado conforme prova documental e testemunhal constante nos autos.
P. Porque, não é possível não penalizar a Apelada, que durante o período que mediou de Dezembro de 2013 a Novembro de 2018, agiu como proprietária do imóvel e privou ilicitamente os Apelantes da sua fruição.
Sem prescindir, sem conceder e por mera cautela de patrocínio
Q. Em sentido contrário ao decidido pelo Tribunal a quo, basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respectivo titular, um dano patrimonial relevante,
R. O que no presenta caso e sendo uma ocupação de quase 5 anos ininterruptos, provocou danos muito consideráveis na esfera patrimonial dos Apelantes, danos esses que apenas à Apelada devem ser imputados.
S. Não se legitimando um enriquecimento sem causa da Apelada à custa do património dos Apelantes.
T. Enriquecimento este em violação do Direito de Propriedade dos Apelantes, nos termos do art. 1305.º do Código Civil, direito este que o Tribunal a quo não defendeu em violação desta norma e dos princípios gerais de Direito”.
Terminam pedindo a procedência do presente recurso, a revogação da sentença recorrida e que se condene a Ré no pagamento dos valores peticionados.
9- A Ré respondeu pugnando pela confirmação do julgado.
10- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, cumpre tomá-la.
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II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)], cinge-se à questão e saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto pretendida pelos AA. e, em qualquer caso, se os mesmos têm direito à indemnização que reclamam.
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2- Fundamentação
A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1.º Os AA. são filhos de B…, falecido em 02 de Dezembro de 2013, com a idade de 86 (oitenta e seis) anos.
2.º A Ré era casada com o pai dos AA., e, pelo casamento foi viver com o mesmo para a fração autónoma designada pela letra “R”, correspondente a uma habitação no …, com entrada pelo n.º … do prédio sito na Praceta …, freguesia de …, Concelho de Matosinhos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 377 e inscrita na matriz predial sob o artigo 3952.º, com o valor patrimonial de 168.358,05€.
3.º A Ré, após o falecimento do pai dos AA., continuou na fração em causa, até 21 de Novembro de 2018, data em que procedeu à entrega da dita fração aos AA., impedindo que os mesmos até então usufruíssem do dito imóvel.
4.º Pelo uso da dita fração a Ré nada pagou, sendo que, à data da entrada da ação, no mercado de arrendamento, aquela fração teria um valor locativo não concretamente apurado.
5.º Os AA., desde Dezembro de 2013 até hoje, pagaram as quotas de condomínio aprovadas pelas assembleias de condóminos do prédio onde se insere a fração em causa, tendo pago, pelo menos, a quantia de 3.690,30€.
6.º A título de seguro de responsabilidade civil pela propriedade do imóvel, pagaram um total de 650,32€.
7.º Pagaram também o valor de 2.941,34€, relativo ao IMI.
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B- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:
a) Que os AA. interpelaram a Ré a abandonar o imóvel em 03/12/2013;
b) Que os AA. pretendiam arrendar o dito imóvel e que apenas não o fizeram por a Ré estar a ocupar o mesmo;
c) Que o valor locativo daquela fração, a preços de mercado, ascenderia a 750,00 euros mensais;
d) Que a Ré, pelo uso do imóvel, provocou danos no mesmo.
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C- Análise dos fundamentos do recurso
1- Começa por nele estar em causa, como vimos, a questão de saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto. Concretamente, se devem ser julgados provados todos os factos que na sentença recorrida tiveram o destino probatório oposto; ou seja, os factos descritos nas alíneas a) a d), do capítulo dos Factos não Provados.
Ora, em relação à primeira dessas alíneas, o que verificamos, antes de mais, é que nela se emprega um termo tipicamente jurídico. Referimo-nos à interpelação, que é utilizada, por exemplo, para aferição do momento da constituição em mora do devedor (artigo 805.º, do Código Civil). Nessa medida, porque se trata, justamente, da questão que está em causa nestes autos, não se pode julgar tal expressão como provada, pois que isso, só por si, determinaria a sorte desta ação, nesse aspeto.
Mas, mesmo que se entenda traduzi-la por outra que signifique o pedido dos AA. para a desocupação do prédio em questão, por parte da Ré, nem assim esse facto pode ser julgado demonstrado.
Desde logo, porque embora a interpelação da Ré tenha sido julgada indiciariamente demonstrada no procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 790/14.3TBMTS, não pode daí retirar-se qualquer prova para este processo. O artigo 364.º, n.º 4, do CPC, é bem claro a este propósito, quando dispõe que “[n]em o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal”. Ora, se assim é em relação à ação principal, por maioria de razão é igualmente em relação a todas as outras ações, ainda que corram entre as mesmas partes, como sucede neste caso.
Por outro lado, embora a A., C…, tivesse dito, em julgamento, que, no dia seguinte à morte do seu pai, pediu à Ré para sair da casa em questão, a verdade é que, mais adiante, no seu depoimento, esclareceu que esse pedido foi feito, não com um sentido imperativo, mas em jeito de indagação, perguntando à Ré quando é que a mesma estava a pensar concretizar essa saída.
Acresce que essa mesma A. é parte nesta causa e, portanto, tem natural interesse em que a mesma seja decidida de modo que lhe seja favorável; o que, aliado à ausência de qualquer outra prova a este respeito, determina o insucesso probatório da pretensão em análise.
Está, depois, em causa a questão de saber se “os AA. pretendiam arrendar o dito imóvel e (…) apenas não o fizeram por a Ré estar a ocupar o mesmo” [al. b)].
Ora, ao contrário do sustentado pelos AA., não basta que os mesmos tenham afirmado na petição inicial essa vontade. É necessário demonstrá-la por outros meios; e isso, até os AA. implicitamente reconhecem, não sucedeu.
Por outro lado, não vemos qual a vantagem probatória que resultaria do pretendido convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, defendido pelos Apelantes. O que está em causa é uma questão de falta de prova e não de falta de alegação.
Daí que também não se dê guarida a este pedido de modificação da matéria de facto.
E igual destino deve ser dado ao pedido para que se julgue demonstrado o valor locativo da fração autónoma em questão [al. c)].
A única testemunha que falou de valores, para este efeito, foi o gerente de uma empresa imobiliária, isto é, a testemunha, E…, mas, como a mesma teve o cuidado de sublinhar, não viu o apartamento em questão, pelo que a oscilação desses valores pode ser significativa, em função de diversas variáveis.
Neste contexto, pois, entende-se que não há prova segura do referido valor locativo.
Por fim, está em causa a questão de saber se “a Ré, pelo uso do imóvel, provocou danos no mesmo” [al. d)].
Ora, também neste aspeto, cremos que os AA. não têm razão.
É verdade que a testemunha, F…, aludiu em julgamento às obras que fez no imóvel em questão, depois da morte do pai dos AA.. Mas, algumas dessas obras, como o mesmo reconheceu em julgamento, foram provocadas, inclusive, por problemas havidos nas zonas comuns do prédio onde esse imóvel se insere.
Por outro lado, do seu depoimento também não é possível decifrar quais as anomalias registadas antes e após do referido óbito, se é que as houve. Isto é, não é possível concluir, em suma, que a Ré, quando ficou viúva, provocou danos no prédio em questão.
Daí que não se acolha a pretensão em causa.
2- E, dito isto, importa averiguar se os AA. têm direito à indemnização que reclamam.
Em primeiro lugar, pela privação de uso.
Na sentença recorrida, depois de enunciar as duas correntes doutrinais e jurisprudenciais que são seguidas a propósito deste dano, ou seja, aquela que exige, para além da prova da privação do uso, também a prova das consequências patrimoniais negativas dessa privação, e a outra que prescinde deste último requisito, optou-se pela primeira das teses. E, aplicando-a ao caso em apreço, concluiu que nele não está demonstrada a utilização concreta que os AA. pretendiam dar ao prédio ocupado pela Ré, pelo que lhes negou a indemnização que pediam, a esse título.
“A mera privação da possibilidade de uso de um imóvel, sem mais – escreve-se nessa sentença -, não pode constituir, por si só, um dano indemnizável à luz da lei, porquanto falece um dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o dano”.
E acrescenta: “O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património. Logo, não havendo uso, ou nada se provando quanto ao mesmo, inexistirá obviamente dano da respetiva privação.
Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo ressarcível, se realmente o pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dele dispor.
Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável”.
Concordamos com este ponto de vista.
Efetivamente, não basta a demonstração da ilicitude da conduta de outrem para gerar a sua responsabilidade civil e a consequente obrigação de indemnização. É necessário igualmente que, a par do nexo causal, seja também demonstrado o dano (artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil). Isto é, o concreto efeito negativo do comportamento do lesante na esfera jurídica do lesado, quer esse efeito signifique a perda efetiva de um bem jurídico já obtido, quer a frustração de uma vantagem esperada, que só não ocorreu devido à lesão. Sem esse efeito, na verdade, não se pode falar de reparação por equivalente e, nessa medida, não pode haver lugar a obrigação de indemnização (artigos 562.º e 566.º do Código Civil).
Há que distinguir, na verdade, “por assumirem diversa relevância para efeitos de regime, entre a faculdade abstrata de utilização da coisa, os direitos de utilização resultantes, por exemplo, de um contrato destinado a proporcionar tal gozo, e as concretas e determinadas vantagens retiradas do gozo da coisa. A primeira, como possibilidade abstrata (embora referida a uma coisa determinada), é logo inerente ao licere que constitui o “lado interno” dos direitos de domínio e não tem uma estrita vinculação temporal, na medida em que o direito de usar e fruir uma coisa (não deteriorada) pode ser exercido num momento posterior. Confere ao proprietário um “espaço de liberdade”, dependente na sua atualização da possibilidade e opção de uso. Os direitos de gozo fundamentam-se num título (normalmente um contrato) que molda decisivamente o seu âmbito e visa justamente proporcionar uma possibilidade de gozo, e por um período de tempo limitado, distinguindo-se daquela faculdade de utilização do proprietário (como é patente, além do mais, quando está em causa a privação do uso, não pelo proprietário, mas, justamente por um titular de um direito de gozo limitado no tempo). Diversamente, as concretas vantagens do gozo da coisa não se situam no plano do mero licere inerente à propriedade - como faculdade deôntica -, mas situam-se também no plano fáctico. Como concretizações dependentes de elementos subjetivos e contextuais, as vantagens concretas do gozo autonomizam-se, quer do direito pessoal de gozo, por exemplo, de um locatário, quer daquele ius utendi et fruendi do proprietário em que se traduz a faculdade de utilização”.
Por isso mesmo, “a privação dessas concretas vantagens, e não logo a perturbação da faculdade de utilização que integra o direito de propriedade, é que importará já um dano, autonomizável da ilicitude por afectação da abstracta possibilidade de uso - um dano, portanto, bem mais próximo da ideia de vantagens que teriam podido ser fruídas depois do evento lesivo, e, assim, de vantagens ou de um “lucro” (em sentido amplo) cessante, do que de uma perda ou dano emergente em posições atualizadas do lesado”[1].
Daí a necessidade da sua prova.
Ora, o que está em causa em relação à privação de uso do prédio dos AA. é, justamente, a falta de prova das implicações negativas e patrimoniais que para eles importou a ocupação de tal prédio pela Ré.
Não se provou, efetivamente, qualquer prejuízo efetivo daí decorrente. Seja porque não ficou demonstrado que os AA. pretendessem arrendar tal prédio, como alegaram, seja dar-lhe outro uso qualquer. Nada se provou a esse respeito. Apenas ficou demonstrado que os AA., por causa da ocupação da Ré, ficaram impedidos de o usar. Ou seja, ficaram privados dessa possibilidade. Mas, como se acentuou na sentença recorrida, não basta essa privação para haver dano. Até porque o dono de um bem pode estar privado do seu uso e, ainda assim, isso não implicar para si qualquer prejuízo concreto. Depende das circunstâncias. É necessário, assim, que aquele que se arroga deste direito indemnizatório alegue e demonstre um prejuízo efetivo. O que, repetimos, no caso em apreço, não sucedeu.
Por conseguinte, a indemnização pedida a este título, é de julgar improcedente.
Mas também improcedente se deve julgar, como já julgou a sentença recorrida, a indemnização peticionada pelos impostos e demais despesas suportadas pelos AA., devido à sua condição de proprietários. Referimo-nos ao Imposto Municipal sobre Imóveis, às despesas de condomínio e ao prémio relativo ao contrato seguro de responsabilidade civil contratado pelos AA., em relação ao prédio em questão. Trata-se, em qualquer um dos casos, de prestações que sempre seriam da responsabilidade dos AA. e que, portanto, não havendo título que legitime a sua transferência para a titularidade da Ré, não podem por esta ser assumidas, mesmo que coativamente.
Por fim, de julgar improcedente é igualmente o pedido de indemnização pelos alegados danos causados pela Ré no imóvel em questão. Nada se provou, a esse respeito, e, por conseguinte, também neste aspeto, é de confirmar o julgado.
Ou seja, em resumo, nenhum dos fundamentos esgrimidos no recurso em apreço é de acolher, sendo, pois, de confirmar a sentença recorrida.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, nessa medida, confirma-se a sentença recorrida.
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Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelos Apelantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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Porto, 10 de Dezembro de 2019
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Paulo Mota Pinto, Dano da Privação do Uso, in Responsabilidade Civil Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil, Vol. II, págs. 226 a 230.
No mesmo sentido, podem consultar-se- entre outros, o Ac. STJ de 12/07/2018, Processo 2875/10.6TBPVZ.P1.S1 , e Ac. RP de 08/10/2018, Processo n.º 4031/15.8T8MTS.P1, consultáveis em www.dgs.pt., bem como a doutrina e jurisprudência neles referidas.