Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
85254/13.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÕES PENDENTES
Nº do Documento: RP2015032385254/13.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Operando-se a extinção da sociedade deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
II - Face ao regime do art. 162º Código das Sociedade Comerciais, no que concerne às ações pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na ação, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.
III - A extinção da sociedade, por efeito do registo do encerramento da liquidação, não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte, pois tais ações continuam, sem prejuízo das hipóteses em que a natureza da relação jurídica controvertida torne impossível ou inútil a continuação da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: DissolSoc-AçPend85254-13.6YIprt
Comarca do Porto
Inst Local Povoa de Varzim-Seç Cível J1
Proc. 85254/13.6YIPRT
Proc. 225/15-TRP
Recorrente: B…, Lda - Em Liquidação
Recorrido: C…, Lda
-
Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira
Manuel Fernandes
*
*
*
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Em 04 de junho de 2013 no Balcão Nacional de Injunções B…, Lda - Em Liquidação, com sede na Zona Industrial …, Lote .. – … instaurou contra C…, Lda com sede na Rua …, N.º .. - … procedimento de injunção, no qual pediu a condenação da requerida no pagamento da quantia de € 8.160,49 ( capital e juros ), alegando para o efeito que no exercício da sua atividade de agente transitário e a solicitação da Requerida, prestou serviços de logística/distribuição, mas a requerida não procedeu ao pagamento dos serviços, apesar da emissão das respetivas faturas a solicitar tal pagamento.
-
Notificada a requerida veio deduzir oposição.
-
O procedimento foi remetido à distribuição.
-
Designou-se data para a realização do julgamento.
-
Oficiosamente, diligenciou-se pela junção aos autos de certidão de matrícula da requerente-Autora.
-
Proferiu-se despacho com a decisão que se transcreve:
“Em face do supra exposto, estando em causa o conhecimento de exceção dilatória, nos termos preceituados nos citados normativos legais e ainda art. 576º/2, 577º e 578º do CPC, absolve-se a ré- “C…, Lda” da presente instância e, consequentemente, dá-se sem efeito a audiência de julgamento agendada.
Notifique e informe da forma mais célere possível atenta a proximidade.
Registe.”
-
Por despacho de 06 de outubro de 2014 supriu-se a omissão de pronuncia quanto a custas, condenando-se a Autora no pagamento das custas.
-
D…, Sociedade de Advogados, RL, na qualidade de liquidatária da B…, Lda. e em representação dos seus sócios, nos termos do disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais, Autora veio interpor recurso do despacho.
-
Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
A. A sentença proferida pelo tribunal a quo, que absolveu a Recorrida da instância por julgar procedente a exceção dilatória de falta de personalidade da Recorrente enferma do vício de violação de lei, por referência aos artigos 3º, nº 3 e 195º do Código de Processo Civil, bem como do vício de errónea interpretação e aplicação de normas jurídicas, maxime dos artigos 160º, nº 2 e 162º do Código as Sociedades Comerciais, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra decisão judicial que permita a normal prossecução dos autos e a realização da audiência de julgamento.
B. A Recorrente, depois da deliberação de dissolução e por conseguinte já em liquidação, apresentou um requerimento de injunção no dia 04/06/2013 no Balcão Nacional de Injunções, peticionando da Recorrida o pagamento do valor total de € 8.160,49 (€ 7.643.79 de capital em dívida, acrescido de € 384,70 de juros de mora vencidos e de € 102,00 de taxa de justiça).
C. A Recorrida deduziu oposição à injunção, o processo foi à distribuição e deu origem aos presentes autos.
D. Foi designado o dia 12 de março de 2014, pelas 10:30 para a realização da audiência de julgamento. Contudo, e não obstante estarem presentes os Mandatários e as testemunhas, o tribunal a quo declarou que se encontrava “impedido na continuação do julgamento no procº 48900/13.00YIPRT” – cfr. “ata de audiência de julgamento” de 12/03/2014 -, e foi adiada a diligência para o dia 17 de setembro de 2014, pelas 9h30, sendo certo que, por absoluto impedimento de agenda, esta era a data mais próxima que foi disponibilizada pelo tribunal.
E. No dia anterior ao julgamento, isto é, no dia 16 de setembro de 2014, pelas 17:05, foi a Recorrente surpreendida com uma notificação, através de fax, do tribunal a quo, que continha a sentença que ora se coloca em crise.
F. Logo no início da sentença, verifica-se que o tribunal a quo pediu informações à Conservatória do Registo Comercial, recebeu-a e não deu qualquer conhecimento dessas diligências ou desses documentos às partes.
G. Depois, louvando-se nesse documento, proferiu o tribunal a quo a sentença recorrida, com fundamento na procedência da exceção dilatória de falta de capacidade judiciária da Recorrente, sem cuidar de notificar as partes dessa intenção e de lhes dar a hipótese de se pronunciarem acerca do propósito do julgador.
H. Ao não ter dado a conhecer previamente às partes a solução jurídica que pretendia vir a adotar, para que estas se pudessem pronunciar, o tribunal a quo violou frontalmente o princípio do contraditório, previsto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.
I. Violação essa que encontra cominação legal no nº 1 do artigo 195º do mesmo diploma legal, que refere que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
J. No caso em apreço, não só a lei declara expressamente o princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3 do CPC), como a omissão influiu na decisão da causa.
K. Atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/09/2011, proferido no âmbito do processo nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1 e disponível www.dgsi.pt, retira-se desde logo do seu sumário o seguinte:“I - O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo.
II - Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio.
III - Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos.”
L. Por outro lado, o aresto em causa refere ainda que “(…) as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo.”
M. A sentença recorrida configura uma decisão surpresa, em franca violação do princípio do contraditório prescrito no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, porquanto não tiveram as partes oportunidade de conhecer e de se pronunciar acerca da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Recorrente que o tribunal a quo decidiu, sozinho, julgar procedente e que determinou a sorte da ação.
N. Deverá a sentença ser declarada nula, por via do artigo 195º do Código de Processo Civil e da violação do princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3 do mesmo Código), com todas as consequências legais dai decorrentes.
Sem prescindir,
O. É entendimento do tribunal a quo que o registo de encerramento da liquidação por parte da Recorrente tem como efeito, ope legis, a perda da personalidade jurídica e, consequentemente, a perda de personalidade judiciária.
P. Sucede que, “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação” (nosso sublinhado) – cfr. artigo 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais. Tal significa que o legislador excecionou expressamente o disposto nos artigos 162º a 164º da regra geral que emana da referida disposição legal.
Q. Na argumentação expendida na sentença colocada em crise, e que culminou na absolvição da Recorrida da instância por se verificar a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Recorrente, nunca é referido que se trata de uma ação pendente e nunca se cuida de aplicar ou sequer mencionar o disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais (“As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs. 2, 4 e 5, e 164º, nºs. 2 e 5”. E acrescenta o nº 2 que “a instância não se suspende nem é necessária habilitação)”.
R. De facto, “a extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte; tais ações continuam” – cfr. Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra 1978, p. 467.
S. Ora, com base no artigo 162º nunca poderia ser proferida uma decisão que pusesse termo ao processo com base na falta de personalidade judiciária advinda da extinção da sociedade.
T. E nunca poderia a sentença concluir da forma abrupta, inesperada e inopinada, porquanto as ações pendentes prosseguem nas condições mencionadas, não obstante a extinção da sociedade com o encerramento da liquidação.
U. Verifica-se assim in casu uma errónea interpretação e aplicação dos artigos 160º, nº 2 e 162º (neste último caso por não aplicação e até por violação desta disposição legal) do Código das Sociedades Comerciais, que deverá conduzir à revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo e à sua substituição por decisão judicial que não julgando procedente a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Recorrente, permita que os autos prossigam o seu curso normal e, depois de baixar à primeira instância, seja designada data para a audiência de julgamento.
Termina por pedir a procedência do recurso, com a revogação da sentença, proferindo-se acórdão que declare a nulidade da sentença recorrida por omissão de ato legalmente previsto (artigo 195º do CPC) que impediu o exercício do direito de contraditório previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC e que consubstanciou numa decisão surpresa e bem assim, a revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo e substituição por decisão judicial que não julgando procedente a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da Recorrente, permita que os autos prossigam o seu curso normal e, depois de baixar à primeira instância, seja designada data para a audiência de julgamento.
-
Não foi apresentada resposta ao recurso.
-
O recurso foi admitido como recurso de apelação.
-
Dispensaram-se os vistos legais.
-
Cumpre apreciar e decidir.
-
II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório;
- se a extinção da sociedade Autora, na pendência da ação, determina a absolvição da instância da ré, por falta de personalidade judiciária da Autora e a consequente extinção da instância.
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- em 03 de setembro de 2013 foi autuada a presente ação;
- em 16 de maio de 2014 foi efetuado o registo de encerramento da liquidação de “B…, Lda”, Autora na ação.
-
3. O direito
- Nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a N), a apelante suscita a nulidade da decisão, com fundamento em violação do princípio do contraditório.
Alega para o efeito que designada data para a realização do julgamento, foi o mesmo adiado com fundamento em impedimento do tribunal, designando-se nova data para a sua realização. Neste entretanto, o tribunal diligenciou por obter a certidão atualizada da matrícula da sociedade autora e face aos elementos ali inscritos proferiu o despacho de que se recorre e deu sem efeito a data de julgamento, sem previamente confrontar as partes com os elementos que constavam dos autos e com a proposta de decisão, uma vez que a questão foi suscitada, oficiosamente, pelo juiz do tribunal “a quo”.
Conclui que a sentença deve ser declarada nula, por via do art. 195º do CPC e da violação do princípio do contraditório (art. 3º/3 CPC).
Conforme resulta da consulta dos autos o juiz do tribunal “a quo” tomou conhecimento da exceção dilatório de falta de personalidade judiciária, a título oficioso, sem notificar previamente as partes da certidão de matrícula e sem ouvir as partes sobre a proposta de decisão.
Considera a apelante que tal omissão determina a nulidade da sentença.
No que concerne ás nulidades o Código de Processo Civil prevê duas realidades distintas.
A lei prevê, por um lado, as nulidades das decisões (em sentido lato abrangendo sentenças, acórdãos e despachos), que se encontram previstas, taxativamente, no art. 615º CPC.
A sua arguição é feita de harmonia com o nº2, 3, 4 do art. 615º, uma vez no próprio tribunal em que foi proferida a decisão, e outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Estas nulidades são vícios que afetam a validade formal da sentença em si mesma e que, por essa razão, projetam um desvalor sobre a decisão, do qual resulta a inutilização do julgado na parte afetada.
A par destas nulidades, a lei prevê as nulidades processuais que “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[2].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como refere ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[3].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão do contraditório em relação à apreciação oficiosa de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso não consta como uma das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art. 199º CPC.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que foi proferido o despacho.
Não tendo sido atempadamente arguida a eventual irregularidade encontra-se sanada.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196 a 199º CPC.
Esta nulidade processual é, pois, distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido[4].
Nos termos do art. 615º 1 / d) CPC a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” – art. 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Embora impenda sobre o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, este poder cognitivo está limitado, por um lado, às questões suscitadas pelas partes e, por outro lado, às questões de conhecimento oficioso, conforme prescreve o art. 608º/2 CPC.
Tratando-se de questão incidental ao objeto da causa - notificação do documento e omissão da audição das partes sobre a proposta de decisão -, que só surgiu no âmbito de um incidente suscitado durante a tramitação do processo, não se impunha a sua apreciação na sentença.
Conclui-se, assim, que não se verifica a apontada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
-
- Da extinção da sociedade Autora na pendência da ação -
Na sentença o juiz do tribunal “a quo” considerou perante o registo de encerramento da liquidação da sociedade Autora, que a dissolução da sociedade operou a sua extinção e não dispondo de personalidade jurídica, não pode ter personalidade judiciária e desta forma, não podem os seus sócios (ex-sócios) pretender o reconhecimento de direitos que à extinção sociedade pertenciam, sem prejuízo do disposto no art. 164º do Código das Sociedade Comerciais.
Concluiu, por absolver a ré da instância, com fundamento na falta de personalidade judiciária da Autora.
A apelante nas alíneas O) a U) das conclusões de recurso insurge-se contra a decisão, por considerar face ao regime previsto no art. 162º do Código das Sociedades que a extinção da sociedade, na pendência da ação, não determina a extinção da instância, porquanto sucedem na posição da sociedade – Autora os seus sócios (ex-sócios), representados pelo liquidatário.
Como decorre dos factos apurados o procedimento de injunção foi instaurado em 04 de junho de 2013 no Balcão Nacional de Injunções por B…, Lda - Em Liquidação.
Em 03 de setembro de 2013 foi autuada a presente ação. Em 16 de maio de 2014 foi efetuado o registo de encerramento da liquidação de “B…, Lda”.
Constata-se, assim, que a ação foi proposta estando a sociedade autora em fase de liquidação e na pendência da ação ocorre o registo de encerramento da liquidação.
Cumpre pois apurar face ao regime previsto nas disposições conjugadas dos art. 269º CPC e art. 162º a 164º do Código das Sociedades Comerciais se ocorrendo a extinção da sociedade autora, por efeito do registo de encerramento da liquidação, na pendência da ação, pode a ação prosseguir os seus termos, assumindo os sócios a posição da Autora, representados pelo liquidatário, ou se pura e simplesmente se extingue a instância, por falta de personalidade judiciária da Autora.
Decorre do disposto no art. 269.º, n.º 1, alínea a) do CPC, que:
“A instância se suspende quando falecer ou extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais”.
Por sua vez estabelece o art. 162º do Código das Sociedades Comerciais:
“1. As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.º 2, 4 e 5, e 164, n.º 2 e 5.”.
2. A instância não se suspende, nem é necessária habilitação”.
A lei trata como realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos, a dissolução e liquidação da sociedade e a sua extinção.
Com efeito, uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta: a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação.
Dispõe o art. 160º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais:
“A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
A extinção opera-se “sem prejuízo do disposto nos art.ºs 162.º a 164.º”, ou seja, do disposto quanto a ações pendentes, ativo e passivo supervenientes. Isto não significa que, para os efeitos desse artigo, a sociedade não se considere extinta, mas sim que o facto de a sociedade se extinguir, nos termos referidos, não prejudica as soluções que o legislador criou, nos artigos 162.º a 164.º, para as ações pendentes e para a superveniência de ativo ou de passivo[5].
Dissolvida a sociedade, entra em fase de liquidação (art.146º, n.º 1 Código das Sociedades Comerciais , mantendo ainda a sua personalidade jurídica como estabelece o art. 146º, n.º 2 Código das Sociedades Comerciais.
Com efeito, é o artigo 146.º, n.º 2 Código das Sociedades Comerciais que estabelece que:
“A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade de liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas”.
Os seus gerentes passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art. 151º, n. 1 Código das Sociedades Comerciais), competindo-lhes, então, nomeadamente, tratar dos negócios pendentes e cumprir as obrigações da sociedade (art. 152º Código das Sociedades Comerciais).
Com a extinção da sociedade é que deixa de existir a pessoa coletiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
Estas disposições normativas tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas, depois de extinta a sociedade.
No que concerne às ações pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na ação, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.
A extinção da sociedade, por efeito do registo do encerramento da liquidação, não produz a extinção da instância nas ações em que a sociedade seja parte, pois tais ações continuam, sem prejuízo das hipóteses em que a natureza da relação jurídica controvertida torne impossível ou inútil a continuação da lide[6].
A razão de ser da solução legal justifica-se pelo facto dos antigos sócios adquirem, por sucessão, os débitos e créditos da sociedade, porque, como explica RAUL VENTURA: “[…]desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse ativo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes”[7].
Conclui-se, assim, que as ações pendentes em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, nos termos dos artigos 163.º, n.º 2, 4 e 5, e 164, n.º 2 e 5. E a instância não se suspende, nem é necessária a habilitação, por expressa determinação da lei, o que significa que a ação prossegue (sem a realização daquelas formalidades) e a sociedade é substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.º 2, 4 e 5, e 164, n.º 2 e 5.
Na generalidade dos casos, a instância suspende-se quando se extingue alguma das partes. Mas esta regra não se aplica precisamente nos casos a que alude o artigo 162.º, em que se determina expressamente que a instância não se suspende, nem é necessária a habilitação, antes prosseguindo seus termos, considerando-se a sociedade representada pela generalidade dos sócios, que por sua vez são representados pelos liquidatários.
Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se, entre outros, os Ac Rel. Lisboa 17 dezembro de 2014, Proc. 7534/13.5TBOER.L1, Ac. Rel. Porto 28 abril 2009, Proc. 1886/06.0YYPRT-D.P1, Ac. Rel. Porto 30 janeiro de 2012, Proc. 6356/09.2TBVFR.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
Retomando o caso presente, somos levados a concluir, face ao exposto, que a presente ação deve prosseguir os seus termos, porque na data em que a Autora – sociedade instaurou a ação dispunha de personalidade jurídica e personalidade judiciária, pois encontrava-se em fase de liquidação[8]. Apesar da instauração da presente ação, na qual a Autora-sociedade em liquidação reclama o pagamento de um crédito, na pendência da ação, ocorre o registo de encerramento da liquidação. Com a extinção da sociedade cessa a personalidade judiciária da Autora, mas por efeito da lei - o art. 162º do Código das Sociedades Comerciais -, tal circunstância não determina a extinção da instância, por se verificar a necessidade de definir o destino da relação jurídica que anteriormente tinha tido a sociedade como sujeito e por isso, a ação deve prosseguir os seus termos, passando os sócios a ocupar a posição da Autora.
O facto que determinou a extinção da sociedade ocorreu na pendência da ação e por isso, se justifica a aplicação do regime previsto no art. 162º do Código das Sociedades Comerciais.
Desta forma, procedem as conclusões de recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido, prosseguindo a ação os ulteriores termos, sucedendo na posição da autora sociedade B…, Lda,- em liquidação, os sócios, representados pelo liquidatário, nos termos do art. 162º do Código das Sociedades Comerciais.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela parte vencida a final, pois o decaimento da apelante revela-se insignificante atendendo à procedência da questão nuclear no recurso.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar o despacho recorrido e nessa conformidade, determina-se o prosseguimento da ação, assumindo os sócios representados pelo liquidatário a posição da sociedade-Autora na ação.
-
Custas pela parte vencida a final.
*
*
*
Porto, 23 de março de 2015
(processei e revi – art.131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
_____________
[1] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
[2] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[3] ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[4] Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt.
[5] Cfr. RAÚL VENTURA Dissolução e Liquidação de Sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1987, pag. 436
[6] RAÚL VENTURA Dissolução e Liquidação de Sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, ob. cit., pag. 467
[7] RAÚL VENTURA Dissolução e Liquidação de Sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, ob. cit., pag. 467 e 480.
[8] Perante tal circunstância afigura-se-nos que a situação de facto não tem paralelo com aquela que foi objeto de apreciação no Acórdão Relação do Porto de 27 de março de 2008, Proc. 0831264 (www.dgsi.pt), citado no despacho recorrido. Como se observa no douto acórdão, na data em que foi instaurada a ação, a sociedade autora estava já extinta, em virtude do registo do encerramento da liquidação[“[…]a ação é instaurada em 2007 (cfr. fls. 2), ou seja, muito depois da dissolução e, mesmo, do registo do encerramento da liquidação”].. Entendemos, assim, que as conclusões a que se chegou no douto aresto não são pertinentes para a presente ação e por isso, nos afastamos do ali decidido.