Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2255/15.7T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: REMIÇÃO DE PENSÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP201605022255/15.7T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º239, FLS.292-297)
Área Temática: .
Sumário: Sendo a pensão devida para reparação do acidente de trabalho obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2255/15.7T8MTS.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado B… e entidade responsável a “C… – Sucursal em Portugal, tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 10 de Março de 2015, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da D…, Lda., a qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros, tendo em consideração a totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
Realizada a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público, a mesma gorou-se por o sinistrado não concordar com o resultado do exame médico realizado pelo perito médico do Tribunal no que respeita à IPP, mas nenhuma das partes requereu a realização de exame por junta médica.
A Mma. Juiz a quo proferiu em 6 de Janeiro de 2016 decisão ao abrigo do artigo 138.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, a qual veio a rectificar em 20 de Janeiro seguinte, e terminou-a com o seguinte dispositivo:
«[…]
Assim, nos termos dos art.º 48.º, n.º 3, al. c) da Lei 98/09, de 04.SET:
- condena-se a seguradora acima referida a pagar ao sinistrado a pensão de € 126,09, a partir de 30-04-2015, em duodécimos e no seu domicílio, a qual inclui já uma prestação de valor igual a 1/14 da pensão anual, nos meses de Junho e Novembro e a quantia de € 69,31 relativa a diferenças de indemnizações nos períodos de IT’s.
Aquela pensão é imediatamente remível, nos termos do art.º 75.º da Lei 98/09, de 04.SET.
Mais vai condenada a seguradora supra referida, nos termos do art.º 39.º da Lei 98/09, de 04.SET, ao pagamento da quantia de € 50,00 a título de despesas com transportes obrigatórios.
Condena-se ainda a Seguradora no pagamento de juros à taxa legal sobre o capital de remissão e demais quantias supra discriminada, nos termos do disposto no artº 135º, do C.P.T.
[…]»
1.2. A R. seguradora interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A recorrente não se conforma com a douta decisão proferida nos autos na parte em que condena a seguradora a pagar juros de mora sobre o capital de remição.
2. Por força do que dispõe o Artº 135º do C.P.Trabalho para dirimir a questão sob recurso importa saber quais são, in casu, as prestações pecuniárias em atraso, pois que só sobre elas incidem juros de mora.
3. É, no modesto entender da recorrente, nas normas constantes dos Artigos 50º e 52º da Lei nº 98/2009, de 04/09, que encontramos a solução para esta vexata quaestio.
4. Dispõe o Artº 50º nº 2 da LAT que a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
5. Nem neste preceito, nem em qualquer outra disposição da legislação infortunística laboral, encontramos norma que indique o momento do vencimento do capital de remição.
6. E não o encontramos porque o capital de remição não é uma realidade compensatória distinta da pensão anual e vitalícia.
7. Na génese do direito a um capital de remição está o direito do sinistrado a uma pensão anual e vitalícia.
8. A proteção que a legislação infortunística laboral concede aos sinistrados consubstancia-se no direito ao recebimento de uma pensão anual e vitalícia e o que acontece é que, nos casos de pensões de reduzido montante, essa pensão anual é paga de uma só vez, mas antecipadamente, através da entrega de um capital de remição.
9. E tanto assim é que a douta sentença recorrida condena a seguradora “… a pagar ao sinistrado a pensão de € 126,09 a partir de 30-04-2015, em duodécimos e no seu domicílio, a qual inclui já uma prestação de valor igual a 1/14 da pensão anual, nos meses de Junho e Novembro (…).
10.E é por isso também que o Artº 52º nº 1 da LAT manda que entre o dia seguinte ao da alta e o momento da fixação da pensão definitiva, seja paga ao sinistrado uma pensão anual, provisória, a qual é devida também nas situações de IPP’s inferiores a 30%, ou seja nas situações em que o sinistrado vai receber um capital de remição.
11. Ora se entre o dia seguinte à data da alta e o momento da atribuição da pensão definitiva o sinistrado tem direito a uma pensão anual, então, até à data de entrega do capital de remição o que é devido ao sinistrado é o pagamento de uma pensão anual.
12. A seguradora estava obrigada a pagar ao sinistrado uma pensão provisória até à data da fixação da pensão definitiva, ou seja até à data da fixação da obrigação de pagamento do capital de remição, e o que a seguradora não pagou foi essa pensão;
13.O que vale por dizer que a mora incide sobre os duodécimos da pensão anual em falta, e não sobre o capital de remição, o qual traduz uma antecipação de pagamento das pensões futuras.
14. Se entre o dia seguinte ao da alta e a data de entrega do capital de remição a seguradora tivesse pago ao sinistrado uma pensão anual, provisória, calculada nos termos do Artº 52º nº 3 da LAT, é manifesto que não estaria em atraso com quaisquer prestações, ou seja, não ocorreria qualquer mora, o que redunda em concluir que a mora incide sobre as pensões vencidas, e não sobre as pensões vincendas traduzidas num capital de remição.
15. Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 02-05-2014, proferido no processo 121/12.7TTFIG-A.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, o qual enuncia outros arestos proferidos no mesmo sentido, “Mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital de remição.”
16. Em suma, o meritíssimo juiz a quo não poderia fixar juros sobre o capital de remição, mas sim juros sobre os montantes vencidos da pensão a remir, desde as datas dos respetivos vencimentos até à data de entrega do capital de remição.
17. A douta decisão recorrida violou, pois, o disposto nos Artigos 135º do C.P.T. e 50º nº 2 e 52º, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que condene a seguradora a pagar ao sinistrado juros de mora contados sobre os duodécimos da pensão anual de € 126,09 vencidos desde o dia 30 de Abril de 2015 até à data de entrega do capital de remição, e não sobre o capital de remição, com o que será feita JUSTIÇA.”
1.3. O sinistrado, patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, apresentou contra-alegações nas quais, partindo do princípio de que, em caso de uma IPP inferior a 30% e em que a pensão anual não seja superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, a prestação devida ao sinistrado é o capital de remição duma pensão e não a própria pensão, concluiu que o sinistrado tem direito a receber, nos termos do art.º 135°, do C. P. T. e dos arts. 48° nº 3, al. c), 50° nº2 e 75° nº1, da Lei nº 98/09, os juros de mora sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento, pelo que deve o recurso improceder.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso em 31 de Março de 2016.
1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu Parecer uma vez que o sinistrado se mostra patrocinado pelo Ministério Público.
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Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[1], aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que a este tribunal se coloca apenas a questão de saber se são devidos juros de mora sobre o capital da remição devido ao sinistrado, como decidiu a sentença, ou sobre os valores da pensão anual provisória que se venceu entre o dia seguinte à data da alta e a entrega do capital da remição.
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3. Fundamentação de facto
Ficou provado na sentença que:
3.1. O sinistrado sofreu um acidente em 10-03-2015, quando desempenhava tarefas próprias da sua actividade profissional sob a ordens de “D…, Lda”, cuja responsabilidade pelos danos resultantes de acidentes de trabalho se encontrava transferida para a seguradora acima referida por contrato de trabalho válido e em vigor.
3.2. Auferia o sinistrado, à data do acidente, a retribuição anual de € 12.008,50.
3.3. Desse acidente resultaram para o sinistrado as lesões descritas nos autos, que lhe causaram a incapacidade permanente e parcial de 1,5%.
3.4. Até à data da sua alta, que ocorreu a 29-04-2015, o sinistrado não se encontrava pago da quantia de € 69,31 relativa a diferenças de indemnizações nos períodos de IT’s.
3.5. Despende o sinistrado, em deslocações obrigatórias a este Tribunal, o montante de € 50,00.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. As questões suscitadas nestes autos têm sido enfrentada de modo constante por esta Relação e Secção, sendo nela sucessivamente reiterado o entendimento de que o artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações devidas por acidente de trabalho, regime que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, e de que o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia vence juros de mora desde o dia seguinte ao da alta e até integral pagamento, calculados sobre o valor do capital.
Nesta jurisprudência se inserem, entre outros, e dos mais recentes, o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Outubro de 2010, processo n.º 509/09.0TTMTS.P1 (relator Eduardo Petersen Silva), o Acórdão da Relação do Porto de 24 de Janeiro de 2011, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, 2011, p. 247 (relator Eduardo Petersen Silva), o Acórdão da Relação do Porto de 24 de Setembro de 2012, Processo nº 404/09.3TTMAI.P1 (relatora Paula Leal de Carvalho), o Acórdão da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2012, processo n.º 941/08.7TTGMR.P1 (relator a Paula Maria Roberto), o Acórdão da Relação do Porto de 04 de Junho de 2012, processo n.º 105/10.0TTVRL.P1 (relator António José Ramos), o Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2014, Processo n.º 90/12.3TTOAZ-A.P1 (relator Eduardo Petersen Silva), o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Setembro de 2014, processo n.º 298/13.4TTVFR.P1 (relatora Paula Maria Roberto e subscrito pela ora relatora como adjunta), o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2016, processo n.º 1275/15.1T8MTS.P1 (relatora Maria Fernanda Soares), a decisão sumária da Relação do Porto de 18 de Março de 2016, processo n.º 1492/15.9T8PNF.P1 (da ora relatora), o Acórdão da Relação do Porto de 7 de Abril de 2016, processo n.º 1163/15.6T(PNF.P1 (relatora Paula Leal de Carvalho e subscrito pela ora relatora como adjunta), o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Abril de 2016, processo n.º 36/14.4T8MTS.P1 (relator Rui Penha e subscrito pela ora relatora como adjunta); o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Abril de 2016, processo n.º 3717/15.1T8PRT.P1 (relator Jorge Loureiro); o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Abril de 2016, processo n.º 1159/15.8T8PNF.P1 (relator António José Ramos); o Acórdão da Relação do Porto deste mesmo dia 2 de Maio de 2016, processo n.º 1055/2015.9T8PNF.P1 (relator Domingos José Morais e subscrito pela ora relatora como adjunta)[2].
De salientar ainda o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Maio de 2006, processo n.º 0610535 (relator Ferreira da Costa) que incidiu sobre uma situação de revisão da incapacidade e decidiu que, se o exame médico de revisão não fixar a data em que se verificou o agravamento ou a melhoria das lesões, a determinar o novo montante da pensão, deve atender-se à data da entrada do requerimento de revisão, na Secretaria do Tribunal, considerando também que o capital da remição da pensão anual e vitalícia é devido desde essa data, com juros de mora a contar da mesma.
O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se recentemente em sentido coincidente com esta constante jurisprudência, no seu Acórdão de 10 de Julho de 2013[3], de cujo sumário destacamos que:
« (…)
2. O artigo 135.º do actual Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime geral estipulado nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
3. Sendo a pensão devida emergente de incapacidade permanente parcial inferior a 30%, a qual é obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.»
Não vemos razões para nos afastarmos deste entendimento, que já subscrevemos e continuamos a sufragar, na medida em que é o que se nos afigura resultar do regime jurídico adjectivo consagrado no Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.° 480/99, de 9 de Novembro, conjugado com o regime substantivo emergente da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, o aplicável ao acidente sub judice, uma vez que este ocorreu já no ano de 2014 (cfr. os artigos 187.º e 188.º da Lei n.º 98/2009), tal como suceda já com o regime da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril[4].
Senão vejamos.
4.2. Nos termos do preceituado no artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho, na sentença final, o juiz “fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”. Esta norma especial e imperativa impõe ao juiz o dever de fixar juros moratórios, ainda que não peticionados e independentemente da verificação do circunstancialismo previsto nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, ou seja, independentemente da culpa do devedor e da sua interpelação para cumprir, bem como independentemente da liquidez da dívida, não impedindo a constituição em mora o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária [5].
A questão que se coloca consiste em saber se o capital da remição deve qualificar-se como prestação em atraso.
Nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 3 do artigo 48.º e do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, se do acidente resultar redução da capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito, ocorrendo incapacidade permanente parcial inferior a 30% – como sucede in casu – ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
E o artigo 50.º, n.º 2 da mesma lei dispõe que a pensão por incapacidade permanente «é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado».
Deste regime resulta que, sendo prestações distintas – artigo 47.º alínea c) da Lei 98/2009 –, na sua tradução normativa a lei faz corresponder a obrigação de pagamento de capital ao valor da remição da “pensão anual e vitalícia”, como aliás é reconhecido no Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 2014, Processo n.º 121/12.7TTFIG.C1 citado pela recorrente nas suas alegações, que igualmente constata não conter a LAT qualquer norma que indique o momento do vencimento do capital da remição.
Mas, se é certo que a lei nada diz quanto ao momento em que se vence o direito ao capital de remição da pensão, é igualmente certo que, constituindo tal capital o valor que resulta da remição da pensão anual e vitalícia e constituindo a satisfação do mesmo o pagamento antecipado daquela pensão, o intérprete é necessariamente reconduzido para o momento que a lei fixa para o vencimento desta, a saber, o “dia seguinte ao da alta” (artigo 50.º, n.º 2). É nesta data que o sinistrado, com as lesões já consolidadas, adquire o direito ao pagamento do capital da remição da pensão que a lei lhe reconhece para reparar a incapacidade permanente de que ficou afectado e, por isso mesmo, é também a partir desta data que o sinistrado tem direito a ser ressarcido pela mora que se verifique em tal pagamento, ainda que o crédito não esteja desde logo liquidado por razões de natureza processual.
Justamente porque o capital de remição não é uma realidade compensatória distinta da pensão anual e vitalícia, como diz a recorrente, não se vislumbram razões para considerar que o momento em que se vence o direito ao capital é distinto do momento em que se vence o direito à pensão que o mesmo se destina a satisfazer de uma só vez.
E, por isso, não se acompanha, com o devido respeito, o Acórdão da Relação de Coimbra citado pela recorrente quando o mesmo decide que, para efeitos de mora (do atraso do pagamento das prestações) sempre o acidentado de trabalho tem um “crédito, em formação, a uma pensão ainda que obrigatoriamente remível”, que a mora que se mantém “desde o dia do vencimento, até à data da entrega do capital de remição” e que a obrigação de pagamento de juros de mora incide sobre o montante da pensão atribuída (e não sobre o capital de remição) desde o dia imediato ao da alta até à data da entrega efectiva do capital de remição.
Alega ainda a recorrente que se entre o dia seguinte ao da alta e o momento da atribuição da pensão definitiva o sinistrado tem direito a uma pensão anual nos termos do artigo 52.º, n.º 1 da LAT, então, o que é devido ao sinistrado até à data de entrega do capital de remição é o pagamento de uma pensão anual, e daqui retira a conclusão de que a mora incide sobre a pensão anual que a seguradora devia ter estado a pagar e não pagou e não sobre o capital da remição.
Ora como se refere no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2013, com a introdução no artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho da expressão «se forem devidos», o legislador visou harmonizar a lei adjectiva “com o regime substantivo aplicável aos acidentes de trabalho, maxime, com o instituto da pensão provisória, instrumento que, na disponibilidade das entidades responsáveis, seria idóneo a obstar à condenação em juros, ainda que parcial, na medida em que a pensão a arbitrar pelo tribunal pode ser distinta da atribuída pelo médico assistente, sendo que a pensão provisória é fixada em função do coeficiente de desvalorização que por este venha a ser atribuído (artigos 17.º, n.º 5, da Lei n.º 100/97, e 47.º do Decreto-Lei n.º 143/99).”[6]
Ou seja, a demonstrar-se que a recorrente pagou ao sinistrado uma pensão provisória entre a data da alta e a data do pagamento do capital da remição, não teria efectivamente sentido que os juros sobre este capital se reportassem à data do vencimento da pensão anual e vitalícia que o mesmo visa remir e abarcassem um período em que foi pago periodicamente ao sinistrado um valor pensional provisório.
Esta questão não se coloca todavia no caso em análise uma vez que a recorrente não demonstrou nos autos, como seria seu ónus, qualquer pagamento que houvesse feito ao recorrido de uma pensão provisória depois da data da alta[7].
Finalmente, não cremos que o facto de o valor do capital da remição ser calculado em data posterior à fixada na lei para o vencimento da pensão anual e vitalícia que visa remir – o dia seguinte ao da alta –, como também parece entender a recorrente, seja apto a alterar este entendimento.
Com efeito, se o direito do sinistrado à reparação da sua incapacidade laboral permanente se consubstancia, desde logo, no capital da remição de uma pensão anual e vitalícia, o facto de o cálculo do mesmo estar dependente de um acto processual da Secretaria (artigos 149.º e 148.º do CPT) não é de molde a alterar a data do seu vencimento, impondo a conclusão de que os juros de mora sobre aquele capital da remição de uma pensão que se venceu no dia seguinte à alta clínica são devidos desde este dia.
Diferentemente sucederá no caso de a pensão não ser obrigatoriamente remível, mas ter sido autorizada a sua remição parcial nos termos do artigo 75.º, n.º 2 da LAT de 2009, caso em que, desde a data da alta e até à concessão da autorização judicial para a remição o sinistrado tinha efectivamente direito ao pagamento de prestações periódicas. Em tal situação, dúvidas não subsistem de que, em caso de atraso no pagamento destas prestações, os juros sobre as mesmas são devidos desde as sucessivas datas em que cada uma delas deveria ser satisfeita ao sinistrado.
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2013, o delineado “não consente, por isso, que entre o momento do vencimento do capital de remição e o momento do seu pagamento ocorra qualquer suspensão na contagem dos juros moratórios, designadamente, por o cálculo e/ou a fixação da data da entrega do capital estarem na dependência de actos de secretaria, conclusão imposta por força da natureza dos direitos em causa e da ausência de norma legal que consinta, neste tipo de acção ou noutro, a suspensão da contagem de juros moratórios em virtude de actos que não estejam na disponibilidade das partes, maxime, da devedora, como sejam a citação ou a marcação de data para a realização da audiência de discussão e julgamento”.
Segundo o mesmo aresto, a letra da lei e a ratio legis daquele artigo 135.º “apontam no sentido de se pretender conceder a devida protecção ao trabalhador sinistrado, que vive, em regra, da retribuição e deixa de a receber devido ao acidente, devendo contar-se os juros desde a data do vencimento das indemnizações e pensões a atribuir ao sinistrado, pois nesta data o devedor fica constituído em mora”, constituindo os regimes “substantivo e processual respeitantes às prestações devidas por incapacidade emergente de acidente de trabalho “um todo harmónico e especial em relação ao regime geral dos juros moratórios previsto nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, prevalecendo, consequentemente, sobre este”.
E, continua o Supremo Tribunal de Justiça, “a essência das prestações em causa e, consequentemente, o espírito que preside à disposição normativa em apreciação não consente interpretação distinta: estão em causa direitos indisponíveis e está em causa reintegrar — com os juros — o valor do capital na data do vencimento da prestação por apelo à ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento”.
Em suma, da conjugação do disposto nos artigos 135.º do Código de Processo do Trabalho e 50.º, 52.º e 75.º da Lei n.º 98/2009, conclui-se que o tribunal tem o dever oficioso de condenar a entidade responsável pela reparação no pagamento de juros de mora pelas prestações em atraso e que, sendo a pensão devida emergente de uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%, tais juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, uma vez que este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia (que, na sua essência, se revestiria de natureza periódica, a pagar em prestações sucessivas, mas que, por força da lei, assume a natureza de prestação instantânea, devendo ser paga de uma só vez e no montante correspondente a um capital).
Improcedem as conclusões das alegações.
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4.3. As custas serão suportadas pela recorrente na medida em que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação interposto pela recorrente, mantendo-se integralmente a decisão constante da sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 2 de Maio de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Diploma a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, apesar da data da instauração da acção ser anterior à vigência do Código de Processo Civil de 2013, por força dos arts. 5.º a 8.º da sua Lei Preambular.
[2] Decisões estas publicadas no site www.dgsi.pt com excepção da terceira, da decisão sumária e dos cinco últimos que são inéditos, ao que supomos.
[3] Processo n.º 941/08.7TTGMR.P1.S1, in www.dgsi.pt. Não localizámos jurisprudência anterior do Supremo Tribunal de Justiça que contrarie esta posição. Vide ainda, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07 de Janeiro de 2016, Processo n.º 117/14.4TTMR-A.E1, in www.dgsi.pt.
[4] Que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000 [alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º da LAT e n.º 1 do artigo 71.º do RLAT] e se manteve até 31 de Dezembro de 2009.
[5] Vide o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Maio de 2006, processo n.º 0610535, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-03-03, Revista n.º 48/98, e de 1999-04-14, Revista n.º 49/99, ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt e Cruz de Carvalho, in Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 35, Novembro de 1990.
[6] O anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro, estabelecia no seu artigo 138.º que, na sentença final, o juiz «fixa também juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso», aí não figurando a aludida expressão «se forem devidos», apenas introduzida no Código de Processo do Trabalho de 1999.
[7] A alegação da recorrente denota, ao invés, que não foram pagas ao sinistrado quaisquer prestações provisórias – vide as conclusões 12ª e 14ª.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
Sendo a pensão devida para reparação do acidente de trabalho obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.

Maria José Costa Pinto