Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2311/17.7T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
ACIDENTE OCORRIDO NOS ESPAÇOS EXTERIORES À HABITAÇÃO
Nº do Documento: RP201906272311/17.7T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 295, FLS 348-361)
Área Temática: .
Sumário: I – O acidente sofrido pela A./sinistrada, quando se dirigia para o estabelecimento comercial, onde exercia a sua actividade profissional, como fazia habitualmente e quando caminhava seguindo a pé e se encontrava junto ao portão que dá directamente para a via pública, escorregou subitamente no logradouro (pátio), depois de transposta a porta para o exterior da sua habitação, mas antes de entrar na via pública, ainda dentro da sua propriedade e, em consequência, fracturou o seu tornozelo direito, só pode ser qualificado como acidente de trabalho.
II - Pois, o mesmo ocorreu, depois de transposta a porta para o exterior da sua habitação e o facto de ser, antes de entrar na via pública, ainda dentro da sua propriedade, não retira ao evento a natureza de acidente “in itinere”.
III - O disposto no art. 9º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea b), da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, (NLAT) deve ser interpretado como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à própria habitação, independentemente de se tratar de espaço próprio do sinistrado ou comum a outros condóminos ou comproprietários, mesmo antes de se entrar na via pública.
IV - Para que seja qualificado como acidente de trabalho, na modalidade “in itinere”, o acidente sofrido pelo trabalhador/sinistrado, basta que se prove que, o mesmo, já tinha transposto a porta de saída da residência e se prove que, a vítima se deslocava para o seu local de trabalho, sendo esse o trajecto normalmente utilizado, no período de tempo, habitualmente, gasto pelo trabalhador e com esse objectivo. É o que resulta do texto da nova lei que deixou de referir a expressão; “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2311/17.7T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de S. M. Feira - Juiz 2
Recorrente: B…, SA
Recorrida: C…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Com o patrocínio do Ministério Público, nos termos que constam a fls. 56 e ss., a A., C…, intentou acção emergente de acidente de trabalho, contra “B…, SA”, pedindo a procedência desta e, em consequência, ser a Ré condenada:
a) a pagar à A. a pensão anual e vitalícia, pagável em duodécimos, no seu domicílio, de acordo com a incapacidade permanente parcial (IPP) da A., no montante de €218,34 devida nos termos do art. 48º, nº 3, al. c) da Lei nº 98/2009 de 4/09, com início a partir de 19/09/2017;
b) a pagar à A. a indemnização no valor de € 1.944,80 pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) desde a data do acidente até à data da alta;
c) a pagar à A. a quantia de € 60,48, por esta despendida relativa a despesas de transporte e a quantia de € 209,50, por esta despendida relativa a despesas em taxas moderadoras devidas pelas consultas, tratamentos, sessões de fisioterapia e exames complementares.
d) a prestar à A. assistência médica e cirúrgica, pagando todos os tratamentos médicos e cirúrgicos necessários;
e) no pagamento à A. dos juros de mora sobre as sobreditas quantias, à taxa legal.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que em 11.05.2017, cerca das 08h15, quando se dirigia da sua residência para as instalações que constituem o seu local de trabalho, quando se encontrava junto ao portão da sua habitação que dá acesso à via pública, escorregou subitamente e partiu o seu tornozelo direito.
Mais, alega que como consequência desse acidente, sofreu diversas lesões, que identifica, que lhe vieram a determinar, directa e necessariamente, ITA no período que identifica em 48º da p.i.. E, também, que na sequência dos tratamentos que lhe foram ministrados e da cirurgia que realizou, teve alta em 18.09.2017 tendo-lhe sido atribuído 4% de coeficiente de IPP.
Alega, ainda, que gastou em transportes € 60,48 e em taxas moderadoras € 209,50, que auferia a retribuição anual de € 557x14, e que a responsabilidade emergente de acidente de trabalho se encontrava transferida para a Ré.
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Citada, a R. apresentou a contestação, nos termos que constam a fls. 83 v. e ss., alegando que o acidente ocorreu no logradouro da habitação unifamiliar da sinistrada, sendo esse um espaço que lhe pertence e que cabe dentro da sua esfera particular de gestão, devendo por isso considerar-se tal espaço próprio excluído do trajecto protegido pela lei reparadora dos acidentes de trabalho.
Alega que, por isso, a reparação à A. das consequências do acidente em causa não é da sua responsabilidade e impugna o resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória.
Requer que a A. seja submetida a novo exame, por junta médica.
Conclui que deve ser absolvida do pedido, com as legais consequências.
Juntou quesitos.
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Nos termos que constam a fls. 88 vº e ss., o Instituto da Segurança Social deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 1.471,56, respeitante ao período em que a A. esteve com baixa médica subsidiada de (11.05.2017 a 19.09.2017).
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A fls. 92 vº a A. exerceu o contraditório em relação à contestação da seguradora, reafirma o alegado na p.i. e conclui como nesta.
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A fls. 94 e ss., foi fixado o valor da acção em € 5.239,01, proferido despacho saneador tabelar, fixados os factos assentes e base instrutória e ordenado o desdobramento do processo para organização do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho.
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No processo apenso destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, realizada a junta médica, decidiu-se que a sinistrada está afectada de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 5,91%.”.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados a fls. 106 e 107 e determinada a conclusão dos autos para o efeito, em 10.12.2018, foi proferida sentença que terminou com a seguinte “DECISÃO:
Assim sendo, e tendo em conta os considerandos tecidos, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:
1-a)- Declaro que a sinistrada C… sofreu um acidente de trabalho em 11.05.2017.
b) Declaro que a sinistrada C…, se encontra afectada de uma Incapacidade Permanente Parcial de 5,91%, em consequência do acidente de trabalho descrito nos autos, com efeitos desde 18.09.2017.
c) Declaro que a sinistrada C…, esteve afectada de uma Incapacidade Temporária Absoluta em consequência do acidente de trabalho descrito nos autos, desde 12.05.2017 até 18.09.2017.
d)- Condeno a R. Companhia de Seguros B… a pagar à sinistrada o capital de remição no montante de €4.468,33 (quatro mil, quatrocentos e sessenta e oito euros e trinta e três cêntimos), de uma pensão anual e vitalícia fixada no valor de montante de €322,60 (trezentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos).
e)- Condeno a R. Companhia de Seguros B… a pagar à sinistrada pelo período de ITA a quantia de €495,70 (quatrocentos e noventa e cinco euros e setenta cêntimos), correspondente à diferença entre o valor que tinha direito a receber (1.944,80) e o que já lhe foi pago pelo ISS nesse período (€1.449,10).
f)- Condeno a R. Companhia de Seguros B… a pagar à sinistrada a quantia de €59,10 (cinquenta e nove euros e dez cêntimos), a título de despesas com taxas moderadoras que pagou no CHEV, até à data da alta.
g)- Condeno a R. Companhia de Seguros B… a pagar à sinistrada a quantia de €26,10 (vinte e seis euros e dez cêntimos), a título de despesas com deslocações ao CHEV, até à data da alta.
h)- São devidos juros sobre tais quantias, à taxa legal de 4%, desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento.
i)- Condeno a R. Companhia de Seguros B… a assegurar à sinistrada todos os cuidados médicos, cirúrgicos, farmacêuticos, hospitalares e quaisquer outros que sejam necessários e adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e da sua capacidade de trabalho.
2- Julgo parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social IP e condeno a R. Companhia de Seguros B… no pagamento ao ISS da quantia de €1.449,10 (mil, quatrocentos e quarenta e euros e noventa e dez cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de reembolso à Ré (dia 26.03.2018) até efetivo e integral pagamento.
No mais, improcedem os pedidos.
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Custas da ação por A. e Ré, na proporção do decaímento, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC e do pedido de reembolso do ISS, por este e pela R. seguradora, na proporção do decaímento.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, cujas alegações, juntas a fls. 122 e ss., terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
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Respondeu a A./recorrida, nos termos das contra-alegações juntas a fls. 134 vº e ss., finalizando com as seguintes “Conclusões:
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Admitida a apelação com efeito suspensivo, nos termos dos despachos de fls. 146 e 150 foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido da improcedência do recurso, no essencial, porque não avulta que a decisão recorrida mereça ser revogada.
Notificadas, as partes não responderam.
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Cumpridos os vistos legais, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, a questão, única, a decidir e apreciar consiste em saber se, o Tribunal “a quo” errou na decisão de direito ao qualificar o acidente sofrido pela A. como de trabalho na modalidade in itinere.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A) Os Factos Provados
1º- À data do acidente sofrido pela A. em 11.05.2017 (5ª feira), cerca das 08h15m, a mesma possuía um estabelecimento comercial de minimercado denominado “D…”, o qual explorava enquanto empresária em nome individual e no qual exercia a sua actividade profissional de comerciante, trabalhando por conta própria, sito na Rua …, .., no …, em Stª Maria da Feira. (alínea A) dos Factos Assentes)
2º- A A. nasceu a 8/07/1968. (alínea B) dos Factos Assentes)
3º- A Ré celebrou com a Autora, na qualidade de empresária em nome individual, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ../……, através do qual, transferiu para a Ré a responsabilidade pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho abrangidos pelas coberturas da referida apólice junta a fls. 3, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, encontrando-se tal contrato em vigor à data do acidente ocorrido em 11.05.2017. (alínea C) dos Factos Assentes)
4º- À data do acidente, a A. auferia uma retribuição anual ilíquida de 7.798,00 €, correspondente a um salário de 557,00 € mensais, acrescido de um mês de subsídio de férias e um mês de subsídio de Natal em cada ano, ou seja, x 14 meses. (alínea D) dos Factos Assentes)
5º-Realizada tentativa de conciliação, em 17 de Janeiro de 2018, neste Tribunal, a mesma frustrou-se porque:
a) A Ré reconhece e aceita que a A. sinistrada auferia o salário supra referido, ou seja, 557,00€ mensais x 14 meses;
b) Reconhece e aceita que a entidade patronal da A. sinistrada tinha para si transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho através da apólice nº ……….;
c) A Ré não aceita a existência do acidente sofrido pela A. como de trabalho, por entender que o acidente dos autos ocorreu no pátio da residência da A. sinistrada, não sendo um acidente “in itinere”, pelo que não aceita liquidar qualquer quantia a que título seja.
d) Não aceita o teor do auto de exame médico junto aos autos, pelo que não se conciliou. (cfr. auto de não conciliação de fls. 51 a 53) (alínea E) dos Factos Assentes)
6º- A A. prestou um depoimento por escrito a perito de entidade externa à R., onde referiu, além do mais, o seguinte: “Ia a caminhar antes de chegar ao portão da minha casa, como o piso é paralelo, não sei explicar como aconteceu, só sei que o meu pé direito dobrou para fora, torcendo. Nesse momento, ouvi um estalo e senti muita dor, sentando-me no degrau da escada.” (alínea F) dos Factos Assentes)
7º- Do relatório médico-legal realizado pelo GML de Entre o Douro e Vouga, constante de fls. 46 a 49, cujo teor se dá aqui por reproduzido, consta que resultaram para a A, as seguintes lesões e/ou sequelas: “Membro inferior direito: Tornozelo: Edema residual volumoso na região do maléolo externo; Rigidez com Mobilidades: Flexão: simétrica; Extensão: perde 5 a 10º em relação ao contralateral; Cicatrizes: Região lateral, longitudinal, cirúrgica, com cerca de 10 cms de comprimento;”
Mais consta que “Existe nexo de causalidade entre o traumatismo e os danos sofridos pela A.”, que a data de consolidação médico-legal das lesões e data da alta ocorreu em 18/09/2017, tendo a A. sofrido uma incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a A. esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional) desde 12/05/2017 até 18/09/2017, fixável no período total de 130 dias e uma incapacidade permanente parcial de 4,0000%. (alínea G) dos Factos Assentes)
8º-A Autora não recebeu qualquer quantia da Ré, seja a título de incapacidade temporária, indemnização ou reembolso de despesas por si alegadas. (alínea H) dos Factos Assentes)
9º- A Autora C… é beneficiária do Centro Distrital de Aveiro, com o n.º ………... (alínea I) dos Factos Assentes)
10º- Em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente ocorrido em 11 de Maio de 2017, a A. esteve com baixa médica subsidiada de 11/05/2017 a 19/09/2017. (alínea J) dos Factos Assentes)
11º- Por tal facto, o Instituto de Segurança Social, IP, pagou à Autora a título de subsídio de doença, a quantia de € 1.471,56 (mil, quatrocentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), como resulta da certidão junta a fls. 89 verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea K) dos Factos Assentes)
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12º- Desde 2ª feira até Sábado, a A. deslocava-se daquela que é a sua residência habitual sita na Rua …, nº .., …, ….-… Stª Maria da Feira, para aquele que é o seu local de trabalho no referido estabelecimento comercial, sito na dita Rua …, .., …, Stª Maria da Feira. (corresponde à matéria do artigo 1º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
13º- Fazendo-o naqueles dias, de modo habitual e diariamente, cerca das 8:00h/8:15h da manhã. (corresponde à matéria do artigo 2º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
14º- E ao final do dia e jornada de trabalho, no trajecto de regresso daquele estabelecimento para a sua residência, cerca das 20:00 horas. (corresponde à matéria do artigo 3º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
15º- A residência habitual e o referido estabelecimento da A. distam entre si cerca de 300 metros. (corresponde à matéria do artigo 4º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
16º- E cerca de 5/10 ou de 2/5 minutos, consoante o trajecto fosse realizado pela A. apeada ou de automóvel, respectivamente. (corresponde à matéria do artigo 5º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
17º- O horário normal de funcionamento do referido estabelecimento era das 8:30 h às 12:30h e das 14:30 h às 19:30 h., de 2ª feira até Sábado, sendo o Domingo dia de descanso. (corresponde à matéria do artigo 6º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
18º- O acidente referido em A), ocorreu quando a A. se dirigia da sua residência para as instalações que constituem o seu local de trabalho no referido estabelecimento comercial, para realizar mais um dia e jornada de trabalho, como fazia habitualmente. (corresponde à matéria do artigo 7º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
19º- Quando caminhava seguindo a pé e se encontrava junto do portão da sua habitação, portão esse que dá directamente para a via pública, a A. escorregou subitamente. (corresponde a parte da matéria do artigo 8º da base instrutória, aditada na sequência do acordo das partes em audiência do pretérito dia 28.11.2018)
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20º- E em consequência fraturou o seu tornozelo direito, tendo sofrido traumatismo do tornozelo direito. (resposta retificativa ao artigo 9º da Base Instrutória)
21º- Em resultado do traumatismo sofrido, a A. já não conseguiu caminhar mais, tendo ficado imobilizada no local com dores fortes na zona do tornozelo direito. (artigo 10º da Base Instrutória)
22º- A A. pediu auxílio ao seu marido E…, que acorreu ao local e a transportou ao Hospital …, em Stª Maria da Feira. (artigo 11º da Base Instrutória)
23º- Na altura do acidente chovia, embora não intensamente. (artigo 12º da Base Instrutória)
24º- Do acidente resultou como sequela para a A. fractura trimaleolar à direita. (artigo 13º da Base Instrutória)
25º- Na sequência do acidente, a A. foi assistida no Hospital …, em Stª Maria da Feira, onde fez Rx e foi imobilizada com aparelho gessado. (artigo 14º da Base Instrutória)
26º- A A. ficou internada e, cinco dias depois, foi submetida a uma intervenção cirúrgica, de osteossíntese com placa e parafusos, para tratamento da fractura do tornozelo direito. (artigo 15º da Base Instrutória)
27º- A A. teve alta hospitalar em 17/05/2017. (artigo 16º da Base Instrutória)
28º- A A. continuou tratamento nos serviços clínicos da Ré. (artigo 17º da Base Instrutória)
29º- A A. foi avaliada e fez RX, fez pensos e retirou pontos e manteve imobilização gessada durante cerca de 5 semanas e depois a A. usou ortótese fornecida pela Ré para protecção do tornozelo direito. (artigo 18º da Base Instrutória)
30º- Por recusa de responsabilidade pela Ré foi atribuída alta à A. em 14/06/2017. (artigo 19º da Base Instrutória)
31º- Depois dessa data, a A. recorreu ao seu médico de família/assistente e ficou de baixa pela Segurança Social. (artigo 20º da Base Instrutória)
32º- A A. foi seguida em consulta externa de ortopedia, no Hospital …, onde fez controlo radiológico e foi enviada para tratamento em fisioterapia, o que mantinha na data de 24/10/2017, data da realização da perícia médico-legal, cujo relatório está junto a fls. 46 a 48. (artigo 21º da Base Instrutória)
33º- A A. manteve consultas de ortopedia, tratamentos e sessões de fisioterapia até ao dia 18/12/2017, no Hospital …, de acordo com a prescrição e sob orientação do médico ortopedista e da médica de medicina física e reabilitação que a acompanhavam, tendo despendido a quantia total de € 209,50 em taxas moderadoras devidas pelas consultas, tratamentos, sessões de fisioterapia e exames complementares, sendo que até à data da alta atribuída pelo médico de família, despendeu a esse título a quantia de €59,10. (resposta concretizadora ao artigo 22º da Base Instrutória)
34º- A A. despendeu a quantia total de € 20,16 em despesas de transporte resultante das 7 deslocações de ida e volta que fez em automóvel próprio entre a sua habitação e o Hospital …, até à data da alta atribuída pelo médico de família, que distam entre si cerca de 4 Kms. (resposta restritiva ao artigo 23º da Base Instrutória)
35º- A A. teve alta pelo médico de família em 18/09/2017, altura em que retomou a sua actividade profissional. (artigo 24º da Base Instrutória)
36º- Em consequência do acidente descrito e das lesões e sequelas descritas, a A. não consegue colocar-se de joelhos nem de cócoras, sente dor no tornozelo direito agravada na marcha, tem edema do tornozelo direito ao fim do dia, e tem dificuldade em agachar-se nas prateleiras e em transportar pesos no exercício da sua actividade profissional. (artigo 25º da Base Instrutória)
37º- E ficou afetada de ITA no período de 12.05.2017 a 18.09.2017. (artigo 26º da Base Instrutória)
38º- Em consequência dessas lesões e sequelas, a A. ficou afetada de 5,91% de coeficiente de Incapacidade Permanente Parcial, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades. (resposta corretiva ao artigo 27º da Base Instrutória)
39º- A escorregadela da A., no dia e hora referidos em A), ocorreu no logradouro (pátio) da habitação unifamiliar da A. (resposta corretiva ao artigo 28º da Base Instrutória)
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Não se provaram os demais factos alegados, sendo certo que não se responde à 1ª parte do artigo 8º da base instrutória, por se considerar que o mesmo encerra matéria de direito.
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B) O DIREITO
Vem a recorrente insurgir-se contra a sentença recorrida colocando a questão, única, da descaracterização do acidente, sofrido pela A., como de trabalho, na modalidade de in itinere, dado a escorregadela causadora das lesões ter ocorrido no logradouro privado da habitação unifamiliar da sinistrada, espaço que considera é a residência habitual do trabalhador e ocorrendo o acidente neste não se compreende num acidente in itinere.
Reitera a posição defendida em 1ª instância, sem que ponha em causa, como bem salienta a recorrida, “que no momento do acidente, a sinistrada não seguisse o percurso normal no trajecto normal casa- trabalho”, sustentando, tão só, que o local onde ocorreu não está englobado pela previsão do art. 9º nº 1 al. a) e 2 da Lei nº 98/2009 de 4/09 (doravante designada NLAT) chamando, em sua defesa, à colação os Acórdãos desta Relação, de 19.10.2015, proferido no Proc. 643/13.2T4AVR.P1 e de 13.04.2015, aludido no primeiro e da Relação de Lisboa de 7.10.2015, proferido no Proc. 408/13.1TBV.L1-4.
Vejamos, então.
Como já referimos, a única questão que importa apreciar respeita à caracterização do acidente dos autos como de trabalho, na modalidade de in itinere, como concluiu o Tribunal “a quo”, por a recorrente defender que o acidente não se compreende naquela, dado o espaço em que ocorreu, o logradouro da habitação da A., não estar englobado pela previsão do art. 9º nºs 1, al. a) e 2 da NLAT.
Na fundamentação do Tribunal “a quo” no que respeita a esta questão consta, no essencial, em síntese, o seguinte: «Caracterização do acidente.
A questão principal a decidir é a de saber se o acidente que a A. sofreu deve ser caracterizado como sendo de trabalho, na modalidade de in itinere.
(...).
No que respeita aos elementos temporal e espacial, a lei adoptou conceitos amplos de local e tempo de trabalho, que, como noticia Cruz de Carvalho (em "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, pg. 30) são os que a jurisprudência em geral aceitava no domínio da lei n.º 1.942, e são o corolário da aceitação da "teoria do risco económico ou da autoridade" que, no âmbito dos acidentes de trabalho, veio substituir a "teoria do risco profissional".
A "teoria do risco de económico ou de autoridade" parte da ideia mestra de que o risco a acautelar na legislação reparatória dos acidentes de trabalho não é o risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação directa acidente - trabalho, mas sim um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal, o que levou a que se considerassem reparáveis acidentes, mesmo não ligados à prestação de trabalho, como é o caso dos acidentes in itinere ou dos acidentes ocorridos durante os actos preparatórios do trabalho ou após o mesmo (cfr. "Acidentes de Trabalho", pg. 12, de Carlos Alegre).
E estabelece a alínea a) do nº 2 do artº 8º da LAT, que se entende por «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir -se em virtude do seu trabalho em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
(...).
O artigo 9º da LAT estabelece a extensão do conceito de acidente de trabalho a outras situações, entre as quais figuram os acidentes in itinere, mormente, os ocorridos no trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, (alínea a) do nº1 do artigo 9º), sendo que o nº2 estabelece que a alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador, entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho (alínea b) do nº2 do artigo 9º).
Decorre assim do aludido preceito que se consideram acidentes de trabalho, os acidentes de trajeto ou de percurso, designados comumente como acidentes in itinere.
Importa então apreciar e decidir se pode caracterizar-se como acidente “in itinere” o evento ocorrido no logradouro da habitação da A.
De facto, como resulta da matéria de facto provada, o acidente referido ocorreu quando a A. se dirigia da sua residência para as instalações que constituem o seu local de trabalho no referido estabelecimento comercial, para realizar mais um dia e jornada de trabalho, como fazia habitualmente; quando caminhava seguindo a pé e se encontrava junto do portão da sua habitação, portão esse que dá directamente para a via pública, a A. escorregou subitamente; e essa escorregadela da A., no dia e hora referidos em A), ocorreu no logradouro (pátio) da habitação unifamiliar da A.
Ora, na anterior legislação, mais precisamente no artigo 6º, nº2, a), da Lei nº100/97, de 13.09, considerava-se acidente de trabalho o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos que vier a ser definido em regulamentação posterior, estabelecendo a alínea a) do nº2 do artigo 6º do DL nº143/99, de 30.04 (que regulamentou a Lei nº100/97) que tal compreende os acidentes que se verifiquem no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual e ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.
Uma vez que a legislação em vigor deixou de fazer qualquer referência à porta de acesso para as áreas comuns do prédio ou para a via pública, importa então apurar onde é que se inicia o trajeto normalmente utilizado, para que o acidente possa ser caracterizado como um acidente in itinere. Efetivamente, a Lei nº98/2009, de 4.09, não contém uma norma semelhante à do anterior artigo 6º, nº2, a), do DL 143/99, de 30.04, colocando-se assim a questão de saber se pode considerar-se, à luz da legislação aplicável ao caso, como acidente in itinere o ocorrido nas áreas comuns da residência de um trabalhador, transposta que seja a porta para a via pública, sobretudo naquelas situações, como no caso sucede, em que a porta de acesso da habitação dá para uma área exterior, própria, antes de atingir a via pública e quando o acidente ocorre nessa área exterior.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores não tem dado uma resposta uniforme a esta questão.
Por nossa parte, somos a entender que a alteração da lei a que supra se fez referência, constante dos artigos 9º, nº1, a) e nº2, b) da Lei nº98/2009, veio alargar o conceito de acidente de trabalho, ao estabelecer que se deve considerar como tal o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o local de trabalho, apontando no sentido de relevar para tal consideração como acidente de trabalho, qualquer ponto do trajeto, a partir do momento em que o trabalhador transpõe a porta da sua residência, aí se iniciando o trajeto para o local de trabalho, como tem vindo a afirmar o nosso mais alto tribunal, nos Acórdãos de 13.07.2017, de 16.02.2016 e de 10.07.2013, todos in www.dgsi.pt. De facto, a definição atual do conceito de acidente in itinere é mais abrangente do que a definição constante da lei revogada, não obstante ter deixado de fazer qualquer referência à porta de acesso para as áreas comuns do prédio ou para a via pública. Escreve-se, com pertinência, no citado Ac. STJ de 13.07.2017, o seguinte: “Com efeito, comparando-se a redação de todos normativos sobreditos e relativos ao conceito de acidente “in itinere”, constata-se que atualmente o acidente, para ser qualificado como de trabalho “in itinere”, não tem de ocorrer na via pública, bastando que ocorra em qualquer ponto do trajeto que liga a habitação do sinistrado e as instalações do local de trabalho, seja a via pública, sejam as partes comuns do edifico se o sinistrado habitar numa das suas frações, seja no logradouro se a habitação for numa moradia, desde que ocorram nos ”trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”.”
Daí que se nos afigure que o acidente dos autos, ocorrido no logradouro da casa da A., depois de a mesma ter transposto a porta da sua residência e antes de chegar à via pública, deve considerar-se acidente de trabalho in itinere.
Como se pode ler no Acórdão do TRG de 21.09.2017, in www.dgsi.pt, precisamente a propósito de uma queda ocorrida no logradouro de casa, que aqui seguimos de perto pela cabal adequação ao caso dos autos, citando doutrina e jurisprudência pertinente sobre a problemática em questão “…Em concordância com os ensinamentos de Júlio Gomes, em “O Acidente de Trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização”, pág. 177, ao referir que “a circunstância de hoje o acidente in itinere ser tutelado mesmo que o trajecto não acarrete qualquer agravamento do risco permite, quanto a nós, uma visão um pouco mais lassa do elemento temporal ou cronológico. No fundo, este elemento temporal indicia o elemento teleológico que parece ser, ele sim, o essencial”. O que nos permite concluir que o trajecto tutelado é aquele que o trabalhador empreende ao sair a porta da sua residência habitual ou ocasional com a intenção de se deslocar para o seu local de trabalho e aqueloutro de regresso a essa mesma residência a partir do seu local de trabalho, quando terminada a sua prestação. O que resulta atualmente da letra da lei para que o acidente de trajeto seja indemnizável é que o acidente ocorra no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para o percorrer, logo que transpõe a porta da residência, pois entendemos que o legislador pretendeu estender a tutela da segurança na deslocação do trabalhador desde a sua habitação em sentido estrito (local onde dorme e toma as suas refeições e tem centrada a sua vida) até ao local de trabalho estabelecendo que o risco corre por conta do empregador. (sublinhado nosso)
A atual legislação ao deixar de referir “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública” não pode deixar de relevar na interpretação quanto à intenção do legislador de alargar o conceito de acidente in itinere, abrangendo assim as situações em que o acidente ocorra na propriedade do trabalhador, nas partes que são acessórias ao núcleo constituído pela sua residência como seja o logradouro ou as escadas.
Tal como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 14/06/2017, proferido no Proc. 797/15.3Y2GMR.G1, relatado por Antero Veiga, “A partir do momento em que o trabalhador transpõe a porta da residência, ou habitação, onde normalmente vive e permanece, inicia o trajeto para o local de trabalho.
A alteração da lei aponta no sentido de relevar qualquer ponto do trajeto, logo que fora da habitação do sinistrado, naquele sentido preciso. E entende-se, é que, tendo saído da habitação fica claro que se encontra já em trajeto para o emprego, o que não pode com segurança afirmar-se dentro da habitação.
No sentido da abrangência do acidente ocorrido no logradouro, ser considerado acidente em trajeto para o trabalho ver entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 22/4/2013, proferido no Proc.º nº 253/11.0TTVNG.P1, no qual se refere a propósito da alteração da redacção do acidente in itinere o seguinte: “uma opção legislativa clara e inequívoca no sentido de afastar o requisito do "domínio espacial" por parte do trabalhador no momento em que o acidente ocorre como condição necessária para a subsunção do sinistro ao conceito de acidente de trabalho "in itinere"… a omissão operada face ao disposto na norma revogada … não aconteceu por acaso e teve como propósito último a aproximação da letra da lei à teleologia subjacente à reparação dos acidentes de trabalho…encontra o seu fundamento último na teoria do risco económico ou de autoridade.” (…)
Por fim importa ainda referir o defendido a este propósito no Acórdão deste Tribunal de 30/11/2016, proferido no Proc. nº 41/14.0Y3BRG.G1. (relatora Alda Martins) no sentido de que “atentas as referidas alterações, deve interpretar-se os atuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando para tal que já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”.
Em suma, em concordância e aderindo ao defendido quer no Acórdão do STJ de 18/02/2016, proferido no Proc. n.º 375/12.9T1LRA.C1.S1, no qual se sumariou o seguinte: “III - Atentas as referidas alterações deve interpretar-se os actuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”. Bem como atendendo à jurisprudência que tem sido ultimamente seguida por este Tribunal, não podemos deixar de concluir que o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.sº 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida.(…)”
Não desconhecemos a doutrina e jurisprudência, designadamente a citada pela Ré na sua contestação, que considera não ser acidente de trajeto a queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação (cfr., entre outros, Acórdão TRP de 05.03.2004, TRL de 10.07.2015 e o Ac. TRE de 24.05.2011, todos disponíveis in www.dgis.pt); contudo, afigura-se-nos a posição que sustenta que o evento ocorrido no logradouro de casa do trabalhador, quando se dirigia para o seu local de trabalho, constitui um acidente de trabalho in itinere, é a que melhor respeita a letra e o espírito da lei (o elemento teleológico que actualmente se entende presidir à tutela do trajecto para e do local de trabalho é a necessidade de fazer o percurso inerente ao cumprimento do dever de comparecer no local de trabalho, em benefício do empregador, independentemente de riscos específicos ou agravados do percurso em si mesmo), designadamente o estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 8.º e 9.º n.ºs 1 al. a) e 2, al. b) da NLAT.
A caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, basta-se com a saída da porta da residência por parte do trabalhador, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho.
Como tal, no caso dos autos, tendo em conta a factualidade assente, qual seja, que a trabalhadora/sinistrada, quando se dirigia para o seu local de trabalho, a fim iniciar laboração, escorregou no logradouro da sua casa de habitação, depois de transposta a porta para o exterior, mas antes de entrar na via pública, impõe-se concluir que estamos perante um acidente de trabalho in itinere, logo indemnizável.
Entendimento semelhante foi o acolhido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2016, cujo sumário já atrás citamos, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere na fundamentação o seguinte, que aqui transcrevemos pela sua pertinência:
“Estipula o art. 9.º, n.º 3, do Código Civil, que o intérprete deve presumir, na fixação e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Princípio que deve nortear o intérprete quando confrontado com a tarefa de descortinar o sentido e alcance da norma.
Ora, resulta expressamente da conjugação da actual redacção do art. 9º, nº 1, alínea a), e n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que basta que o evento danoso ocorra entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o local de trabalho do sinistrado, para que, por si só, seja considerado como acidente in itinere e, como tal, tutelado pelo respectivo regime jurídico.
A norma actualmente em vigor mostra-se redigida em termos que permite desde logo excluir do conceito os acidentes ocorridos na própria residência do trabalhador.
Mas já não permite que se conclua, de imediato, no sentido de que não abarca os que se verifiquem entre a residência, após transposição da porta desta, e o local de trabalho.
O que bem se compreende, na medida em que se assiste, frequentemente no dia-a-dia, atenta a normalidade da vida, que os únicos meios de ligação da habitação à própria via pública, e destas para o local de trabalho, são feitos através de percursos que incluem acessos diversos, v.g., a escadas, pátios, logradouros, garagens, etc., sejam estes espaços comuns ou próprios do trabalhador sinistrado.”
Concluímos, pois, atenta a factualidade apurada, que o acidente (do qual resultou lesão corporal e sequelas permanentes para a A.) é de qualificar como de trabalho, na modalidade in itinere.» (sublinhados nossos).
Como deixámos assinalado, através dos sublinhados que efectuámos, importa deixar, desde já, consignado que se concorda com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, que se mostra bem e suficientemente fundamentada a nível doutrinal e jurisprudencial.
Pois, pese embora, não deixe de ser verdade, o nela referido que, “a jurisprudência dos nossos tribunais superiores não tem dado uma resposta uniforme a esta questão”, como o demonstram, desde logo, desta Relação, os doutos Acórdãos de 22.04.2013 e de 19.10.2015, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, (sítio da internet onde poderá aceder-se a todos os acórdãos a seguir referidos, sem outra indicação), também é verdade que, nela se seguiu a linha de entendimento que consideramos acertada e, sem dúvida, maioritária, quer nas Relações, quer a nível da jurisprudência do STJ que, nos recentes acórdãos em que foi chamado a pronunciar-se, sobre questões similares à que está em apreciação nestes autos, de 18.02.2016, 13.07.2017 e 05.12.2018, proferido no processo nº 460/14.2TTVCT.G1.S1, no qual foi chamado a pronunciar-se, a título de revista excepcional, tendo por fundamento, precisamente um dos acórdãos, de 07.10.2015 do TRL, em que a recorrente alicerça, agora, a sua defesa, concluiu-se, naquele, pela confirmação do acórdão recorrido, do TRG, proferido em 21.09.2017, no processo nº 460/14.2TTVCT.G1, (que a decisão recorrida seguiu de perto) na linha do entendimento já acolhido naqueles outros, de 18.02.2016 e de 13.07.2017 e na decisão recorrida.
Em suma, todos em concordância e aderindo ao defendido naquele Acórdão do STJ de 18.02.2016, proferido no processo nº 375/12.9T1LRA.C1.S1, em cujo sumário se lê o seguinte: «I – Nos termos conjugados do artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e do artigo 6.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, era considerado como acidente in itinere o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do sinistrado, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.

II – No entanto, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, actualmente em vigor, veio alargar o conceito de acidente de trabalho, ao estipular nos termos dos arts. 8º e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b), que se considera acidente de trabalho o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o local de trabalho do sinistrado.
III – Atentas as referidas alterações deve interpretar-se os actuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.».
Entendimento que, pese embora, não unanimemente, é seguido nesta Relação, basta atentar no Acórdão de 22.04.2013, relatado pelo saudoso, Desembargador Ferreira da Costa de cuja fundamentação consta, precisamente, o entendimento jurisprudencial que tem sido ultimamente seguido pelo STJ, concluindo que, “o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.sº 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida” (Ac. do STJ de 05.12.2018, já referido).
Tal como decorre daquele (Ac. desta Relação de 22.04.2013), e lemos no seu sumário:
«I - No domínio da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e seu regulamento [LAT/65], a caraterização de um acidente como acidente de trabalho in itinere exigia a verificação dos seguintes requisitos:
a) Ser fornecido pelo empregador o meio de transporte utilizado e
b) Verificação de um risco específico ou genérico agravado, de percurso.
II – Com a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e seu regulamento [LAT/97], passou a ser considerado também como acidente in itinere o ocorrido nas partes comuns do edifício em cuja fração habite o sinistrado, para além do ocorrido nas deslocações motivadas pelo exercício de atividade sindical, de formação profissional e de procura de emprego.
III – Com a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro [LAT/2009], o conceito de acidente de trabalho in itinere passou a incluir também o acidente de trajeto ocorrido no logradouro das habitações unifamiliares.
IV - Comparada a redação das disposições da LAT/97 e da LAT/2009, constatamos que atualmente o acidente, para ser qualificado como de trabalho in itinere, não tem de ocorrer na via pública, bastando que ocorra em qualquer ponto do trajeto que liga a habitação do sinistrado e as instalações do local de trabalho, seja a via pública, sejam as partes comuns do edificio se o sinistrado habitar numa das suas frações, seja no logradouro se a habitação for numa moradia, desde que se verifiquem os seguintes requisitos: “trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”».
Orientação jurisprudencial que não podemos deixar de considerar, não só porque não temos razões válidas para a abandonar, mas porque, a mesma, tem plena aplicação ao caso em análise. Pois que, de acordo com a factualidade assente, a A./sinistrada, quando se dirigia para o estabelecimento comercial, onde exercia a sua actividade profissional, como fazia habitualmente, quando caminhava seguindo a pé, escorregou subitamente no logradouro (pátio) da sua habitação unifamiliar, junto do portão que dá directamente para a via pública, ou seja, escorregou depois de transposta a porta para o exterior da sua habitação, mas antes de entrar na via pública.
Antes de prosseguirmos, importa referir que não desconhecemos quer a doutrina, quer a jurisprudência que, no essencial, a recorrente alude nas suas alegações de recurso, que tem perfilhado uma linha de entendimento diverso do nosso. Mas, sempre com o devido respeito, afigura-se-nos que a posição por nós acolhida é a que melhor respeita quer a letra, quer o espirito da lei, nomeadamente o estabelecido nas disposições conjugadas dos art.s 8º e 9º nºs 1 al. a) e 2, al. b) da NLAT.
Assim, salvaguardando, eventuais, repetições, oferece-nos, apenas, acrescentar o seguinte.
Não se discute que, o regime legal aplicável ao caso, ocorrido em 11.05.2017, é o que decorre do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei nº 98/2009, de 4/09, que procedeu à revogação da anterior LAT, aprovada pela Lei 100/97 de 13/09.
Dispõe o art. 8º, da NLAT, sob a epígrafe “Conceito”, que:
“1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”
Além deste, o legislador entendeu alargar a outras situações, que considerou como acidente de trabalho, que não as que resultam da definição dada por aquele art. 8º, estabelecendo no art. 9º da NLAT sob a epígrafe “Extensão do conceito” que:
“1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
(...).
2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:
(...);
b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
(...).”.
Quanto aos acidentes in itinere, como é o que se discute, dispunha a anterior legislação, no art. 6º da LAT, sob a epígrafe, “Conceito de acidente de trabalho”, que:
“1 – É acidente de trabalho aquele que (...)
2 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior;
(...).”
O que ocorreu, nos termos do art. 6º do D.L. 143/99 de 30/04 (diploma que regulamentou a LAT) que, também, sob a epígrafe, “Conceito de acidente de trabalho”, dispunha:
“1 – (...).
2 - Na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da lei estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador:
a) Entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho;
(...).”.
Diga-se que, já no âmbito desta anterior lei, alguma jurisprudência menos exigente e na altura minoritária, defendia que o percurso coberto se iniciava após a porta de saída da habitação, quer para os lugares comuns (áreas comuns) do edifício, quer para logradouro de habitação unifamiliar. Referia-se à existência de uma lacuna na lei e que devia considerar-se como acidente in itinere, por analogia, o ocorrido na área adjacente à habitação, veja-se o, (Ac. do STJ de 25.03.2010, processo nº 43/09.9T2AND.C1.S1.), em cujo sumário se concluiu: «I. - A cláusula 2.ª- n.º 2 da Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 3/09, de 23/03, que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguros obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, considera acidente in itinere “o ocorrido no trajecto, normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador: de ida e de regresso para e do local de trabalho, ou para o local onde é prestado o serviço, entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns de edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.”
II. - Na situação prevista estão expressamente contempladas duas situações: a de condomínios ou de compropriedade (em que se haja de se passar por áreas comuns para a via pública) ou a de habitações com acesso directo à via pública.
III. - Há no entanto lacuna legal relativamente às situações em que a porta de acesso da habitação dá para uma área exterior, própria ou particular, antes de atingir a via pública a caminho do local de trabalho, ou o local de trabalho se situe nessa mesma área adjacente à habitação, e que deve ser resolvida lançando mão da analogia.
IV. - Considera-se assim acidente “in itinere”, sob pena de violação do princípio de “não discriminação”, o ocorrido nas escadas exteriores de uma habitação quando o sinistrado se desloque para o seu local de trabalho, onde recebe clientes, e este se situe em anexo à sua residência, ainda dentro de propriedade própria.».
Já, a jurisprudência maioritária, interpretando de forma mais literal aquela norma, entendia que apenas estava contemplado o acidente sofrido pelo sinistrado após a porta de acesso à via pública.
No âmbito da actual lei como, abundantemente, decorre do já exposto, têm sido defendidas duas teses para casos similares ao dos autos.
De um lado, aqueles que permita-se-nos dizer, em minoria, como o já referido (Ac. do TRL, de 07.10.2015, proferido no processo nº 408/13.1TBV.L1-4), que apontam no sentido de que «a tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não, passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afectam o espaço, onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reacção. Nessa medida, não é acidente de trajecto, aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço.».
Os que seguem esta linha de entendimento, consideram que, estes acidentes, não têm tutela, naquele conceito alargado de acidente de trabalho, por ocorrerem em espaço situado na esfera do risco próprio do trabalhador. Defendem que o trabalhador sempre se exporia a estes riscos ainda que sem o trabalho.
No entanto, não só não perfilhamos esta interpretação, como nos parece, excessivamente, formal aquela argumentação, concordamos com o entendimento daqueles que consideram que face à redacção da NLAT, não é essencial, para que o acidente fique por ela abrangido, que ocorra na via pública. Aquela, anterior Lei n° 143/99, de 30/04, é que limitava o conceito de acidente "in itinere" ao ocorrido após a porta de acesso às áreas comuns do edifício ou à via pública (art. 6°, n° 2, al. a). Ora, tendo aquela lei sido revogada pela NLAT e não contendo esta semelhante restrição, tal só pode significar que o legislador quis deixar de a manter, erigindo em único critério delimitador deste tipo de acidente que ocorra no trajecto normal e no tempo habitualmente gasto entre a residência e o local de trabalho, conforme decorre do art. 9° do Cód. Civil quanto às regras interpretativas.
Assim, sempre com o devido respeito por diferente entendimento, não tendo o legislador reproduzido na actual redacção do art. 9° da NLAT o previsto naquele art. 6º, nº 2, al. a) do revogado Dec. Lei nº 143/99, de 30/04, só podemos concluir, nos termos que constam na fundamentação, daquele douto Ac. desta Relação, de 22.04.2013, a propósito de um caso igual ao vertente, do qual transcrevemos, com a devida vénia, o seguinte: «..., estamos na presença de uma opção legislativa clara e inequívoca no sentido de afastar o requisito do "domínio espacial" por parte do trabalhador no momento em que o acidente ocorre como condição necessária para a subsunção do sinistro ao conceito de acidente de trabalho "in itinere".
… a omissão operada face ao disposto na norma revogada do artigo 6°, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04 não aconteceu por acaso e teve como propósito último a aproximação da letra da lei à teleologia subjacente à reparação dos acidentes de trabalho.
Ora, é por demais assente na doutrina que o direito infortunístico subjacente aos acidentes de trabalho encontra o seu fundamento último na teoria do risco económico ou de autoridade.
Assim, a teoria do risco económico ou de autoridade não vincula a reparação à prestação direta do trabalho, incluindo também aspetos já não diretamente ligados à sua prestação, como são disso exemplo os acidentes de trajeto (ou "in itinere") ou os ocorridos durante os atos preparatórios do trabalho.
Não se trata de um risco específico de natureza profissional, mas sim um risco genérico, "ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes".
Parafraseando um aresto do Acórdão do STJ de 29-06-2005 no processo n.º 574/05, estamos na presença de "um risco que o empregador deve suportar pelo simples facto de beneficiar do trabalho do empregado ou da mera disponibilidade dele".
"Foi por o trabalhador estar ali, naquele local e naquele momento, não por arbítrio seu, mas para cumprir a sua prestação no âmbito de uma relação laboral que o acidente ocorreu. O direito de reparação só será afastado, verificando-se algum elemento descaraterizador".
Volvendo ao caso concreto tal entendimento, só podemos dizer que na manhã do dia 22.11.2010, quando o sinistrado saiu da sua casa em direção ao veículo automóvel (cedido pela entidade patronal) para se deslocar para o local de trabalho já estava envolvido num espírito de missão ou função profissional, ou seja, materialmente já se tinha colocado à disposição do empregador para o cumprimento da prestação laboral a que contratualmente estava vinculado, independentemente de estar no pátio de casa ou no passeio público em frente à habitação. Aliás, cremos que a posição (outrora defendida pelo legislador) e aqui subscrita pela recorrente, diferenciando a qualificação de acidente de trabalho "in itinere" em função deste ter ocorrido num local privado ou público é manifestamente redutora e profundamente injusta porquanto no momento em que sai de casa para se deslocar para o local de trabalho muitos trabalhadores têm de percorrer espaços próprios do exterior das suas residências não se concebendo, por exemplo, que no trajeto até ao local de trabalho, uma queda nas escadas do pátio afaste a classificação de acidente de trabalho "in itinere", mas uma escorregadela no passeio público imediatamente contíguo àquele pátio permita tal consideração.
Cremos que foi intenção do legislador abandonar do conceito de acidente de trabalho "in itinere" o pressuposto do "controlo do espaço\solo" em que o trabalhador se encontra no momento em que o sinistro acontece, cingindo o mesmo apenas e tão só a um conceito amplo de trajecto normal percorrido pelo trabalhador até ao local de trabalho e no tempo habitualmente gasto para o efeito.
De facto, antes da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, chegou-se a discutir na jurisprudência se a qualificação do acidente de trajecto como sendo de trabalho quando tivesse ocorrido na propriedade privada do trabalhador, não importaria a violação do princípio da igualdade, uma vez que o legislador apenas tinha tido em conta os acidentes ocorridos em prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou de compropriedade - ao consagrar que acidentes que se verificassem desde a porta de acesso para as áreas comuns dos edifícios se consideravam como de trabalho -, não contemplando expressamente situações como a dos autos, de moradias unifamiliares, onde, por natureza, tudo é espaço próprio e não há áreas comuns, mas que nem por isso deixam de ter, por via de regra, partes exteriores à habitação pertencentes ao mesmo dono e ao mesmo prédio e por onde obrigatoriamente se sai a caminho do emprego.
Em relação a esses espaços exteriores próprios, entendiam alguns que não se podia concluir que o legislador quisesse estabelecer uma diferenciação de proteção entre os segurados que viviam em condomínios ou com propriedade, com aqueles que viviam em moradias unifamiliares, protegendo aqueles e desprotegendo estes …
Em resposta a esta questão foi sendo reiterado pelos tribunais superiores que em qualquer das situações (residência em condomínio ou em moradia unifamiliar) o que estava em causa era saber se o trabalhador tinha o total domínio sobre o espaço em que se encontra. Por outras palavras, se o trabalhador se encontrava em espaço por ele controlado: se tivesse esse controlo sobre o espaço onde ocorreu o "acidente" (por exemplo, em caminho privado de acesso à residência) não se podia qualificar o acidente, para efeitos legais, como acidente "in itinere"; se não tem esse controlo, como sucede em relação aos espaços comuns do edifício, uma vez que ainda está em espaço público e sob o risco da autoridade do empregador, o acidente é de qualificar "in itinere" - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.05.2011, Relator João Luís Nunes, processo n.º 35/09.8TISTB.E 1, disponível em www.dgsi.pt.
Esta era uma visão que, como já referimos, nos parecia demasiado fragmentária da realidade e que se centrava num preciosismo cuja bondade, além de duvidosa, era geradora de tratamentos desiguais entre situações materialmente idênticas.
De facto, com a alteração legislativa retirou-se do conceito de acidente de trajeto um "colete de forças" que foi imposto pela dicotomia local privado/público e colocou-se o enfoque no essencial da relação laboral controvertida e do risco a ela associado, "in casu", o trajeto "lato sensu" percorrido pelo trabalhador desde a residência e o local de trabalho.
Em suma, não decorre da letra da lei, do espírito ou da interpretação sistemática do artigo 9°, n.º 1 al. a) e n.º 2, al. b) da Lei n.º 98/2009 que é requisito da qualificação de acidente de trabalho "in itinere" o facto do mesmo ter de ocorrer num local público. ”.
Ora, sendo o acidente in itinere uma extensão do conceito de acidente de trabalho proprio sensu, a dimensão desse alargamento depende da vontade que o legislador ordinário tiver em cada momento. Face à assinalada evolução legislativa dessa extensão, cremos que o legislador tem procurado levar mais longe o princípio do risco da autoridade, ficcionando que o trabalhador já está sob a sua subordinação jurídica desde que o trabalhador passa a porta de saída da sua habitação, ou ainda o está até que chegue a tal porta, independentemente de viver num apartamento ou numa moradia, tal acontecendo por ir ou ter estado a desenvolver atividade de que ele é o beneficiário. Daí que o legislador da lei vigente, contrariamente ao seu antecessor, tenha feito equivaler o logradouro das habitações unifamiliares às partes comuns de um edifício dividido em frações, deixando de parte o critério da natureza – pública ou privada – do trajeto percorrido normalmente pelo sinistrado, sendo suficiente à caraterização do acidente como in itinere que ele tenha ocorrido no trajeto normal e no tempo habitual de deslocação entre as instalações do local de trabalho e a porta da habitação onde o sinistrado reside.
In casu, vindo provados os requisitos: “trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador“, tanto basta para caraterizar o acidente dos autos como acidente de trabalho in itinere, assim irrelevando a circunstância de ele ter ocorrido no logradouro da habitação do A.».
Ora, este entendimento que se veio de reproduzir ajusta-se rigorosamente ao caso vertente.
E concordamos inteiramente com ele.
Tudo o que pudéssemos dizer por palavras próprias mais não seria que uma repetição de tal entendimento.
Como assim, julgamos que decidiu correctamente o Tribunal recorrido ao ter considerado que o acidente (do qual resultou lesão corporal para a A.) é de qualificar como de trabalho, na modalidade in itinere.
O entendimento que se seguiu, pese embora, não ser unânime a nível da jurisprudência das Relações, como o demonstram os arestos citados e sumariados no Ac. do STJ, de 05.12.2018, já referido, é demonstrativo do que tem sido a orientação recente da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como se verifica do que se consignou no sumário deste, onde se lê: «I – O disposto nos artigos 8º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 9ª, n.ºs 1, alínea a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, deve ser interpretado como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.
II - Deve ser qualificado como acidente de trabalho, nos termos referidos no número anterior, o sinistro sofrido pela autora quando, depois de ter terminado o almoço, caminhava no logradouro da residência da mãe, aonde se deslocava habitualmente para tomar aquela refeição, em direção à sua viatura, que se encontrava estacionada na via pública, para se dirigir ao local de trabalho.».
Em suma, transpondo o que se deixou exposto para o caso, estando assente que a A./sinistrada, quando se dirigia para o estabelecimento comercial, onde exercia a sua actividade profissional, como fazia habitualmente, quando caminhava seguindo a pé e se encontrava junto do portão da sua habitação, portão esse que dá directamente para a via pública, escorregou subitamente e, em consequência, fracturou o seu tornozelo direito, o acidente por ela sofrido só pode ser qualificado como acidente de trabalho. Pois, o mesmo ocorreu, depois de transposta a porta para o exterior da sua habitação e o facto de ser, antes de entrar na via pública, ainda dentro da sua propriedade, não retira ao evento a natureza de acidente “in itinere”.
O disposto no art. 9º, nº 1, al. a), e nº 2, al. b), da NLAT, deve ser interpretado como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à própria habitação, independentemente de se tratar de espaço próprio do sinistrado ou comum a outros condóminos ou comproprietários, mesmo antes de se entrar na via pública.
Para que seja qualificado como acidente de trabalho, na modalidade “in itinere”, o acidente sofrido pelo trabalhador/sinistrado, basta que se prove que, o evento ocorreu, quando aquele, já tinha transposto a porta de saída da residência e se prove que, o mesmo se deslocava para o seu local de trabalho, sendo esse o trajecto normalmente utilizado, no período de tempo, habitualmente, gasto pelo trabalhador e com esse objectivo.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões do recurso.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acordam as Juízas desta Relação em julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 27 de Junho de 2019
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares