Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
301/13.8PBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: RECONHECIMENTO DE PESSOAS
NULIDADE
Nº do Documento: RP20141105301/13.8PBMAI.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É extemporânea a arguição em audiência de julgamento dos vícios na preparação e execução do reconhecimento de pessoas (artº 147º CPP) efectuado no inquérito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 301/13.8PBMAI.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 5 de novembro de 2014, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 301/13.8PBMAI, do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, em que são arguidos B… e C…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 352]:
«(…) Condenar o arguido B… na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.Penal.
Condenar o arguido C… na pena de 3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.Penal.
(…)»
2. Inconformados, os arguidos recorrem, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 373-376]:
«l. Na audiência de julgamento, durante a inquirição da testemunha D…, o arguido C…, a fls. 318 dos autos, suscitou a questão da nulidade da prova por reconhecimento pessoal efectuada em sede de inquérito a fls. 43 dos autos.
II. A fls. 319 dos autos, relativamente à questão suscitada pela Defesa, o Douto Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
"Relega-se para o momento processual próprio, isto é, o momento da decisão, a tomada de posição quanto à questão levantada pela defesa".
III. Acontece que, no douto Acórdão, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão levantada pela defesa, sendo certo que, nos termos do artigo 608º nº 2, 1ª parte do Código de Processo Civil, "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação".
IV. Assim, sendo o douto Acórdão é omisso quanto à questão levantada pela defesa, o mesmo inquina de vício, vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 379º nº 1 al c) do CPP.
V. Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
B) DA NULIDADE DA PROVA POR RECONHECIMENTO DE PESSOAS
VI. Tal como estabelece o art. 147º do CPP, a prova por reconhecimento de pessoas tem, obrigatoriamente, que ser efectuada de acordo com o estipulado no nº 2 do mesmo artigo, sob pena de não ter valor como meio de prova.
VII. Ora, para que a prova por reconhecimento de pessoas seja válida, há que colocar lado a lado o arguido e, pelo menos, duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de Vestuário, com a pessoa a identificar.
VIII. Ora, o reconhecimento efectuado a fis. 43 dos autos não seguiu este procedimento, porquanto os dois arguidos foram colocados, simultaneamente, lado a lado com apenas mais uma pessoa.
IX. Desde logo, os arguidos nunca deveriam ter sido colocados lado a lado, pois não apresentam quaisquer semelhanças físicas.
X. Acresce que, sendo duas pessoas a identificar e tendo elas sido colocadas lado a lado com apenas mais uma pessoa, sempre a testemunha iria "identificar" um dos indivíduos como sendo autor dos factos, porquanto eram três as pessoas que estavam sujeitas a reconhecimento e foram duas as que praticaram os factos em causa.
XI. Acresce que, no Auto de Noticia a fls. dos autos, a ofendida apenas soube dizer que UM dos indivíduos era moreno e vestia uma camisola de cor castanha, não tendo conseguido indicar mais dados acerca dos suspeitos.
XII. Muito se estranha como é que, no dia seguinte, aquando do reconhecimento pessoal, a ofendida conseguiu indicar mais dados acerca do indivíduo, designadamente que se tratava de um indivíduo com 25/30 anos, magro, tez morena e cabelo curto.
XIII. Repare-se ainda que, tanto no Auto de Notícia como no Auto de Reconhecimento, a ofendida apenas descrevia um indivíduo, nunca conseguindo descrever de forma inequívoca os dois indivíduos.
XIV. Já no Auto de Declarações, constante de fls. 89 e 90 dos autos, e passado QUATRO MESES da data dos factos, a ofendida conseguiu fornecer mais pormenores acerca da descrição dos indivíduos.
XV. Isto porque, 0 Reconhecimento Pessoal, tendo sido tendencioso e desprovido de qualquer formalidade legal, criou na ofendida uma ideia pré-concebida de quem eram os Suspeitos.
XVI. É por demais evidente que 0 reconhecimento efectuado a fls. 43 dos autos foi tendencioso, não respeitando minimamente as formalidades legais em que deve assentar todo o procedimento de reconhecimento.
XVII. Pelo que, nos termos do nº 7 do art. 147º do CPP o Reconhecimento Pessoal efetuado a fls. 43 dos autos é NULO não tendo qualquer valor como meio de prova.
XVIII. Pelo que, ante o exposto, o acórdão fundado em prova nula é, também ele, nulo, nos termos do artigo 122º do CPP.
A sentença de que ora se recorre viola o disposto nos art. 147.º, n.º 2 355.º, n.º 1 al. c) e 410.º, do CPP.
Termos em que com a procedência do presente recurso se fará JUSTIÇA.
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido. 4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 337-345]:
«(…) 2.1. Matéria de facto provada.
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de Abril de 2013, pelas 19:30 horas, na Rua …, …, Maia, quando a lesada D… se preparava para entra no seu veículo automóvel, de marca e modelo "FIAT …", de matrícula ..-..-HU, cor vermelho, foi abordada pelos dois arguidos B… e C…, que a agarraram, tendo-lhe um deles retirado das mãos um telemóvel, da marca e modelo "NOKIA …", no valor de € 90,00 e as chaves do veículo.
2. Depois os dois arguidos deitaram a lesada D… no chão e um deles que estava munido de um aerossol contendo gás cuja natureza não foi possível apurar o pulverizado na direcção dos olhos da lesada provocando-lhe irritação nos olhos e desorientação.
3. Ato contínuo entraram no veículo da lesada e saíram do local na posse do veículo, dele se apropriando, bem como do telemóvel.
4. O veículo de matrícula ..-..-HU tem o valor comercial de € 4.500,00 e era pertença dos lesados D… e E…, embora registado apenas em nome deste.
5. Em consequência direta e necessária dos factos descritos, a D… sofreu lesões que consistiram em hiperémia conjuntival, discreta erosão corneana inferior de OD, equimose no membro inferior esquerdo e dores físicas, o que demandou seis dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho.
6. Os arguidos C… e B… agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de através da força física que exerceram sobre a lesada D… se apropriarem do seu telemóvel e veículo, o que concretizaram pela forma descrita.
7. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram ilícitas e proibidas por lei.
*
8. O arguido B… é o segundo da prole de 4 da união dos progenitores, agregação familiar perturbada pela condição financeira precária e pelos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas das figuras parentais, desresponsabilizadas do processo educativo dos descendentes e da necessária profissionalização, dependendo dos apoios sociais atribuídos no âmbito do RSI.
9. O arguido abandonou precocemente o percurso académico pelos 13 anos de idade, habilitado com o 5o ano de escolaridade por desinteresse nas aprendizagens tendo ainda tentado qualificar-se com curso de formação profissional no Centro de Formação Profissional do Porto, sito no …, do qual desistiu em 2012 decorridos cerca de 6 meses da acção de formação subsidiada.
10. Enveredou pelo desempenho das funções de operário indiferenciado de construção civil.
11. Iniciou o consumo de drogas pelos 15 anos de idade.
12. Somente com a reclusão no EPP em 2010 pôde efectuar o respectivo tratamento e recuperar alguma da capacidade de trabalho.
13. A dificuldade em evitar os contextos de consumo e as convivências transgressivas associadas à irregularidade laboral porque exercida em regime de tarefas temporárias de pequenos serviços (biscates) no ramo da construção civil facilitaram a recidiva nos consumos abusivos de drogas bem como a promoção de um ambiente familiar conflituoso/agressivo determinante dos sentimentos de rejeição social pela comunidade de residência.
14. Até à presente reclusão o arguido B… manteve um quadro de vulnerabilidades como a condição toxicómana.
15. Manteve-se em situação de inactividade laboral e de instabilidade amorosa por perda da união de facto, enquadrando-se no agregado de origem composto pelos progenitores e os dois irmãos mais novos.
16. É incapaz de empreender estratégias de resolução dos seus problemas e de ajudar os progenitores a minimizarem os efeitos da incapacidade para o trabalho, dados os problemas de saúde que padecem e da consequente precariedade financeira em que subsistem.
17. O arguido B… projecta retornar ao agregado familiar, entendendo poder usufruir de oportunidades laborais recorrendo a pessoas conhecidas.
18. Está preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto desde 29.04.2013, à ordem do processo 205/13.4GEVNG da 1a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, acusado da autoria de um crime de roubo.
19. Procurando melhorar as suas condições de saúde e de resolução da problemática da toxicodependência, o arguido tem mantido um acompanhamento especializado de psiquiatria disponibilizado pelos Serviços Clínicos do EPP, acompanhamento manifestamente insuficiente face ao sancionamento com 6 dias de cela disciplinar por posse de haxixe.
20. Além destes constrangimentos anti-sociais e de saúde, o arguido B… não demonstra qualquer outra incapacidade impeditiva do modelar o trajecto de vida.
21. O processo social de desenvolvimento da personalidade do arguido C… concretizou-se no agregado de origem suportado num modelo de conjugalidade parental e a prole de três, na qual é o segundo, e num ambiente afectivo que lhe proporcionou as condições básicas à formação académica, concluída com a habilitação com o 4° ano de escolaridade, pelos 13 anos de idade, movido pelo desinteresse.
22. Os dois anos seguintes decorreram em contexto profissional enquadrado na mesma empresa de construção civil onde trabalhava o progenitor, o único garante de rendimentos, seguida de outras duas curtas experiências de trabalho, a primeira em Espanha, no mesmo ramo de actividade, e segunda no exercício das funções de carpinteiro.
23. O agravamento da irregularidade laboral impeliu o arguido C… a procurar no regime de biscates a concretização de oportunidades remuneradas que lhe assegurassem a sua subsistência.
24. Porém, esta situação foi perturbada pela ocorrência de dois acidentes de viação pelos 19 e pelos 22 anos de idade, carecendo ambos de intervenções cirúrgicas e momentos de recuperação física, bem como pelo advento, aos 20 anos, dos consumos de haxixe.
25. Cerca de cinco anos mais tarde, encontrava-se num quadro de consumo compulsivo de drogas e bebidas alcoólicas bem como de persistente inactividade laboral, beneficiando do rendimento social de inserção.
26. Os diversos períodos de instabilidade decorrentes daquela condição pessoal e social determinaram a atitude de incumprimentos com os deveres impostos nos diversos processos pelo que teve cumprir 53 dias de prisão, iniciados em 12.01.2011, por revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade, decretada no processo 517/08.9PTPRT.
27. Devolvida a liberdade, conseguiu uma colocação na empresa onde trabalhava o progenitor, “F…, Lda.”, sedeada em Lousada.
28. Uma vez mais este enquadramento profissional foi de curta duração tendo apresentado dois vencimentos de trabalho referentes aos meses de Abril e Maio de 2011, persistindo na condição de desempregado de longa duração.
29. Entre o ano de 2012 e a presente reclusão, o arguido C… reiterou a atitude toxicómana.
30. Persistiram as dificuldades em concretizar a sua independência habitacional familiar e social e do agregado dos progenitores.
31. Teve vários intentos de autonomização, referenciada a um anexo arrendado no mesmo aglomerado habitacional do domicílio dos progenitores, configurado em tipologia vulgarmente designado por "ilha", habitações exíguas em terreno comum.
32. Continua a deter o enquadramento habitacional e familiar no agregado dos progenitores, composto igualmente pela sua irmã mais nova, sito na Rua …, … casa ., …, Vila Nova de Gaia, com um arrendamento de €170 mensais.
33. A subsistência do agregado tem sido suportada pelos rendimentos auferidos pelo progenitor e pela sua irmã, respectivamente usufruídos do subsídio de desemprego e do RSI, num total de €580 mensais, insuficientes à satisfação das necessidades do agregado.
34. Existem laços familiares de entreajuda.
35. C… projecta retornar ao agregado familiar descrito, entendendo poder conseguir usufruir de oportunidades laborais recorrendo a pessoas conhecidas.
36. Deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto em 29.04.2013 acusado da autoria de um crime de roubo, à ordem do processo 205/13.4GEVNG do 3° Juízo do TIC do Porto, em cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva.
37. Não apresenta qualquer limitação ou comprometimento intelectual nem sinais de intoxicação por uma qualquer substância.
38. A inadaptação e a toxicomania levaram ao incumprimento de obrigações laborais, familiares e sociais, colocando-se sucessivas vezes em situações de risco e mesmo de perigo de vida.
39. É incapaz de definir os seus problemas e de gerar as estratégias alternativas necessárias à sua resolução, entendendo como suficiente o acompanhamento psiquiátrico disponibilizado nos Serviços Clínicos do EPP.
40. Apresenta reduzido sentido crítico de reprovação do agir criminal, dos danos causados a terceiros e de censura das suas responsabilidades.
41. A conduta adoptada pelo arguido em meio prisional foi alvo de sancionamento disciplinar em 25.07.2013 com 10 dias de permanência obrigatória no alojamento por posse de 11,68 g de haxixe.
42. Entretanto, o ajuste pessoal e o interesse em melhorar as condições de empregabilidade pela valorização académica fê-lo inscrever-se e frequentar o curso de Ensino e Formação de Adultos Básico de 2° Ciclo.
43. Detendo condições mínimas de acolhimento e de suporte no agregado dos progenitores, a ausência de censurabilidade sobre o agir criminal e a tendência em reduzir as consequências das suas acções ainda impedem, presentemente, que concretize um projecto de vida consentâneo com as normas sociais de autonomização.
*
44. Por sentença de 19.11.2007 foi o arguido B… condenado na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa por igual periodo, pela prática, em 27.03.2006, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do C.Penal, suspensão que veio a ser revogada; por sentença de 3.06.2009 foi condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa por um ano, com regime de prova, pela prática, em 21.06.2008, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º e 204.º, do C.Penal; por sentença de 6.06.2011 foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual periodo, com regime de prova, pela prática, em 8.06.2009, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 202.º, al. e), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do C.Penal; por sentença de 1.11.2013 foi condenado na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática, em 14.12.2012, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do C.Penal.
45. Por sentença de 1.04.2003 foi o arguido C… condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 2,50, pela prática, em 1.04.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 28.03.2008 foi condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho, pela prática, em 27.03.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 20.10.2009 foi condenado na pena de 15 (quinze) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, em 22.06.2008, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviária e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p., respectivamente, pelo 291.º, do C.Penal, e pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 22.02.2010 foi condenado na pena de 10 (dez) meses de prisão, a executar por dias livres, em 60 períodos de 36 horas cada, pela prática, em 12.02.2010, de um crime de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 1.11.2013 foi condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão pela prática, em 14.12.2012, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do C.Penal.
*
3. Motivação da decisão de facto.
Nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do art.º 127º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”[1].
Para a formação da convicção no caso “sub judice”, e com particular relevo, ponderaram-se conjuntamente e conjugadamente os seguintes elementos probatórios:
> O depoimento da testemunha D…, que, de relevante e em síntese relatou pormenorizadamente os factos de que foi vítima, o que fez de forma convincente, esclarecendo devidamente a situação e confirmando o que foi subtraído e que foram os arguidos os autores dos mesmos, no que não deixou qualquer dúvida. Esclareceu que teve dores nos olhos, indicou o valor do veículo, que veio a aparecer no dia seguinte.
> O depoimento da testemunha E…, que, de relevante e em síntese, confirmou que o carro estava em seu nome mas é dele e da mulher e que pagou € 5.000, em moeda antiga (1.000 contos) por ele. No que diz respeito ao telemóvel subtraído à mulher, referiu que havia custado 90 e tal euros. Quando aos factos de que foi vítima a mulher, estando perto do local, confirmou que a mulher veio ter com ele ao café, tendo ele chamado o INEM, dado que se queixava dos olhos e dizia que lhe tinham levado o telemóvel e o carro.
> O depoimento da testemunha G…, agente da GNR, que, de relevante e em síntese, não tendo assistido aos factos referiu que conhece os arguidos no âmbito das suas funções. Esclareceu que, porque tiveram conhecimento que o carro roubado havia sido interveniente num roubo por esticão em Gaia, o que explicou, e porque o vieram a localizar estacionado, montaram uma vigilância discreta ao mesmo. Confirmou que no decurso da vigilância, os dois arguidos dirigiram-se à viatura e quando se preparavam para arrancar com ela foram abordados e detidos, isto cerca das 21 horas do dia 28 de Abril de 2013.
> A certidão extraída dos autos de inquérito n.° 205/13.4GEVNG, de fls. 5 a 71 e 140 a 146, concretamente a pesquisa de Veículo de fls. 13, aditamento de fls. 16 a 19, auto de reconhecimento de objetos e termo de entrega de fls. 145 e 146.
> Os registos clínicos de fls. 136 a 139.
> O relatório da perícia para avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 126 a 128.
Tento em conta os referidos meios de prova, não há dúvidas que foram os arguidos os autores dos factos de que foi vítima a ofendida D…. Com efeito esta foi peremptória ao afirmar que foram os arguidos que, nos termos que relatou pormenorizadamente, lhe subtraíram o telemóvel e o veículo.
Por outro lado, os arguidos foram, no dia seguinte detidos quando se preparavam a arrancar com a viatura roubada.
*
Quanto à situação pessoal dos arguidos, foram relevantes os respectivos relatórios sociais.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos foram relevantes os respectivos C.R.C. (fls. 174 a 187).
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, os recorrentes suscitam a nulidade do reconhecimento de pessoas efetuado no inquérito: dizem que o mesmo não obedeceu aos ditames da lei uma vez que, além dos arguidos, inclui apenas mais uma pessoa, violando, assim, o disposto no artigo 147.º, do Cód. Proc. Penal; e que arguiram a respetiva nulidade no decurso da audiência de julgamento mas o tribunal coletivo relegou o seu conhecimento para a decisão final, sendo certo que nem aí o fez. Em seu entender, tal corresponde a uma omissão de pronúncia que acarreta a nulidade da sentença (acórdão) de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Cód. Proc. Penal.
8. Não têm razão. É certo que o tribunal coletivo deveria ter tomado posição quanto à arguição da nulidade, pelo menos no momento com que se comprometeu fazê-lo: a prolação do acórdão. Trata-se, porém, de uma questão prejudicada pelo facto de a arguição ser extemporânea.
9. Na verdade, a existência de um qualquer vício na preparação e execução do reconhecimento de pessoas documentado nos autos [cuja disciplina se acha prevista no artigo 147.º, do Cód. Proc. Penal] não integra o elenco das nulidades insanáveis, do artigo 119.º, do Cód. Proc. Penal. Seria, quanto muito, passível de integrar, o grupo das nulidades dependentes de arguição, do artigo 120.º, do Cód. Proc. Penal. Ora, nos termos do disposto no n.º 3, alínea c) do cit. art. estas nulidades “(…) devem ser arguidas: (…) c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (…)”
10. Tal não aconteceu. O inquérito foi concluído e, pelo menos a partir dessa ocasião, os arguidos tiveram possibilidade de conhecer em pormenor as diligências efetuadas e certificarem-se do cumprimento ou não das respetivas formalidades. Então, nada arguiram. Aguardar o decurso da audiência de julgamento para só então suscitar a apreciação do cumprimento de formalidades inerentes a determinados atos do inquérito é esperar tempo demais, é deixar passar o tempo legal oportuno para arguir a eventual invalidade e irregularidade desses atos.
11. A extemporaneidade da arguição da nulidade é uma questão prévia ao seu conhecimento. E nessa medida, pode ser tomada pelo tribunal de recurso.
12. Acresce que a decisão proferida sobre matéria de facto foi tomada sem levar em conta o reconhecimento de pessoas alvo da arguição dos recorrentes. Ou seja, tal ato do inquérito não interferiu nem foi valorado em termos da apreciação da prova. Como o próprio acórdão refere, para formar a convicção do tribunal contribui, entre outros, o depoimento da testemunha D… que “(…) relatou pormenorizadamente os factos de que foi vítima, o que fez de forma convincente, esclarecendo devidamente a situação e confirmando o que foi subtraído e que foram os arguidos os autores dos mesmos, no que não deixou qualquer dúvida” [ver supra].
13. Ao não terem arguido em tempo oportuno possíveis nulidades do reconhecimento de pessoas realizado no inquérito, qualquer (eventual) nulidade a ele referente considera-se sanada [art. cit. e 121.º, do Cód. Proc. Penal]. Improcede o recurso.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Uma vez que os arguidos decaíram no recurso que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça [artigo 513.º, do Cód. Proc. Penal], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais]. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 UC para cada um.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos B… e C…, mantendo o acórdão recorrido.
Taxa de justiça: 3 [três] UC, a cargo de cada recorrente.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 5 de novembro de 2014
Artur Oliveira
José Piedade
____________
[1] Vide Carlos Matias, revista “Sub Judice”, nº 4, pag. 148.