Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1728/12.8JAPRT-L.G1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: DEBATE INSTRUTÓRIO
PRESENÇA DO ARGUIDO
ADIAMENTO DO DEBATE
Nº do Documento: RP201410151728/12.8JAPRT-L.G1.P1
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é obrigatória a presença do arguido no debate instrutório;
II – A regra é a impossibilidade do adiamento do debate instrutório, e só em caso de absoluta impossibilidade de ter lugar é adiado:
III – Como impossibilidade absoluta é considerado o impedimento do arguido em estar presente;
IV- Tal impedimento só gera impossibilidade se for grave e legitimo e deve ser transmitido ao tribunal até ao inicio do debate, e apesar dele, pode o debate ter lugar se o arguido renunciar ao direito de estar presente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1728/12.8 JAPRT-L.G1.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

Nos autos de processo comum que, sob o n.º 1728/12.8 JAPRT, correm termos pelo Tribunal Judicial de Esposende, no âmbito da instrução requerida, foi designada data para a realização do debate instrutório, que veio a realizar-se no dia 12.03.2014 (cfr. acta de que está uma reprodução a fls. 148-150 destes autos de recurso).
A decisão instrutória (de pronúncia) foi proferida em 13.03.2014 e dela foram notificados, quer o arguido B… (aqui recorrente), quer o seu ilustre defensor.
Na sequência dessa notificação, veio o arguido B…, através do requerimento de que está uma reprodução a fls. 88-93 destes autos, arguir a nulidade e, subsidiariamente, a irregularidade, quer do debate instrutório, quer do acto de leitura da decisão instrutória.
Sobre esse requerimento recaiu o despacho (de que está reprodução a fls. 96-98 destes autos) datado de 19.03.2014, que indeferiu aquela arguição.
Contra esse despacho, almejando a sua revogação, reagiu o arguido B…, interpondo recurso (que veio a ser remetido para a Relação de Guimarães, declarada territorialmente incompetente para dele conhecer por decisão sumária de 16.06.2014 e, na sequência dessa decisão, remetido para esta Relação), com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
1. “O debate instrutório decorreu sem a presença do arguido sem que este tivesse renunciado a estar pessoalmente presente no mesmo não dependendo de si estar ou não presente no dito debate uma vez que estava cerceado na sua liberdade de circulação atendendo a que se encontrava e ainda se encontra ininterrupta e preventivamente preso no Estabelecimento Prisional do Porto no âmbito deste processo pelo que nunca poderia deslocar-se ao TIC onde ocorreu o debate instrutório a não ser que fosse conduzido para esse efeito pelo dito E.P. pelo que por maioria de razão nunca poderia comunicar uma falta que não chegou a verificar-se.
2. Foram assim violados os artigos 61 n.º 1 a) e artigo 119 c) e 301 n.º 2 todos do CPP devendo produzir-se as respetivas cominações legais nos termos do artigo 122 n.º 1 e n.º 2 do CPP e consequentemente declarar-se a nulidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram o que implica a repetição do debate e dos atos subsequentes (conferir Paulo Pinto Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição atualizada, 6.ª anotação ao artigo 119 do CPP, página 303).
3. Se se considerar que a nulidade acima invocada não é insanável (o que não se concede) então sempre estaremos na presença de uma nulidade sanável nos termos do artigo 120 n.º 2 d) do CPP pelo que deve consequentemente produzir-se as respetivas cominações legais (identificadas na conclusão anterior) nos termos do artigo 122 n.º 1 e n.º 2 do CPP.
4. Se se considerar que a ausência do arguido no debate instrutório não configura nenhuma nulidade (o que não se concede) então a dita ausência do arguido configura pelo menos uma irregularidade nos termos do artigo 123 n.º 1 do CPP devendo produzir-se as respetivas cominações legais nos termos do artigo 123 n.º 1 do CPP devendo assim declarar-se a irregularidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram com a subsequente repetição do debate e dos atos subsequentes. 5. Em qualquer das situações elencadas nas conclusões anteriores o artigo 301 n.º 2 do CPP viola o artigo 32 n.º 1 e n.º 5 da CRP por representar um inadmissível prejuízo e subsequente agravamento da situação processual do arguido por restrição do seu direito de defesa quando interpretado no sentido de que pode realizar-se o debate instrutório sem a presença pessoal do arguido sem que se verifique alguma das situações previstas no artigo 300 do CPP.
6. O arguido não foi notificado prévia e pessoalmente para estar presente na leitura do debate instrutório, não renunciou a estar pessoalmente presente em qualquer das diligências processuais referentes à instrução deste processado e conforme já indicado não tem liberdade de movimentos uma vez que se encontra encarcerado no E.P. do Porto pelo que foi coartado o direito que o arguido dispunha de estar pessoalmente presente na leitura da dita decisão instrutória.
7. Acresce que tendo sido agendada a leitura da decisão instrutória para as 14h00 de 18MAR14, pelas 13h30 de 13MAR14 é enviado um fax para o escritório do mandatário do arguido com a antecipação da data da leitura da decisão instrutória para as 14h30 da dita data de 13MAR14. O prazo indicado (14h30 de 13MAR14) no douto despacho de 13MAR14 e a subsequente notificação efetuada nos termos acima expostos inviabilizou por completo a possibilidade do mandatário estar presente na data agendada para a aludida leitura da decisão instrutória uma vez que este não se encontrava no escritório quando foi expedido o referido fax só tendo tido conhecimento do mesmo após a realização daquele ato processual.
Acresce que o mandatário tem escritório a cerca de 60 km (Barcelos) do TIC do Porto pelo que mesmo que estivesse presente no escritório na hora da expedição do fax (13h30) não daria tempo para estar naquele tribunal na data agendada para a leitura da decisão instrutória (14h30) pelo que de qualquer das formas sempre o mandatário do recorrente não teria possibilidade de estar presente naquele ato processual.
8. Face ao exposto nas 6.ª, 7.ª e 8.ª conclusões foi violado o artigo 61 n.º 1 a) b) e f) do CPP e consequentemente foi praticada a irregularidade nos termos do artigo 123 n.º1 do CPP por a decisão instrutória ter sida lida sem notificação tempestiva ao mandatário do arguido e cumulativamente sem prévia notificação do arguido devendo consequentemente repetir-se todos os atos processuais a partir da leitura da decisão instrutória (incluindo aquela diligência processual).
9. Se se considerar que o exposto na conclusão anterior não configura uma irregularidade nos termos do artigo 123 n.º 1 do CPP então sempre essas situações configuram uma nulidade nos termos do artigo 119 c) do CPP ou subsidiariamente e (sem conceder) nos termos do artigo 120 n.º 1 e n.º 2 d) do CPP devendo produzir-se os efeitos decorrentes do disposto no artigo 122 do CPP.
10. Acresce que o artigo 307 n.º 1 e n.º 3 do CPP viola o artigo 32 n.º 1 da CRP por representar um inadmissível prejuízo e subsequente agravamento da situação processual do arguido por restrição do seu direito de participar nos atos processuais que lhe digam respeito quando interpretado no sentido de não existir obrigatoriedade de previamente se notificar pessoalmente o arguido da data agendada para a realização da leitura da decisão instrutória quando este não tenha renunciado a estar presente no respetivo debate instrutório.
11. Acresce ainda que o artigo 307 n.º 1 e n.º 3 do CPP viola o artigo 32 n.º 1 da CRP por representar um inadmissível prejuízo e subsequente agravamento da situação processual do arguido por restrição do seu direito de participar nos atos processuais que lhe digam respeito quando interpretado no sentido de não existir obrigatoriedade de se notificar o defensor do arguido da data agendada para a realização da leitura da decisão instrutória com a antecedência necessária que não inviabilize a sua comparência naquele ato processual”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 62) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, veio o Ministério Público responder à respectiva motivação, considerando-o um expediente dilatório e pugnando pela sua improcedência.
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Nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que defende a improcedência do recurso, por considerar que o arguido/recorrente renunciou ao direito de estar presente no debate instrutório e terem sido observadas as regras legais aplicáveis, não se verificando, também, as inconstitucionalidades invocadas.
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Cumprido que foi o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, veio o recorrente oferecer resposta em que qualifica como “totalmente falso” que, expressa ou tacitamente, tenha renunciado àquele direito.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II - Fundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum, ou seja, definem o objecto do recurso e fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj), naturalmente sem prejuízo do poder-dever de apreciação das questões de conhecimento oficioso.
A questão que se debate neste recurso, a que importa dar resposta, é muito simples e consiste em saber se foi violado o direito de presença do arguido/recorrente no debate instrutório e, na afirmativa, quais as consequências da violação.
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A motivação do recurso reproduz, no essencial, as razões em que se baseou o recorrente para arguir (através do mencionado requerimento de fls. 88-93) as nulidades/irregularidades que, na sua perspectiva, foram cometidas.
Importa conhecer o teor do despacho que recaiu sobre esse requerimento, ou seja, a decisão recorrida:
«O arguido B… invoca a nulidade insanável prevista na al. c) do art° 199° do C.P.P. “ausência do arguido ou do seu defensor, nos caso em que a lei exigir a respetiva comparência” ou, a não ser considerada, a nulidade sanável prevista no art° 122° n°1 e 2 al.d)??? (presume-se que o arguido terá querido dizer art° 120° n°1 al.d) “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” cujas consequências estão previstas no art° 122° do C.P.P. por considerar que sendo a sua presença obrigatória, e não tendo estado presente no debate instrutório, por não ter renunciado a esse direito tal implica a declaração de nulidade do debate instrutório e de todos os atos processuais que se seguiram.
Sendo consabido que em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade, é ponto assente que estas apenas podem ser invocadas e declaradas caso estejam previstas nos arts° 119° e 120° ou noutras disposições legais relativas ao processo penal, conforme estatui o art° 118° n°1 do referido diploma legal.
A insuficiência de instrução por não terem sido praticados atos processuais legalmente obrigatórios, são a falta de interrogatório a requerimento do arguido (art° 292° n°2 do C.P.P.); A falta de notificação do despacho de abertura de instrução ao M.P. ao arguido, ao defensor e ao representante do assistente (art° 287° n°6 do C.P.P.); A falta de notificação do M.P., arguido, defensor, assistente e o seu advogado para os atos de instrução (art° 289° n°2 do C.P.P.); A não sujeição a contrariedade, na produção de prova durante a instrução (art° 301° n°2 do C.P.P.); A omissão da faculdade do arguido ou o seu defensor se pronunciarem sobre a produção de prova em último lugar (art° 301° n°2 do C.P.P.); A falta de notificação do representante do assistente para o debate instrutório (art°289° n°1, 297° n°3 e 302° n°2 todos do C.P.P.); A falta de debate instrutório na instrução (art° 297° n°1).
Por outro lado a omissão posterior de “diligências” que pudessem reputar-se “essenciais” para a descoberta da verdade trata de uma nulidade devida pela omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso. Esse é o sentido do adjetivo “posterior”. (Cfr. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pag. 306).
No caso dos autos nenhuma das aludidas nulidades foi cometida. O arguido foi notificado das duas datas que se encontravam designadas para o debate instrutório. Na primeira data houve lugar a adiamento nos termos e pelos fundamentos previstos no art° 300° n°1 do C.P.P. (falta de outros arguidos e respetivo mandatário que atempadamente comunicaram a falta), sendo certo que o adiamento só pode ter lugar por uma vez a não ser que o juiz entendesse que a presença do arguido era indispensável às finalidades da instrução. Se o arguido renunciou ao direito de estar presente, renúncia essa que não é expressa, foi porque abdicou da faculdade de estar presente estando representado pelo seu mandatário (até porque nem comunicou a justificação da sua falta nos termos do art° 117°). A notificação das datas que se encontravam designadas para o debate foi feita quer ao arguido, quer ao respectivo mandatário pelo que não há lugar à nulidade insanável prevista na al.c) do art° 119° do C.P.P. De igual modo não ocorreu qualquer outra nulidade, designadamente, a prevista na al.d) do art° 120° do mesmo diploma legal que são as que supra se indicaram.
Finalmente, não ocorreu qualquer irregularidade nos termos do art° 123° do C.P.P.
A antecipação da leitura da decisão não violou qualquer preceito legal e dela foram todos os intervenientes notificados nos termos do art° 113° do C.P.P.
Improcedem assim as nulidades e irregularidades invocadas».
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A lei estabelece para cada acto ou categoria de actos determinados parâmetros, cuja inobservância gerará a sua imperfeição, com consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício.
Existe um regime geral de invalidades (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Código de Processo Penal[1]) e regimes específicos para as sentenças (artigos 374.º e 379.º) e para os despachos que aplicam medidas de coacção (artigo 194.º).
O regime geral das invalidades em processo penal é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo 118.º, n.º 1).
Fora desses casos, se for cometida alguma ilegalidade susceptível de afectar o valor do acto praticado, estaremos perante uma irregularidade (n.º 2 do citado artigo 118.º).
Em causa está o direito de presença do arguido no debate instrutório.
Nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1, “a instrução é formada pelo conjunto dos actos que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado…”.
Ora, se o que a lei prevê é um direito (uma faculdade) do arguido, pode, ou não, ser exercido pelo seu titular, como acontece com qualquer outro direito que não seja indisponível.
Quer isto dizer, muito claramente, que não é obrigatória a presença do arguido no debate instrutório.
Obrigatória é a realização do debate, mas não a presença do arguido e/ou do seu defensor.
Essa conclusão sai reforçada face ao conteúdo do artigo 300.º que define o regime de adiamento do debate: a regra é a impossibilidade de adiamento; excepcionalmente, em caso de absoluta impossibilidade de ter lugar, será adiado (por uma só vez).
Como tal, como impossibilidade absoluta, é considerado o impedimento do arguido em estar presente.
Mas esse impedimento só gera absoluta impossibilidade de realização do debate instrutório se for grave e legítimo, o que pressupõe que um tal impedimento seja transmitido ao tribunal até ao início da diligência (assim, o acórdão desta Relação de 07.06.2006).
Mas, mesmo que se verifique esse impedimento grave e legítimo, o debate não será adiado por falta do arguido se este renunciar ao direito de estar presente, sendo, então, representado pelo seu defensor nomeado ou constituído (n.º 3 do artigo 300.º).
O oposto ocorre em relação à realização da audiência de julgamento: não sendo caso de realização da audiência na ausência do arguido nos termos admitidos pelos artigos 333.º e 334.º, a sua presença é obrigatória (artigo 332.º, n.º 1).
Por isso constitui nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c) a realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido que não foi para ela notificado (cfr. acórdão do STJ, de 04.10.2006, proc. n.º 2048/06-3.ª, acessível em www.dgsi.pt).
Aliás, é uniforme no STJ o entendimento de que a nulidade insanável contemplada no artigo 119.º, al. c) só se verificará em relação a actos processuais em que a lei impõe a presença do arguido (cfr., por todos, o acórdão do STJ de 21.11.2012, proc. n.º 150/10.5 JELSB-5.ª).
Não é o caso do debate instrutório e por isso, mesmo que se verificasse o tal impedimento grave e legítimo de o arguido estar presente, sem ter renunciado a esse direito, a realização do debate sem a sua presença não constituiria nulidade insanável.
Mas, como vimos, o recorrente invoca, subsidiariamente, a nulidade relativa e a irregularidade previstas, respectivamente, nos artigos 120.º, n.º 2, al. d) e 123.º, n.º 1, porque alega não ter, por qualquer forma, renunciado ao direito de estar presente no debate.
Vejamos se lhe assiste alguma razão.
Da certidão com que foi instruído o presente recurso e dos elementos, entretanto, solicitados à 1.ª instância, com relevância para a decisão, é possível extrair o seguinte:
1. Por despacho datado de 12.02.2014, foi, além do mais, designado para a realização do debate instrutório o dia 28.02.2014, pelas 10H30 (como data alternativa, o dia 04.03.2014);
2. O ilustre defensor do arguido/recorrente foi notificado dessa designação por ofício de 17.02.2014 (fls. 141 destes autos);
3. Por seu turno, para notificação ao arguido B… e outros da designação daquelas datas para o debate instrutório, foi expedido, em 17.02.2014, ofício dirigido ao Estabelecimento Prisional do Porto, no qual, além dessa notificação, se solicitava a sua condução ao tribunal no dia e hora designados, “caso desejem estar presentes”.
No rosto do próprio ofício, com data de 20.02.2014, a adjunta do director daquele E.P. manuscreveu um despacho do seguinte teor:
1) Notifiquem-se os reclusos da realização da (….?)
2) Caso expressem pretender estar presentes no debate instrutório, passem-se guias para a data indicada
No dia 21.02.2014, foi o arguido B… notificado do conteúdo desse ofício, de que lhe foi entregue cópia.
4. Por despacho de 21.02.2014, a designação daquelas datas foi dada sem efeito e, em sua substituição, foi designado, para a realização do debate instrutório, o dia 05.04.2014, pelas 10H:30, e, como 2.ª data, o dia 12.03.2014, pelas 14H:00.
O ilustre defensor do arguido B… foi notificado desse despacho por ofício datado de 25.02.2014.
O próprio arguido B… foi notificado em 26.02.2014 nos mesmos termos descritos no número anterior, designadamente com a indicação de que “caso pretendam comparecer e expressem intenção nesse sentido passem-se guias para a data indicada” (fls. 189 destes autos).
5. No dia 05.03.2014, o arguido não esteve presente, tendo estado representado pelo seu ilustre defensor, que compareceu, mas, devido a ausências devidamente comunicadas e justificadas, o debate não se realizou, ficando a sua realização para a 2.ª data (12.03.2014).
6. Nessa data, realizou-se o debate instrutório, no qual não compareceu o arguido B…, que foi representado pelo seu ilustre defensor, presente.
7. Realizado o debate, a Sra. Juiz de instrução designou o dia 18.03.2014 para a leitura da decisão instrutória, mas veio a antecipar a leitura para o dia 13.03.2014, pelas 14H:30.
Para notificação do ilustre mandatário do arguido B… dessa antecipação, foi expedido, em 13.03.2014, pelas 13H:30, fax dirigido ao seu domicílio profissional, em Barcelos.
Porém, o ilustre defensor não compareceu à leitura da decisão instrutória, tendo sido notificado da mesma, por via postal registada, em 13.03.2014.
8. O arguido foi notificado, por contacto pessoal, da decisão instrutória em 14.03.2014.
Como resulta desta sequência de actos, o arguido foi devidamente convocado para o debate instrutório. De resto, ele não põe em causa que assim aconteceu. O que o recorrente alega é que estar, ou não, presente no debate não dependia de si, já que, estando privado da liberdade, não podia, por sua iniciativa e pelos seus próprios meios, deslocar-se ao Tribunal de Instrução. Daí a sua afirmação de que não renunciou ao direito de presença (conclusão 1.ª).
Porém, salvo o devido respeito, o argumento não colhe porque o recorrente omite um dado importante: da notificação que lhe foi, pessoalmente, feita resulta muito claro que a sua comparência no debate não era obrigatória e por isso, se pretendia estar presente, devia expressar e transmitir aos respectivos serviços do E.P. do Porto essa sua pretensão para que pudesse ser providenciado o seu transporte (“caso pretendam comparecer e expressem intenção nesse sentido passem-se guias…). O recorrente não manifestou (nunca diz que o fez) o propósito de estar presente no debate, pois, de contrário, não se descortina motivo algum para que os serviços do E.P. não o tivessem conduzido ao TIC. Aliás, não tendo sido conduzido na primeira data (05.03.2014) designada para o debate, se tivesse transmitido a sua pretensão de estar presente, lógico seria que, logo então, tivesse manifestado o seu inconformismo por ter sido impedido de exercer esse direito. E se não queria fazê-lo directamente aos responsáveis do E.P., sempre poderia transmitir o seu protesto ao seu ilustre mandatário, que não deixaria de dar a conhecer ao tribunal o ocorrido. No entanto, nada disso aconteceu.
A verdade é que o recorrente não quis (ou não manifestou vontade de) estar presente no debate e agora, para fundamentar a arguição de nulidades e irregularidades, argumenta que não renunciou a esse direito.
Sobra, pois, claro que não foi cometida qualquer ilegalidade que afecte a validade do debate instrutório, incluindo o acto de leitura da decisão instrutória.
A notificação aos sujeitos processuais (Ministério Público, arguido e assistente) da designação da data para o debate instrutório tem de ser feita com, pelo menos, cinco dias de antecedência (artigo 297.º, n.º 3).
Para a leitura da decisão instrutória, não se impõe a mesma formalidade e são fáceis de entender as razões por que assim sucede: a regra é a de que tal decisão seja proferida (e ditada para a acta) logo após o encerramento do debate; excepcionalmente, pode ser proferida no prazo máximo de dez dias, caso em que o juiz comunica, de imediato, aos presentes a data da leitura do despacho (artigo 307.º, n.os 1 e 3).
A Sra. Juiz designou a leitura da decisão instrutória para o dia 18.03.2014, mas acabou por antecipar a leitura para o dia 13.03.2014, pelas 14H:30. A comunicação da alteração ao ilustre mandatário do arguido/recorrente foi feita, por fax, com uma hora de antecedência. Embora não se possa questionar a idoneidade do meio, é procedimento que não se recomenda, até porque não se vislumbra razão atendível para tanta urgência.
Mas a leitura da decisão instrutória, tal como acontece com a sentença, equivale à sua notificação aos sujeitos processuais (artigo 307.º, n.º 1), sendo a partir daí que se conta o prazo para reagir contra ela, designadamente para arguir nulidades ou interpor recurso, se admissível.
Não tendo estado presentes na leitura da decisão instrutória, quer o arguido/recorrente, quer o seu ilustre defensor, impunha-se que (ambos) fossem notificados nos termos previstos no artigo 113.º e foi, exactamente, isso que aconteceu.
Forçoso é, pois, concluir que nenhum prejuízo adveio para o arguido do procedimento adoptado pelo tribunal a quo e o presente recurso espelha isso mesmo.
Por último, não se enxerga fundamento para as inconstitucionalidades invocadas.
Quando se questiona a constitucionalidade de uma norma ou de determinada interpretação normativa, impende sobre o recorrente o ónus de enunciar expressamente tal norma ou interpretação.
Com efeito, constitui entendimento reiterado e uniforme do Tribunal Constitucional que a admissibilidade de um recurso de constitucionalidade depende, além do mais, da aplicação, como ratio decidendi da decisão recorrida, de norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende.
No entanto, o recorrente não diz qual o sentido normativo, que considera desconforme com a Lei Fundamental, teria sido aqui adoptado.
Invoca a inconstitucionalidade das normas dos n.os 1 e 3 do artigo 307.º do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido de não existir obrigatoriedade de, previamente e com a antecedência necessária que não inviabilize a sua comparência ao acto, se notificar pessoalmente o arguido e o seu defensor da data agendada para a realização da leitura da decisão instrutória, mas a Sra. Juiz de instrução indeferiu a arguição de nulidades e irregularidades porque ambos foram notificados da decisão instrutória nos termos previstos no artigo 113.º daquela Codificação. Quer isso dizer que não foi com base nas normas do artigo 307.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido apontado pelo recorrente, que o tribunal decidiu como decidiu.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.

IIIDecisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmar a decisão impugnada.
Por ter decaído, pagará o recorrente taxa de justiça que se fixa em quatro UC (artigos 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto na alínea j) do artigo 4.º do mesmo Regulamento).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 15-10-2014
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
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[1] Serão deste Compêndio normativo as disposições legais que forem citadas sem qualquer indicação do diploma legal a que pertencem.