Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22996/17.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ANULABILIDADE DAS DELIBERAÇÕES
ACTA DA ASSEMBLEIA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2019060422996/17.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º896, FLS.178-190)
Área Temática: .
Sumário: I - Dependendo a nulidade de deliberação e a omissão de notificação para Assembleia de Condóminos de arguição de anulabilidade, recaía sobre os Recorrentes/embargantes o ónus de alegação e prova da impugnação das deliberações em causa.
II - Esta doutrina é aplicável mesmo nas situações em que não haja prova nos autos de que o condómino faltoso tenha efectivamente sido notificado do teor da Acta respectiva.
III – A exequibilidade de uma Acta de Assembleia de Condóminos, ao abrigo do disposto no art.º 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25/10, apenas obriga a que haja sido aprovado um montante de contribuições e/ou de despesas globais certas que, pela aplicação da permilagem relativa a cada fracção, permita a determinação do “quantum” devido a cada condómino.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 22.996/17.3T8PRT-A.P1
Comarca: [Juízo de Execução do Porto (J6), Comarca do Porto]
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Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B… e C…, executados nos autos principais, vieram deduzir oposição à execução, por embargos de executado, contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO D…, exequente nos mesmos autos, alegando, em síntese, que as quotas do condomínio referentes aos períodos/anos de 2012 se encontram prescritas, por serem comparticipações para despesas comuns.
Invocam que o Regulamento do Condomínio é nulo, por ter sido aprovado por maioria simples dos condóminos presentes, pelo que o lançamento na sua conta corrente de importâncias correspondentes a penalidade, despesas respeitantes a encargos administrativos e despesas respeitantes a honorários com advogado não são devidas por falta de fundamentação legal, legitimidade e/ou deliberação.
Mais invocam falta de título executivo, por as Actas de Condomínio apresentadas não fixarem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento, a quota - parte de cada condómino nem a identificação de qualquer condómino alegadamente em falta.
Acrescentam, no que às despesas extrajudiciais/administrativas, honorários e penalidades diz respeito, que a quantia peticionada de €1.039,35 se trata de uma forma encapotada de exigir o pagamento de eventuais honorários de solicitador e advogado. Acrescentam que as Actas em causa não podem servir como títulos executivos quanto a tais verbas.
Invocam igualmente a ineficácia da deliberação da assembleia de condóminos, por não constarem como condóminos nas Actas dadas como títulos executivos e por não terem sido notificados das mesmas.
Invocam ainda a sua ilegitimidade, por alegadamente não figurarem como devedores nas Actas dadas à execução.
Supletivamente alegam que o valor peticionado a título de “Penalidades/sanção pecuniária é manifestamente excessivo como cláusula penal, devendo ser equitativamente reduzido.
Rematam pedindo que as excepções invocadas sejam julgadas procedentes, com as consequências daí inerentes.
Caso assim se não entenda, pedem que a presente oposição seja julgada procedente e, em consequência, que a execução seja julgada extinta.
O Exequente veio apresentar Contestação, reconhecendo a prescrição dos montantes em dívida no período entre 09 de Setembro de 09 de Outubro de 2012, no valor total, de capital, de €63,12,
e impugnando a demais factualidade alegada.
Contrapõe – com particular relevo - que o Regulamento do Condomínio foi aprovado em Assembleia Geral Ordinária de 23 de Julho de 2013, devidamente notificado aos Embargantes, que não o impugnaram atempadamente.
Afirma que as deliberações das Assembleias de condóminos foram tomadas por unanimidade dos condóminos presentes e/ou representados, tendo ficado anexadas às respectivas Actas os orçamentos e respectiva distribuição. Bem como que o prazo para pagamento consta do respectivo regulamento interno.
Acrescenta que dos mesmos documentos anexos às Actas consta expressamente os valores em dívida por parte dos Embargantes.
Alega que o Embargante foi devidamente notificado de todas as convocatórias para a morada onde foi citado para a presente acção executiva.
Conclui pedindo que os presentes embargos sejam julgados não provados e improcedentes, continuando a acção executiva a sua tramitação normal contra os executados.
Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor: “Afigura-se que os autos dispõem de elementos suficientes em ordem a proferir uma decisão de mérito (art.º 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
A audiência prévia apenas se destinaria a cumprir os objectivos previstos no artigo 591.º, n.º 1, al) a) e b) do CPC. Contudo, uma vez que as questões pertinentes já foram debatidas nos articulados, e de modo a evitar a deslocação a este tribunal, entendo que será dispensável a realização de audiência prévia.
Não obstante, concedo às partes a possibilidade de se pronunciarem, podendo, designadamente: requerer a realização de audiência prévia ou alegarem por escrito o que iria sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar (artigos 3.ºe 6.º do CPC; Ac. Da RP de 27/09/2017, www.dgsi.pt).
Prazo: 10 dias.”
Não tendo nenhuma das partes vindo pronunciar-se, proferiu-se despacho saneador-sentença, com a seguinte parte decisória: “Pelo exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes, por provados, e consequentemente determino a extinção parcial da execução, quanto aos montantes de €63,12 e €700,00 e ainda reduzindo assim os juros a €465,36, e no mais prosseguindo a execução quanto ao remanescente, reduzindo-se a quantia exequenda em conformidade.”
Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados interpuseram recurso, pedindo a revogação da decisão proferida quanto à improcedência parcial do pedido, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
I. Os Embargantes/Recorrentes arrolaram testemunhas para prova dos factos alegados na sua PI.
II. Tais testemunhas não foram ouvidas em Tribunal.
III. O Tribunal não se pronunciou sobre a eventual inutilidade da inquirição das referidas testemunhas.
IV. Com efeito, está e/ou ficou em causa o ónus da prova dos Embargantes/Recorrentes.
V. Não tendo aquele mesmo Tribunal pronunciado sobre a eventual inutilidade da inquirição das referidas testemunhas, a realização das testemunhas omitida é não só útil, como indispensável, para a boa decisão da causa e, a não se realizar/admitir, onerou a decisão final com uma distorcida percepção dos factos, e no limite, uma grave omissão de pronúncia.
VI. Ao não efectuar ou fundamentar a razão para a não inquirição de testemunhas arroladas, foi recusado aos Embargantes a possibilidade de demonstração da factualidade através da prova testemunhal oferecida tempestivamente.
VII. Os Recorrentes, face à douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, ficam coarctados na sua posição processual em clara violação do princípio da igualdade das partes
na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o art.º 4.º do CPC.
VIII. Consequentemente, é nula a sentença por violação do princípio inquisitório dado que a Juiz a quo não fundamentou em despacho a recusa e/ou realizou todas as diligências úteis ao apuramento da verdade.
IX. Quando se trata do Regulamento do Condomínio feito pela assembleia de condóminos ou pelo administrador, caso aquela não o haja elaborado, a sua aprovação carece das maiorias deliberativas exigíveis legalmente à assembleia para as diferentes matérias a deliberar. Ou seja, é aprovado ponto por ponto, respeitando-se, para cada um, a maioria deliberativa que a lei exige, sendo a regra geral a maioria dos votos representativos do capital investido.
X. Se o regulamento não constar do título constitutivo, compete à assembleia do condomínio, ou ao administrador, a sua elaboração.
XI. O regulamento do condomínio (ou qualquer alteração a este) carece de aprovação em reunião de condomínio, com uma maioria qualificada de 2/3 (dois terços) dos votos expressos do valor total do prédio.
XII. Conforme se constata do documento n.º 4 junto aos autos (Acta número 1), o denominado Regulamento do condomínio do Edifício D…, foi aprovado por uma maioria de condóminos sem uma maioria qualificada de 2/3 do valor total do edifício.
XIII. Como tal, dado a inexistência quer de quórum constitutivo e quórum deliberativo o regulamento do condomínio junto aos presentes autos (documento n.º IX. é nulo e sem nenhum efeito, e consequentemente todas as suas normas/regras não são aplicáveis aos condóminos do prédio Urbano denominado de Condomínio do edifício D…, sito na Rua …, n.º …/….
X. Nem toda a Acta da assembleia de condóminos é considerada título executivo, pois a lei só o reconhece àquela que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.
XI. Pela consulta das Actas dadas como título executivo, rapidamente se chega à conclusão que não foi fixado qualquer prazo de pagamento.
XII. Sendo certo que o n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, requer que: «A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
XIII. Não tendo sido estabelecido qualquer prazo, falha um dos requisitos que a lei exige para que a acta da assembleia de condóminos possa servir de título executivo.
XIV. Assim, as actas apresentadas não constituíram, nem pode constituir, título executivo nos termos do art.º 703.º, n.º 1, d), do C.P.C.
XV. Pelo todo o exposto, a conclusão é no sentido de que o Exequente não dispõe de título executivo idóneo à sustentação da acção executiva que propôs, sendo por isso injustificada, atento o disposto nos arts. 10.º e 703.º do C.P.C.
XVI. Verifica-se que os referidos títulos executivos juntos aos autos de execução, não reúnem os requisitos de exequibilidade expressamente indicados naquele artigo, designadamente: não fixa os montantes das contribuições devidas ao condomínio, nem o prazo de pagamento, nem a quota-parte de cada condómino.
XVII. Nem tão pouco resulta a identificação de qualquer condómino alegadamente em falta, nem, por maioria de razão, a identificação dos ora Embargantes/Recorrentes.
XVIII. A este título veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14/10/2014, no qual se refere que: I – Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependendo, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes), nem de, nela, ser explicitado aquele valor.
XIX. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/09/2012, Processo n.º 4222/10.8TBGDM-A.P1. disponível in www.dgsi.pt.
XX. E no mesmo sentido vejam-se ainda os seguintes Acórdãos, todos publicados in www.dgsi.pt: Ac. Tribunal Relação de Lisboa de 09/12/2008, Proc. 9520/2008-6; Ac. Tribunal Relação de Guimarães de 14/02/2013, Proc. N.º 1415/12.7TBFLG.G1; Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 20/06/2012, Proc. 157/10.2TBCVL-A.C1.
XXI. Também pelo acabado de referir (na parte respeitante ao facto do nome dos embargantes/recorrentes não constar em nenhuma das actas dadas em execução) carecia o exequente, igualmente por esta via, de legitimidade para demandar os embargantes.
XXII. A respeito de um problema semelhante, veja-se o acórdão do STJ de 10.07.2008, segundo o qual “a legitimidade do executado, demandado por alegadamente ser responsável pelo pagamento das despesas comuns do condomínio, só está assegurado se na acta da assembleia do condomínio, constar o seu nome”, o que não se verifica, como se viu, no caso em apreço.
XXIII. Os Embargantes/Recorrentes não constam como condóminos nas actas dadas como título executivo.
XXIV. Por outro lado, os Embargantes/Recorrentes não localizaram que tenham sido notificados das actas, pelo que presume nunca terem sido notificados das mesmas.
XXV. Cabendo, de resto, ao condomínio o ónus da prova de que notificou os Embargantes/Recorrentes, conforme resulta do art.º 342.º do Código Civil, o que não aconteceu.
XXVI. Ora, em revelia do estatuído no n.º 6 do art.º 1432.º do C.C., os Embargantes/Recorrentes não foram notificados de qualquer deliberação da assembleia de condomínio.
XXVII. Pelo que a falta do envio da acta ou das comunicações das deliberações da assembleia dos condóminos, a todos os condóminos ausentes (e não representados), produz a ineficácia das deliberações da assembleia dos condóminos relativamente a eles.
XXVIII. Dispõe a lei, no n.º 1 do art.º 53.º do Código Civil, que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credora e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
XXIX. Ora, nas actas dadas como título executivo, não figuram como devedores os Executados/Recorrentes, ou seja, nenhuma referência é feita à identidade do proprietário e/ou proprietários da fracção dos autos, e a sua alegada qualidade dos devedores.
XXX. De facto, pela consulta das actas, não há qualquer referência aos Executados/Embargantes/Recorrentes.
XXXI. Significa isso, sem prejuízo do já exposto, que os Embargantes/Recorrentes são parte ilegítima na acção.
XXXII. Face ao teor dos títulos dados à execução e ao estipulado no artigo 53 do CPC é manifesta a ilegitimidade dos aqui Embargantes/Recorrentes para figurarem como demandados.
XXXIII. De facto, é esse o entendimento amplamente sufragado pelos nossos tribunais superiores.
XXXIV. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2008, cujo teor é o Exmo. Conselheiro Urbano Dias (disponível em www.dgsi.pt), foi decidido que «A legitimidade do executado, demandado por alegadamente ser responsável pelo pagamento das despesas comuns do condomínio, só está assegurada se na acta da assembleia de condomínio, constar o seu nome».
XXXV. Tal entendimento é sufragado no ac. do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2014, cujo relator é o Exmo. Desembargador Teles de Menezes, quando refere: «II – A acta da assembleia de condóminos constitui título executivo, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, al. d) do CPC e do art.º 703.º, n.º 1, al. d) do NCPC, porquanto é um documento a que, pelo art.º 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25/10, foi atribuída força executiva. III – Porém, a omissão nela do nome do executado que tenha sido demandado é motivo de ilegitimidade, sem possibilidade de recurso a elementos exteriores ao título.»
XXXVI. Através dos autos de execução, e embora não resulte dos documentos dados à execução (actas), resulta do documento n.º 10 junto (nota de débito) que a Exequente pretende obter o pagamento das despesas do condomínio, incluindo as relativas aos meses de Novembro de 2017 a Julho de 2018.
XXXVII. Pretende obter o pagamento de quantias que, manifestamente, não se encontravam vencidas à data da propositura da execução.
XXXVIII. E a que manifestamente não tem direito por não se mostrarem vencidas.
XXXIX. Sendo mesmo assim os recorrentes condenados no seu pagamento.
O Embargado/Exequente apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença proferida.
O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como questão prévia, há que referir que os Recorrentes sustentam que arrolaram testemunhas para prova dos factos alegados no requerimento inicial.
Dizem que a inquirição destas testemunhas é útil e indispensável para a boa decisão da causa.
Defendem ser nula a sentença por violação do princípio inquisitório dado que a Juiz a quo não fundamentou em despacho a recusa e/ou realizou todas as diligências úteis ao apuramento da verdade.
Vejamos.
Esta nulidade, a existir, seria uma nulidade processual e não é, neste momento, invocável.
Como vem referido no Relatório supra, as partes foram notificadas da intenção do tribunal recorrido de não realizar audiência prévia e de proferir, de imediato, decisão de mérito, por aplicação do disposto no art.º 595.º, n.º 1, alínea b), do CP Civil.
Tendo sido concedido às partes a possibilidade de se pronunciarem e/ou de requererem a realização da audiência prévia, nenhuma delas se veio pronunciar, designadamente os Embargantes.
Verifica-se, assim, que os Embargantes optaram por não se pronunciarem, designadamente pugnando pela inquirição das testemunhas por si arroladas, conformando-se com tal decisão.
Independentemente disso, a eventual nulidade processual decorrente da não inquirição das testemunhas arroladas teria que ter sido invocada no decurso da tramitação do apenso de embargos e nos prazos legais fixados para o efeito, sob pena de preclusão.
Com efeito, nos termos do disposto nos art.º 149.º e 199.º, n.º 1, do CP Civil, os Embargantes dispunham do prazo supletivo de 10 dias para arguir tal nulidade, contados desde a sua notificação deste despacho.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer acto processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas[2] "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos actos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos peremptórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os actos que devam ter lugar em prazo peremptório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
Conclui-se, neste ponto, que os Recorrentes/Embargados não podem suscitar neste momento a nulidade alegadamente decorrente da falta de inquirição das testemunhas por si arroladas por o respectivo direito se encontrar duplamente precludido: por não ter sido tempestivamente suscitado no prazo concedido para se pronunciarem e, ainda que assim não fosse, por, não terem suscitado a eventual nulidade no prazo legal de 10 dias fixado para o efeito.
Feita esta delimitação negativa, temos que as questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
- Nulidade do Regulamento do Condomínio por falta de quórum constitutivo e de quórum deliberativo;
- Falta de título executivo por as Actas de Condomínio não fixarem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento, a quota-parte de cada condómino nem a identificação de qualquer condómino alegadamente em falta;
- Ilegitimidade dos Embargantes por não figurarem como devedores nas Actas exequendas;
- Ineficácia das deliberações da assembleia de condóminos por os Embargantes não terem sido notificados das mesmas;
- Falta de vencimento de parte das dívidas exequendas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados (Factos elencados na decisão em recurso):
1) Os executados são proprietários das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, Edifício denominado de “D…”, sito na Rua …, …/…, na Freguesia e Concelho de ….
2) Em 23 de Julho de 2012 reuniram-se em assembleia os respectivos condóminos, tendo sido aprovada, por unanimidade dos presentes, a proposta de orçamento para vigorar durante o período de Setembro de 2012 a Agosto de 2013 apresentado pela Administração eleita, nos seguintes termos:
Relativamente ao segundo ponto da ordem de trabalhos, foi elaborado, discutido e aprovado, pela unanimidade dos Condóminos presentes e/ou representados, o seguinte orçamento de custos para o período de Setembro de 2012 a Agosto de 2013:
Electricidade - 540,00 euros; Ferramentas e utensílios - 30,00 euros; Comunicações - 25,00 euros; Honorários/Avenças - 1,180,80 euros; Conservação e Reparação - 75,00 euros; Trabalhos especializados - 50,00 euros;
Outros Fornecimentos e Serviços - 25,00 euros; Fundo de Maneio - 10,00 euros;
Fundo Comum de Reserva - 193,58 euros; Seguros do Edifício- 780,00 euros;
Total do Orçamento - 2.909,38 euros.
Ainda neste ponto foi igualmente aprovado mandatar a Administração para mandar colocar seis extintores, dois em cada caixa de escadas e cave, bem como construir na cave a todo o cumprimento um sistema de escoamento/drenagem de águas. Assim, para fazer face às despesas previstas, foram aprovados os valores de 400,00 e 1.200,00 euros acrescidos IV A,
3) Em 07 de Outubro de 2013 reuniram-se em assembleia os respectivos condóminos, tendo sido aprovada, por unanimidade dos presentes, a proposta de orçamento para vigorar durante o período de Setembro de 2013 a Agosto de 2014 apresentado pela Administração eleita, nos seguintes termos:
Relatívamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, foi elaborado, discutido e aprovado, peta unanimidade dos Condóminos presentes e/ou representados, o seguinte orçamento de custos para o penado de Setembro de 2013 a Agosto de 2014;
Electricidade - 635,00 euros; Ferramentas e utensíllos - 30,00 euros; Comunicações "- 25,00 euros; Honoráriosl Avenças ~ 1.181,00 euros; Conservação e Reparação- 75,00 euros; Trabalhos especializados - 50,00 euros; Outros Fornecimentos e Serviços _. 25,00 euros; Fundo de Maneio - 10,00 euros; Fundo Comum de Reserva - 203,10 euros; Seguros do Edifício - 780,00 euros; Total do Orçamento - 3.014,10 euros,
Ainda neste ponto foi igualmente aprovado o valor de 510,00 euros. a ser lançado numa única prestação, na proporção do valor de cada fiação e inerente a desvio orçamental existente na demonstração de resultados do ano anterior.
4) Mais se decidiu, na mesma assembleia, aprovar o regulamento ora junto a fls. 9 ss. da execução, que aqui se dá por reproduzido, sendo que de acordo com o artigo 7.º do Regulamento do condomínio, as importâncias a pagar por cada condómino deverão ser pagas até ao dia 9 de cada mês.
5) Em 15 de Outubro de 2014 reuniram-se em assembleia os respectivos condóminos, tendo sido aprovada, por unanimidade dos presentes, a proposta de orçamento para vigorar durante o período de Setembro de 2014 a Agosto de 2015 apresentado pela Administração eleita, nos seguintes termos:
Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos foi aprovado pela unanimidade dos Condóminos presentes elou representados a reeleição da firma "E…, Lda" como entidade Administradora deste edifício para o período de Setembro de 2014 a Agosto de 2015.
Relativamente no terceiro ponto da ordem de trabalhos, foi elaborado, discutido e aprovado, pela unanimidade dos Condóminos presentes e/ou representados, o seguinte orçamento de custos para o período de Setembro de 2014 a Agosto de 2015:
Electricidade - 635,00 euros; Ferramentas e utensílios ~ 30,00 euros; Comunicações.- 25,00 euros; Honorários/Avenças - 1.181,00 euros; Conservação e Reparação - 345.00 euros; Trabalhos especializados - 50,00 euros; Outros Forneelmentos e Serviços - 25,00 euros; Fundo de Maneio -10,00 euros; Fundo Comum de Reserva - 203,10 euros; Seguros do Edifício - 780,00 euros; Total do Orçamento - 3.311,10 euros,
6) Em 08 de Setembro de 2015 reuniram-se em assembleia os respectivos condóminos, tendo sido aprovada, por unanimidade dos presentes, a proposta de orçamento para vigorar durante o período de Setembro de 2016 a Agosto de 2016 apresentado pela Administração eleita, nos seguintes termos:
Relativamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, foi elaborado, discutido e aprovado. pela unanimidade dos Condóminos presentes e/ou representados, o seguinte orçamento de custos para o período de Setembro de 2015 a Agosto de 2016: Electrleidadc · -635,00 euros; Ferramentas e utensilios - 30.00 euros; Comunicações - 25,00 euros; Honorários/A"enças - l.l8l,00 euros; Conservação e Reparação - 345,00 euros; Trabalhos especíalizados- 50,00 euros; Outros Fornecimentos e Serviços - 25,00 euros; Fundo de Maneio - 10.00 euros; Fundo Comum de Reserva - 203,10 euros; Seguros do Edifício - 780,00 euros; Total do Orçamento - 3.311,10 euros,
7) Em 20 de Setembro de 2016 reuniram-se em assembleia os respectivos condóminos, tendo sido aprovada, por unanimidade dos presentes, a proposta de orçamento para vigorar durante o período de Setembro de 2016 a Agosto de 2017 apresentado pela Administração eleita, nos seguintes termos:
Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos foi aprovado pela unanimidade dos Condóminos presentes e/ou representados a reeleição da firma "E…, Lda" como entidade Administradora deste edifíclo para o período de Setembro de 2016 a Agosto de 2017.
Relativamente no terceiro ponto da ordem de trabalhos, foi elaborado, discutido e aprovado, pela unanimidade dos Condóminos presentes eou representados, o seguinte orçamento de custos pata o período de Setembro de 2016 a Agosto de 201 7: Electricidade - 635,00 euros; Ferramentas e uteasíllcs - 30,00 euros; Comunicações - 25,00 euros; Honorários/Avenças - 1.181,00 euros; Conservação e Reparação - 500,00 euros; Trabalhos especíalízadns - 50,00 euros; Outros Fornecimentos e Serviços - 25,00 euros; Fundo de Maneio - 10,00 euros; Seguros do Edifício - 780,00 euros; Fundo Comum de Reserva - 323.60 euros; Total do Orçamento - 3.559,60 euros.
8) A execução de que estes autos dependem foi instaurada em 30/10/2017, sendo a embargante citada em 13/12/2017.
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IV – NULIDADE DO REGULAMENTO DO CONDOMÍNIO POR FALTA DE QUÓRUM CONSTITUTIVO E DE QUÓRUM DELIBERATIVO E INEFICÁCIA DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Os Recorrentes sustentam que o Regulamento do condomínio do Edifício D…, foi aprovado por uma maioria de condóminos sem uma maioria qualificada de 2/3 do valor total do edifício.
Entendem que, como tal, o regulamento do condomínio junto aos presentes autos (documento n.º 9) é nulo e sem nenhum efeito e, consequentemente, todas as suas normas/regras não são aplicáveis aos condóminos do prédio Urbano denominado de Condomínio do edifício D…, sito na Rua …, n.º …/….
Contrapôs o Recorrido que este Regulamento foi aprovado na Assembleia Geral Ordinária de 23 de Julho de 2013, tendo sido os Recorrentes devidamente notificados do teor da ata bem como do Regulamento aprovado.
Mais sustentam que não localizaram que tenham sido notificados das Actas exequendas, pelo que presumem nunca terem sido notificados das mesmas.
Afirmam caber ao condomínio o ónus da prova de que notificou os Embargantes/Recorrentes, conforme resulta do art.º 342.º do Código Civil, o que não aconteceu.
Defendem que a falta do envio da Acta ou das comunicações das deliberações da assembleia dos condóminos, a todos os condóminos ausentes (e não representados), produz a ineficácia das deliberações da assembleia dos condóminos relativamente a eles.
Contrapôs o Recorrido que os Recorrentes foram devidamente notificados das convocatórias e das Actas das assembleias, nunca tendo impugnado qualquer deliberação que tivesse sido tomada.
Importa, pois, apurar qual a actuação devida por parte do condómino que não concorde com a aprovação do Regulamento Interno e/ou que não tenha sido notificado das Actas da Assembleia de Condóminos.
Por falta de regulamentação específica a este respeito, deve entender-se ser aplicável a estatuição do n.º1 do art.º 1433.º do Código Civil[3], a qual prescreve que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”
Acrescenta o n.º 4 que “O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.”
Tal como se refere na decisão recorrida, tem de considerar-se, na ausência de qualquer distinção na lei, que este normativo se aplica quer às deliberações inválidas em função do respectivo objecto (vício de conteúdo), quer às inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos condóminos (vícios de formação).
Por inerência, deve entender-se que quer a falta de convocatória de qualquer condómino para a assembleia, quer a aprovação do Regulamento de Condomínio em violação das disposições legais deverão ser impugnadas pelo condómino que se considere lesado.
Em face do exposto, entende-se, como na decisão recorrida, que, dependendo a nulidade da deliberação e a omissão de notificação de arguição, sob pena de se considerar o acto válido, recaía sobre os Recorrentes/embargantes o ónus de alegação e prova da impugnação das deliberações em causa, nos termos consagrados no indicado art.º 1433.º do C Civil.
Não tendo os Recorrentes diligenciado no sentido da impugnação de tais deliberações, deve considerar-se o Regulamento validamente aprovado e exequíveis as Actas que documentam as deliberações tomadas quanto à comparticipação de cada condómino nas despesas comuns e nas demais comparticipações aprovadas.
Dando como nossas as palavras de Marco Carvalho Gonçalves[4], “(…) a força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva definida através da deliberação nos termos legais, exarada na acta.”
Esta doutrina deve considerar-se aplicável mesmo nas situações em que não haja prova nos autos de que o condómino faltoso tenha efectivamente sido notificado do teor da Acta respectiva.
Na verdade, a redacção inicial do n.º 2 do 1433.º do C Civil – correspondente ao actual n.º 4 do mesmo preceito - determinava que “O direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação.”
O D.L. n.º 267/94, de 25/10, introduziu a redacção actualmente vigente, com duas relevantes alterações: alterou para 60 dias o prazo para os condóminos ausente impugnarem as deliberações, mas deixou de fazer referência à comunicação da deliberação como início de contagem do prazo da impugnação.
Esta alteração legislativa tem de considerar-se racional e deliberada.
Tal como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2001, tendo como Relator Araújo de Barros[5]: “Em nosso entender, tais alterações têm um significado evidente: se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e a operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses os anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afectariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.”
Deve, portanto, considerar-se que o direito dos condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação.
Conclui-se, consequentemente, pela improcedência destes fundamentos de recurso.
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V – FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO E ILEGITIMIDADE DOS EMBARGANTES
Mais sustentam os Recorrentes os títulos executivos apresentados não reúnem os requisitos de exequibilidade, designadamente: não fixam os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento, a quota-parte de cada condómino nem a identificação de qualquer condómino alegadamente em falta.
Defendem que, assim, as actas apresentadas não constituíram, nem podem constituir, título executivo nos termos do art.º 703.º, n.º 1, d), do CP Civil.
Acrescentam que também pelo acabado de referir (na parte respeitante ao facto do nome dos embargantes/recorrentes não constar em nenhuma das actas dadas em execução) carecia o Exequente, igualmente por esta via, de legitimidade para demandar os Embargantes.
Respondeu o Recorrido, a este respeito, que, não obstante os orçamentos e respectiva distribuição não constarem directamente da Acta, os mesmos se encontram em documento anexo e são sempre enviados a todos os condóminos, incluindo o Embargante, aquando o envio da convocatória para a assembleia de condóminos e estão devidamente anexados à ata e rubricados pelos condóminos.
Alega que, dos documentos, é absolutamente perceptível o que cada fracção tem como valor a pagar, quer mensal como anualmente.
Relativamente ao prazo para pagamento, aduz que o mesmo consta do respectivo regulamento interno.
Cumpre decidir.
Desde logo, estando provado que os Executados são proprietários das fracções designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano em referência nos autos, é manifesto não se verificar a excepção de ilegitimidade invocada, em face ao disposto nos art.º 1420.º e 1424.º do C Civil.
Com efeito, decorre do art.º 1420.º, n.º 1, do C Civil que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício e do art.º 1424.º, n.º 1 do C Civil que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
Ou seja, os proprietários sabem que, enquanto condóminos, estão obrigados a pagar a sua quota-parte nas despesas correntes ou extraordinárias do condomínio, pela forma e com a periodicidade estabelecida pelo conjunto dos condóminos.
Assim, acompanhamos neste ponto a posição do tribunal recorrido, ao referir que “Assim, nos títulos executivos em questão não tem que constar o nome do devedor, podendo as actas identificar o mesmo pela mera referência à propriedade de uma determinada fracção. Nesta conformidade, a legitimidade dos devedores não pode ser aferida pelo mero confronto do título, mas deste em conjugação com a demonstração da titularidade da fracção. Não há dúvidas que nas actas dadas à execução as fracções dos embargantes vêm identificadas.”
Quanto às condições de exequibilidade, o art.º 703.º, n.º 1, alínea d), do CP Civil, elenca como títulos executivos, entre outros, “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
O D.L. n.º 268/94, de 25/10 criou um destes títulos executivos especiais, procurando soluções que tornassem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros (tal como se lê no respectivo Preâmbulo).
O respectivo art.º 6.º dispõe que a Acta da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Decorre deste artigo que o legislador atribuiu força executiva à Acta da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio instaurar acção executiva contra o proprietário da fracção, condómino devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, sem que, previamente, tenha que lançar mão ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento do crédito.
Os condóminos, estão obrigados a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respectivas fracções (art.º 1424.º n.º 1 do C Civil).
Para o efeito, cabe ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (alínea b) do art.º 1436.º do C Civil), o qual deverá ser sujeito a aprovação em Assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de Janeiro de cada ano (art.º 1431.º do C Civil).
Aprovado o orçamento, caberá ao administrador cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado – art.º 1436.º alíneas d) e h) do C Civil) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 1436.º alínea e) do C Civil.
Desde a entrada em vigor deste diploma legal, a doutrina e a jurisprudência têm-se dividido quanto à definição das deliberações da assembleia de condóminos passíveis de servirem de título executivo: enquanto uns somente atribuem força executiva às Actas em que se proceda à liquidação dos valores em dívida de condóminos concretos outros defendem serem títulos executivos as Actas que definem a fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio em cada ano pelos condóminos.
Nos últimos anos, esta divergência tem vindo a convergir em favor da segunda tese.
Assim, Delgado de Carvalho[6], em defesa desta tese, refere “Consideramos como melhor doutrina a primeira das soluções apontadas, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria deliberação da assembleia de condóminos, vertida em acta, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota-parte nas contribuições e nas despesas comuns.”
Por seu turno, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo[7], numa posição ecléctica, defendem que “Em bom rigor, o que se pretende é que a obrigação (na sua constituição inicial ou traduzindo a existência de um débito) conste da acta de assembleia de condóminos e a responsabilidade do executado seja apurável por simples cálculo aritmético por referência a cada um dos períodos considerados em dívida.”
Na jurisprudência, decidiu-se neste sentido designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2014, tendo como Relator Fernandes do Vale[8]: “Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependente, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, ser explicitado aquele valor.”
Cita-se igualmente, por particularmente incisivo, o Acórdão desta Relação de 15/01/2019, tendo como Relatora Maria Cecília Agante[9], onde se refere: “Propugnamos que o mencionado artigo 6.º/1 do decreto-lei 268/94 não faz depender a força executiva da acta da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto, certo, da dívida de cada condómino, bastando que os dados da acta e dos demais documentos que a completam permitam determinar esse valor. Cremos até bastar a menção do valor global devido ao condomínio por contribuições correntes, pela realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns ou para pagamento de serviços de interesse comum, se os demais dados permitirem que cada condómino, pela aplicação da permilagem da sua fracção ao valor global, conheça o montante que lhe diz respeito.”[10]
A nosso ver, esta é a interpretação mais consentânea com a letra da lei e com o respectivo espírito.
Efectivamente, o art.º 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25/10 confere força executiva às deliberações que tenham por objecto as “contribuições devidas ao condomínio” contra o proprietário “que deixar de pagar”.
Ora, tais deliberações são efectuadas tipicamente nas Assembleias de Condóminos em que se aprova os orçamentos para o ano seguinte e/ou os orçamentos para a realização de obras ou pagamento de outros encargos do condomínio, por referência a um valor global. A eventual referência a dívidas concretas de condóminos já seria, diversamente, uma mera liquidação da parcela de orçamento anteriormente aprovado.
Além disso, a expressão “deixar de pagar” refere-se a uma projecção para o futuro, a um potencial futuro incumprimento, levando-nos a considerar ser desnecessária a prévia constituição em mora do condómino.
Por outro lado, no que concerne ao espírito da lei, e como ressalta do respectivo Preâmbulo[11], pretendeu-se prevenir e solucionar com celeridade situações de incumprimento, nomeadamente reiterado, das obrigações relativas às partes comuns.
A exigência de fixação em Acta de Assembleia dos valores concretos em dívida por cada condómino seria postergar por completo estes objectivos de eficácia e de pragmatismo.
Conclui-se, pois, que a exequibilidade de uma Acta de Assembleia de Condóminos apenas obriga a que haja sido aprovado um montante de contribuições e/ou de despesas globais certas que, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção, permita a determinação do “quantum” devido a cada condómino.
As Actas exequendas são claras quanto aos valores a pagar por cada condómino, bastando para tanto a efectivação de cálculos aritméticos, com base na respectiva permilagem.
Por outro lado, como refere o Recorrido, o prazo de pagamento consta do respectivo Regulamento Interno, pela seguinte forma: “Constituem adequadamente obrigações dos condóminos, inquilinos e usufrutuários: 1. Pagar a contribuição (quota parte) anual que lhe for proporcionalmente exigido, desde que aprovada em Assembleia Geral, no e pelo prazo definido neste regulamento, valor anual que é dividido por doze pagamentos mensais, pagos antecipadamente, entre os dias 1 a 9 de cada mês de cada ano civil (…).”
A conjugação destes elementos permite a definição de uma obrigação concreta certa e líquida. Isto é, exequível.
Conclui-se, portanto, que as Actas da assembleia de condóminos juntas aos autos reúnem os requisitos de exequibilidade previstos no art.º 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25/10 sendo, por inerência, improcedentes estes fundamentos de recurso.
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VI – FALTA DE VENCIMENTO DE PARTE DAS DÍVIDAS EXEQUENDAS
Por fim, os Recorrentes aduzem que o Exequente pretende – entre o mais - obter o pagamento das despesas do condomínio, incluindo as relativas aos meses de Novembro de 2017 a Julho de 2018, as quais não se encontravam vencidas à data da propositura da execução.
Efectivamente, e como já decorre do acima exposto, o título executivo tem de incorporar um débito certo, líquido e exigível.
Não obstante, esta trata-se, como explica o Recorrido, de uma falsa questão: os valores compreendidos entre Novembro de 2017 a Julho de 2018 não foram imputados aos Recorrentes.
Como este explica, os valores constantes da nota de débito referentes ao período de Novembro de 2017 a Julho de 2018 foram lançados por um erro informático e nunca foram contabilizados nesta acção executiva.
Improcede, por inerência, igualmente este fundamento de recurso.
A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do recurso.
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VII - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso dos Recorrentes/Embargantes, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo dos Recorrentes/Embargantes - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 04 de Junho de 2019
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
______________
[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 182.
[3] Doravante designado apenas por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[4] In Lições de Processo Civil Executivo3.ª Edição, 2019, Almedina, pág. 146.
[5] Proferido no Processo n.º 02B1816, disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão. Veja-se, no mesmo sentido, o Acórdão desta Relação de 04/12/2017, tendo como Relator Miguel Baldaia Morais, proferido no Processo n.º 26113/15.6T8PRT-A.P1, igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[6] In Acção Executiva para pagamento de quantia certa, 2.ª Edição, 2016, Quid Juris, pág.
[7] In A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2.ª Edição, Almedina, pág. 138.
[8] Proferido no Processo n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1-S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[9] Proferido no Processo n.º 13190/18.7T8PRT-A.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[10] Veja-se no mesmo sentido ainda os Acórdãos desta Relação de 18/02/2019, tendo como Relator Manuel Domingos Fernandes, proferido no Processo n.º 25136/15.0T8PRT-A.P1, de 13/09/2012, tendo como Relator Amaral Ferreira, proferido no Processo n.º 4222/10.8TBGDM-A.P1, e de 09/06/2010, tendo como Relator Pinto de Almeida, proferido no Processo n.º 3188/09.1YYPRT.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] Acima citado.