Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
159085/14.8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: CARTÃO DE CRÉDITO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP20160126159085/14.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 698, FLS.147-155)
Área Temática: .
Sumário: O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C. Civil) relativamente a crédito concedido pela entidade bancária a cliente com a emissão e utilização de cartão de crédito para aquisição de bens e serviços, cujo pagamento devia ocorrer com o envio e receção do extrato de conta, não obstante poder beneficiar de uma certa dilação nesse pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2.ª Secção
Apelação n.º 159085/14.8YIPRT.P1
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
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I. Relatório.
1. B…, com sede em …, Londres, instaurou procedimento injuntivo contra C…, residente em rua…, Aveiro, destinado a exigir o cumprimento da obrigação pecuniária emergente de contrato crédito, pedindo o pagamento da quantia de € 6.850,28, a título de capital mutuado e não amortizado, relativa à utilização do cartão de crédito n.º ……………., acrescida de € 1.669,18, de juros de mora calculados à taxa de 4% desde o incumprimento, de € 153,00 de taxa de justiça, e de € 700,00 a título de despesas.
Alegou, para o efeito, que por contrato de cessão de créditos, celebrado em 21.02.2011, foi o crédito, decorrente do incumprimento definitivo do cartão de crédito n.º ……………., cedido pela sociedade D… à B…, a cedente e o réu celebraram um contrato de adesão/utilização de cartão de crédito, no âmbito do qual foi emitido e atribuído àquele o cartão de crédito n.º ……………., à data do incumprimento definitivo decorrente da utilização daquele cartão de crédito, ocorrida a 08.10.2008, existia saldo a descoberto que ascendia a € 6.850,28; que desde o incumprimento até à presente data, os juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, perfazem o valor de € 1.669,18.
Notificado o Réu, deduziu oposição, alegando, em síntese, que apesar de não ter sido alegado pela autora o pagamento do valor peticionado seria naturalmente efetuado em prestações ou também designadas de “quotas de amortização do capital ”; que o direito de crédito de que a autora se arroga titular está prescrito nos termos do art.º 310.º do Código Civil, nas suas alíneas d), e) e f), pois no caso concreto a própria autora afirma que o incumprimento definitivo aconteceu em 08.10.2008, pelo que, pelo menos a partir dessa data, a autora, ou quem era titular do crédito na altura, poderia exercer o seu direito de eventualmente reclamar as quantias que entendia lhe serem devidas, face ao vencimento de todas as prestações. Alegou ainda que os montantes peticionados não são por si devidos, pois não utilizou o suposto cartão de crédito tal qual é referido pela autora e que nunca possuiu qualquer cartão de crédito do D….
Respondeu a Autora.
Os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09.
Realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença, julgando procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo réu e absolveu-o do pedido formulado pela Autora.
2. Inconformada com esta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, apresentando as respetivas alegações e concluiu nos termos seguintes:
a. B… intentou Ação Especial de Cumprimento de Obrigações
(doravante, Injunção) contra o Recorrido C…, em 09- 10-2014 para pagamento da quantia de € 9.372,46 (nove mil, trezentos e setenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos), da qual, € 6.850,28 (seis mil, oitocentos e cinquenta euros e vinte e oito cêntimos) relativos a capital, € 1.669,18 (mil, seiscentos e sessenta e nove euros e dezoito cêntimos), referentes a juros de mora vencidos, € 700,00 (setecentos euros) relativos a outras quantias e € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) a titulo de taxa de justiça.
b. Esta ação teve por fundamento o incumprimento do contrato celebrado, em 24-04-2006, com o E…, cedido ao D… e posteriormente a ora Recorrente, no âmbito do qual foi atribuído o cartão de crédito n.º ……………. ao Recorrido
c. Notificado para o efeito, veio o ora Recorrido deduzir oposição, em 13-05-2015, veio o D…, porque notificado para o mesmo, juntar documentação na sua posse, referente ao cartão de credito aqui em causa, tendo o mesmo procedido a juncão do contrato de adesão ao referido cartão de credito com documentação do aqui Recorrido e, extratos detalhados enviados ao mesmo.
d. A 10 de Julho de 2015 foi proferida Sentença pelo Tribunal a quo e notificada a ora Apelante a 14 de Julho de 2015, a qual julgou “procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo Recorrido C… (…)” e, consequentemente absolveu o mesmo do pedido formulado pela aqui Recorrente, por considerar, aplicável o prazo prescrição previsto no artigo 310.º do Código de Processo Civil.
e. Ora, a Recorrente, não pode, de forma alguma, concordar com a Douta Sentença, muito menos com os fundamentos que a motivaram.
f. Isto porque, o Douto Tribunal a quo considerou fatores preponderantes para a sua decisão que não podem, nem devem, merecer qualquer acolhimento.
g. Começa o Tribunal a quo por transcrever os argumentos invocados pelo Recorrido na oposição a injunção: “(…) o pagamento do valor peticionado nos autos seria efetuado em prestações ou também designadas de “quotas de amortização do capital”, aplicando-se, assim, o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 310.º do Código Civil.
h. Ilustra, ainda, o douto Tribunal, as alegacões do Recorrido, com citações de acórdãos, que em nada comprovam a exceção de prescrição invocada pelo aqui Recorrido.
i. Tal como podemos observar, a fundamentação da sentença, nunca explicita, ou fundamenta inequivocamente que o prazo prescricional aplicável ao capital em dívida pelo Recorrido, na data de 08-10-2008, seja o prazo previsto no artigo 310.º do Código Civil, de cinco anos.
j. Uma vez que, apenas podemos retirar das conclusões, da Douta Sentença aqui recorrida, a definição de prescrição e, a fundamentação da aplicabilidade do prazo de 5 anos aos casos previstos nas alíneas do artigo 310.º do Código Civil, ou a “razão essencial desta prescrição.”.
k. Não esta em causa, a “razão essencial desta prescrição.”, com a qual confessa a autora, desde já, concordar. Esta em causa a aplicabilidade desta prescrição ao caso concreto.
l. Nunca se consegue retirar, inequivocamente, da Douta Sentença aqui recorrida, que a divida aqui em causa seja um dos casos previstos nas alíneas do artigo 310.º do Código Civil.
m. Não estamos, aqui, perante “quotas de amortização do capital pagável com juros.” e, nunca se retira da Douta Sentença aqui recorrida, o contrário.
n. O que esta aqui em causa é a resolução do contrato de adesão ao cartão de crédito.
o. O contrato de emissão de cartão bancário e, tal como definido por Engrácia Antunes, “o contrato celebrado entre um banco ou outra entidade autorizada(emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos criado e gerido pela entidade emitente”. Dentre os cartões bancários, os cartões de crédito representam “instrumentos de pagamento que permitem ao seu titular a utilização de crédito outorgado pelo emitente, em especial para a aquisição de bens e serviços” (Direito dos Contratos Comerciais, pág. 552 e 553).
p. O incumprimento do supra referido contrato deu origem a uma divida com uma só na data de vencimento, ou seja, o vencimento de todas as prestações impostas no contrato, somadas com a taxa de incumprimento convencionada.
q. Pelo que, reitere-se, em momento algum se diferenciam as obrigações pecuniárias individualmente.
r. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/1993:
“ I – Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º do Código Civil de 1966, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
II - Essa prescrição é de curto prazo e não simples prescrição presuntiva.
III - Deixando o devedor de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em divida como um todo, mas em relação a cada uma delas.”
s. Assim, a aplicação do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, só se poderia considerar, se a presente ação recaísse em cada uma das prestações, individualmente, e não quanto aos valores em divida como um todo, como é o caso em apreço.
t. Veja-se a autora Ana Filipa Morais Antunes, em estudo publicado na obra “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia” (volume III; pagina 47), Ac. do STJ de 27/03/2014, Proc. n.º (disponível em www.dgsi.pt).
Segundo a autora, constituem ”(…) indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
u. As quotas de amortização tem um caracter sucessivo, são antecipadamente determinadas, com mesmo valor, como forma faccionada de cumprimento de uma única obrigação, aplicando-se tendencialmente a obrigações com vista a aquisição de habitação, ou de outros bens, no âmbito do qual se fixam prestações periódicas, tendencialmente iguais, e sucessivas para pagamento de uma quantia previamente mutuada, acrescida dos juros remuneratórios.
v. Os valores em divida, identificados nos extratos enviados ao aqui Recorrido, não são prestações sucessivas, não se vence uma após o pagamento de outra, há uma única data de vencimento para obrigação aqui em causa, que varia consoante o uso que foi feito dessa linha de crédito, e que respeita a quantias variáveis, consoante o valor global dos pagamentos e operações realizadas pelo devedor.
w. O valor em divida a data do incumprimento do referido contrato, identificado no extrato final enviado ao aqui Recorrido, e resultado da utilização do cartão de crédito e do incumprimento dos pagamentos devidos pelo mesmo.
x. Pagamentos, esses, reitera-se, resultantes do incumprimento de uma única obrigação, e não de prestações que se vão vencendo uma mediante o pagamento de outra. Ou seja, o valor em divida a data do incumprimento e resultante do incumprimento reiterado dos pagamentos devidos pelo Recorrido, em cada data específica, correspondentes as movimentações do cartão de crédito efetuadas pelo mesmo, não sendo uma prestação, mas o total em divida devido ao incumprimento e a utilização do cartão efetuada pelo aqui Recorrido.
y. Nos contratos de utilização de cartão de crédito, os pagamentos estão subordinados ao uso que é feito da quantia disponibilizada na linha de crédito, o que não é antecipadamente fixado ou pré-determinado entre as partes.
z. O crédito que a aqui Recorrente vem exigir não é o relativo a qualquer quota de amortização mas já ao capital global da dívida. Ou seja, o crédito peticionado nos autos não respeita individualmente as quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em divida, decorrente do vencimento das prestações por forca do disposto no art. 781.º do Código Civil.
aa. Assim, por não estarmos perante quotas de amortização do capital pagáveis com juros, não se aplicando, tal regime, não se aplica ao crédito peticionado pela aqui Recorrente e, consequentemente a referida divida não prescreve no prazo de 5 anos.
bb. Deste modo, carece dizer que não estaremos perante um caso de lex specialis derogat generali aplicando-se quanto ao contrato em apreço, o prazo ordinário de prescrição presente no art. 309.º Código Civil, ou seja os 20 anos.
cc. Do exposto, resulta que não poderia ter sido a orientação da douta sentença recorrida, senão a de julgar procedente a pretensão da ora Recorrente na condenação do Recorrido, tendo, consequentemente, aposto fórmula executória ao processo de Injunção aqui em causa.
E termina pedindo a revogação da sentença e o réu condenado no pagamento da quantia peticionada.
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Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se o crédito peticionado prescreve, ou não, no prazo de cinco anos.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
Na decisão recorrida foi considerada assente a seguinte factualidade:
1. Entre o réu e o E… foi celebrado o contrato de adesão a cartão de crédito [junto a fls. 117/118, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
2. O negócio de cartões de crédito do E… foi, posteriormente, adquirido pelo D… [conforme declaração junta a fls. 35, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
3. Por contrato de cessão de créditos, celebrado em 21.02.2011 [junto a fls. 78/111, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], foi o crédito, decorrente do incumprimento definitivo do cartão de crédito n.º ……………., cedido pela sociedade D… à B….
4. Na sequência da celebração do contrato referido em 1. foi emitido e atribuído ao réu o cartão de crédito n.º ……………...
5. Do referido contrato de adesão consta, na sua cláusula 4.ª, que “o pagamento do cartão”, “ (…) O E… envia mensalmente ao Titular o extrato da sua conta-cartão, do qual constarão os montantes das operações efetuadas bem como os pagamentos efetuados até à data considerada, os juros correspondentes a pagamentos parciais, o mínimo a pagar e a data limite para o pagamento da totalidade do crédito utilizado naquele período (…)”;
6. De acordo com o contrato celebrado entre as partes o pagamento do cartão podia ser efetuado na “Rede Nacional dos Caixas Automáticos e caso tal não seja possível, através de cheque emitido à ordem de E…, Sucursal em Portugal”.
7. Dos extratos emitidos constava sempre a data limite de pagamento da conta-cartão, referente ao período em causa.
8. O réu prestou informações bancárias, obrigando-se a provisionar devida e atempadamente a conta bancária indicada para débito dos pagamentos devidos pela utilização do cartão.
9. O réu deixou de efetuar os pagamentos devidos pela utilização do cartão de crédito.
10. Por força do referido em 9) o cartão de crédito foi cancelado no dia 8 de Outubro de 2008, tendo sido emitido o extrato final no valor de € 6.850,28.
11. O requerimento de injunção deu entrada a 10.10.2014 (e não 2010 como por lapso se refere na decisão), tendo o réu sido citado a 15.01.2015.
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2. O direito.
A questão a resolver consiste em saber se o crédito reclamado se mostra, ou não, prescrito.
Na decisão recorrida considerou-se:
“Com relevância no caso em análise, o art. 310.º do Código Civil que, na parte que aqui releva, estabelece que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos [alínea d)], as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros [alínea e)] e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis [alínea g)].
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente; mas é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo o reconhecimento tácito relevante apenas quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam – cfr. arts. 323.º e 325.º do Código Civil.
No caso dos autos, tal como resulta da factualidade provada, entre o réu e o E… foi celebrado o contrato de adesão a cartão de crédito, na sequência do que foi emitido e atribuído ao primeiro o cartão de crédito n.º ……………..
Resulta, de igual modo, dos factos provados que do referido contrato de consta, na sua cláusula 4.ª, que “o pagamento do cartão”, “ (…) O E… envia mensalmente ao Titular o extrato da sua conta-cartão, do qual constarão os montantes das operações efetuadas bem como os pagamentos efetuados até à data considerada, os juros correspondentes a pagamentos parciais, o mínimo a pagar e a data limite para o pagamento da totalidade do crédito utilizado naquele período (…)”; sendo que dos extratos emitidos constava sempre a data limite de pagamento da conta-cartão, referente ao período em causa.
Mais, ficou demonstrado que o réu deixou de efetuar os pagamentos devidos pela utilização do cartão de crédito, por força do que foi o mesmo cancelado no dia 8 de Outubro de 2008, tendo sido emitido o extrato final no valor de € 6.850,28.
Considerando que o requerimento de injunção deu entrada a 10.10.2010 (seguramente que se queria dizer 10.10.2014), tendo o réu sido citado a 15.01.2015, e atendendo a que o réu terá necessariamente deixado de efetuar os pagamentos devidos pela utilização do cartão de crédito em data anterior à do cancelamento do cartão [8 de Outubro de 2008], dúvidas não restam que decorreram mais de cinco anos sobre a data em que o réu omitiu o pagamento das prestações devidas.
Assim, dúvidas não restam de que, com fundamento no exposto, face ao disposto nas alíneas e), d) e g) do art. 310.º do Código Civil, estava prescrito, antes mesmo da entrada em juízo da presente ação, o direito da autora a peticionar os valores peticionados ao réu”.
Discorda o recorrente por entender que estamos perante um incumprimento do contrato de emissão de cartão de crédito bancário, que deu origem a uma divida com uma só na data de vencimento, ou seja, o vencimento de todas as prestações impostas no contrato, somadas com a taxa de incumprimento convencionada, pelo que não estamos perante quotas de amortização do capital nem prestações periodicamente renováveis, não sendo aplicável o prazo prescricional do art.º 310.º mas antes o do art. 309.º do Código Civil, pois que a aplicação do artigo 310.º alínea e) só se poderia considerar se a presente ação recaísse em cada uma das prestações, individualmente, e não quanto aos valores em divida como um todo, como é o caso em apreço.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
A prescrição de direitos disponíveis ocorre pelo não exercício ou inércia durante certo lapso de tempo pelo respetivo titular (art.º 298.º/1 do C. Civil).
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição – art.º 306.º/1 do C. Civil.
E, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – art.º 304.º do C. Civil.
Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2005, pág. 756, “ A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”.
O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos – artigo 309.º. do C. Civil.
Porém, o art.º 310.º do C. Civil estabelece um prazo mais curto de cinco anos, estatuindo que, no que aqui importa, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (alínea d), as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (alínea e) e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis (alínea g).
Na sentença recorrida considerou-se prescrito o crédito do recorrente com referência ao disposto na alínea d) (juros) e na alínea e) (quotas de amortização do capital), do mencionado art.º 310.º.
Ora, como se refere no Acórdão do STJ de 27/03/2014 (Silva Gonçalves), disponível em www.dgsi.pt, citando o Prof. Manuel de Andrade, “Esta prescrição legal, compreendida nas designadas prestações periodicamente renováveis, é comummente defendida pela circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor”.
E mais refere que a “disciplina legal estatuída na alínea e) do art.º 310.º do C. Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”.
Pelo mesmo caminho seguiu o Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 9/572006 (Carlos Moreira), in www.dgsi.pt, ao afirmar: “ As razões justificativas das prescrições de curto prazo do art.º 310.º do CC são a da proteção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos, a nível probatório, de uma apreciação judicial de longa distância e obstar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se, assim, obstar a situações de ruína económica. Estes fitos permitem e até exigem que o prazo de prescrição de cinco anos de tal preceito se aplique não só às prestações periodicamente renováveis, nas quais há uma pluralidade de obrigações distintas (porém emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si) que reiteradamente se vão sucedendo no tempo, mas também às situações de uma única obrigação cujo cumprimento é efetivado em prestações fracionadas”.
A dívida de capital reclamada tem subjacente a emissão de um cartão de crédito.
Ora, a emissão de um cartão de crédito está associado a um contrato específico de utilização.
Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3.ª Edição, 2008, pág. 515, descreve o funcionamento e finalidade desta modalidade de crédito bancário nos seguintes termos: “O cartão de crédito relaciona três pessoas: o banqueiro, o cliente e um terceiro – normalmente: o comerciante ou fornecedor de bens e de serviços. Ajustado o negócio que implique um pagamento, o cliente vai realizá-lo por meio de cartão. Por via mecânica ou eletrónica, a despesa vai ficar consignada em nome do cliente, vindo, depois, a ser paga ao comerciante pelo banqueiro, que a debitará ao cliente. O comerciante paga uma comissão ao banqueiro, outro tento podendo suceder com o cliente. O banqueiro só debitará a importância em dívida, ao cliente, no termo dum período que variará entre duas a seis semanas: há um crédito a curto prazo. Além disso, o banqueiro poderá ajustar com o cliente pagamentos parcelares e diferidos aumentando o crédito”.
Ao cartão de crédito se refere igualmente José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, pág. 552/553, para quem o contrato de emissão de cartão bancário se traduz no “contrato celebrado entre um banco ou outra autoridade autorizada (emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos criado e gerido pela entidade emitente”. E acrescenta, no que respeita aos cartões de crédito “são um instrumento de pagamento que permitem ao seu titular a utilização de crédito outorgado pelo emitente, em especial para a aquisição de bens e serviços: este tipo de cartão assenta numa relação tripartida entre o banco (que concede o crédito a curto prazo), o cliente (que efetua o pagamento diferido de bens ou serviços) e o terceiro empresário (fornecedor desses bens ou serviços, a quem o preço é pago pelo banco”.
A este propósito, e seguindo idêntico entendimento esclarece Carlos Frederico Gonçalves Pereira, in “Cartões de Crédito”, ROA, 1992, Ano 52, Vol. II, pág. 387:
“ No caso de pagamento pelo emitente ao estabelecimento for­necedor, o titular beneficiará, dentro do seu limite de crédito, de um certo diferimento no pagamento ao emitente da importância da aquisição efetuada, dada a concentração de pagamentos cor­respondentes a um determinado período de tempo a que este se vincula, não havendo então lugar ao pagamento de quaisquer juros. Em certos casos prevê-se a possibilidade de o titular optar por um pagamento rateado, havendo então lugar ao pagamento de uma taxa de penalização e dos juros correspondentes à quantia em dívida”
E adianta o Autor (pág.388): “… o emitente, enquanto o montante das aquisições efetuadas pelo titular não ultrapassar o limite de crédito, só poderá exigir ao titular o pagamento periodicamente, através do envio do extrato de conta, beneficiando ainda o titular de uma certa dilação no pagamento, após a recepção deste extrato.
Além desta possibilidade, verificamos ainda que em certos contratos de emissão do cartão de crédito o titular pode optar por um pagamento rateado da importância em dívida, tendo sido então referido o enquadramento desta situação na perspectiva dos encargos a suportar pelo titular e na perspectiva da própria configuração legal do plano de pagamento.
Será fundamental, ao proceder-se à análise global do funcionamento do cartão de crédito trilateral, considerar o papel do diferimento.
Ignorá-lo seria incorreto dado que pelo menos na modalidade de dilação do pagamento resultante do envio periódico do extrato de fatura o diferimento existe sempre, sendo de resto expressamente pretendido pelas partes no quadro do contrato de emissão do cartão”.
E quanto à distinção entre o contrato de crédito e emissão de cartão de crédito, o Autor finaliza e sublinha, a pág.402: “O contrato de crédito pressuporá uma atribuição patrimonial por aquele que concede o crédito ao beneficiário, podendo este depois pagar de forma diferida. Ora, no caso do cartão de crédito não há uma atribuição patrimonial do emitente a favor do titular, apenas se verificando a concessão de uma dilação pelo emitente ao titular na satisfação do crédito que adquiriu ao fornecedor”.
Ora, no caso dos autos, está demonstrado que entre o Réu e o E… foi celebrado o contrato de adesão a cartão de crédito, sendo emitido e atribuído ao Réu o cartão de crédito n.º ……………., obrigando-se este a provisionar a conta bancária para débitos dos pagamentos devidos pela utilização do cartão, deixando de efetuar os pagamentos devidos pela sua utilização, pelo que em 8 de Outubro de 2008 o cartão foi cancelado, tendo sido emitido o extrato final no valor de € 6.850,28.
E mais se demonstrou que do contrato de adesão para emissão do referido cartão consta, na sua cláusula 4.ª, que “o pagamento do cartão”, “ (…) O E… envia mensalmente ao Titular o extrato da sua conta-cartão, do qual constarão os montantes das operações efetuadas bem como os pagamentos efetuados até à data considerada, os juros correspondentes a pagamentos parciais, o mínimo a pagar e a data limite para o pagamento da totalidade do crédito utilizado naquele período, sendo que dos extratos emitidos e enviados ao Réu constava sempre a data limite de pagamento da conta-cartão, referente ao período em causa.
Daqui decorre, e salvo o devido respeito, que não estamos perante a exigência do pagamento de quotas de amortização do capital pagáveis com juros, a que se reporta a alínea f) do art.º 310.º do C. Civil, mas do pagamento do valor total do crédito utilizado em determinado período, resultante da utilização do cartão de crédito na aquisição de bens e serviços, pelo Réu, a terceiros, e liquidadas pela entidade emitente, e que consta do extrato final enviado e cujo pagamento aquele não efetuou, ou seja, o valor peticionado corresponde ao valor da dívida à data do incumprimento do contrato.
Por isso, está em causa a exigência do pagamento de uma única obrigação, pelo incumprimento de uma única prestação, e não de pagamento fracionado ou diferido do saldo em dívida, em prestações mensais, isto é, o valor em divida que devia ser pago, pela totalidade, à data do incumprimento, e correspondente às transações efetuadas pelo Réu com o mencionado cartão de crédito nesse espaço temporal.
Na realidade, como refere o recorrente, nos contratos de utilização de cartão de crédito, o montante do pagamento está condicionado ao uso que é feito pelo cliente – número de transações e respectivo valor - e o limite de crédito concedido, pelo que não pode ser antecipadamente fixado ou pré-determinado entre as partes.
Daí que o crédito exigido não respeite individualmente às quotas de amortização convencionadas ou pré-determinadas, mas a todo o capital em divida.
Não estamos, pois, perante a exigência do pagamento de um crédito concedido ao Réu, na sequência da celebração de um contrato de crédito, pois este pressupunha uma atribuição patrimonial pela entidade bancária que concede o crédito ao beneficiário, em que este usa como bem entende e se compromete a liquidá-lo em prestações pré-determinadas, mas da concessão de um crédito pelo emitente do cartão ao titular, para aquisição de bens e serviços, cujo pagamento devia ocorrer com o envio e receção do extrato de conta, beneficiando o titular de uma certa dilação no pagamento.
Na realidade, como se esclarece no Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 11/12/1997, CJ, 1997, 5.º-124, “Dizem-se fracionadas ou repartidas as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo através de sucessivas prestações instantâneas, em que o objeto está pré-fixado, periodicamente renovado”, o que não é manifestamente o caso nos presentes autos.
Tanto assim que a prescrição mencionada apenas respeita a cada uma das “quotas de amortização” e não à dívida total, ou seja, o facto de poder ocorrer a prescrição quanto a algumas prestações não significa que a prescrição atinja o remanescente da dívida, como se decidiu no Acórdão do S. T. J., de 4/5/1993, CJ/STJ, 1993, 2.º-82: “ O facto de vencida uma quota e não paga se vencerem todas as posteriores não releva para a prescrição, porque esta respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida”.
Aliás, isso mesmo decorre literalmente da alínea d) do citado art.º 310.º ao estabelecer que prescrevem no prazo de cinco anos “as quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, ou seja, prevê as quotas de amortização do capital e não todo o capital em dívida.
Acresce que não foi alegado, nem está demonstrado, qual o montante da quota de amortização do capital peticionado a cargo do réu, elemento necessário para se poder aferir da sua eventual prescrição, ou seja, não se podia, como se fez na decisão recorrida, concluir, sem mais, que “decorreram mais de cinco anos sobre a data em que o réu omitiu o pagamento das prestações devidas”, sem se apurar qual o montante acordado ou ajustado para o pagamento fracionado desse capital.
Conclui-se, pois, que o crédito reclamado de € 6.850,28 deveria ter sido liquidado, pelo Réu, pela totalidade, numa única prestação, na sequência do cancelamento do cartão em 8 de Outubro de 2008 e emissão do respetivo extrato final nesse montante, pelo que à dívida em causa é aplicável o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, referido no art.º 309.º, excluído que está de integrar qualquer uma das situações elencadas nas alíneas do art.º 310.º do C. Civil.
Procede, pois, a apelação, nesta parte.
Não assim quanto aos juros peticionados, os quais se mostram prescritos relativamente aos últimos cinco anos, ao abrigo do disposto na alínea d) do art.º 310.º do C. Civil, já que a dívida se venceu em 8 de outubro de 2008 e o Réu foi citado em 15 de janeiro de 2015, pelo que apenas são exigíveis os juros moratórios a partir de 15 de janeiro de 2010.
No que respeita à quantia de €700,00 a título de despesas, não se mostram alegadas, nem demonstradas, não se justificando a condenação do Réu no pagamento desse valor.
Resumindo, procede parcialmente a apelação, devendo a sentença ser revogada em conformidade.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C. Civil) relativamente a crédito concedido pela entidade bancária a cliente com a emissão e utilização de cartão de crédito para aquisição de bens e serviços, cujo pagamento devia ocorrer com o envio e receção do extrato de conta, não obstante poder beneficiar de uma certa dilação nesse pagamento.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, julgando parcialmente procedente a ação e condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 6.850,28 (seis mil oitocentos e cinquenta euros e vinte oito cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, contados desde 15 de janeiro de 2010 até integral e efetivo pagamento, absolvendo-o do mais peticionado.
Custas da apelação e na 1.ª instância pelo Autor e Réu na proporção do decaimento.

Porto, 2016/01/26
Tomé Ramião
Vítor Amaral
Luís Cravo