Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
534/15.2PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: REGIME ESPECIAL DOS JOVENS
Nº do Documento: RP20161123534/15.2PWPRT.P1
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º1034, FLS.4-11)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime punitivo do DL 401/82 de 23/9 é o regime regra de sancionamento dos jovens entre os 16 e os 21 anos, mas não é de funcionamento automático, significando apenas que o tribunal tem o poder/ dever vinculado de averiguar dos pressupostos da sua aplicação.
II – Tal regime não deve ser aplicado se estiverem demonstradas razões sérias para crer que a atenuação especial não traz vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 534/15.2PWPRT.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo), do J6 da 1ª secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto o arguido B… foi submetido a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o tribunal colectivo em condenar o arguido B… pelo cometimento em concurso efectivo, nos termos dos artigos 30º do Código Penal, de:
- dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão por cada um deles;
E em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal, na pena única de dois anos de prisão, que, ao abrigo dos artigos 50º e 53º do Código Penal, se suspende pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação com incidência na procura/manutenção de inserção laboral a tempo inteiro.
*
Custas: vai o arguido condenado em 5 UC de taxa de justiça e nas custas do processo.
(…)
*
Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1. O Recorrente não se conforma com a pena que lhe foi aplicada.
2. Também não se conforma por não lhe ter sido aplicado o regime penal de jovens adultos previsto no Decreto – Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro.
3. A actuação do Recorrente foi passiva tendo apenas ficado a controlar se se aproximava alguém, dizendo, em simultâneo “pouco barulho”.
MEDIDA DA PENA
4. O Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão por cada um deles, e em cúmulo jurídico, ao abrigo do disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal, na pena única de dois anos de prisão.
5. O crime de roubo simples p. e p. por aquele artigo 210, n.º 1 do Código de Penal é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
6. Face aos factos considerados provados, não se conforma com a aplicação da pena única para além do mínimo legal, isto é, 1 ano, considerando que o Recorrente está integrado na sociedade, tem um bom apoio familiar e o grau da sua culpa ser diminuto.
7. Do relatório social do arguido consta que “ O processo de desenvolvimento psicossocial de B… e dos dois irmãos mais novos decorreu no seio da sua família de origem, sendo a dinâmica familiar marcada, em alguns períodos e segundo a progenitora, por conflitos decorrentes, numa primeira fase, do consumo de estupefacientes (haxixe), durante cerca de 4 anos e mais tarde de álcool, pelo progenitor que assumia postura de agressividade física e verbal” e que “ A nível financeiro ao longo doa anos foram reportadas dificuldades, em períodos que coincidiam com situações de desemprego de ambos os progenitores.”
8. O arguido tem dois filhos menores, mantém um relacionamento estável com a mãe daqueles seus filhos, tem um bom apoio familiar por parte dos seus progenitores e está inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional.
9. A condenação dos presentes autos muito veio prejudicar o arguido, uma vez que tinha perspectivas de imigrar para França.
10. A atitude do arguido foi passiva e não tendo intervindo directamente como os outros dois indivíduos que o acompanhavam.
11. Entende o Recorrente adequado fixar a pena de prisão por cada um dos crimes no seu mínimo, isto é, um 1 ano, ou pelo menos 1 ano e 2 meses.
12. O Juízo de prognose é favorável ao arguido uma vez que pretende manter um comportamento adequado ao correto cumprimento das regras sociais, pretendendo encontrar um emprego que lhe permita integrar-se no mercado de trabalho.
13. A pena deverá situar-se sempre no limite mínimo, isto é, 1 ano de prisão.
DA DOSIMETRIA DA PENA APLICADA AO CONCURSO DE CRIMES
14. A moldura penal para o concurso de crimes, pelos dois crimes de Roubo é de 1 ano e 9 meses de prisão até 3 anos e 6 meses de prisão.
15. O Tribunal entendeu aplicar ao arguido a pena única em 2 (dois) anos de prisão.
16. Na aplicação do concurso de crimes é necessário ter em conta os factos e a personalidade do agente, bem como, o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente.
17. O crime foi cometido num único momento e o arguido mantém bom relacionamento com a família, convivendo habitualmente com os filhos progenitores e irmãos, designadamente, em convívios festivos.
18. Entende o arguido que para a moldura penal de 1 ano e 2 meses a 2 anos e 4 meses deve ser aplicada uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, ou mesmo que assim não se entenda e face à moldura penal do concurso entre 1 ano e 9 meses e 3 anos e 6 meses a pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, que se reputa mais que razoável, atento os fins das penas – carácter de prevenção geral e especial.
DA APLICAÇÃO DO REGIME PARA JOVENS DELINQUENTES
19. Na data da prática dos factos o arguido, ora Recorrente tinha 18 anos de idade.
20. Não foi aplicado ao aqui Recorrente o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes do Decreto – Lei n,º 401/82, de 23 de Setembro.
21. Entende o Recorrente que deve especialmente atenuar-se a pena por aplicação de tal diploma legal, pois existem razões sérias para prever que e vantajoso para a reinserção do Recorrente a atenuação da pena a aplicar atenta a idade do arguido e o seu percurso de vida que, desde a sua tenra idade se tem revelado bastante conturbado devido aos vários problemas que a sua família enfrentou com álcool e estupefacientes e ainda à precariedade económica do agregado familiar.
22. Caso não seja aplicado o Regime Especial para Jovens entende o Recorrente que se está a violar um dos principais princípios dos fins das penas- da reinserção do indivíduo na sociedade.
23. A ausência de atenuação especial irá implicar dificuldade de reinserção social do Recorrente.
24. O regime especial dos jovens delinquentes, consignado no Decreto - Lei nº 401/82, fundamenta-se num direito mais reeducador que sancionador e não se verificando factos que façam concluir que um jovem de 18 anos (à data da prática dos factos), embora tenha sofrido já uma condenação anterior e duas suspensões, mas por factos completamente diversos dos ora em apreço, tem já uma personalidade adversa à ressocialização, sendo, por isso, seriamente de crer que a atenuação especial da pena funcionará como estímulo à reinserção social do jovem e ao seu afastamento de comportamentos desviantes.
25. O Recorrente encontra-se inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional procurando assim a sua inclusão em actividade profissional remunerada, não mantém hábitos de consumo de estupefacientes tendo evidenciado juízo de censurabilidade.
26. O Recorrente entende que lhe deveria ter sido aplicado o instituto previsto do Decreto – Lei n.º 401/82 de 23/09, tendo a pena sido especialmente atenuada nos termos do artigo 73.º n.º 1 do Código de Penal.

(…)

O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
2.1.1. Factos provados.
Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
No dia 28.05.2015, entre as 08h30 e as 09h00, quando C… e D… circulavam na Avenida …, em …, no Porto, foram abordados pelo arguido, conhecido pela alcunha de “B1…” e outros dois indivíduos não identificados.
O arguido dirigiu-se a C…, enquanto os outros dois indivíduos o rodeavam e exigiu, em tom intimidatório, que este lhe entregasse a sua carteira.
C…, por recear pela sua integridade física, pelo tom do arguido e por estar em inferioridade numérica, acedeu, de imediato.
O arguido revistou a carteira do ofendido, tendo constatado que este não trazia dinheiro no seu interior, nem nada de valor, pelo que a devolveu a C….
De seguida, o arguido ficou a controlar se se aproximava alguém, dizendo, em simultâneo “pouco barulho”, dirigindo-se a C… e D…, para não chamarem a atenção de terceiros.
Enquanto, um dos indivíduos não identificados que acompanhava o arguido, munido de um objeto de características não concretamente apuradas, aparentando ser uma navalha, exibiu-o a C… e exigiu que lhe entregasse o telemóvel que tinha na sua posse.
Este, receando pela sua integridade física, entregou o telemóvel que trazia consigo, sua propriedade, da marca Sony, modelo …, no valor de cerca de € 120,00.
Ao mesmo tempo, outro dos indivíduos não identificados que acompanhava o arguido, munido de um outro objecto, também de características não concretamente apuradas, aparentando ser também uma navalha, exibiu-o a D…, exigindo-lhe que entregasse os bens de valor que tinha.
Este, receando pela sua integridade física, entregou tudo o que possuía: um telemóvel, sua propriedade, da marca Alcatel, no valor de cerca de € 100,00, uma pen drive da marca Sony, de valor não concretamente apurado e € 5,00, em dinheiro.
O arguido, juntamente com os outros indivíduos abandonaram o local, levando-os consigo estes objectos e a quantia em dinheiro, deles se apropriando.
O arguido agiu da forma descrita, em conjugação de esforços e de acordo com um plano prévio, com dois indivíduos não identificados, com intenção de se apoderar, como efectivamente se apoderou, dos bens pertencentes aos ofendidos, utilizando, para o efeito, intimidação e ameaças contra a integridade física destes, através da exibição de objectos cortantes, bem sabendo que atuava contra a vontade e em prejuízo dos legítimos proprietários dos bens.
O arguido atuou livre, deliberada e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido tem 19 anos de idade (18 anos à data da prática dos factos) e é solteiro. O processo de desenvolvimento psicossocial de B… e dos dois irmãos mais novos decorreu no seio da sua família de origem, sendo a dinâmica familiar marcada, em alguns períodos e segundo a progenitora, por conflitos decorrentes, numa primeira fase, do consumo de estupefacientes (haxixe), durante cerca de 4 anos e mais tarde de álcool, pelo progenitor que assumia postura de agressividade física e verbal. A problemática do álcool viria a ser ultrapassada há cerca de 4 anos, alterando-se positivamente a dinâmica familiar. A nível financeiro ao longo dos anos foram reportadas dificuldades, em períodos que coincidiam com situações de desemprego de ambos os progenitores. Ambos os progenitores assumiram papel preponderante no processo educativo do arguido, com posturas distintas, sendo a mãe mais permissiva e o pai mais exigente, recorrendo à retirada de privilégios, advertência e castigo físico como prática educativa. O percurso escolar do arguido foi iniciado em idade regulamentar, tendo abandonado por volta dos 16 anos, com o 6º ano de escolaridade concluído. Este percurso ficou marcado por problemas ao nível do comportamento, com faltas disciplinares por comportamento desadequado em contexto de sala de aula, bem como faltas às aulas para poder permanecer junto do seu grupo de pares e desinteresse generalizado pela aprendizagem dos conteúdos curriculares. Posteriormente o arguido foi ainda encaminhado para um curso de formação profissional do qual desistiu pouco tempo depois, permanecendo inativo desde então, sem qualquer atividade estruturada. No âmbito do processo 1268/14.0PPPRT da Comarca do Porto – Ministério Público Porto – DIAP -2ª Secção, ao arguido, por um crime de detenção de arma proibida, foi aplicado o Instituto da Suspensão Provisória do Processo, a 20 de abril de 2015, por um período de 5 meses, com obrigação de prestar 80 horas de trabalho socialmente útil. O arguido realizou o cumprimento das injunções que lhe foram fixadas entre 1 de setembro a 1 de outubro de 2015. No âmbito do processo 16/14.0PDPRT da Comarca do Porto – Ministério Público Porto – DIAP 4ª Secção, ao arguido foi aplicado o Instituto da Suspensão Provisória do Processo, a 16 de junho de 2015, por um período de 8 meses, com obrigação de prestar 40 horas de serviço de interesse público. O arguido realizou o cumprimento das injunções que lhe foram fixadas entre 14 e 28 de outubro de 2015. À data dos factos constantes na acusação que se reportam ao dia 28 de maio de 2015, o arguido residia com os progenitores e os irmãos na morada dos autos. No entanto e desde que estabeleceu uma relação afetiva de namoro, há cerca de 5 anos e após o nascimento de dois descendentes, uma rapariga que conta atualmente 2 anos de idade e um rapaz de 4 meses, passa muito tempo junto desta no bairro …, onde reside a progenitora da namorada. O arguido não detém qualquer enquadramento laboral ou formativo, subsistindo com o apoio muito pontual dos progenitores, que se encontram desempregados e que por esse facto foi-lhes atribuído o rendimento social de inserção no valor de 416.83EUR, a que acresce o abono dos irmãos mais novos do arguido, 70 EUR. O quotidiano do arguido decorre sem qualquer atividade estruturada, com a namorada e os filhos, ou junto do seu grupo de pares em idêntica situação. Como projeto futuro o arguido verbaliza vontade em conseguir um enquadramento laboral, estando para isso inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional, obrigação que decorre do facto de ser beneficiário do RSI. Na zona de residência o arguido é reconhecido, não sendo alvo de sentimentos de rejeição. No âmbito do processo 394/15.3PDPRT da Comarca do Porto – Ministério Público Porto – Procuradoria da Instância Local – Pequena Criminalidade, ao arguido, por condução sem habilitação legal, foi aplicado o instituto da Suspensão Provisória do Processo, em 17 de fevereiro de 2016, pelo período de 6 meses, com obrigação de entregar 300 EUR ao IPO do Porto, durante a suspensão e frequentar a atividade “licença.com” dinamizado pelos serviços da DGRSP. B… verbaliza face a este novo confronto com o Sistema de Administração da Justiça Penal preocupação, receando as consequências que daqui lhe podem advir, nomeadamente, a aplicação de uma pena de prisão, que o afaste dos descendentes. O presente processo não produziu qualquer impacto negativo na sua vida pessoal, continuando a beneficiar do apoio dos progenitores. Em abstrato e face à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, verbaliza juízo de censurabilidade, reconhecendo a ilicitude dos mesmos, sendo capaz de identificar vitimas desta tipologia criminal. Quando confrontado com uma eventual condenação, o arguido manifestou adesão a uma medida de execução na comunidade. No meio socio residencial a sua constituição como arguido no presente processo, não se repercutiu na imagem que já projetava neste contexto.
Do CRC do arguido consta uma condenação na pena de 150 dias de multa, proferida no processo 473/12.9PRPRT da Comarca do Porto – Porto -Instância Local – Secção Criminal -J5, pelo cometimento de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n-º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006. A decisão transitou em julgado a 27 de janeiro de 2015.
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2.1.2. Factos não provados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
- Que não foi o arguido que praticou os factos descritos na acusação, uma vez que aquele não se encontrava na referida rua no dia e hora descritos na douta acusação.
- Que o arguido tem conhecimento que no bairro em que habita existe pessoa com a alcunha de “B1…”.
- os que não se encontrem descritos entre os provados, estejam em oposição com estes, ou constituam matéria meramente instrumental, irrelevante, conclusiva ou de direito.
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2.2. Formação da convicção do tribunal.
Nos termos do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, cumpre proceder, neste momento, a uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal e o exame crítico dessas provas.
(…)
Mas como a questão do reconhecimento de pessoas foi neste momento colocada, cabe desde já esclarecer que, ainda que se considerassem nulos os referidos autos de reconhecimento de pessoas, a verdade é que o Tribunal ao formar a sua convicção sobre se a pessoa «reconhecida» pelas testemunhas era ou não o arguido, teve em conta o facto destas terem ou não testemunhado de forma convincente sobre tal matéria. E assim, como abaixo se refere em relação às testemunhas inquiridas, as testemunhas depuseram convincentemente ou seja, sabendo identificar o arguido como uma das pessoas que participou nos factos em causa nos autos, e disso dando conta ao tribunal, o tribunal pôde assentar nos factos provados que o arguido participou nos factos e da forma descrita. A bem dizer, neste caso, em que a pessoa não tem dúvidas sobre a pessoa em causa, nem sequer é necessário proceder à utilização do meio de prova por reconhecimento. Com efeito, é possível e legal alguém em audiência proceder à identificação de outrem, assim como de bens e outros objectos ou documentos – tudo isso faz parte do seu depoimento e haverá de ser valorado e apreciado, em termos probatórios, na sua globalidade (cfr. neste sentido o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16.01.2011, Rel. Desemb. Maria Margarida Almeida, in DGSI.pt). Mas tendo sido realizado tal auto de reconhecimento, em sede de inquérito, não obstante a desnecessidade do mesmo para prova em sede de audiência, também daí não virá mal ao mundo.
Adiante.
O Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, depois de crítica e conjuntamente apreciada, a qual foi suficiente para que, além da dúvida razoável, fossem dados como provados os factos que o foram.
Com efeito, embora o arguido tenha negado os factos imputados, a verdade é que as suas declarações não tiveram relevo face à demais prova produzida, designadamente a prova testemunhal produzida, a qual foi consistente e segura no apuramento dos factos ocorridos e na imputação dos mesmos ao arguido.
Quanto aos factos não provados, a prova produzida mostrou-se insuficiente ou até contrária à existência de tais factos, não formando o tribunal convicção positiva sobre os mesmos.
Assim, teve o tribunal em conta:
Os depoimentos sinceros e isentos de C… e D…, que relataram os factos de que foram alvo, nomeadamente, o modo como foram abordados pelo arguido, pessoa que de imediato na sala de audiências identificaram, e por outros dois indivíduos, o modo como foram cercados, as palavras que foram dirigidas, o objecto que lhes foi exibido, os objectos e valores que lhes foram subtraídos.
Ambas as testemunhas C… e D… referiram os reconhecimentos fotográficos e pessoais que fizeram sem dúvidas do arguido, os quais se encontram documentados nos autos de fls. 28 a 31.
O depoimento isento e sincero das testemunhas E…, F… e G…, que na altura dos factos se encontravam na proximidade dos ofendidos, seus colegas, e que relataram o que viram, nomeadamente, a abordagem que o arguido, pessoa que de imediato identificaram na sala de audiências, e outros dois indivíduos fizeram aos seus colegas.
O depoimento isento e sincero da testemunha H…, Agente da PSP, que relatou a sua intervenção no processo, nomeadamente a investigação que fez e o processo de reconhecimento levado a cabo nos autos.
Teve ainda o tribunal em conta os documentos dos autos, designadamente, os autos de reconhecimento pessoal, de fls. 28 a 31.
Para prova dos antecedentes criminais e condições pessoais do arguido teve o tribunal em conta o relatório da DGRS e CRC juntos aos autos.

(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
. Se devia ter sido aplicado ao arguido o regime especial para jovens previsto no DL nº401/82 de 23/9, pelo que a pena devia ter sido atenuada nos termos do artº 73º nº1 do CP.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

O recorrente não impugna a matéria de facto provada. Assim e uma vez que não se detecta a existência de algum dos vícios do artº 410º nº2 do CPP considera-se a mesma definitivamente assente.
Pretende o recorrente que deveria ter beneficiado da atenuação especial da pena, “pois entende que existem razões sérias para prever que é vantajoso para a reinserção do recorrente a atenuação especial da pena a aplicar, desde logo atenta a idade do arguido e o seu percurso de vida que, desde a sua tenra idade se tem revelado bastante conturbado devido aos vários problemas que a sua família enfrentou com álcool e estupefaciente e ainda à precariedade económica do agregado familiar.”
A decisão recorrida afastou a aplicação do regime especial para jovens com a seguinte fundamentação:
A primeira questão a considerar nesta parte é, dado o facto de o arguido à data da prática dos factos ter idade inferior a 21 anos, por força do disposto no seu artigo 1º, a da eventual aplicabilidade do regime penal de jovens adultos do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Com efeito, dispõe o n.º 4 do citado diploma “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º (actuais 72º e 73º) do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”
Desta norma resulta que este regime não é de aplicação automática, apenas devendo ter lugar quando se entenda ser benéfica a sua aplicação ao jovem delinquente. Assim, serão razões de prevenção especial que poderão determinar o afastamento do mesmo.
Ora, tratando-se de um arguido jovem já com condenações no seu CRC, ou com um número elevado de crimes cometidos, ou, ainda, se a gravidade dos factos for elevada o regime poderá não ser aplicado.
E nesta situação encontra-se o arguido face ao ilícito cuja condenação anterior consta do seu CRC, bem como tendo em conta a actuação em grupo, e ainda as suspensões provisórias de processo a que foi sujeito, pelo que, por razões de prevenção especial, não lhe será aplicável a referida atenuação de pena.”
A interpretação do artº 4º do DL 401/82 de 23 de Setembro, ainda que com algumas divergências, vem sendo feita no sentido que o regime penal de atenuação especial para jovens é o regime regra de sancionamento dos jovens penalmente imputáveis que hajam completado 16 anos sem ter atingido 21 anos[1].
Mas isso não quer dizer que a aplicação, em concreto, do regime em análise seja automática, no sentido de que para ser aplicado seja suficiente que o jovem à data da prática do facto qualificado como crime tenha completado 16 anos de idade sem ter atingido os 21 anos.
Ser o regime regra de sancionamento dos jovens incluídos no aludido escalão etário significa que o tribunal tem o poder dever vinculado de averiguar os pressupostos de facto da sua aplicação.
Já sobre as circunstâncias em que a atenuação especial da pena de prisão deverá ter lugar apreendem-se no essencial duas orientações jurisprudenciais.
Uma, mais exigente, que sustenta que só deve ter lugar o funcionamento da atenuação especial da pena quando se comprovem sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do condenado[2].
E outra, menos exigente, que defende que a atenuação especial da pena facilita a reinserção social do jovem – traz vantagens para a reinserção social do jovem condenado, e só deve ser afastada (regime regra) quando circunstâncias concretas documentarem a sua incapacidade para introduzirem benefícios com vista a essa almejada ressocialização do jovem. Por isso, esta orientação sustenta que, nesta sede, não se deve dar relevo excessivo a factores como a ilicitude, a culpa, e a prevenção[3].
Pela nossa parte entendemos, que por regra haverá vantagens para a reinserção social do jovem adulto na aplicação do regime especial para jovens, mas que este regime não deverá ser aplicado se dos autos resultarem elementos que contrariem tal conclusão. E no caso concreto face às circunstâncias elencadas pelo tribunal recorrido, realçando-se a ausência de atitude revelador de interiorização do ilícito cometido, concordamos não se poderem firmar razões sérias para crer que a atenuação especial traga vantagens para reinserção do recorrente, sendo que a mera inscrição no –Instituto de Emprego e Formação, “obrigação que decorre do facto de ser beneficiário do RSI,” não modifica este quadro, pelo que não se altera nesta parte a decisão recorrida.
Efectivamente e conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça,[4] o regime especial para jovens “só deve ser aplicado quando houver razões sérias crer que a sua aplicação vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente”, o que neste caso não se antevê.
Alega o recorrente que conjugando “a ausência de antecedentes criminais por este tipo de crime, a culpa mediana, o apoio familiar e as necessidades de prevenção geral e especial”, que a pena aplicada por cada um dos crimes é excessiva, a qual deve ser fixada pelo seu mínimo.
Nos termos do artº 71º do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente as elencadas nesse preceito. Por outro lado, nos termos do artº 40º nº2 do CP a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção, são assim nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena, o que vale dizer de determinação concreta da pena. Cfr. Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências do Crime, § 280. Sendo que o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é “ aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena: à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite é fornecido pelas exigências irrenunciáveis do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou em casos particulares, de advertência ou de segurança do delinquente”. Cfr. mesmo autor in Revista Portuguesa de Ciência criminal, Ano 3, Abril, Dezembro 1993, págs 186 e 187.
Por outro lado, sendo a actividade judicial de determinação da pena é, toda ela, juridicamente vinculada [artigos 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal], em sede de recurso, o procedimento, as operações e a aplicação dos princípios gerais de determinação da pena são susceptíveis de revista pelo tribunal superior quando “tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 255.
O tribunal recorrido depois de considerar a existência de dolo directo, a ilicitude mediana, as relevantes necessidades de prevenção especial, e as necessidades de prevenção geral e o apoio familiar.
É certo que não obstante a idade jovem do arguido, 18 anos à data dos factos, funciona como atenuante geral. Porém inexiste por parte do arguido qualquer acto de contrição, e por outro lado as penas fixadas de 1 ano e 9 meses de prisão, encontram-se próximas do mínimo legal, considerando a moldura abstracta de 1 a 8 anos de prisão, e mostram-se adequadas e proporcionais às exigências de prevenção que o caso concreto requer.
E o que se acabou de dizer vale também para a fixação da pena única, já que os critérios para a fixação da pena única são para além dos critérios decorrentes do artº71º do CP os estabelecidos no artº 77º do CP onde se dispõe que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.[5]
Ora no caso dos autos o recorrente invoca o enquadramento familiar e o bom convívio que mantém com a família, e o facto de os crimes terem sido cometidos num único momento.
O tribunal recorrido teve em conta que “.No caso em apreciação é de ter em conta, por um lado, não só a mediana gravidade do conjunto dos factos, cometidos do mesmo modo, numa mesma altura, como também a personalidade do arguido, ainda jovem, com nítidas necessidades de integração laboral, a demonstrar alguma necessidade de censura. ”.
Subscrevemos o entendimento expresso, que já considerou ao cometimento dos factos na mesma ocasião, sendo que a pena única se revela equilibrada e ajustada.
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III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e manter a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 23/11/2016
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
__________
[1] Vide v.g. Acs. STJ de 15.02.2007 e 15.03.2007,no sítio www.dgsi.pt, respectivamente, processos com os números 06P4681 e 10719/06-9; e Ac. RP de 09.12.2007, no mesmo sítio, processo 0742175.
[2] Em sentido discordante desta orientação, vide F. Dias, As Consequências Juríricas do Crime, 1993, § 452.
[3] Vide, por todos, Ac. STJ de 31.01.2008, CJ, Tomo I, pág. 215 e segs., e Acs. de 07.11.2007, 15.02.2007, 17.01.2008 e de 07.01.2004, disponíveis em dgsi.pt, respectivamente, processos 07P3214, 06P4681, 07P2592 e 03P3213; e o já citado Ac. RP de 09.12.2007, também disponível em www.dgsi.pt, processo 0742175.
[4] Acs.STJ de 2/6/2010 in proc. nº 27/04.3GBTMC.S2 , in DGSI.pt e Ac.STJ de 21 de Outubro de 2004 , in CJ(STJ) tomo III, pg.193.
[5] Cfr. Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e comentado, Quid Júris, sociedade Editora 2008, anotação ao artº 77º, pág. 232/233.