Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
523/15.7T8AMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO
CULPOSA
PRESUNÇÕES LEGAIS
ADMINISTRADOR
JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM ALEGAÇÕES
Nº do Documento: RP20180423523/15.7T8AMT-A.P1
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 673, FLS 509-540)
Área Temática: .
Sumário: I - A possibilidade de junção de documento prevista na 2ª parte, do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
II - O incidente de qualificação constitui uma fase do processo de insolvência que se destina a averiguar quais as razões que conduziram à situação de insolvência e consequentemente se essas razões foram puramente fortuitas ou correspondem antes a uma atuação negligente ou mesmo com intuitos fraudulentos do devedor.
III - O preenchimento da fattispecie normativa da alínea g) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pressupõe um comportamento do administrador que afronte os deveres de fidelidade/lealdade a que se encontra adstrito (por mor, v.g., do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais), por envolver, por via direta ou indireta, efeitos negativos para o património do insolvente, geradores ou agravantes da situação de insolvência, exigindo-se, no entanto, uma intenção específica na atuação daquele, concretamente a prossecução da atividade da sua administrada, já em situação de exploração deficitária, no seu próprio interesse ou de terceiro.
IV - A alínea a) do nº 3 do mesmo artigo 186º, para além de uma presunção relativa de culpa qualificada, consagra outrossim uma presunção, ainda que juris tantum, de causalidade, pelo que competirá ao sujeito que incumpriu o dever (legal) de apresentação à insolvência o ónus da prova de que a situação de insolvência ou o seu agravamento se ficou a dever a outros fatores, designadamente, as condições de mercado ou a conjuntura económica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 523/15.7T8AMT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Amarante – Juízo de Comércio, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

Por apenso aos autos de insolvência, o credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” apresentou alegações escritas peticionando a qualificação da insolvência da Requerida “C..., Lda.” como culposa, e que os seus gerentes D... e E... sejam afetados por essa qualificação.
De igual modo a administradora da insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência da Requerida “C..., Lda.” como culposa, com afetação do seu gerente E....
Aberta vista ao Ministério Público para se pronunciar, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 188.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, concluiu pela qualificação como culposa da insolvência da Requerida “C..., Lda.”, devendo ser afetados por essa qualificação os seus gerentes D... e E....
Cumprido o disposto no nº 6 do art. 188º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, a Requerida “C..., Lda.” apresentou oposição, impugnando os factos que lhe são imputados.
Também os Requeridos D... e E... deduziram oposição, advogando a primeira que não pode ser qualificada a insolvência como culposa no que a ela respeita, enquanto o segundo pugna pela qualificação da insolvência como fortuita.
Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, fixando-se o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu qualificar como culposa a insolvência da devedora “C..., Ldª” e bem assim declarar afetado por essa qualificação o requerido E..., enquanto gerente de direito e de facto daquela.
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Não se conformando com o assim decidido, a insolvente “C..., Ldª.” e o requerido E... interpuseram recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
B1. Vem o presente recurso ordinário de apelação interposto da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância que qualificou a insolvência da sociedade comercial C..., LDA como culposa, considerou afectado por essa qualificação o sócio gerente E... e decretou a inibição deste para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa e ainda para administrar patrimónios de terceiros, pelo período de cinco anos.
B2. Para tanto, o Tribunal a quo entendeu estar verificada a presunção inilidível constante do art. 186º-2, g) do CIRE e, ainda, aquela ilidível prevista na al. a) do n.º 3 do mesmo inciso legal, o que não se concede.
B3. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 640º do CPC passa a elencar-se os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados:
b) A insolvente apresentou reconvenção na ação judicial, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, interposta contra si pelo credor “Centro Hospitalar B..., EPE”, peticionando a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias e, subsidiariamente, a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio contratual.
c) A insolvente tem a receber do “Centro Hospitalar B..., EPE” quantia superior a 500.000,00 euros, por conta dos prejuízos por aquela sofridos em virtude do incumprimento do contrato assinado entre ambos em 27 de Março de 2008, denominado de Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... para Dispensa de Medicamento ao Público.
B4. Ademais, em face do acervo probatório constante dos autos e tendo presente o objecto do presente incidente, deveriam ter sido dados como provados outros factos, designadamente aqueles relacionados com os motivos que levaram a insolvente a contratar com o B..., ocorrências posteriores à outorga do contrato que alteraram os pressupostos em que assentou a decisão de contratar por banda da insolvente e, ainda, factos em que assentou a decisão de não apresentação da sociedade à insolvência, posto que são cruciais para a boa decisão da causa e justa composição do litígio.
E assim, deveriam ter, ainda, sido julgados provados os seguintes factos:
i) O apoio da F... permitiu a negociação de preços dos medicamentos mais favoráveis junto dos fornecedores, já que estando centralizadas as compras permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços e, por conseguinte, ter melhores margens.
ii) A proposta da parcela variável de renda (28%) feita pela Insolvente – critério que levou à adjudicação – assentou, por um lado, nos dados oficiais fornecidos pelo B... relativamente a previsões de número de utentes diários das consultas externas, número de urgências realizadas, número de cirurgias realizadas e área geográfica abrangente e, por outro lado, no compromisso assumido pelo Governo Português e a Associação Nacional de Farmácias, relativo a, nomeadamente: - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de abertura ao público durante 24 horas, - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos, - possibilidade de comercialização de medicamentos por unidose, prescrição de medicamentos por Denominação Comum Internacional.
iii) Houve, após a celebração do contrato de concessão, um desvio significativo do número de utentes diários das consultas externas, bem como uma diminuição do número de urgências.
iv) O funcionamento de outras farmácias impediu o funcionamento, em exclusivo, durante 24 horas, da C..., Lda..
v) A comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos por outras farmácias, impediu a comercialização em exclusivo de tais medicamentos pela C..., Lda.,
vi) A Insolvente não pôde proceder à dispensa de medicamentos por unidose.
vii) Houve reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos.
viii) Em Junho de 2011, o Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado Dr. G..., reconheceu que “a evolução do processo das farmácias de oficina nos hospitais necessita de uma ponderação global, e de que alterações ocorridas nas circunstâncias justificam uma adaptação do regime actualmente”.
ix) Corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, acção administrativa nos termos da qual o B..., (aí Autora), alegou o incumprimento do pagamento das rendas e, por sua vez, a Insolvente (aí Ré) impugnou e fez pedido reconvencional para a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias ou, caso não procedesse, para a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio.
x) O capital próprio negativo da Insolvente é resultado, essencialmente, do incumprimento contratual do B....
xi) A Insolvente tinha capacidade para fazer face aos compromissos financeiros através dos seus capitais próprios (mensurável pelo quociente entre o valor dos capitais próprios e o valor do activo líquido, num dado momento), não fossem as desproporcionadas e injustas cláusulas que o B... não alterou,
xii) A Insolvente cumpriu com a quase totalidade das restantes obrigações que assumiu, nomeadamente com os trabalhadores, com a administração tributária e segurança social e execução das obras no edifício da Farmácia, no valor de aproximadamente €211.000,00.
xiii) A insolvente tinha meios para solver os seus compromissos, tal como foi solvendo com os trabalhadores, a Banca e os Fornecedores.
xiv) O recorrido actuou sempre coadjuvado pelos pareceres de advogados e economistas de renome, os quais lhe diziam que a posição da Insolvente é que nada deve ao Centro Hospitalar B..., E.P.E. mas antes é credora do valor correspondente aos prejuízos que decorreram do incumprimento contratual do Centro Hospitalar B..., E.P.E. em valor sempre superior a €500.000,00.
B5. Nos termos do disposto no art. 640º-1, b) do CPC passa a elencar-se os meios probatórios susceptíveis de determinar uma assunção factual diversa da propugnada pela decisão sob escrutínio. E assim:
- Missivas juntas com a oposição à qualificação de insolvência do requerido (docs 2 a 10), datadas de 16.09.2010, 15.10.2010, 12.05.2011, 10.10.2011, 02.11.2011, 23.04.2013, 26.04.2011, 30.04.2013, remetidas pela insolvente ao B...;
- Comunicação do Ministério da Saúde, datada de 2011 e junta como documento n.º 11 com a oposição do requerido;
- Análise 2009/2014, junta com a oposição como documento n.º 12 e subscrita pela testemunha H...;
- Estudo da I..., junto com a oposição como documento n.º 1;
- Notificação do TAF de Penafiel no âmbito do Proc. 527/12.1BEPNF, junta com a oposição como documento n.º 13;
- Depoimento prestado pela testemunha J... na Audiência de Julgamento de 25 de Janeiro de 2017, ficheiro n.º 20170125142542, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, (das 14:25 horas às 15:13 horas);
- Depoimento prestado pela testemunha H... na Audiência de Julgamento de 21 de Dezembro de 2016, ficheiro n.º 20161221153510, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, (das 15:35 horas às 17:07 horas).
B6. Do acervo probatório discriminado transparece, com imensurável clareza que a insolvente viu goradas as suas expectativas, logo desde o início do contrato de concessão, quanto aos termos da exploração do estabelecimento de farmácia porquanto a apresentação da proposta da parcela variável de renda (28%) feita pela Insolvente – critério que levou à adjudicação – assentou, por um lado, nos dados oficiais fornecidos pelo B... relativamente a previsões de número de utentes diários das consultas externas, número de urgências realizadas, número de cirurgias realizadas e área geográfica abrangente; por outro lado, assentou no compromisso assumido pelo Governo Português e a Associação Nacional de Farmácias, relativo a, nomeadamente, - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de abertura ao público durante 24 horas; exclusivo, atribuído às farmácias de oficina de comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos; possibilidade de comercialização de medicamentos por unidose; prescrição de medicamentos por Denominação Comum Internacional e, desde logo após o início da concessão, verificou-se um desvio significativo ao número de utentes diários das consultas externas, bem como uma diminuição do número de urgências, o funcionamento de outras farmácias impediu o funcionamento, em exclusivo, durante 24 horas, da insolvente, a comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos foi permitida a outras farmácias, a Insolvente não pôde proceder à dispensa de medicamentos por unidose, tal qual anunciado pelo Governo.
B7. Acresce que o poder legislativo encetou uma série de alterações à política do medicamento, das quais se destacam as reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos - nomeadamente pelos Decretos-Lei n.ºs 48-A/2010, de 13 de Maio, n.º 106-A/2010, de 1 de outubro e n.º 112/2011, de 29 de Novembro - que vieram a ter consequências gravosas nas respetivas margens de comercialização das farmácias.
B8. Todas estas circunstâncias foram, de resto, sendo insistentemente reportadas pela Insolvente, através do recorrente, ao Centro Hospitalar, por carta e presencialmente, numa tentativa de adequar a situação à realidade que entretanto se vivia (docs. juntos sob n.ºs 2 a 10), adequação esta, inclusive, sugerida e reconhecida pelo próprio Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado (doc. 11).
B9. A atitude da Insolvente, propulsionada pelo recorrente E..., foi assim de busca de solução junto do B... no que atine às rendas, mantendo, entretanto, a exploração do estabelecimento de farmácia que demonstrava ter viabilidade económica e financeira.
B10. Todos os factos supra alegados encontram-se ainda a ser discutidos em acção judicial, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF (doc. 13), nos termos da qual o B... alegou o incumprimento do pagamento das rendas e, por sua vez, a Insolvente (aí Ré) impugnou e fez pedido reconvencional para a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias ou, caso não procedesse, para a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio e, ainda, peticionou indemnização aquele hospital pela sua obstinada conduta que muitos prejuízos causou aos recorrentes.
B11. Aqui cumpre abrir um parêntesis para referir que o Tribunal a quo não deu como provado, mal, que a insolvente apresentou reconvenção no âmbito da acção contra si interposta pelo B... (aquela a cursar seus termos no TAF de Penafiel com o n.º 527/12.1BEPNF), nos termos da qual peticionou a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias e, subsidiariamente a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio contratual.
B12. Com efeito, entendeu não existir prova nos autos nesse sentido, o que não se concede atenta a notificação junta como doc. 13 com a oposição e o depoimento das testemunhas J... e H....
B13. Aliás, dado tratar-se de um facto crucial para a boa descoberta da verdade material e de todo pertinente para o objecto deste incidente, deveria ter o Tribunal a quo, oficiosamente requerido certidão daquele processo porquanto é de extrema relevância para a qualificação da insolvência o facto de a insolvente ter peticionado a alteração dos termos do contrato de concessão ou, subsidiariamente, indemnização que julga(va) ser justa no valor de € 3M , pois é a diferença entre estar insolvente ou não. Prosseguindo:
B14. Se atentarmos que o crédito do B... é litigioso – como tem de ser – e perpassarmos este entendimento para a vida financeira da Insolvente, não temos qualquer situação de insolvência e muito menos dever de apresentação à insolvência.
B15. Na verdade, o crédito de €2.692.233,56 invocado pelo Centro Hospitalar B..., E.P.E. é controvertido, não sendo exigível à Insolvente, nem ao requerido, que tivessem actuado como se o crédito fosse líquido e certo.
B16. Na verdade, o capital próprio negativo da Insolvente é resultado, essencialmente, da alteração dos pressupostos que levaram à outorga do contrato de concessão, por banda da insolvente, rectius, do incumprimento contratual do B.... De outra sorte, só existem capitais próprios negativos porque não está reflectido na contabilidade o crédito peticionado ao B... no processo administrativo.
B17. A Insolvente teria autonomia financeira, isto é, capacidade de fazer face aos compromissos financeiros através dos seus capitais próprios (mensurável pelo quociente entre o valor dos capitais próprios e o valor do activo líquido, num dado momento), não fossem as desproporcionadas e injustas cláusulas que o B... teimou em não alterar.
B18. A Insolvente cumpriu com a quase totalidade das restantes obrigações que assumiu, nomeadamente com os trabalhadores, com a administração tributária, segurança social e execução de obras no edifício da Farmácia, no valor de aproximadamente €211.000,00, do que vem de resultar que, em termos de exploração, a devedora era rentável.
B19. Efectivamente, caso não tivéssemos em presença dos custos resultantes da renda fixada no contrato de concessão de exploração da Farmácia, a insolvente teria uma exploração positiva durante os primeiros 3 anos, de 2009 a 2011, e que só no ano final de 2014 teria capitais próprios negativos. Esta situação resultaria do facto de os ganhos acumulados nos primeiros anos sustentarem as hipotéticas perdas dos últimos períodos (fruto da quebra anormal nas vendas, originada pela situação específica em apreço), bem como pelo facto de no ano final em análise, 2014, a empresa ter um impacto negativo de mais de € 200.000 originado pela entrega, a custo zero, das instalações onde era exercida a actividade, ao Hospital, por força do cumprimento do contrato de exploração da Farmácia.
B20. A empresa teria então indicadores de Autonomia Financeira e Liquidez Geral perfeitamente aceitáveis, só passando a ter Autonomia Financeira negativa no último ano, por força do já explicado impacto sofrido pela entrega do edifício onde era exercida a actividade da Farmácia (vide testemunho de H... e docs. 1 e 12).
B21. Por outro lado, há um crédito reclamado sobre o B... no valor de 3M (três milhões de euros) em sede de reconvenção deduzida no âmbito da supra identificada acção administrativa que, acaso mereça provimento fará face a todos os créditos reclamados nesta insolvência e, ainda, irá sobrar dinheiro.
B22. À luz dos documentos e da prova testemunhal arrolada tem de necessariamente dar-se como provado que a informação prestada pelos técnicos (advogados e economistas) e na qual o recorrente se baseou para manter a exploração da sociedade é que a referida acção vai proceder a favor da insolvente.
B23. Acresce que a F... teve o mérito de efectivamente possibilitar à insolvente a aquisição de medicamentos a preços mais reduzidos junto dos respectivos fornecedores ao encomendar em grande escala. Por contraposição, permitia à insolvente obter melhores margens.
B24. Nos termos do disposto no art. 640.º, c) do CPC, devem os factos não provados constantes da douta sentença recorrida sob as alíneas b) e c), ser julgados provados; Devem, ainda, ser aditados aos factos provados, os que se passam a indicar:
i) O apoio da F... permitiu a negociação de preços dos medicamentos mais favoráveis junto dos fornecedores, já que estando centralizadas as compras permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços e, por conseguinte, ter melhores margens.
ii) A proposta da parcela variável de renda (28%) feita pela Insolvente – critério que levou à adjudicação – assentou, por um lado, nos dados oficiais fornecidos pelo B... relativamente a previsões de número de utentes diários das consultas externas, número de urgências realizadas, número de cirurgias realizadas e área geográfica abrangente e, por outro lado, no compromisso assumido pelo Governo Português e a Associação Nacional de Farmácias, relativo a, nomeadamente: - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de abertura ao público durante 24 horas, - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos, -possibilidade de comercialização de medicamentos por unidose, prescrição de medicamentos por Denominação Comum Internacional.
iii) Houve, após a celebração do contrato de concessão, um desvio significativo do número de utentes diários das consultas externas, bem como uma diminuição do número de urgências.
iv) O funcionamento de outras farmácias impediu o funcionamento, em exclusivo, durante 24 horas, da C..., Lda.,
v) A comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos por outras farmácias, impediu a comercialização em exclusivo de tais medicamentos pela C..., Lda.,
vi) A Insolvente não pôde proceder à dispensa de medicamentos por unidose.
vii) Houve reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos.
viii) Em Junho de 2011, o Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado Dr. G..., reconheceu que “a evolução do processo das farmácias de oficina nos hospitais necessita de uma ponderação global, e de que alterações ocorridas nas circunstâncias justificam uma adaptação do regime actualmente”.
ix) Corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, acção administrativa nos termos da qual o B..., (aí Autora), alegou o incumprimento do pagamento das rendas e, por sua vez, a Insolvente (aí Ré) impugnou e fez pedido reconvencional para a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias ou, caso não procedesse, para a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio.
x) O capital próprio negativo da Insolvente é resultado, essencialmente, do incumprimento contratual do B....
xi) A Insolvente tinha capacidade para fazer face aos compromissos financeiros através dos seus capitais próprios (mensurável pelo quociente entre o valor dos capitais próprios e o valor do activo líquido, num dado momento), não fossem as desproporcionadas e injustas cláusulas que o B... não alterou,
xii) A Insolvente cumpriu com a quase totalidade das restantes obrigações que assumiu, nomeadamente com os trabalhadores, com a administração tributária e segurança social e execução das obras no edifício da Farmácia, no valor de aproximadamente €211.000,00.
xiii) A insolvente tinha meios para solver os seus compromissos, tal como foi solvendo com os trabalhadores, a Banca e os Fornecedores.
xiv) O recorrido actuou sempre coadjuvado pelos pareceres de advogados e economistas de renome, os quais lhe diziam que a posição da Insolvente é que nada deve ao Centro Hospitalar B..., E.P.E. mas antes é credora do valor correspondente aos prejuízos que decorreram do incumprimento contratual do Centro Hospitalar B..., E.P.E. em valor sempre superior a €500.000,00.
B25. Neste conspecto, deve a sentença sob escrutínio ser revogada e substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos supra descritos.
B26. O Tribunal a quo entendeu, primeiramente, demonstrado que o administrador, aqui recorrente, prosseguiu no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência (art. 185º e 186º-2, g) CIRE).
B27. A este respeito, diz-se na sentença recorrida que “resulta da factualidade que se deu por provada que o gerente da insolvente “C..., Lda”, o requerido E... prosseguiu no seu interesse ou no interesse da sociedade “F..., S.A.”, de que também era um dos administradores, uma exploração deficitária, pois desde o exercício do ano de 2011 os resultados da Insolvente vinham sendo sempre negativos (…)”.
B28. Já acima se demonstrou a inexistência de exploração deficitária da insolvente, por banda do requerido, dando-se, nesta sede por integralmente reproduzidos os argumentos expendidos supra, em sede de erro de julgamento pelo que soçobrando uma das premissas (exploração deficitária) tem necessariamente de improceder a qualificação culposa. Sem prescindir,
B29. Dos factos provados não consta sequer um único que demonstre qualquer aproveitamento por banda do requerido, quer em seu proveito pessoal, quer de terceiros, nomeadamente da F..., limitando-se o Tribunal a quo a dizer que o recorrente E... manteve uma exploração deficitária, pois desde o exercício do ano de 2011 os resultados da Insolvente vinham sendo sempre negativos (…)”.
B30. Assim, posta a inexistência de factos concretos a partir dos quais se possa retirar a ilação de que o recorrido ou terceiro tenham retirado proveito pessoal da situação de exploração deficitária, deve improceder o argumentário expendido na sentença em crise.
B31. O Tribunal a quo julgou outrossim demonstrado o incumprimento do recorrente E..., do dever de apresentação da sociedade à insolvência (art. 186º-3, a) CIRE).
B32. Sucede, porém, que nos factos provados constantes da sentença não se vislumbra um em que se alcance que a insolvente vinha incumprido as obrigações de algum dos tipos referidos na al. g) do n.º 1 do art. 20º do CIRE.
B33. Assim, por insuficiência de factos para a decisão proferida, deveria, sem mais, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgasse fortuita a insolvência, com as legais consequências.
Sem prescindir,
B34. Como disse aos autos a testemunha H..., a empresa tinha uma actividade perfeitamente normal, portanto, as dívidas que existiam perante a Autoridade Tributária eram fruto, eventualmente do IVA que houvesse a pagar, regular, Segurança Social era do mês normal e do grosso dos fornecedores, estava dentro do prazo médio de pagamentos que é normal, afirmação que esta testemunha produziu a partir da análise directa da contabilidade da insolvente e resulta do teor dos documentos n.º 1 e 12.
B35. Assim, o que estaria eventualmente em causa seria o incumprimento do pagamento das rendas ao B.... Mas,
B36. Esta era (é) uma vexatio quaestio para os aqui recorrentes posto que os recorrentes entendiam que as mesmas não eram devidas.
B37. Havendo incumprimento, só se podia assacá-lo ao B..., a quem foi reclamada, no âmbito da sobejamente referida acção administrativa, indemnização pela alteração superveniente das circunstâncias que conduziram à outorga do contrato e pelos prejuízos causados à insolvente pela obstinada posição em não alterar os termos do contrato ajustando-os à nova realidade.
B38. E, atento o carácter litigioso do crédito do B... (e a alta probabilidade de a insolvente ser ressarcida de todos os prejuízos causados pela alteração superveniente das circunstâncias que motivaram a decisão de contratar e dos prejuízos causados pela conduta do B...) entendiam os recorrentes – coadjuvados por especialistas em direito e economia – que a sociedade não devia as rendas e não estava insolvente.
B39. O recorrente não (re)conhecia a situação de insolvência da devedora.
B40. O recorrente foi apoiado na gestão da insolvente por advogados, economistas e auditores de renome que sempre lhe asseveraram que as rendas não eram devidas face à alteração superveniente das circunstâncias após a outorga do contrato de concessão, que a sociedade não se encontrava em situação técnica de insolvência.
B41. O recorrente não é jurista, economista e/ou auditor, pelo que se conformou com o parecer daqueles especialistas secundada pela circunstância de a insolvente pagar ao ISS, AT, trabalhadores, fornecedores e banca e, com isso, lograr uma gestão sustentada do estabelecimento de farmácia.
B42. Tudo isto levou os recorrentes a acreditar que a sociedade não estava, de facto, insolvente, como efectivamente não o estava se nos abstrairmos do conflito com o B....
B43. Procedendo a reconvenção deduzida pela insolvente, o valor a receber permitirá satisfazer todos os créditos reclamados nesta insolvência e, ainda, sobrará dinheiro.
B44. Os capitais próprios apresentados pela insolvente só foram negativos porque tiveram em conta a contabilização das rendas, ainda que não pagas. Só existem capitais próprios negativos porque não está reflectida na contabilidade a importância que a insolvente tem direito a receber do B..., no âmbito da acção administrativa. Por outro lado, o facto de uma empresa ter capitais próprios negativos não significa que está insolvente.
B45. A Insolvente teria autonomia financeira, isto é, capacidade de fazer face aos compromissos financeiros através dos seus capitais próprios (mensurável pelo quociente entre o valor dos capitais próprios e o valor do activo líquido, num dado momento), não fossem as desproporcionadas e injustas cláusulas que o B... teimou em não alterar.
B46. A Insolvente cumpriu com a quase totalidade das restantes obrigações que assumiu, nomeadamente com os trabalhadores, com a administração tributária e segurança social e, ainda, suportou investimentos iniciais com a execução das obras no edifício da Farmácia, no valor de aproximadamente €211.000,00, ou seja, em termos de exploração, a devedora era rentável e, aliás, superior à média das farmácias a nível nacional.
B47. Efectivamente, caso não tivéssemos em presença dos custos resultantes da renda fixada no contrato de concessão de exploração da Farmácia, a insolvente teria uma exploração positiva durante os primeiros 3 anos, de 2009 a 2011, e que só no ano final de 2014 teria capitais próprios negativos. Esta situação resultaria do facto de os ganhos acumulados nos primeiros anos sustentarem as hipotéticas perdas dos últimos períodos (fruto da quebra anormal nas vendas, originada pela situação específica em apreço), bem como pelo facto de no ano final em análise, 2014, a empresa ter um impacto negativo de mais de € 200.000 originado pela entrega, a custo zero, das instalações onde era exercida a actividade, ao Hospital, por força do cumprimento do contrato de exploração da Farmácia. A empresa teria então indicadores de Autonomia Financeira e Liquidez Geral perfeitamente aceitáveis, só passando a ter Autonomia Financeira negativa no último ano, por força do já explicado impacto sofrido pela entrega do edifício onde era exercida a actividade da Farmácia.
B48. E, concebendo-se, sem conceder, que existia situação de insolvência, nada na matéria de facto dada como provada – quer com as alterações pugnadas no presente recurso, quer sem elas – permite concluir por um qualquer agravamento da situação de insolvência como consequência do incumprimento do dever de requerer a insolvência.
B49. Efectivamente, os valores constantes das reclamações de créditos, na sua esmagadora maioria, incluem indemnizações – que não seriam devidas se o estabelecimento continuasse a laborar – e as rendas e indemnização e juros ao B... – outrossim não devidas, no entender dos recorrentes.
B50. Nesta confluência, é evidente que o recorrente não conduziu a devedora à situação de insolvência (mas antes o próprio Estado – quer através do B... que teimou sempre em não alterar os termos do contrato, quer através dos Tribunais que não decidiram, em tempo útil, a contenda que lhes foi sujeita).
B51. A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 18º, 20º, 185º e 186º todos do CIRE.
B52. Destarte, deve a decisão que qualificou a insolvência como culposa ser revogada e substituída por outra que declare aquela insolvência fortuita e desafecte o recorrido da qualificação e não o iniba para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação provada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa e, ainda, para administrar patrimónios de terceiros.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil ex vi do art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. determinar se estão verificados os pressupostos em que assentou a decisão recorrida para qualificar a insolvência como culposa nos termos do disposto no art. 186º, nºs 2, al. g) e 3, al. a) do C.I.R.E., com a consequente afetação (nos termos do art. 189º do mesmo diploma legal) do recorrente.
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2. Da admissibilidade da junção de documentos

Já em fase de recurso os apelantes vieram oferecer diversos documentos.
Cumpre, assim, apreciar da admissibilidade da junção de tais suportes documentais em sede recursória, sendo certo que nesta fase processual essa junção obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas.
Com efeito, como emerge dos arts. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte do Cód. Processo Civil, com as suas alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Do exposto resulta que a possibilidade de junção de documentos não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido em 1ª instância[1].
A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.
A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento.
No tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
No entanto, conforme se vem entendendo[2], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente.
Já no concernente à superveniência objetiva a mesma é facilmente determinável, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância.
Na espécie é manifesto que os documentos oferecidos pelos apelantes não são objetivamente supervenientes, dado que foram produzidos em momento anterior à prolação da decisão recorrida.
Portanto – tal como, aliás, os recorrentes defendem -, a admissibilidade dessa apresentação somente poderá estar adjetivamente legitimada à luz do disposto no art. 651º, nº 1, 2ª parte, ou seja por essa junção “se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, segmento normativo que, como é consabido, tem sido alvo de interpretações não inteiramente consonantes.
Assim, segundo alguma doutrina, a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado[3].
Outros[4] advogam que a admissibilidade da junção dos documentos, pela razão apontada, está ordenada por esta finalidade: contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; em face da liberdade do tribunal no tocante à indagação, interpretação das regras de direito é mais exato – diz-se - assentar em que a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas (art. 5º, nº 3 do Cód. Processo Civil). Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.
Uma terceira posição – mais restritiva -, defende que manifestamente o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão[5].
Há, no entanto, um ponto em que todas estas orientações são consonantes: o de que a aludida previsão normativa não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
Ora, como se deu nota, os documentos foram produzidos em momento anterior à prolação do ato decisório sob censura, sendo certo que os mesmos, na alegação dos recorrentes, destinar-se-iam a demonstrar que a insolvente deduziu pedido reconvencional no âmbito de ação administrativa que lhe foi movida pelo Centro Hospitalar B..., E.P.E., matéria essa já alegada nas oposições que apresentaram ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 188º do CIRE.
Conclui-se, assim, que, atento o critério plasmado no nº 1 do art. 651º do Cód. Processo Civil, carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção de documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução aos respetivos apresentantes (sendo que o incidente gerado está sujeito a tributação nos termos dos arts. 543º, nº 1 e art. 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais).
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3. Recurso da matéria de facto
3.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
- Factos considerados assentes no despacho saneador -
A) A Requerida “C..., Lda.” foi declarada insolvente, por sentença proferida nos autos principais, em 28.04.2015, tendo-se apresentado à insolvência, por ação apresentada a juízo em 10.04.2015.
B) A Requerida foi constituída em 25.10.2010, tendo por objeto social exploração de farmácia no Hospital B1..., EPE, com o capital social de 5.000 euros, numa única quota pertencente à sócia “C..., Lda.”, tendo sido nomeados gerentes D... e E..., em 29.11.2007, tendo ambos renunciado à gerência, respetivamente em 04.12.2014 e 22.12.2014 e obrigando-se a sociedade com a intervenção conjunta de dois gerentes;
C) A sociedade prestou contas relativas aos exercícios do ano de 2008, em 31.07.2009, do ano de 2010, em 06.10.2011, do ano de 2009, em 20.02.2013, do ano de 2012, em 18.07.2013, do ano de 2013, em 08.10.2014;
D) No apenso B de reclamação de créditos, foi proferida sentença em 01.04.2016, transitada em julgado, que homologou a Lista de Créditos Reconhecidos apresentada pela Sr.ª Administradora de Insolvência, tendo sido reconhecidos e verificados créditos no valor global de 4.006.302,94 euros, entre outros aos seguintes credores: “K..., S.A.”, o montante de 106.509,67 euros, “L..., o montante de 895.767,94 euros, “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, o montante de 2 692.223,56 euros, “F..., S.A.”, o montante de 216.350,06 euros, inexistindo quaisquer créditos da Autoridade Tributária e do Instituto de Segurança Social.
- Factos considerados provados após a produção de prova realizada em audiência de julgamento -
1. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2011, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 1.548.984,68 euros, custo de mercadorias vendidas, 1.054.945,02 euros, fornecimentos e serviços externos, 562.755,42 euros, gastos com pessoal, 204.307,13 euros, resultado operacional negativo de 283 849,49 euros, resultado líquido negativo de 285.899,57 euros, ativos fixos tangíveis, 233.926,63 euros, inventários 105.757,40 euros, clientes 191.386,41 euros, outras contas a receber 37.200,20 euros, caixa e depósitos bancários 456.471,42 euros, total do ativo 690.398,05 euros, capital próprio negativo de 715.612,53 euros, total do passivo 1.406.010,58 euros;
2. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2012, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 1.016.438,33 euros, custo de mercadorias vendidas, 747.885,13 euros, fornecimentos e serviços externos, 385.163,61 euros, gastos com pessoal, 212.709,83 euros, resultado operacional negativo de 354.935,41 euros, resultado líquido negativo de 355.886,64 euros, ativos fixos tangíveis, 225.588,93 euros, inventários 129.706,00 euros, clientes 37.599,42 euros, outras contas a receber 177.351,52 euros, caixa e depósitos bancários 536.658,59 euros, total do ativo 762.247,52 euros, capital próprio negativo de 1.071.499,17 euros, total do passivo 1.833.746,69 euros;
3. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2013, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 937.195,34 euros, custo de mercadorias vendidas, 667.715,44 euros, fornecimentos e serviços externos, 508.126,28 euros, gastos com pessoal, 192.744,87 euros, resultado operacional negativo de 454.879,01 euros, resultado líquido negativo de 455.120,01 euros, ativos fixos tangíveis, 217.251,23 euros, inventários 82.650,63 euros, clientes sem valor indicado, outras contas a receber 64,07 euros, caixa e depósitos bancários 19.029,79 euros, total do ativo 323.799,72 euros, capital próprio negativo de 1.526.619,18 euros, total do passivo 1.850.418,90 euros;
4. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2014, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 490.617,01 euros, custo de mercadorias vendidas, 355.506,28 euros, fornecimentos e serviços externos, 239.887,34 euros, gastos com pessoal, 159.411,53 euros, resultado operacional negativo de 420.014,45 euros, resultado líquido negativo de 420.420,21 euros, ativos fixos tangíveis, 25.922,76 euros, inventários 64.208,17 euros, clientes, 7.944,02 euros, outras contas a receber 338.593,13 euros, caixa e depósitos bancários 1.944,67 euros, total do ativo 451.962,72 euros, capital próprio negativo de 2.008.537,64 euros, total do passivo 2.460.500,36 euros;
5. No Apenso D, de Apreensão de Bens, foram apreendidos para a massa insolvente um conjunto de caixas contendo medicamentos, no valor global de 9.974,13 euros, gavetas para guardar medicamentos, estantes, duas secretária, uma balança;
6. No Apenso D, de Apreensão de Bens, foram apreendidos para a massa insolvente os saldos bancários existentes na L..., no montante de 1.694,97 euros, e no M..., no montante de 157,82 euros e a quantia de 30.000.euros de IVA recuperado;
7. A única sócia da Devedora, “C..., Lda.”, representada por D..., em assembleia geral da sociedade “C..., Lda.”, realizada em 30 de março de 2015, decidiu pela aprovação do ponto único da ordem de trabalhos que consistia na discussão e deliberação sobre a apresentação da empresa à Insolvência.
8. Em 27 de março de 2008, entre o credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, como concedente, e a Requerida “C..., Lda.”, enquanto concessionária, nesse ato representada pelos seus gerentes, os requeridos D... e E..., foi celebrado um acordo escrito denominado de Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... Para Dispensa de Medicamentos ao Público, pelo prazo de cinco anos contados a partir da abertura da farmácia ao público, mediante o qual a Insolvente se obrigou a pagar ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” uma renda anual constituída por uma parcela fixa de 40.000,00 euros e uma parcela variável, correspondente a 28% sobre o valor da faturação anual da farmácia sem IVA, a pagar até ao dia 15 de março do ano seguinte aquele a que se reportem, e no primeiro período de duração, a prestação será proporcional ao período de efetiva vigência do contrato.
9. A insolvente liquidou por conta do proporcional do valor da renda fixa respeitante ao primeiro período de vigência do contrato, ente 15 de agosto de 2009 e 31.12.2009, o montante de 13.333,32 euros.
10. A sociedade F..., S.A.” foi constituída em 13.08.2007, tendo por objeto social exploração e gestão de farmácias hospitalares e de sociedades concessionárias de farmácias hospitalares, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., Lisboa, com o capital social de 50.000 euros, dividido em 50.000 ações de valor unitário de 1,00 euro, nominativas, obrigando-se a sociedade com as assinaturas de três dos membros do conselho de administração sendo uma obrigatoriamente do conselho executivo, sendo o conselho de administração composto por nove membros, sendo o Presidente e o Vice-presidente escolhidos no início do mandato entre os seus membros, juntamente com um administrador adjunto, constituindo assim um conselho executivo, tendo sido designados, em 04.08.2007, para integrar o conselho de administração, para o mandato de dois anos: N..., O..., P..., Q..., J..., T..., E..., V..., W....
11. Foi proferida sentença nos autos de ação administrativa especial, processo n.º 605/07.9BEPNF, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, interposto por “X..., Lda.” e outros que adotaram a designação de “Y..., E.P.E.”, contra o “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, impugnando a deliberação de 01.10.2007 do júri do concurso público para a “Concessão de espaço para construção, instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público que admitiu a concurso três concorrentes que a ali Autora entende não terem respeitado os requisitos subjetivos de admissão ao concurso e por considerar que não há coincidência entre a sociedade adjudicatária, a contra interessada “C..., Lda.” e a sociedade gestora da farmácia hospitalar a concessionar, a “F..., S.A.”, tendo sido julgada improcedente a ação, por não provada e mantido o ato impugnado, constando da fundamentação de tal decisão que “Objetivamente, quem se apresentou ao concurso foi tão-só a “C..., Lda.” e não a “F..., SA”, cabendo a adjudicação do concurso à primeira e não à segunda. Além do mais a Contrainteressada não está legalmente impedida de fazer parte de outras sociedades, ainda que gestoras do ramo de atividade para o qual concorre, o qual se insere na sua liberdade contratual/comercial.”
12. Do acordo escrito assinado entre o Centro Hospitalar B..., E.P.E. e a Insolvente constava que a exploração da farmácia no B... compreende, entre outros, a dispensa de todos os produtos permitidos nas farmácias de oficina e a dispensa de medicamentos em unidose.
13. Do acordo escrito assinado entre o “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” e a Insolvente constava que a primeira se obrigava a proporcionar a prática de um horário alargado, incluindo noturno se for necessário.
14. A insolvente solicitou, por escrito e mais do que uma vez, ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, a alteração do valor das rendas a pagar pela concessão da farmácia, invocando alteração anormal das circunstâncias, designadamente incumprimento da exclusividade das farmácias de oficina estarem abertas 24 horas, incumprimento de exclusividade das farmácias de oficina comercializarem medicamentos retrovirais e oncológicos, incumprimento da comercialização de medicamentos em unidose e baixa acentuada do preço dos medicamentos genéricos, além de se ter verificado um desvio significativo ao número de utentes diários das consultas externas e uma diminuição do número de urgências face aos dados fornecidos pelo “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, na fase pré contratual.
15. Por sentença proferida, em 24.06.2013, no processo de Divórcio Sem Consentimento, n.º 1072/13.3TBPNF, do extinto 4.º Juízo do tribunal Judicial de Penafiel, instaurado por E..., foi decretado o divórcio dos cônjuges D... e E....
16. Foi instaurado Inventário por Divórcio, requerido por E..., no Cartório Notarial de Penafiel, e designado por despacho da Notário, o dia 03.09.2014 para prestação do compromisso de honra e declarações de cabeça de casal.
17. J... nasceu em 22.01.1974, é filha de Z... e AB...;
18. No ato de constituição da sociedade “F..., S.A.”, a sociedade “C..., Lda.” foi representada pelo requerido E..., com procuração com poderes para esse ato, que ficou anexada ao documento particular de constituição da sociedade.
19. Com data de 4.08.2007, foi assinado um acordo escrito, entre a sociedade “F..., S.A.”, como 1.º outorgante, representada nesse ato pelo seus administradores N..., P... e Q..., e a sociedade “C..., Lda.”, como segunda outorgante, representada nesse ato pelo seu Procurador E..., denominado Contrato de Consultoria e Promessa de Consultoria e Gestão, mediante o qual a sociedade “C..., Lda.” contratou a “F..., S.A.” como consultora para a preparação da sua candidatura a concurso público de concessão da farmácia do Hospital B1... em Penafiel e no caso de vir a ser a adjudicatária da concessão da farmácia no hospital em causa compromete-se a celebrar com a 1.º outorgante contrato de consultoria e gestão da sociedade que terá de constituir para assumir a exploração da farmácia do referido hospital.
20. Foi sempre com o requerido E... que o credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, pelos seus responsáveis e funcionários, contactou antes e após a assinatura do Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... Para Dispensa de Medicamentos ao Público, para tratar dos assuntos relacionados com tal contrato.
21. A requerida D... só tomou conhecimento da dívida existente ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, numa reunião com o seu Presidente do Conselho de Administração, ocorrida no início do ano de 2015, tendo concordado com a entrega do edifício da farmácia ao credor.
22. A requerida D... estava habitualmente e durante o seu horário de funcionamento, na farmácia sita em ..., pertencente à sociedade “C..., Lda.”.
23. Desde meados de 2012, altura em que o requerido E... abandonou o seu lar, as relações entre Requeridos eram conflituosas e apenas se contactavam para tratar de questões relacionadas com os filhos.
24. A Sr.ª Administradora de Insolvência sempre contactou com o requerido E..., enquanto responsável pela Insolvente, não tendo qualquer contacto com a requerida D....
25. Foi o Requerido E... quem contratou e pagou a Análise 2009/2014, “C..., Lda.”, elaborada pela testemunha H...
26. As farmácias hospitalares, onde se incluía a do Hospital B1..., eram geridas centralmente pela “F..., S.A.”, por intermédio dos seus administradores, o Requerido E...e AD..., sendo estes quem contactava fornecedores, faziam pagamentos e contratavam pessoal.
27. Foi sempre o Requerido E... quem contactou com os responsáveis da “AJ...” e anteriormente a “AK...”, empresa responsável pela elaboração das declarações fiscais e tratamento da contabilidade da sociedade “C..., Lda.”.
28. A criação da “F..., S.A.” visava obter uma negociação de preços dos medicamentos mais favorável junto dos fornecedores, já que, estando centralizadas as compras, permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços.
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2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou que não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente:
a) A Insolvente agiu num quadro de atuação consertada com as concessionárias das farmácias hospitalares localizadas no Hospital AE... em Lisboa, Hospital AF..., no Porto, Centro Hospitalar AG..., Hospital AH... e Hospital AI... em Leiria, e ainda com a sociedade “F..., S.A.”, e com o objetivo de beneficiarem esta última, prosseguindo uma exploração deficitária e com intenção deliberada de nunca pagarem o valor das rendas acordadas nos respetivos contratos de concessão dos estabelecimentos de farmácias identificados, nos Centros Hospitalares do Sistema Nacional de Saúde.
b) A insolvente apresentou reconvenção na ação judicial, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, interposta contra si pelo credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, peticionando a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias e, subsidiariamente, a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio contratual.
c) A Insolvente tem a receber do “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” quantia superior a 500.000,00 euros, por conta dos prejuízos por aquela sofridos em virtude do incumprimento do contrato assinado entre ambos em 27 de março de 2008, denominado de Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B1... Para Dispensa de Medicamentos ao Público.
d) A requerida D... nunca aprovou as contas da sociedade nem assinou as respetivas atas de aprovação.
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O tribunal de 1ª instância deixou ainda consignado que “não se responde à restante matéria alegada nos Pareceres do credor Centro Hospitalar B..., E.P.E., da Sr.ª Administradora de Insolvência e do Ministério Público, e ainda nas Oposições apresentadas pelos requeridos, por consubstanciar matéria sem interesse para o objeto do litígio, ou por consubstanciar matéria repetida e ainda matéria que importa a formulação de juízos conclusivos e de considerações de direito, assim, insuscetível de produção de prova”.
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2.3. Do erro na apreciação e valoração da prova

Os apelantes filiam primordialmente a sua pretensão recursória discordando da forma como na decisão recorrida se fixou a materialidade provada e não provada.
No presente processo a audiência final processou-se com gravação dos depoimentos produzidos nesse ato processual.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[6], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[7].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos prestados pelas partes ou por testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação[8], conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil.
Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4 do CPC) que, como anteriormente se referiu, impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador.
De qualquer modo, atenta a posição que adrede vem sendo ultimamente expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9].
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles preconizados.
Como emerge das respetivas conclusões recursivas, os recorrentes sustentam ter sido erroneamente apreciada a materialidade plasmada nas alíneas b) e c) dos factos não provados que, na sua perspetiva, deveriam antes ter sido dados como provados, sustentando outrossim que deveriam ser consideradas provadas as seguintes afirmações de facto:
i) O apoio da F... permitiu a negociação de preços dos medicamentos mais favoráveis junto dos fornecedores, já que estando centralizadas as compras permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços e, por conseguinte, ter melhores margens.
ii) A proposta da parcela variável de renda (28%) feita pela Insolvente – critério que levou à adjudicação – assentou, por um lado, nos dados oficiais fornecidos pelo B... relativamente a previsões de número de utentes diários das consultas externas, número de urgências realizadas, número de cirurgias realizadas e área geográfica abrangente e, por outro lado, no compromisso assumido pelo Governo Português e a Associação Nacional de Farmácias, relativo a, nomeadamente: - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de abertura ao público durante 24 horas, - exclusivo, atribuído às farmácias de oficina, de comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos, - possibilidade de comercialização de medicamentos por unidose, prescrição de medicamentos por Denominação Comum Internacional.
iii) Houve, após a celebração do contrato de concessão, um desvio significativo do número de utentes diários das consultas externas, bem como uma diminuição do número de urgências.
iv) O funcionamento de outras farmácias impediu o funcionamento, em exclusivo, durante 24 horas, da C..., Lda..
v) A comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos por outras farmácias, impediu a comercialização em exclusivo de tais medicamentos pela C..., Lda.,
vi) A Insolvente não pôde proceder à dispensa de medicamentos por unidose.
vii) Houve reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos.
viii) Em Junho de 2011, o Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado Dr. G..., reconheceu que “a evolução do processo das farmácias de oficina nos hospitais necessita de uma ponderação global, e de que alterações ocorridas nas circunstâncias justificam uma adaptação do regime actualmente”.
ix) Corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, ação administrativa nos termos da qual o B... (aí Autor), alegou o incumprimento do pagamento das rendas e, por sua vez, a Insolvente (aí Ré) impugnou e fez pedido reconvencional para a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias ou, caso não procedesse, para a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio.
x) O capital próprio negativo da Insolvente é resultado, essencialmente, do incumprimento contratual do B....
xi) A Insolvente tinha capacidade para fazer face aos compromissos financeiros através dos seus capitais próprios (mensurável pelo quociente entre o valor dos capitais próprios e o valor do activo líquido, num dado momento), não fossem as desproporcionadas e injustas cláusulas que o B... não alterou,
xii) A Insolvente cumpriu com a quase totalidade das restantes obrigações que assumiu, nomeadamente com os trabalhadores, com a administração tributária e segurança social e execução das obras no edifício da Farmácia, no valor de aproximadamente €211.000,00.
xiii) A insolvente tinha meios para solver os seus compromissos, tal como foi solvendo com os trabalhadores, a Banca e os Fornecedores.
xiv) O recorrido actuou sempre coadjuvado pelos pareceres de advogados e economistas de renome, os quais lhe diziam que a posição da Insolvente é que nada deve ao Centro Hospitalar B..., E.P.E. mas antes é credora do valor correspondente aos prejuízos que decorreram do incumprimento contratual do Centro Hospitalar B..., E.P.E. em valor sempre superior a €500.000,00.
Que dizer?
Nas referidas alíneas b) e c) o decisor de 1ª instância considerou não provado que:
. “A insolvente apresentou reconvenção na ação judicial, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, com o n.º 527/12.1BEPNF, interposta contra si pelo credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, peticionando a modificação do contrato de concessão por alteração das circunstâncias e, subsidiariamente, a atribuição de compensação financeira para restabelecimento do equilíbrio contratual” (al. b));
. “A Insolvente tem a receber do Centro Hospitalar B..., E.P.E. quantia superior a 500.000,00 euros, por conta dos prejuízos por aquela sofridos em virtude do incumprimento do contrato assinado entre ambos em 27 de março de 2008, denominado de Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... Para Dispensa de Medicamentos ao Público” (al. c)).
Registe-se, desde logo, que os recorrentes, em 1ª instância, não juntaram validamente aos autos qualquer certidão tendente a comprovar que a apelante terá deduzido pedido reconvencional em ação que lhe foi movida pelo Centro Hospitalar B..., E.P.E., sendo certo que o documento que apresentaram com as respetivas oposições não tem, naturalmente, a virtualidade de comprovar tal afirmação de facto, posto que nele apenas se menciona que a “sociedade C..., Ldª, fica notificada do conteúdo do despacho proferido a fols 499 do SITAF, na ação administrativa comum, forma ordinária, processo 527/12.1IBPNF”.
De igual modo, no concerne à materialidade constante da referida alínea c), os apelantes, para justificar a impetrada alteração, limitam-se genericamente a aludir às “missivas juntas com a oposição à qualificação de insolvência do requerido (docs 2 a 10), datadas de 16.09.2010, 15.10.2010, 12.05.2011, 10.10.2011, 02.11.2011, 23.04.2013, 26.04.2011, 30.04.2013, remetidas pela insolvente ao B...; Comunicação do Ministério da Saúde, datada de 2011 e junta como documento n.º 11 com a oposição do requerido; Análise 2009/2014, junta com a oposição como documento n.º 12 e subscrita pela testemunha H...; - Estudo da I..., junto com a oposição como documento n.º 1; Depoimentos prestados pelas testemunhas J... e H...”.
Facto é que da exegese dos aludidos suportes documentais e bem assim da audição do registo fonográfico dos mencionados depoimentos não resulta evidenciado, com a necessária consistência, que a insolvente seja titular de um crédito em montante superior a 500.000,00 euros sobre o Centro Hospitalar B..., E.P.E.[10] por conta de alegados prejuízos (que, aliás, não concretiza) que lhe terão sido ocasionados pelo inadimplemento do contrato que celebraram em 27 de março de 2008 (que denominaram de contrato de concessão da exploração do serviço público criado no Centro Hospitalar B... para dispensa de medicamentos ao público), matéria essa que estará a ser discutida no âmbito de ação pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e cuja prova, pela sua complexidade, naturalmente não se compadece com a natureza incidental do procedimento de qualificação da insolvência.
Inexiste, pois, válido fundamento para a alteração do sentido decisório relativamente às mencionadas proposições factuais.
Vejamos então a impugnação referente à materialidade que os apelantes advogam dever ser considerada provada.
No concernente à afirmação de facto vertida no ponto i), trata-se de matéria que resulta já dos factos provados, tal como emerge da concatenação dos pontos nºs 19, 26 e 28; daí que não se veja utilidade na autonomização de um facto com a redação preconizada pelos recorrentes.
Relativamente às afirmações de facto constantes dos pontos ii), iii), iv), v) e vi), com vista à sua demonstração os apelantes convocam, essencialmente, os depoimentos das testemunhas J... (que integrou o conselho de administração da F..., S.A.) e H... (que, a pedido da insolvente, elaborou o estudo financeiro que se mostra junto a fls. 160 a 166 dos autos), as quais referiram que a situação deficitária da sociedade “C..., Ldª” resultou da alteração de determinados pressupostos que estiveram na base do contrato de concessão de exploração que esta celebrou com o Centro Hospitalar B..., E.P.E..
Certo é que, das referidas testemunhas, apenas a primeira revelou conhecimento sobre as negociações que terão existido antes da formalização do dito contrato, enquanto a testemunha H... prestou, neste conspecto, depoimento marcadamente indireto, filiando-se, confessadamente, em elementos que lhe foram fornecidos para a elaboração da referida análise económica e financeira à atividade desenvolvida pela insolvente; ainda assim a testemunha J... pouco ou nada adiantou sobre os concretos contornos das (prévias) negociações entabuladas entre as partes e que culminaram com a outorga do ajuizado contrato, maxime quanto à (efetiva) essencialidade na economia do mesmo da matéria atinente à alegada atribuição de exclusividade às farmácias hospitalares de abertura ao público durante 24 horas, da comercialização de medicamentos retrovirais e oncológicos e da comercialização por unidose, do (eventual) caráter vinculativo dessas condições para os respetivos outorgantes e se, no contexto, essas condições eram (ou não) assumidas como meras expectativas, estando, nomeadamente, a sua implementação dependente de publicação de legislação com esse desiderato.
Acresce que não foi aportado aos autos subsídio probatório consistente, mormente de natureza documental (v.g. informações e dados oficiais alegadamente fornecidos pelo Centro Hospitalar B... referentes a previsões de número de utentes diários das consultas externas, número de urgências realizadas, e bem assim elementos donde resulte que, após a celebração do ajuizado contrato de concessão de exploração, se tenha registado a alegada “significativa” variação negativa do número de utentes diários das consultas externas e do número de urgências), que permita - na presença de termos comparativos - suportar conclusão segura no sentido propugnado pelos apelantes.
Como assim, não se antolha fundamento probatório bastante que legitime a inserção de tal facticidade na materialidade provada.
No que tange à factualidade constante dos pontos vii) e viii), malgrado se trate de matéria que no contexto do presente incidente de qualificação não assuma um especial relevo, certo é que a proposição factual vertida no ponto viii) resulta do documento que se mostra junto a fls. 248 (que não foi alvo de impugnação), sendo que em relação à afirmação de facto plasmada no ponto vii) a sua comprovação emerge dos diversos diplomas legais que têm sido publicados neste domínio (v.g. DL nº 48-A/2010, de 13.05, DL nº 106-A/2010, de 1.10 e DL nº 112/2011, de 29.11), que “impuseram” uma redução sucessiva dos preços a praticar na venda dos fármacos genéricos e não genéricos.
Como assim, em consonância com o que se dispõe no art. 662º, nº 1 do CPC, determina-se o aditamento à materialidade provada dos seguintes novos factos:
. “Houve reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos”.
. “Em Junho de 2011, o Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado Dr. G..., reconheceu que “a evolução do processo das farmácias de oficina nos hospitais necessita de uma ponderação global, e de que alterações ocorridas nas circunstâncias justificam uma adaptação do regime actualmente”.
Quanto à afirmação de facto plasmada no ponto ix) valem aqui as considerações expendidas a propósito da impugnação da alínea b) dos factos não provados.
Já relativamente às proposições vertidas nos pontos x), xi), xii) e xiii) assumem as mesmas um cariz marcadamente concluinte, na justa medida em que encerram juízos meramente conclusivos, sendo certo, de qualquer modo, que, quer a materialidade dada como provada sob os pontos nºs 1, 2, 3 e 4 (que não foi objeto de impugnação em sede recursiva), quer os elementos contabilísticos que foram aportados aos autos (cfr. v.g. as declarações de IES dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, juntas a fls. 15 e seguintes dos autos principais e a fls. 52 e seguintes deste apenso) infirmam as afirmações constantes dos referidos pontos. Como assim, tratando-se de meros juízos conclusivos, não podem os mesmos constar do elenco dos factos relevantes para efeito do presente incidente.
Por último, em relação à afirmação de facto constante do ponto xiv), a questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o efetivo relevo da impugnação dessa matéria para a decisão do presente incidente de qualificação.
Com efeito, como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer - conforme vem sendo recorrentemente entendido[11] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que a materialidade em causa se revela concretamente inócua no âmbito do presente incidente, já que, para efeito de qualificação da insolvência, não se vislumbra qual o interesse das informações e pareceres que “advogados e economistas de renome” terão emitido a respeito do relacionamento contratual (e respetivas vicissitudes) estabelecido entre o Centro Hospitalar B..., E.P.E. e a insolvente, designadamente da consistência da posição jurídica por esta sustentada no confronto com aquele.
Deste modo, não há, pois, que apreciar o referido segmento impugnatório, posto que o seu conhecimento se revela espúrio e desnecessário para a decisão do presente recurso.
*
3. FUNDAMENTOS DE FACTO

Face à decisão que antecede, passa a ser a seguinte a factualidade relevante provada:
- Factos considerados assentes no despacho saneador -
A) A Requerida “C..., Lda.” foi declarada insolvente, por sentença proferida nos autos principais, em 28.04.2015, tendo-se apresentado à insolvência, por ação apresentada a juízo em 10.04.2015.
B) A Requerida foi constituída em 25.10.2010, tendo por objeto social exploração de farmácia no Hospital B1..., EPE, com o capital social de 5.000 euros, numa única quota pertencente à sócia “C..., Lda.”, tendo sido nomeados gerentes D... e E..., em 29.11.2007, tendo ambos renunciado à gerência, respetivamente em 04.12.2014 e 22.12.2014 e obrigando-se a sociedade com a intervenção conjunta de dois gerentes;
C) A sociedade prestou contas relativas aos exercícios do ano de 2008, em
31.07.2009, do ano de 2010, em 06.10.2011, do ano de 2009, em 20.02.2013, do ano de 2012, em 18.07.2013, do ano de 2013, em 08.10.2014;
D) No apenso B de reclamação de créditos, foi proferida sentença em 01.04.2016, transitada em julgado, que homologou a Lista de Créditos Reconhecidos apresentada pela Sr.ª Administradora de Insolvência, tendo sido reconhecidos e verificados créditos no valor global de 4.006.302,94 euros, entre outros aos seguintes credores: “K..., S.A.”, o montante de 106.509,67 euros, “L..., o montante de 895.767,94 euros, “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, o montante de 2.692.223,56 euros, “F..., S.A.”, o montante de 216.350,06 euros, inexistindo quaisquer créditos da Autoridade Tributária e do Instituto de Segurança Social.
- Factos considerados provados após a produção de prova realizada em audiência de julgamento -
1. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2011, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 1.548.984,68 euros, custo de mercadorias vendidas, 1.054.945,02 euros, fornecimentos e serviços externos, 562.755,42 euros, gastos com pessoal, 204.307,13 euros, resultado operacional negativo de 283.849,49 euros, resultado líquido negativo de 285.899,57 euros, ativos fixos tangíveis, 233.926,63 euros, inventários 105.757,40 euros, clientes 191.386,41 euros, outras contas a receber 37.200,20 euros, caixa e depósitos bancários 456.471,42 euros, total do ativo 690.398,05 euros, capital próprio negativo de 715 612,53 euros, total do passivo 1.406.010,58 euros;
2. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2012, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 1.016.438,33 euros, custo de mercadorias vendidas, 747.885,13 euros, fornecimentos e serviços externos, 385.163,61 euros, gastos com pessoal, 212.709,83 euros, resultado operacional negativo de 354.935,41 euros, resultado líquido negativo de 355.886,64 euros, ativos fixos tangíveis, 225.588,93 euros, inventários 129.706,00 euros, clientes 37.599,42 euros, outras contas a receber 177.351,52 euros, caixa e depósitos bancários 536.658,59 euros, total do ativo 762.247,52 euros, capital próprio negativo de 1.071.499,17 euros, total do passivo 1.833.746,69 euros;
3. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2013, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 937.195,34 euros, custo de mercadorias vendidas, 667.715,44 euros, fornecimentos e serviços externos, 508.126,28 euros, gastos com pessoal, 192.744,87 euros, resultado operacional negativo de 454.879,01 euros, resultado líquido negativo de 455.120,01 euros, ativos fixos tangíveis, 217.251,23 euros, inventários 82.650,63 euros, clientes sem valor indicado, outras contas a receber 64,07 euros, caixa e depósitos bancários 19.029,79 euros, total do ativo 323 799,72 euros, capital próprio negativo de 1.526.619,18 euros, total do passivo 1.850.418,90 euros;
4. Nos documentos de suporte à contabilidade da Insolvente resulta que no exercício do ano de 2014, a Insolvente apresentou os seguintes resultados: receitas de vendas e prestação de serviços, 490.617,01 euros, custo de mercadorias vendidas, 355.506,28 euros, fornecimentos e serviços externos, 239.887,34 euros, gastos com pessoal, 159.411,53 euros, resultado operacional negativo de 420.014,45 euros, resultado líquido negativo de 420.420,21 euros, ativos fixos tangíveis, 25.922,76 euros, inventários 64 208,17 euros, clientes, 7.944,02 euros, outras contas a receber 338 593,13 euros, caixa e depósitos bancários 1.944,67 euros, total do ativo 451.962,72 euros, capital próprio negativo de 2.008.537,64 euros, total do passivo 2.460.500,36 euros;
5. No Apenso D, de Apreensão de Bens, foram apreendidos para a massa insolvente um conjunto de caixas contendo medicamentos, no valor global de 9.974,13 euros, gavetas para guardar medicamentos, estantes, duas secretária, uma balança;
6. No Apenso D, de Apreensão de Bens, foram apreendidos para a massa insolvente os saldos bancários existentes na L..., no montante de 1.694,97 euros, e no M..., no montante de 157,82 euros e a quantia de 30.000.euros de IVA recuperado;
7. A única sócia da Devedora, “C..., Lda.”, representada por D..., em assembleia geral da sociedade “C..., Lda.”, realizada em 30 de março de 2015, decidiu pela aprovação do ponto único da ordem de trabalhos que consistia na discussão e deliberação sobre a apresentação da empresa à Insolvência.
8. Em 27 de março de 2008, entre o credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, como concedente, e a Requerida “C..., Lda.”, enquanto concessionária, nesse ato representada pelos seus gerentes, os requeridos D... e E..., foi celebrado um acordo escrito denominado de Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... Para Dispensa de Medicamentos ao Público, pelo prazo de cinco anos contados a partir da abertura da farmácia ao público, mediante o qual a Insolvente se obrigou a pagar ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” uma renda anual constituída por uma parcela fixa de 40.000,00 euros e uma parcela variável, correspondente a 28% sobre o valor da faturação anual da farmácia sem IVA, a pagar até ao dia 15 de março do ano seguinte aquele a que se reportem, e no primeiro período de duração, a prestação será proporcional ao período de efetiva vigência do contrato.
9. A insolvente liquidou por conta do proporcional do valor da renda fixa respeitante ao primeiro período de vigência do contrato, ente 15 de agosto de 2009 e 31.12.2009, o montante de 13.333,32 euros.
10. A sociedade F..., S.A.” foi constituída em 13.08.2007, tendo por objeto social exploração e gestão de farmácias hospitalares e de sociedades concessionárias de farmácias hospitalares, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Lisboa, com o capital social de 50.000 euros, dividido em 50.000 ações de valor unitário de 1,00 euro, nominativas, obrigando-se a sociedade com as assinaturas de três dos membros do conselho de administração sendo uma obrigatoriamente do conselho executivo, sendo o conselho de administração composto por nove membros, sendo o Presidente e o Vice-presidente escolhidos no início do mandato entre os seus membros, juntamente com um administrador adjunto, constituindo assim um conselho executivo, tendo sido designados, em 04.08.2007, para integrar o conselho de administração, para o mandato de dois anos: N..., O..., P..., Q..., J..., T..., E..., V..., W....
11. Foi proferida sentença nos autos de ação administrativa especial, processo n.º 605/07.9BEPNF, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, interposto por “X..., Lda.” e outros que adotaram a designação de “Y..., E.P.E.”, contra o “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, impugnando a deliberação de 01.10.2007 do júri do concurso público para a “Concessão de espaço para construção, instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público que admitiu a concurso três concorrentes que a ali Autora entende não terem respeitado os requisitos subjetivos de admissão ao concurso e por considerar que não há coincidência entre a sociedade adjudicatária, a contra interessada “C..., Lda.” e a sociedade gestora da farmácia hospitalar a concessionar, a “F..., S.A.”, tendo sido julgada improcedente a ação, por não provada e mantido o ato impugnado, constando da fundamentação de tal decisão que “Objetivamente, quem se apresentou ao concurso foi tão-só a “C..., Lda.” e não a “F..., SA”, cabendo a adjudicação do concurso à primeira e não à segunda. Além do mais a Contrainteressada não está legalmente impedida de fazer parte de outras sociedades, ainda que gestoras do ramo de atividade para o qual concorre, o qual se insere na sua liberdade contratual/comercial.”
12. Do acordo escrito assinado entre o Centro Hospitalar B..., E.P.E. e a Insolvente constava que a exploração da farmácia no B... compreende, entre outros, a dispensa de todos os produtos permitidos nas farmácias de oficina e a dispensa de medicamentos em unidose.
13. Do acordo escrito assinado entre o “Centro Hospitalar B..., E.P.E.” e a Insolvente constava que a primeira se obrigava a proporcionar a prática de um horário alargado, incluindo noturno se for necessário.
14. A insolvente solicitou, por escrito e mais do que uma vez, ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, a alteração do valor das rendas a pagar pela concessão da farmácia, invocando alteração anormal das circunstâncias, designadamente incumprimento da exclusividade das farmácias de oficina estarem abertas 24 horas, incumprimento de exclusividade das farmácias de oficina comercializarem medicamentos retrovirais e oncológicos, incumprimento da comercialização de medicamentos em unidose e baixa acentuada do preço dos medicamentos genéricos, além de se ter verificado um desvio significativo ao número de utentes diários das consultas externas e uma diminuição do número de urgências face aos dados fornecidos pelo “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, na fase pré contratual.
15. Por sentença proferida, em 24.06.2013, no processo de Divórcio Sem Consentimento, n.º 1072/13.3TBPNF, do extinto 4.º Juízo do tribunal Judicial de Penafiel, instaurado por E..., foi decretado o divórcio dos cônjuges D... e E....
16. Foi instaurado Inventário por Divórcio, requerido por E..., no Cartório Notarial de Penafiel, e designado por despacho da Notário, o dia 03.09.2014 para prestação do compromisso de honra e declarações de cabeça de casal.
17. J... nasceu em 22.01.1974, é filha de Z... e AB...;
18. No ato de constituição da sociedade “F..., S.A.”, a sociedade “C..., Lda.” foi representada pelo requerido E..., com procuração com poderes para esse ato, que ficou anexada ao documento particular de constituição da sociedade.
19. Com data de 4.08.2007, foi assinado um acordo escrito, entre a sociedade “F..., S.A.”, como 1.º outorgante, representada nesse ato pelo seus administradores N..., P... e Q..., e a sociedade “C..., Lda.”, como segunda outorgante, representada nesse ato pelo seu Procurador E..., denominado Contrato de Consultoria e Promessa de Consultoria e Gestão, mediante o qual a sociedade “C..., Lda.” contratou a “F..., S.A.” como consultora para a preparação da sua candidatura a concurso público de concessão da farmácia do Hospital B1... em Penafiel e no caso de vir a ser a adjudicatária da concessão da farmácia no hospital em causa compromete-se a celebrar com a 1.º outorgante contrato de consultoria e gestão da sociedade que terá de constituir para assumir a exploração da farmácia do referido hospital.
20. Foi sempre com o requerido E... que o credor “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, pelos seus responsáveis e funcionários, contactou antes e após a assinatura do Contrato de Concessão da Exploração do Serviço Público Criado no B... Para Dispensa de Medicamentos ao Público, para tratar dos assuntos relacionados com tal contrato.
21. A requerida D... só tomou conhecimento da dívida existente ao “Centro Hospitalar B..., E.P.E.”, numa reunião com o seu Presidente do Conselho de Administração, ocorrida no início do ano de 2015, tendo concordado com a entrega do edifício da farmácia ao credor.
22. A requerida D... estava habitualmente e durante o seu horário de funcionamento, na farmácia sita em ..., pertencente à sociedade “C..., Lda.”.
23. Desde meados de 2012, altura em que o requerido E... abandonou o seu lar, as relações entre Requeridos eram conflituosas e apenas se contactavam para tratar de questões relacionadas com os filhos.
24. A Sr.ª Administradora de Insolvência sempre contactou com o requerido E..., enquanto responsável pela Insolvente, não tendo qualquer contacto com a requerida D....
25. Foi o Requerido E... quem contratou e pagou a Análise 2009/2014, “C..., Lda.”, elaborada pela testemunha H....
26. As farmácias hospitalares, onde se incluía a do Hospital B1..., eram geridas centralmente pela “F..., S.A.”, por intermédio dos seus administradores, o Requerido E... e AD..., sendo estes quem contactava fornecedores, faziam pagamentos e contratavam pessoal.
27. Foi sempre o Requerido E... quem contactou com os responsáveis da “AJ...” e anteriormente a “AK...”, empresa responsável pela elaboração das declarações fiscais e tratamento da contabilidade da sociedade “C..., Lda.”.
28. A criação da “F..., S.A.” visava obter uma negociação de preços dos medicamentos mais favorável junto dos fornecedores, já que, estando centralizadas as compras, permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços.
- Factos aditados em sede recusória -
29. Houve reduções sucessivas dos preços dos fármacos genéricos e não genéricos.
30. Em Junho de 2011, o Ministério da Saúde, na pessoa do Senhor Secretário de Estado Dr. G..., reconheceu que “a evolução do processo das farmácias de oficina nos hospitais necessita de uma ponderação global, e de que alterações ocorridas nas circunstâncias justificam uma adaptação do regime actualmente”.
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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO
4.1. Da verificação dos pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa

Como é consabido, o incidente de qualificação da insolvência é um instituto jurídico que foi introduzido no nosso ordenamento pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[12], presidindo a esta criação a declarada intenção de obter uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas coletivas.
Com esse desiderato, o seu art. 185º começa por indicar a finalidade do incidente: averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência para qualificá-la numa das categorias tipificadas na lei. Desta forma, a insolvência pode ser culposa ou fortuita.
No caso vertente, o tribunal a quo decidiu proceder à qualificação da insolvência como culposa, ancorando-se nas presunções estabelecidas na alínea g) do nº 2 e na alínea a) do nº 3 do art. 186º.
O referido julgamento é agora posto em crise pelo apelante (que, dada a sua qualidade de gerente da insolvente, foi afetado por essa qualificação enquanto seu “administrador”, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 6º[13]), o qual advoga que não se encontra reunido o condicionalismo necessário para fazer operar as mencionadas presunções legais.
Quid juris?
O citado art. 186º, depois de no seu nº 1 fixar uma noção geral de insolvência culposa[14], estabelece nos seus nºs 2 e 3 um conjunto de presunções que assumem caráter taxativo.
Com efeito, para auxiliar a tarefa probatória, o CIRE veio consagrar o denominado duplo sistema de presunções legais[15], sendo que o nº 2 da referida norma contém um elenco de presunções juris et de jure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente; por seu turno, no nº 3 consagra-se um conjunto de presunções juris tantum de culpa grave desses administradores.
No concernente às presunções do primeiro tipo, a doutrina e jurisprudência claramente dominantes[16] vêm considerando que uma vez demonstrado o facto nelas enunciado (base da presunção), fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador (isto é, a insolvência será sempre considerada como culposa), sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento[17].
Já no que tange ao âmbito objetivo das presunções estabelecidas no nº 3, vem-se registando marcada divergência quer a nível doutrinário quer na casuística.
Assim, para uns[18] o que resulta do nº 3 do art. 186º é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos seus administradores, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do nº 1 desse normativo, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta. Outros[19], porém, advogam que se trata de presunções de insolvência culposa, isto é, a simples verificação de qualquer uma das situações descritas nas suas alíneas constitui uma presunção ilidível não apenas da culpa grave do administrador, mas também de suspeita de insolvência culposa, pressupondo-se à partida o nexo de causalidade exigido pelo nº 1.
Revertendo ao caso em apreço, tendo em conta a vinculação temática definida pela sentença recorrida e pelas conclusões recursórias, releva, desde logo, a presunção estabelecida na alínea g) do nº 2 do citado art. 186º[20], no qual se dispõe que “considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
Portanto, para que seja despoletada a presunção juris et de jure estabelecida no inciso transcrito, exige-se que o administrador (sendo que por estatuição expressa da lei, e num patente esforço de moralização, estão abrangidos quer o administrador de direito quer o administrador de facto) do devedor tenha praticado, nos três anos anteriores ao início do processo[21], atos prejudiciais para o património do devedor que beneficiem simultaneamente o administrador que os pratica ou terceiro.
A descrita fattispecie normativa pressupõe como base da respetiva presunção que o administrador não tenha cumprido com os deveres de fidelidade/de lealdade a que se encontra adstrito por força, v.g., do disposto nas als. a) e b) do art. 64º do Cód. das Sociedades Comerciais, praticando atos que, prejudicando a situação patrimonial da insolvente, em simultâneo trazem benefícios para quem os pratica ou para terceiros. Atos desse tipo são naturalmente incompatíveis e desconformes com o padrão da diligência de um gestor criterioso e ordenado e com o estrito cumprimento dos aludidos deveres. É que, em conformidade com tal normatividade, os administradores, no exercício das suas funções, devem considerar e intentar em exclusivo o interesse da sociedade, com a correspetiva obrigação de omitirem comportamentos que visem a realização de outros interesses, próprios e/ou alheios, estando-lhes, por isso, vedada (sob pena de conduta desleal) a promoção, de forma direta ou indireta, de situações que importem benefício, vantagem ou proveito próprio dos administradores ou de terceiros, por si influenciados ou dominados (nomeadamente outra sociedade), ou de familiares, em prejuízo ou sem consideração pelo conjunto dos interesses diversos atinentes à sociedade que representa.
Está-se, por conseguinte, em presença de um comportamento do administrador que afronta os aludidos deveres por envolver, por via direta ou indireta, efeitos negativos para o património do insolvente, geradores ou agravantes da situação de insolvência, tal como a define o art. 3º, exigindo, no entanto, a lei uma intenção específica na atuação daquele, concretamente a prossecução da atividade da sua administrada, já em situação de exploração deficitária, no seu próprio interesse ou de terceiro.
Questão que naturalmente se coloca é a de saber se o substrato factual que logrou demonstração permite afirmar o preenchimento da base da mencionada presunção.
Ora, malgrado no ato decisório sob censura se tenha concluído estarem verificados “os factos integrantes da presunção inilidível prevista na alínea g), do nº 2 do art. 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, não vislumbramos que o tecido fáctico apurado legitime e suporte tal conclusão jurídica.
Na verdade, com relevo para a questão, somente resultou provado que:
. A sociedade F..., S.A.” foi constituída em 13.08.2007, tendo por objeto social exploração e gestão de farmácias hospitalares e de sociedades concessionárias de farmácias hospitalares, com sede na Rua ..., n.º .., freguesia .., Lisboa, com o capital social de 50.000 euros, dividido em 50.000 ações de valor unitário de 1,00 euro, nominativas, obrigando-se a sociedade com as assinaturas de três dos membros do conselho de administração sendo uma obrigatoriamente do conselho executivo, sendo o conselho de administração composto por nove membros, sendo o Presidente e o Vice-presidente escolhidos no início do mandato entre os seus membros, juntamente com um administrador adjunto, constituindo assim um conselho executivo, tendo sido designados, em 04.08.2007, para integrar o conselho de administração, para o mandato de dois anos: N..., O..., P..., Q..., J..., T..., E..., V..., W... (ponto nº 10);
. No ato de constituição da sociedade “F..., S.A.”, a sociedade “C..., Lda.” foi representada pelo requerido E..., com procuração com poderes para esse ato, que ficou anexada ao documento particular de constituição da sociedade (ponto nº 18);
. Com data de 4.08.2007, foi assinado um acordo escrito, entre a sociedade “F..., S.A.”, como 1.º outorgante, representada nesse ato pelo seus administradores N..., P... e Q..., e a sociedade “C..., Lda.”, como segunda outorgante, representada nesse ato pelo seu Procurador E..., denominado Contrato de Consultoria e Promessa de Consultoria e Gestão, mediante o qual a sociedade “E..., Lda.” contratou a “F..., S.A.” como consultora para a preparação da sua candidatura a concurso público de concessão da farmácia do Hospital B1... em Penafiel e no caso de vir a ser a adjudicatária da concessão da farmácia no hospital em causa compromete-se a celebrar com a 1.º outorgante contrato de consultoria e gestão da sociedade que terá de constituir para assumir a exploração da farmácia do referido hospital (ponto nº 19);
. As farmácias hospitalares, onde se incluía a do Hospital B1..., eram geridas centralmente pela “F..., S.A.”, por intermédio dos seus administradores, o Requerido E... e AD..., sendo estes quem contactava fornecedores, faziam pagamentos e contratavam pessoal (ponto nº 26);
. A criação da “F..., S.A.” visava obter uma negociação de preços dos medicamentos mais favorável junto dos fornecedores, já que, estando centralizadas as compras, permitia encomendar em grande escala, o que permitia baixar os preços (ponto nº 28).
Perante o descrito quadro factual, dele não se extrai, em termos objetivos, qualquer elemento significante que permita considerar que o “administrador” E... tenha desenvolvido a administração da devedora (apesar de a mesma - em função dos elementos contabilísticos que foram aportados aos autos - se apresentar em situação de exploração deficitária desde, pelo menos, o exercício de 2011) com a apontada intenção específica de aproveitamento próprio ou de terceiro, designadamente da “F..., S.A.”, não havendo evidências, em termos fácticos, de que tenha sido praticados atos prejudiciais para o património da devedora de que tenha resultado um qualquer benefício/enriquecimento daquele administrador ou do aludido ente societário. Aliás, neste conspecto, não será despiciendo registar que o tribunal recorrido deu como não provado (na alínea a) dos factos não provados) que a insolvente tenha agido “num quadro de atuação consertada com as concessionárias das farmácias hospitalares localizadas no Hospital AE... em Lisboa, Hospital AF... no Porto, Centro Hospitalar AG..., Hospital AH... e Hospital AI... em Leiria, e ainda com a sociedade “F..., S.A.”, e com o objetivo de beneficiarem esta última, prosseguindo uma exploração deficitária e com intenção deliberada de nunca pagarem o valor das rendas acordadas nos respetivos contratos de concessão dos estabelecimentos de farmácias identificados, nos Centros Hospitalares do Sistema Nacional de Saúde”.
Consequentemente a qualificação da insolvência como culposa não pode operar à luz do disposto na al. g) do nº 2 do art. 186º, por indemonstração da base da presunção (absoluta) aí estabelecida.
Como assim, resta apurar se, na espécie, se mostram preenchidos os pressupostos para operância da presunção (juris tantum) contemplada na al. a) do nº 3 do art. 186º, que o tribunal recorrido igualmente convocou para proceder à qualificação da insolvência como culposa.
Dispõe tal preceito legal que se presume “[a] existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja pessoa singular, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência”.
O dever em causa mostra-se estabelecido, quanto aos administradores do devedor, no art. 19º, sendo que a respetiva ratio essendi é a de propiciar, o mais rapidamente possível, a solução da situação de insolvência em que este último se encontra, porquanto não deve ser consentido a uma empresa insolvente continuar a participar ativamente na vida económica, sob pena de daí resultarem graves prejuízos para os que nela intervêm, maxime para os seus credores.
No caso vertente, tendo presente o quadro factual que logrou demonstração, resulta inequívoco que o ora apelante, enquanto gerente da sociedade “C..., Ldª”, incumpriu o aludido dever de apresentação (que não pressupõe uma não apresentação reiterada ou sucessiva) à insolvência da sua administrada, posto que, como emerge da materialidade provada sob os pontos nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, esta se encontrava em situação de “falência técnica” (no sentido definido nos nºs 1 e 2 do art. 3º) desde, pelo menos, o ano de 2011, sendo certo que, ainda assim, não intentou o pertinente processo insolvencial no período temporal fixado no art. 18º, o que veio a ser subsequentemente requerido pela própria devedora já no ano de 2015.
Apesar disso, esgrime o apelante o argumento de que, malgrado tal incumprimento, não se se mostra estabelecido o nexo de causalidade que deve existir entre o referido comportamento omissivo (culposo) e a criação ou agravamento da situação de insolvência da sua administrada.
Já se deu nota que sobre esta temática se vêm registando respostas díspares a nível doutrinário e jurisprudencial, mormente quanto à repartição do ónus da prova desse nexo causal.
Nesta querela afigura-se-nos mais consistente a argumentação que adrede tem sido apresentada pelos sequazes da tese que preconiza que o nº 3 do art. 186º consagra presunções juris tantum de insolvência culposa, e não meras presunções relativas de culpa grave.
Na verdade, e no que tange propriamente à presunção estabelecida na al. a) do nº 3 do art. 186º, não se antolha, em abstrato, um percetível nexo lógico entre o incumprimento do dever de apresentação à insolvência e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
De facto, pela própria natureza das coisas, o surgimento desse dever pressupõe, como prius, a existência de uma efetiva situação de insolvência do devedor. Daí que, nesse contexto, seria paradoxal falar-se de estabelecimento de um nexo causal entre o incumprimento do dever de apresentação e a situação de insolvência, não se vislumbrando, pois, em que medida o incumprimento desse dever possa ser causa da criação da situação de insolvência; quando muito poder-se-ia exigir uma prova positiva, demonstrando esse nexo no agravamento da situação de insolvência culposa, por inobservância do dever plasmado no art. 19º.
De qualquer modo, como enfatiza PINTO OLIVEIRA[22], o comportamento descrito na al. a) do nº 3 “cria um perigo (concreto) para o património da sociedade. O administrador, ao infringir o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade, está a infringir o dever de prevenção do perigo ou do risco (de agravamento) da insolvência”.
Daí que a imposição legal do referido dever se justifique como forma de impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os administradores que violaram tal dever. Oneram-se, por conseguinte, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respetivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade – por exemplo a conjuntura económica ou as condições de mercado”[23].
Temos, assim, que verdadeiramente na al. a) do nº 3 do art. 186º não se consagra tão-somente uma presunção de culpa grave, mas antes uma presunção, ainda que relativa, de insolvência culposa, ou, na expressão de CATARINA SERRA[24], uma “presunção de culpa qualificada na insolvência”, abrangendo também o nexo de causalidade, pelo que competirá ao sujeito que incumpriu o dever (legal) de apresentação à insolvência o ónus da prova de que a situação de insolvência se ficou a dever a outros fatores, designadamente, as condições de mercado ou a conjuntura económica, prova essa que o apelante não logrou.
Como quer que seja, contrariamente ao que ora argumenta, o tecido fáctico apurado permite afirmar que, no período compreendido entre 2011 e 2014[25], se foi registando uma paulatina variação negativa na faturação e nos ativos da sociedade devedora (sendo que por ocasião da prolação da sentença declaratória de insolvência o respetivo património ascenderia a cerca de €41.826,92), verificando-se outrossim um incremento do respetivo passivo[26], estando reconhecidos nos autos (por sentença já transitada) créditos no valor de €4.006.302,94.
Portanto, já desde o ano de 2011 a situação económico-financeira da sociedade “C..., Ldª” era de tal modo grave, considerando o passivo então registado em contraponto com o respetivo ativo, que não se pode considerar aceitável o protelamento da sua apresentação à insolvência, podendo, pois, razoavelmente concluir-se que o referido comportamento omissivo da ora apelante contribui, em termos objetivos, para o agravamento da situação já de si deficitária da insolvente com o consequente prejuízo para os credores desta.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i)- julgar a apelação improcedente, confirmando-se, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, a sentença recorrida;
ii)- determinar o desentranhamento e a devolução aos apelantes dos documentos que ofereceram com as suas alegações, condenando-os na multa de uma Uc pelo incidente a que deram causa.
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Custas a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º).

Porto, 23.04.2018
Miguel Baldaia Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
_________
[1] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 3.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e JOÃO ESPÍRITO SANTO, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, págs. 47 e seguintes.
[2] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95.
[4] Assim JOÃO ESPÍRITO SANTO, ob. citada, pág. 50. Este posicionamento tem sido igualmente trilhado por alguma jurisprudência – v.g. acórdãos do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433, pág. 467 e de 26.09.12 (processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1), este último acessível em www.dgsi.pt -, afirmando-se que a admissibilidade da junção só se verifica quando a necessidade dela tenha sido criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância, necessidade que é criada tanto no caso de aquela sentença se ter baseado num meio de prova não oferecido pelas partes, como no caso de se ter fundado em regra de direito com cuja aplicação as partes, justificadamente, não contavam.
[5] Neste sentido, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 533 e seguinte.
[6] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência.
[7] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[8] Como bem ensinava ALBERTO DOS REIS (in Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569), prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”
[9] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1),ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Registando-se que, ao invés do que parece ser entendimento dos apelantes, o crédito que o Centro Hospitalar B..., E.P.E. detém sobre a insolvente não foi, fundadamente, posto em crise, mostrando-se, aliás, reconhecido por sentença já transitada, prolatada no apenso de verificação e graduação de créditos (apenso B).
[11] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
[12] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[13] Que preceitua serem “considerados administradores, não sendo o devedor uma pessoa singular, aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente”.
[14] Nos termos do qual “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo”. Resulta, assim, da exegese do normativo transcrito constituírem requisitos da insolvência culposa: i) o facto inerente à atuação, por ação ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; ii) a ilicitude desse comportamento; iii) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave); iv) o nexo causal entre aquela atuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
[15] Como sublinha CARNEIRO DA FRADA (in A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, vol. II [setembro], pág. 701), a opção por esta técnica legislativa justifica-se pela necessidade de garantir uma maior “eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originaram ou agravaram insolvências”, favorecendo, para além disso, a previsibilidade e a rapidez da apreciação judicial dos comportamentos.
[16] Cfr., por todos, na doutrina, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, pág. 680, CARNEIRO DA FRADA, op. citada, pág. 689 e MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 2012, pág. 274; na jurisprudência, acórdãos da Relação de Coimbra de 21.01.2014 (processo nº 174/12.8TJCBR.C1) e de 14.01.2014 (processo nº 785/11.9TBLRA-A.C1) e acórdãos desta Relação de 27.02.2014 (processo nº 1595/10.6TBAMT-A.P2) e de 18.12.2013 (processo nº 41/10.0TYVNG-D.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[17] Isso mesmo é enfatizado por MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 2015, pág. 132, onde afirma que tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no nº 2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato.
[18] Cfr., inter alia, na doutrina, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. citada, pág. 681, SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, 2015, pág. 380 e MENEZES LEITÃO, ob. citada, pág. 275; na jurisprudência, acórdão da Relação de Coimbra de 8.02.2011, CJ, ano XXXVI, tomo 1º, pág. 31, acórdão desta Relação de 25.11.2010 (processo nº 814/08.TBVFR) e acórdão da Relação de Guimarães de 12.07.2011 (processo nº 503/10.9TBPTL), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[19] Assim, na doutrina, CATARINA SERRA, O novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, pág. 122 e, da mesma autora, Decoctor ergo fraudator? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), Cadernos de Direito Privado, nº 21, pág. 69, CARNEIRO DA FRADA, ob. citada, pág. 692, CASSIANO SANTOS, Direito Comercial, vol. I, pág. 214 e seguinte e PINTO DE OLIVEIRA, A responsabilidade civil dos administradores pela insolvência culposa, I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, 2015, pág. 207; na jurisprudência, acórdão do Tribunal Constitucional nº 564/2007, de 13.11, acórdão da Relação de Coimbra de 22.05.2012 (processo nº 1053/10.9TJCBR-K) e acórdãos desta Relação de 22.05.2007 (processo 0722442), de 24.09.2007 (processo 0753853) e de 5.02.2009 (processo 0837835), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[20] Sendo de registar que alguns autores (v.g. RUI PINTO DUARTE, Efeitos da declaração de insolvência quanto à pessoa do devedor, Themis, 2005, pág. 144 e seguinte e SOVERAL MARTINS, ob. citada, 2015, pág. 375) consideram injusta a hipótese de qualificação da insolvência como culposa contemplada nesta alínea.
[21] Como anteriormente se notou, o nº 1 do art. 186º expressamente estabelece que os factos (ilícitos) do administrador só são relevantes para efeitos da qualificação da insolvência como culposa desde que tenham sido cometidos ou omitidos nos “três anos anteriores ao início do processo de insolvência”, sendo que, a este propósito, CARNEIRO DA FRADA (ob. citada, pág. 690 e seguinte) fala de uma “modelação temporal da situação de responsabilidade”.
[22] Op. citada, pág. 210 e seguinte.
[23] Assim, CATARINA SERRA, Decoctor ergo fraudator? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), pág. 69, a qual afirma, ainda que em termos não concludentes, que a norma do nº 3 do art. 186º seria inútil caso apenas se presumisse a culpa qualificada. Em idêntico sentido aponta ANA PRATA (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 512), ao concluir que “seria muito mau (…) se esta presunção não dispensasse a prova da conexão causal entre as condutas presuntivamente culposas e a insolvência”.
[24] Decoctor ergo fraudator? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), pág. 69, onde considera que esse entendimento é imposto teleologicamente, posto que o legislador quis que os administradores ficassem onerados com a prova de que a causa da insolvência foi uma razão independente da sua vontade. No mesmo sentido militam PINTO OLIVEIRA, ob. citada, págs. 203 e seguintes e CARNEIRO DA FRADA, ob. citada, pág. 692, afirmando este último que no nº 3 do art. 186º, para além de uma presunção de culpa qualificada, se consagra outrossim uma presunção, ainda que relativa, de causalidade, ficando, nessa medida, o lesado dispensado da prova da causalidade fundamentante/fundamentadora da responsabilidade.
[25] Com efeito, de acordo com a materialidade apurada, verifica-se que a insolvente apresentou os seguintes valores de receitas de vendas e prestação de serviços:
. no ano de 2011, 1.548.984,68 euros;
. no ano de 2012, 1.016.438,33 euros;
. no ano de 2013, 937.195,34 euros;
. no ano de 2014, 490.617,01 euros.
Já no concernente a despesas e resultados registaram-se os seguintes valores:
. no ano de 2011 - custo de mercadorias vendidas, 1.054.945,02 euros, fornecimentos e serviços externos, 562.755,42 euros, gastos com pessoal, 204.307,13 euros, resultado operacional negativo de 283.849,49 euros e um resultado líquido também negativo de 285 899,57 euros;
. no ano de 2012 - custo de mercadorias vendidas de 747.885,13 euros, fornecimentos e serviços externos, 385 163,61 euros, gastos com pessoal, 212.709,83 euros, resultado operacional negativo de 354.935,41 euros, resultado líquido também negativo de 355.886,64 euros;
. no ano de 2013 - custo de mercadorias vendidas de 667.715,44 euros, fornecimentos e serviços externos, 508.126,28 euros, gastos com pessoal, 192.744,87 euros, levando a um resultado operacional negativo de 454 879,01 euros e um resultado líquido também negativo de 455.120,01 euros;
. e no ano de 2014 - custo de mercadorias vendidas, 355.506,28 euros, fornecimentos e serviços externos, 239.887,34 euros, gastos com pessoal, 159.411,53 euros, resultado operacional negativo de 420.014,45 euros, resultado líquido igualmente negativo de 420.420,21 euros.
[26] Em consonância com a factualidade provada, no final do ano de 2011 o passivo cifrava-se em 1.406.010,58 euros, até atingir o montante de 2.460.500,36 euros no final do ano de 2014, sendo que já era de 1.833.746,69 euros no final de 2012 e era de 1.850.418,90 euros no final de 2013. Por seu turno, os capitais próprios foram também sempre negativos em cada um destes anos, sendo de -715.612,53 euros em 2011, de -1.071.499,17 euros em 2012, de -1.526.619,18 euros no ano de 2013 e de -2.008.537,64 euros em 2014.