Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
471/13.5GBFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
PENA ACESSÓRIA
DESCONTO
Nº do Documento: RP20160413471/13.5GBFLG.P1
Data do Acordão: 04/13/2016
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 675, FLS.2-19)
Área Temática: .
Sumário: Não há lugar a desconto de período de proibição de condução veículo com motor, cumprido a título de injunção aplicada no âmbito de suspensão provisória de processo, à pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, aplicada em sentença proferida na sequência do prosseguimento do processo.
a) A lei penal tipifica nos artigos 80º a 82º do Código Penal os descontos no cumprimento das penas e as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram elencadas nessas normas.
b) As injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo penal resultam de acordo jurídico-processual que visa a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal e não têm a natureza de sanção penal.
c) Tais injunções integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 471/13.5GBFLG.P1
Data do acórdão: 13 de Abril de 2016

Relator: Jorge Langweg
Presidente da Secção: António Gama
Adjunta: Fátima Furtado

Origem:
Comarca de Porto Este
Instância Local de Felgueiras | Secção Criminal

Sumário:
Não há lugar a desconto de período de proibição de condução veículo com motor, cumprido a título de injunção aplicada no âmbito de suspensão provisória de processo, à pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, aplicada em sentença proferida na sequência do prosseguimento do processo.
a) A lei penal tipifica nos artigos 80º a 82º do Código Penal os descontos no cumprimento das penas e as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram elencadas nessas normas.
b) As injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo penal resultam de acordo jurídico-processual que visa a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal e não têm a natureza de sanção penal.
c) Tais injunções integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Acordam os juízes, acima identificados, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público;

I – RELATÓRIO
1. Por sentença proferida em processo sumaríssimo, em 15 de Julho de 2015, na determinação da pena exequenda, o tribunal a quo descontou à sanção acessória aplicada de quatro meses de inibição de condução, os "três meses de inibição" já cumpridos enquanto injunção no âmbito de suspensão provisória do processo.
2. Inconformado com tal desconto, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
«Vem o presente recurso interposto do douto Despacho de fls. 95 a 97, exclusivamente na parte em que determinou o desconto de 3 meses de inibição já cumpridos em sede de suspensão provisória do processo na pena acessória de 4 meses de inibição de conduzir que lhe foi aplicada, ficando o arguido apenas com 1 mês de sanção acessória de inibição de conduzir para cumprir.
A jurisprudência maioritária que recentemente se vêm afirmando entende que efectivamente se deve proceder ao aludido desconto.
Todavia, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, nem nos conformamos com tal entendimento, na medida em que, desde logo, é flagrante a falta de fundamento legal para operar a um tal desconto.
O Código Penal contém um instituto inteiramente dedicado ao desconto, o qual consta dos arts. 80.° a 82.° do Código Penal.
Trata-se de um regime bastante detalhado de descontos a efectuar de medidas processuais nas penas - art. 80.°; de penas anteriores - art. 81.° - e de medidas processuais ou pena sofridas no estrangeiro - art. 82º.
Não consta do mesmo que o legislador tenha positivado a legalidade do desconto nos termos em que a jurisprudência acima referida defende.
Podíamos pensar que se trata de uma omissão do legislador a qual devia ser integrada por recurso a analogia, neste caso, analogia in bonus partem, ou seja, a favor do arguido.
Mas, este entendimento, colide com dois pontos:
- primeiro, apesar de em 2007 o legislador tem alterado pontualmente o regime do desconto, alargando o seu âmbito de aplicação, e de em 2013 ter alterado o regime da suspensão provisória, acrescentando um nº 3 ao art. 281.° do Código de Processo Penal em que, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor, em nenhum dos casos, expressamente, o legislador passou a letra de lei a obrigatoriedade de um tal desconto;
- por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça tirou o Acórdão de fixação de jurisprudência n010/2009 , in DR, I Série de 24-06-2009, segundo o qual, "nos termos do artigo 80º, nº 1, do Código Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo dos artigos 116º, nº 2, e 332º, nº 8, do Código de Processo Penal, por ter faltado á audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado, e a que, injustificadamente, faltou".
Ou seja, o STJ entendeu não ser de alargar o desconto na pena de outras medidas processuais para além das legalmente previstas.
Por outro lado, concomitante a esta falta de fundamento legal para proceder ao dito desconto, há que contar com o facto de o legislador ter, quanto a nós de forma lapidar, tomado posição sobre tal questão.
Na verdade, o nº 4 do art. 282.° do Código de Processo Penal diz que "o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas".
Como dissemos o legislador sobre esta matéria foi bastante claro no sentido de que, nas duas situações aí previstas, o processo prossegue os seus trâmites habituais e tudo quanto o arguido haja feito / prestado até aquele momento não lhe pode ser devolvido.
O arguido perde tudo quanto prestou.
O legislador não distingue: entre prestações facto e outras.
Se fosse essa a sua intenção seria muito fácil passar essa distinção a letra de lei.
A regra da não repetição é igual para todas as prestações feitas até ao momento em que se determina o prosseguimento dos autos.
A ratio desta norma é a de pretender incutir ao instituto da suspensão provisória, assente numa base consensual, alguma responsabilidade ao arguido, no sentido em que este, aceitando a aplicação da suspensão provisória do processo deve empenhar-se no seu cumprimento e manter um comportamento recto, quer no cumprimento das injunções, quer na não prática de outros factos ilícitos, sob pena de perder tudo quanto até esse momento prestou por conta da suspensão provisória do processo.
Esta solução não tem nada de inovador e extraordinário e até encontra algum paralelismo nos casos em que se determina a revogação da suspensão da pena de prisão.
Dispõe assim o arte 56.°, n," 2 do Código Penal: "a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado" (sublinhado nosso).
Nesta situação, caso se determine essa revogação e ainda que o arguido tenha cumprido alguma coisa ou algum tempo por conta da suspensão inicialmente determinada, não tem direito a qualquer desconto.
Cumpre a pena principal por inteiro.
Diz assim Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 14.a Ed. 2001, em anotação ao art. 56.0 a pág. 205: "o nº 2 corresponde, sem alteração do relevo, ao art. 67. ° do Projecto de 1963 e ao art. 7 da Base VIII da Proposta de Lei n." 91X.
Da discussão na Comissão Revisora resultou a eliminação da possibilidade de, em vez da pena decretada e que ficara suspensa, serem aplicadas outras sanções correspondentes ao crime.
A parte final do n.°2 significa que o delinquente não poderá reaver quantias cujo pagamento lhe tenha sido imposto nos termos do nº 1 do art. 51.°, como condições de que dependia a suspensão da pena".
Devidamente enquadradas (art. 56.°, nº 2 do Código Penal e art. 282.°, nº 4 do Código de Processo Penal), a teleologia das normas é a mesma.
De resto, no entendimento defendido pela jurisprudência assinalada, não se compreende como possa falar-se numa ideia de justiça material, quando a consequência derivada da sua aplicação resulta, em nosso entendimento, numa clara violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, no art. 13.°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Ou seja, nem todos os arguidos a quem fosse revogada a suspensão provisória poderiam posteriormente beneficiar do desconto.
Na verdade, essa Jurisprudência apenas defende esse desconto para alguns casos, nomeadamente, o caso de sanções acessórias, o caso de pagamento de quantias ao Estado ou prestação de horas de serviços públicos.
Mas, por que razão não hão-de os demais arguidos beneficiar de igual benesse?
Por que razão uma pessoa que entrega € 500 a uma IPSS não pode ver a sua prestação repetida e alguém que entrega essa quantia ao Estado já a pode descontar numa posterior pena de multa?
Por que razão uma pessoa que cumpre 40 horas de serviços públicos pode descontar 40 dias de multa numa posterior pena de multa e alguém que tenha estado 2 meses sem contactar com a vítima, não tenha frequentado determinado local ou tenha feito um pedido de desculpa à vítima não o pode fazer?
Só porque não existe um critério aritmético que faça a devida correspondência.
Por conseguinte, a tentativa de criar uma situação de descontos "ad hoc", há margem do regime dos descontos legalmente previsto, cria um grave problema de desigualdade de tratamento dos arguidos que viram a sua suspensão provisória do processo revogada, consoante o tipo e natureza de injunção que lhes
Segundo o Ac. TRP de 22.04.2015. reI. Des. Pedro Vaz Pato, "... entende esta corrente que o conceito de "repetição" tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efectuadas tenham de ser efectuadas outra vez".
Ora, a posição que partilhamos e que cremos foi aquela que o legislador consagrou, para além do mais, não gera esta desigualdade de tratamento.
A regra é simples e clara para todos: tudo o que foi prestado, seja ele de que natureza for, é perdido e não pode ser tido em conta posteriormente.
E, nem se diga, que um tal entendimento pode gerar situações próximas da violação do princípio "ne bis in idem".
Desde logo porque em termos técnicos não se pode falar nem em dois julgamentos, nem em duas penas em confronto.
Mas, mais do que isso, uma e outra circunstância ligam-se a realidades diferentes.
A aplicação da suspensão provisória e da posterior pena liga-se ao facto ilícito objecto do processo.
A sanção da perda do que haja prestado liga-se a um outro facto, autónomo daquele primeiro, que no fundo se reconduz ao não cumprimento das condições da suspensão e do compromisso assumido. É este comportamento posterior do arguido que a lei considera censurável e merecedor de resposta: não poder repetir o que haja prestado.
Portanto, a interpretação conjunta das disposições relativas ao desconto no Código Penal (art. 80º a 82º do Código Penal) e da disposição do nº 4 do art. 282.° do Código de Processo Penal, considerando a unidade do sistema jurídico como um todo coerente (aqui incluindo a posição similar consagrada no art. 56º, nº 2 do Código Penal), terá de levar, em nosso modo de ver, à conclusão que não deve fazer-se o dito desconto nos termos defendidos no douto despacho.
Neste sentido, ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L 1-5, relatado por Alda Casimiro, e da Relação do Porto de 28 de Maio de 2014, proc. nº 427/11.2PDPRT.P1, relatado por Vítor Morgado, ambos in www.dgsi.pt. e o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2012, in C.J., 2012, III, pg. 109.
Destarte, é nosso entendimento que ao assim ter decidido, violou o douto despacho a quo o disposto nos artigos 80.° a 82.° do Código Penal e no art. 282.°, nº 4 do Código de Processo Penal.
Pelo que, em consequência, com o sempre e mui merecido respeito, deverá o mesmo ser revogado não sendo de efectuar qualquer desconto na sanção acessória aplicada ao arguido.

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.
4. O arguido não respondeu à motivação do recurso.
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu o parecer que, no essencial, se transcreve:
O objeto do recurso cinge-se à questão jurídica de saber se o período de proibição de conduzir veículos motorizados imposto ao arguido e cumprido no âmbito da suspensão provisória do processo deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir aplicada em sentença penal.
Entendemos que a resposta deve ser negativa, no essencial, pelas razões expendidas pelo magistrado do Ministério Público recorrente ao longo da motivação do recurso e densificadas nas respetivas conclusões, que acompanhamos e às quais nos limitaremos a aditar as seguintes notas:
No sentido de que, nos casos referidos, não é admissível o desconto, pronunciou-se, designadamente, o acórdão desta Relação, de 28 de Maio de 2015, proferido no processo 427/11.2PDPRT.P1, 1ª Secção, relatado pelo Desembargador Dr, Vitor Morgado (também referenciado no despacho impugnado e pelo recorrente), do qual citamos o seguinte excerto: «(...) como bem se sustentou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/3/2012, proferido no recurso 282/09.2SILSB. 11-5 [11], quando o artigo 282°, nº 4, alínea a), do Código de Processo Penal refere a impossibilidade de repetição das prestações efetuadas, por prestações "(...) devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias, mas também outras prestações, como as de abster- se de certas atividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efetuar serviço de interesse público E, como no referido processo estava em causa uma outra injunção relacionada com a prestação de um serviço de interesse público, colocou-se a seguinte e pertinente interrogação: "...será que se o recorrente tivesse efetuado o serviço de interesse público, também pretenderia agora que o tempo despendido equivalesse a trabalho a favor da comunidade?"
Na verdade, as injunções opostas na fase de suspensão provisória do processo têm natureza diversa de qualquer pena ou sanção, principal ou acessória.
Desde logo, porque o cumprimento da injunção decorreu, designadamente, de um acordo obtido com a arguida/recorrente, não tendo o despacho de suspensão provisória do processo o carácter cie julgamento sobre o mérito da questão. (...)
Depois, porque o incumprimento de qualquer das injunções tem como única consequência o prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento de uma pena ou sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir implica o cometimento de um crime punível com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias - seja um crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353° do Código Penal, seja um crime de desobediência qualificada previsto no artigo 348° n° 1, alínea a), do mesmo diploma, em conjugação com o disposto no artigo 138°, n° 3, do Código da Estrada.
Anote-se ainda que, durante o cumprimento da injunção de entrega da carta, a arguida poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição ou da inibição de conduzir decretadas sem o consentimento do visado.
Evidencia-se, assim, que a injunção de entrega da carta que a arguida aceitou cumprir tem urna natureza e um regime suficientemente diversos dos da sanção de inibição de conduzir que, não obstante algumas aparências, impossibilita que o tempo de cumprimento daquela possa ser descontado no cumprimento desta».
No mesmo sentido, podem, ainda, ver-se, para além de outros, os seguintes Arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Ac. TRL, de 6/3/2012, proc. 282/09.2SILSB.L1 -5; Ac. TRL, de 6/6/2013, proe. 105/10.0CLSB.L1; Ac. TRE, de 18/6/2013, proc. 19/12.9GTEVR.E1; Ac. TRL, de 17/12/2014, proc. 99/13.0GTCSC.LI-9, dizendo este último, especificamente, que «a alteração introduzida no n." 3, do art, 281º, do CPP, pela Lei n° 20/2013, de 21/2, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisório do processo».
Em sentido oposto, defendendo que é de descontar a injunção decidida nos termos do artigo 281°, n°s 1, 2 e 3, do C. P. Penal, consistente na obrigação de o arguido entregar a sua carta de condução durante um determinado período, podem ver-se, entre outros: Ac. TRE, de 11/7/2013, proc. 108/11.7PTSTB.E1; Ac. TRG, de 22/9/2014, proc. 7/13 JPTBRG.G1; Ao. TRP, 19/11/2014, proe. 24/13,8GTBGC.P1; Ac. TRG, de 10/12/2014, proc, 23/13.0GCPBL.C1; Ac, TRP, de 22/4/2015, proc. 117/13.5PFPRT.P1; Ac. TRP de 16/12/2015, proc. 367/13.0GCVFR.P2 - todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Acompanhamos a orientação jurisprudencial que sustenta ser inadmissível o desconto, na sentença penal, das injunções e regras de conduta aplicadas em sede de suspensão provisória do processo.
E, com efeito, incontroverso que são de diferente natureza as injunções e regras de conduta, a observar pelo arguido no âmbito da suspensão provisória do processo, e as penas, no sentido do direito penal material.
Sobre a caracterização das injunções e regras de conduta, em si, e da situação do arguido face à respetiva aplicação, diz Manuel da Costa Andrade - "Consenso e oportunidade (reflexões a propósito da suspensão provisória do processo e do processo sumaríssimo)", in Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, CEJ, Livraria Almedina, 1995, pg. 353/355 - o seguinte: «Do ponto de vista do direito penal substantivo, trata-se aqui de uma sanção de índole especial não penal a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa. Significativo para o efeito que o arguido não possa ser coagido nem à aceitação das injunções e regras de conduta nem ao respectivo adimplemento: o efeito de sanção que lhe está ligado assenta na liberdade de decisão (Freiwillígkeit) do arguido" [P. Riess, in LÕWE/ROSENBERG, StPO. Grosskommenter, 24 Aufl (198ó), §153 a) Rn.9]. Uma Uberdade em absoluto insindicável quer no que toca à sua motivação e propósitos do arguido, quer no que respeita d sua avaliação sobre o desfecho final do processo e a sua ponderação das vantagens e desvantagens ligadas às alternativas em causa. Por outro lado (...), as injunções e regras de conduta ocorrem pondo-se entre parêntesis a questão da comprovação da culpa. O que tem implicações de torno tanto do ponto de vista doutrinal como político-criminal. Significa, por um lado, que, mesmo após a aplicação das injunções e regras de conduta, o arguido continua a coberto da presunção de inocência. Significa, por outro lado, que as injunções e regras de conduta têm de se orientar privilegiada e exclusivamente para fins de prevenção. A ideia de retribuição está, além do mais, excluída, por carência dos respectivos pressupostos de legitimação material»,
E mais adiante, «(…) não é correcto falar de pena em relação a injunções e regras de conduta que o arguido pode aceitar ou não e a cujo cumprimento pode a todo o momento renunciar, nada excluindo, de resto, a possibilidade a ser ele a requerer a sua aplicação.»,
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 2012, in CJ, 2012, pg. 159, «(,..) sendo embora [a injunção e a pena] ambas formas de reacção do sistema criminal ã prática, de crimes, o certo é que a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena criminal, seja detentiva ou não detentiva, tem fins próprios de prevenção especial e geral.
A primeira pressupõe uma adesão voluntária do/a Arguido/a ao cumprimento de determinadas acções ou regras de conduta, enquanto que a segunda é uma verdadeira sanção imposta ao/à Arguido/a independentemente da sua vontade.
Assim, considera-se que a diferente natureza jurídica de uma e de outra impedem que entre ambas se estabeleça uma relação de equivalência que permita o desconto de prestações realizadas.».
As injunções e regras de conduta aplicadas no âmbito da suspensão provisória do processo traduzem-se, a final, na contrapartida do benefício dado ao arguido de ver a sua situação resolvida sem ser submetido a julgamento, benefício que ele voluntariamente aceita e voluntariamente, em qualquer altura, pode rejeitar, com as consequências expressamente previstas no artigo 282°, n° 4, do C.P.Penal, quais sejam, o prosseguimento do processo para julgamento e a impossibilidade de repetição das prestações feitas.
Não nos parece, pois, salvo o devido respeito, que seja admissível descontar as injunções e regras de conduta aplicadas em sede de suspensão provisória do processo - designadamente o período de proibição de conduzir veículos motorizados - nas penas, principais ou acessórias, que venham a ser aplicadas ao arguido, eni sentença penal, no caso de prosseguimento do processo, corno, na situação em apreço, pretende o recorrente.
Assim o impõe, diga-se ainda, o estatuto de sujeito processual do arguido, ao qual é inerente, designadamente, a ideia da sua responsabilização quanto aos deveres voluntariamente assumidos no processo e que estão na base da suspensão provisória, a que, segundo cremos, não será alheia a «recusa terminante cio novo Código em conceder, num jeito inaceitavelmente paternalista, (pseudo) tutelas ao arguido contra si próprio ou — o que é dizer o mesmo - contra a livre determinação da sua vontade», - cfr. Prof. Figueiredo Dias, «Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal», Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina 1995, pg. 29
Pelo exposto, emitimos parecer no sentido de que deverá o recurso ser julgado procedente e revogada a sentença recorrida, no segmento impugnado,
6. Não houve apresentação de resposta ao parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório produzido nesta decisão, importa decidir a questão substancial suscitada neste recurso, constituindo o seu thema decidendum:

Erro em matéria de direito:
Do desconto, à sanção acessória aplicada de quatro meses de inibição de condução, de "três meses de inibição" já cumpridos enquanto injunção no âmbito de suspensão provisória do processo.

Para decidir esta questão, importa, primeiramente, recordar a fundamentação jurídica plasmada na decisão recorrida.
II – FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Extrato da sentença recorrida:
«(…)
Do desconto requerido pelo arguido
Vem o arguido requerer se proceda ao desconto, nas penas em que foi condenado, das injunções que cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo que lhe foi aplicada, mas que veio a ser posteriormente revogada: a entrega ao Estado da quantia de € 500 (cfr. fls. 37,38 e 75) e a abstenção de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses (cfr. fls.37-38 e 47-50).
Entende, pois, que também será aplicável a estes situações o desconto previsto no artigo 80º, nº 2, do Código Penal (relativo aos períodos de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação).
Vejamos.
Como se diz no recente Ac. RP de 22-04-2015, in www.dgsi.pt, que aqui brevitatis causa se passa a citar:
“Esta questão tem sido objeto de controvérsia na jurisprudência.
Para uma corrente jurisprudencial (ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de março de 2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L1-5, relatado por Alda Casimiro, e da Relação do Porto de 28 de maio de 2014, proc. nº 427/11.2PDPRT.P1, relatado por Vítor Morgado, ambos in www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2012, in C.J., 2012, III, pg. 109) não há que proceder ao desconto, tendo em conta a diferente natureza e o diferente regime das injunções no âmbito da suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro: a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena tem fins de prevenção geral e especial; o cumprimento da injunção decorre de um acordo obtido com o arguido, ao contrário do que sucede com as penas, impostas independentemente da vontade deste; o despacho que determina a revogação da suspensão provisória do processo e o seu prosseguimento com a acusação não implica o julgamento sobre o mérito da questão; o incumprimento dessas injunções tem como consequência esse prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados faz incorrer o arguido na prática de um crime; durante o cumprimento da injunção de entrega da carta de condução, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição de conduzir decretada sem o consentimento do visado.
Invoca esta corrente o disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal: em caso de revogação da suspensão provisória do processo com o prosseguimento deste, «as prestações feitas não podem ser repetidas».
Entende, porém, outra corrente jurisprudencial - a que aderimos - que a todos essas considerações se sobrepõe um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva não apenas conceitual, mas prática, substantiva e funcional. A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime. Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afetam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido. Apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes. A ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem).
Invoca esta corrente, no que se refere à voluntariedade da injunção, por contraposição às penas, a redação do nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: «…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor». Daqui decorre a obrigatoriedade desta injunção.
Quando à regra decorrente do nº 4 do artigo 282º do Código de Processo Penal acima referida, entende esta corrente que o conceito de “repetição” tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efetuadas tenham de ser efetuadas outra vez.
Em resposta à invocação da diferente natureza das injunções e das penas, invoca esta corrente jurisprudencial que a inquestionavelmente diferente natureza da detenção e das medidas de coação privativas da liberdade, por um lado, e das penas, por outro lado, não impede que o cumprimento daquelas seja descontado nestas, nos termos do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Código Penal. E é assim, porque, apesar dessa diferença, há uma substancial equivalência entre elas. Substancial equivalência que também se verifica entre as injunções e as penas.
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 19 de novembro de 2014, proc. nº 24/13.8GTBGC.P1, relatado por Lígia Figueiredo; da Relação de Évora de 11 de julho de 2013, proc. nº 108/11.7PTSTP.E1, relatado por Sénio Alves; da Relação de Guimarães de 6 de junho de 2014, proc. nº 98/12.7GAVNC.G1, relatado por Ana Teixeira, e de 22 de setembro de 2014, proc. nº 7/13.8PTBRG.G1, relatado por António Condesso; e da Relação de Coimbra de 10 de dezembro de 2014, proc. nº 23/13.0GCPBL.C1, relatado por Maria José Nogueira; todos in www.dgsi.pt.
Nestes acórdãos o desconto em apreço dizia respeito à proibição de condução de veículos motorizados.
Por identidade de razão, deve proceder-se ao desconto na pena de multa, e tendo em conta o critério estabelecido nos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade também prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo”.
Quanto a nós, à semelhança do Ac. supra citado (cujo sumário é: “Deve proceder-se ao desconto, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo. II - Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo”) entende-se ser de perfilhar a segunda tese jurisprudencial acima enunciada, a qual merece a nossa adesão, procedendo-se ao desconto do montante já entregue ao Estado pelo arguido, a que aliás o MP não se opôs, bem como ao desconto na sanção acessória acima decretada da inibição já cumprida em sede de suspensão provisória do processo.
Haverá ainda que descontar na pena de multa aplicada o dia de detenção sofrido pelo arguido-art.80.º do CP.
Assim sendo, atento o desconto a efectuar, nos termos acima mencionados, cabe ao arguido liquidar o remanescente das penas aplicadas ainda em falta, a saber:
-€ 53 de pena de multa (80 dias de multa -1 dia de detenção=79 dias de multa x €7=553-€500 já pagos);
- 1 mês de sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor (4 meses de sanção de inibição de conduzir veículos a motor - 3 meses de inibição já cumpridos em sede de suspensão provisória do processo - com efeito a injunção fixada para a inibição foram 3 meses, se o arguido demorou mais tempo a levantar a carta de condução sibi imputet);
Notifique, sendo o arguido com a advertência para a obrigação de, em 10 dias, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, entregar a carta de condução ou qualquer outro título que o habilite a conduzir, para cumprimento do remanescente desta sanção acessória ainda em falta (um mês), na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial que a deva nesse caso remeter a esta, sob pena, de o não fazendo, de incorrer na prática do crime de desobediência, nos termos do art. 348º, nº1 al. b) do Código Penal.
Mais condeno o arguido na taxa de justiça, que fixo em 2 UC, reduzida a 1/3, nos termos do art. 397º, nº 1, do C.P.P., nos termos do art. 8º do R.C.P.»
III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO

Do alegado erro em matéria de direito:
A decisão recorrida procedeu ao desconto à sanção acessória de quatro meses de inibição de condução aplicada em sede de sentença condenatória, de "três meses de inibição" já cumpridos enquanto injunção no âmbito de suspensão provisória do processo.
Discordando dessa solução, o Ministério Público impugnou a decisão acima reproduzida, através do recurso in iudicium, sustentando a respetiva motivação, essencialmente, com base nos argumentos jurídicos da primeira linha jurisprudencial citada na decisão recorrida, reproduzindo esta a fundamentação publicada do acórdão da Relação do Porto, de 22 de Abril de 2015.
O arguido não apresentou resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
De jure
Em primeiro lugar, começa-se por reconhecer que a solução da decisão recorrida e da linha jurisprudencial que a suporta contém reflexões jurídicas interessantes para uma opção de política legislativa justificável – embora não se concorde com a tese propugnada -.
Dito isto, importa decidir a questão controvertida à luz do direito constituído - de jure constituto -.
A lei penal apenas contém três normas respeitantes aos descontos a realizar no momento da liquidação da(s) pena(s) exequenda(s): os artigos 80º a 82º do Código Penal:
Artigo 80º do Código Penal:
«1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.
2 - Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.»
Artigo 81º do Código Penal:
1 - Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.
2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.

Por conseguinte, a lei penal tipifica nos artigos 80º a 82º do Código Penal os descontos a realizar no cumprimento das penas.
À luz dessas normas, apenas são descontados às penas os períodos de:
a) detenção;
b) de prisão preventiva;
c) de obrigação de permanência na habitação;
d) cumprimento de pena substituída por nova pena; e
e) medida processual ou pena que o arguido tenha sofrido, pelos mesmos factos, no estrangeiro.
Constata-se, pois, que as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram tipificadas nessas normas.
O entendimento jurisprudencial que procede ao desconto do período de cumprimento de injunção de inibição de condução à sanção acessória de inibição de condução de veículos com motor não tem, por conseguinte, qualquer base legal – leia-se, norma que o permita -.[3]
A decisão recorrida e a jurisprudência que a suporta, além de não se basearem em qualquer preceito legal, também não referem – por inexistir - qualquer lacuna legislativa que tenha de ser preenchida com recurso à analogia.
Pelo contrário, importa salientar de que existe legislação que impede tal solução.
Interessa, ora, determinar a ratio legis desse regime.
O pensamento, intenção e opção do legislador em relação a esta matéria podem ser reconhecidos no texto do número 4 do artigo 282º do Código de Processo Penal[4]: cessando a suspensão do processo e prosseguindo este – como foi o caso dos autos – "as prestações feitas não podem ser repetidas".
A "repetição do indevido" – própria do direito civil, inserindo-se no quadro do enriquecimento sem causa[5] - não é aplicável às injunções cumpridas pelo arguido no âmbito da suspensão provisória do processo, uma vez que a sua razão de ser não reside, diretamente, na prática do facto típico, ilícito, culposo e punível subjacente ao processo, mas resulta dum acordo jurídico-processual que visou a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal.[6] A finalidade do cumprimento da injunção não se inseriu, assim, num contexto sancionatório: no caso em apreço, o arguido B… aceitou não conduzir no período temporal acordado, apenas e tão-só, para não ser submetido a julgamento e sujeito a possível condenação penal. Tendo cessado tal suspensão provisória do processo, por culpa do arguido, este não terá direito a qualquer compensação pelo que prestou a fim de beneficiar da suspensão provisoria do processo, uma vez que a razão de ser e finalidade dessa "prestação" (positiva ou negativa) se esgotou com o termo do benefício processual almejado, sendo independente, inclusivamente, de apreciações de direito penal substantivo.
Este entendimento está na base da ratio legis do artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.
As injunções cumpridas no âmbito de suspensão de processo penal integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.
O sinalagma subjacente ao cumprimento da injunção em causa nos autos tinha como correspondência a suspensão provisória do processo, que o arguido acabou por não poder beneficiar em toda a sua extensão, pelo seu incumprimento culposo, não podendo, por isso, obter qualquer benefício adicional, além da suspensão do processo que cessou com o prosseguimento do processo e subsequente julgamento.
Além do exposto, um arguido que esteja sujeito a injunção de não condução como condição de suspensão provisória do processo, caso a infrinja, não incorre na prática de um crime, contrariamente ao que sucede àquele que viole uma sanção acessória de inibição de condução, não sendo, por isso, as duas realidades funcionalmente comparáveis à luz do ordenamento jurídico, não permitindo, também por isso, o desconto realizado pela decisão recorrida.
Assim se percebe a opção do legislador ao não prever a possibilidade de desconto prevista na decisão recorrida, por ser descabida – mesmo num contexto de "justiça material" -.
*
Em conclusão, importa julgar provido o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte em que procede ao desconto de "3 meses de inibição já cumpridos em sede de suspensão provisória do processo".
*
Das custas processuais:
Sendo o recurso do Ministério Público julgado provido, sem oposição do arguido, não há lugar ao pagamento de custas (artigo 513º, 1, in fine, do Código de Processo Penal).
*
IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:
- revogam parcialmente a decisão recorrida, no segmento em que procede ao desconto de "3 meses de inibição já cumpridos em sede de suspensão provisória do processo"; e
- determinam que o arguido deverá cumprir 4 (quatro) meses de sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor, devendo o mesmo ser notificado pessoalmente para, em 10 (dez) dias, entregar a sua carta de condução e/ou qualquer outro título de habilitação de condução que possua, na Secção Criminal do Tribunal da Instância Local de Felgueiras ou em qualquer posto policial – que deverá proceder à sua remessa àquele Tribunal -, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, nos termos do disposto no artigo 348º, nº 1,. b) do Código Penal.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 13 de Abril de 2016.
Jorge Langweg
António Gama (Presidente da Secção)
Fátima Furtado (Vencida com os fundamentos constantes do acórdão proferido no proc. nº 367/13.0GCVFR.P2, datado de 16.12.2015, disponível em www.dgsi.pt)
__________________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Basta ler a fundamentação da decisão recorrida – e da jurisprudência na mesma invocada para suportá-la – para constatar a omissão de citação de um único preceito legal que permita tal desconto, limitando-se aquela, no essencial, a transcrever, citando, a fundamentação jurídica de um acórdão desta Relação, que se encontra publicado. A tese sufragada nesse acórdão fundamenta-se, essencialmente, numa análise meramente dogmática da natureza do regime de suspensão provisória do processo e da natureza e regime das injunções, comparando-as com a natureza jurídica e regime legal da sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados, consubstanciando uma solução jurisprudencial "equitativa" – apelidada nesse acórdão de "justiça material" – mas destituída, salvo o devido respeito, de fundamento legal.
[4] Este preceito foi objeto da última alteração legislativa pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
[5] Essa questão coloca-se pelo facto de alguém ter procedido ao cumprimento de uma obrigação que não existia no momento da prestação. O princípio geral do enriquecimento sem causa consta no artigo 473º do Código Civil, segundo o qual, por um lado, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem (n.º 1). E, por outro, ter a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, de modo especial, por objeto aquilo que foi indevidamente recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito não verificado (n.º 2).
[6] «O surgimento de um modelo de diversão com intervenção - que segundo Faria Costa consiste em poder o processo ser arquivado, desde que o arguido cumpra determinadas injunções ou regras de conduta, previstas na lei num determinado prazo - no nosso ordenamento jurídico não pode deixar de representar uma ruptura com a tradição, constituindo uma nova forma mais ampla e rica, de conceber o sistema de reacção jurídica aos conflitos de natureza penal. Esta nova metodologia reactiva de que a Suspensão Provisória do Processo é claro exemplo, busca os seus fundamentos, essencialmente, no campo da politica criminal. Trata-se de um acordo quanto ao processo, diferentemente do que acontece na plea bargaining norte americana, onde o acordo incide sobre a sanção jurídico-penal a aplicar ao caso concreto. A Suspensão Provisória do Processo, opera no plano processual tanto no que diz respeito à Suspensão Provisória do Processo, propriamente dita, como no que diz respeito ao arquivamento que daí pode resultar (artigo 282º, numero 3 do CPP). A grande diferença entre a Suspensão Provisória do Processo e as “pleas” americanas, reside no facto de o nosso processo penal ter reforçado o princípio da presunção da inocência do arguido, dado que na Suspensão Provisória do Processo não há qualquer juízo de culpabilidade, tratando-se apenas de um benefício legal da não submissão do autor do facto à acção penal, por preencher os requisitos do artigo 281º do CPP. (…)
Assim, nem as injunções e regras de conduta são penas, nem a Suspensão Provisória do Processo é um despacho condenatório, ou assente num desígnio de censura ético-jurídica, através do qual o arguido aceite respeitar determinadas injunções e regras de conduta, e o Ministério Público se compromete a, caso elas sejam cumpridas, desistir da pretensão punitiva e arquivar o processo. A decisão de suspensão no âmbito do inquérito, é da responsabilidade do Ministério Público, condicionada à concordância do Juiz de Instrução Criminal (JIC), e no âmbito da Instrução, é da responsabilidade do Juiz de Instrução Criminal condicionada à concordância do Ministério Público (questão esta que se tratará no âmbito da aplicação da Suspensão Provisória do Processo na fase de Instrução).» (Isabel Maria Fernandes Branco, Considerações sobre a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, Dissertação de Mestrado, Fevereiro de 2013, Universidade Portucalense, publicado na rede digital global em http://verbojuridico.net/ficheiros/teses/penal/isabelbranco_suspensaoprovisoriaprocesso.pdf).