Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0657165
Nº Convencional: JTRP00040033
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO DO ACORDO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
DIVÓRCIO CONSENSUAL
Nº do Documento: RP200702050657165
Data do Acordão: 02/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 289 - FLS 45.
Área Temática: .
Sumário: Tendo sido celebrado na pendência de divórcio acordo nos termos do qual o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família – bem comum do casal – até à partilha dos bens – sem a contrapartida de qualquer pagamento, pode a mulher requerer que o tribunal fixe em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alteraram em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base da gratuitidade daquela consentida ocupação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., divorciada, residente na ………., …, ………., ………., ………., Matosinhos veio, por apenso e como incidente ao processo de divórcio, requerer a fixação de arrendamento da casa de morada de família, contra, C………., alegando que, por acordo celebrado no âmbito do divórcio por mútuo consentimento, a casa de morada de família foi atribuída ao requerido até à partilha, sem pagamento de qualquer contrapartida.
Sucede que a requerente teve de contrair empréstimo bancário para aquisição de casa, um T2, nada comparável com a casa de morada de família, o qual suporta com dificuldade e que, sendo embora professora do ensino secundário, possui uma incapacidade para o trabalho de 80%, o que lhe acarreta elevados gastos com a saúde e frequentes tratamentos.
Mais invoca que a casa de morada de família é um bem comum de ambos os cônjuges, o qual foi atribuída ao requerido, deve este compensar a requerente pela respectiva utilização, na parte correspondente.
Conclui, com base e fundando-se no fixado no art. 1793º do CC, pedindo que o tribunal fixe e determine a constituição de um arrendamento, dando um valor da renda mensal a pagar pelo requerido à requerente, proporcional à sua parte na moradia.

O tribunal decide indeferir liminarmente o requerimento inicial, absolvendo o requerido da instância.
Inconformada, recorre a requerente.

Recebido o recurso, apresentam-se alegações e contra alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II - Fundamentos do recurso

Delimitam e demarcam o objecto do recurso as conclusões que nele são apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.
Justifica-se, assim, a sua transcrição.

I - O despacho recorrido, na parte em que é objecto do presente recurso, deve manter-se pois aplicou correctamente ao caso em apreço as normas legais e os princípios jurídicos competentes.
II - A circunstância de os cônjuges terem acordado quanto ao destino da casa de morada de família não obsta a que, posteriormente, exerçam o direito de ver fixado o respectivo arrendamento, pois o acordo quanto ao destino da casa de morada de família não constitui renuncia ao direito de percepção dos frutos.
III - A atribuição do direito de uso, enquanto parcela do direito de propriedade, apenas restringe o proprietário que dele abdica de continuar a utilizar a coisa, não comprimindo o direito de fruir a coisa, o direito à percepção dos frutos, dos rendimentos que a mesma está apta a produzir.
IV - Assim, ao acordar que a casa de morada de família fosse utilizada, em exclusivo, pelo Recorrido, a Recorrente não abdicou do rendimento que tal bem seria susceptível de proporcionar.
v - Por outro lado, o direito ao arrendamento previsto no art. 1793.° do Código Cível só nasce em momento posterior à atribuição da casa de morada de família em exclusivo a um dos cônjuges, ou seja, depois de decretado o divórcio e transitada em julgado a sentença homologatória: sem a atribuição, em exclusivo, da casa de morada de família a um dos cônjuges nenhum arrendamento pode ser fixado entre eles.
VI - Daí que a fixação do arrendamento se processe por via incidental na acção de divórcio, após o seu decretamento.
VII - Compete ao Julgador acautelar os interesses públicos da família, fazendo respeitar o equilíbrio das relações pessoais e patrimoniais entre os ex-cônjuges e, nessa medida, uma vez atribuído o uso exclusivo da casa de morada de família, decretar imperativamente - o arrendamento por forma a salvaguardar de modo justo e equitativo os legítimos interesses de ambos ou, não o tendo efectuado, conhecer da pretensão do cônjuge quanto à sua fixação.
VIII - No caso vertente, não ocorre a excepção de caso julgado uma vez que o Tribunal não decidiu quais os direitos das partes no que respeita à fruição do bem "casa de morada de família".
IX - De resto, sendo a decisão sobre o arrendamento da casa de morada de família processada como incidente depois do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, jamais poderia a sentença proferida nos autos principais constituir caso julgado quanto àquela questão.
X - Sem prescindir, sempre se dirá que mesmo a entender-se que o arrendamento deveria ter sido fixado pelas partes no acordo, o que por mera hipótese se admite, sempre se verificariam os pressupostos que permitem ao Tribunal alterar aquele acordo e por consequência a decisão proferida, decretando o arrendamento.
XI - A atribuição da casa de morada de família é um processo de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que, tal como no caso vertente, o acordo realizado não fosse agora homologado por não acautelar devidamente os interesses de um dos cônjuges, in casu, da Recorrente.
XII - Alegou a Recorrente que um mês após ter sido decretado o divórcio, a filha do casal, estudante e sem fontes de rendimento, adquiriu casa própria, o que apenas fez porque Recorrido suporta os encargos dessa habitação, facto que a Recorrente não podia prever.
XIII - Aquele facto superveniente altera um dos pressupostos essenciais da formação da vontade manifestada no acordo quanto à casa de morada de família: a necessidade de assegurar e proteger a habitação da filha do casal.
XIV - No momento em que as partes formalizaram o acordo a Requerente também não podia prever que teria de despender montante tão elevado para adquirir e mobilar a sua habitação, o que, conjugado com os tratamentos de saúde a que tem de se submeter, representa um esforço desproporcionado, sendo injusto que o Recorrido, pessoa de posses e elevados rendimentos, usufrua de um de um bem muito valioso que pertence também a ela Requerente sem quaisquer custos.
XV - Deste modo, mesmo admitindo que o acordo celebrado entre Recorrente e Recorrido sobre a atribuição da casa de morada de família constitui também ele acordo quanto à sua fruição, pode e deve ser modificado, porquanto verificam-se factos supervenientes que impõem essa alteração por forma a manter o equilíbrio de interesses e a ordem pública da família.
XVI - As decisões tomadas nos processos de jurisdição voluntária não assumem pela sua própria natureza a força de caso julgado, pelo que o trânsito em julgado da sentença que homologou o acordo relativamente à casa de morada de família terá de ceder perante o princípio da alteração das decisões que caracteriza os processos de jurisdição voluntária.
XVII - Face ao exposto, assiste à Recorrente o direito a que seja decretado o arrendamento da casa de morada de família nos termos peticionados.
XVIII - O acórdão recorrido viola as normas e princípios jurídicos consagrados no arts. 1793.° e 1776.°-2 do Código Civil e nos arts. 1413° e 1411.°, n°. 1, do Código de Processo Civil, porquanto não foram as mesmas interpretadas e aplicadas em conformidade com as considerações anteriores.
*
Visão diferente manifesta o requerido nas suas contra alegações.
*

III - Os factos e o direito

Para justificar o indeferimento liminar do requerimento inicial e absolver o requerido da instância, sustenta-se a decisão agravada no fundamento de que, «…tendo a questão da atribuição da casa de mora de família sido resolvida por acordo das partes sem a fixação de qualquer valor como contrapartida da respectiva utilização, acordo esse homologado por decisão transitada em julgado, ocorre a excepção do caso julgado não podendo o tribunal reapreciar a questão».
Considerou ainda que a excepção do caso julgado é uma excepção dilatória da qual o tribunal conhece oficiosamente – art. 494º al. i), 495º, 497º e 498º todos do CPC -, sendo que no incidente de atribuição da casa de morada de família a citação do requerido depende de despacho do juiz o qual previamente deve designar data para uma tentativa de conciliação – art. 1413º do CPC -, pelo que, de acordo com o disposto na al. a) do nº 4 do art. 234 e nº 1 do art. 234º-A, ambos do CPC, é admissível o indeferimento liminar quando se verifiquem excepções dilatórias insupríveis como ocorre no caso dos autos, donde dever o incidente ser liminarmente indeferindo.

As partes deste processo haviam acordado, para que fosse decretado o divórcio por mútuo consentimento, que a casa de morada de família, bem comum de ambos os cônjuges, fosse atribuída ao cônjuge marido e até à realização da partilha.
Este acordo fora homologado por sentença que decretou o divórcio.

Será que este acordo, mesmo homologado por sentença, não mais poderá ser alterado, em incidente de jurisdição voluntária, quanto ao destino dado à casa de morada de família?
Esta é a questão essencial a decidir e sobre ela tem recaído entendimento diverso, surgindo dois pensamentos diferentes, sendo um no sentido da sua inadmissibilidade, no qual se fundou a decisão em recurso e outro pela admissibilidade da alteração, ambos respeitáveis e fundados em razões ponderosos, e que se pode ver na jurisprudência do nossos vários tribunais, mesmo do Supremo, bastando um simples percurso em www.dgsi.pt, bem como nas Colectâneas de Jurisprudência.
E da leitura dos variadíssimos acórdãos podemos retirar que para cada construção jurídica nos surgem diferentes situações práticas da vida real, casos concretos, correntes e vulgares da vida em comum, perante as quais os tribunais não têm ficado indiferente.
E perante as várias soluções, verificamos que, de facto, deixá-las sem tratamento adequado e com fundamento em puro formalismo legal, será, as mais das vezes, ignorar a função essenciais da lei e dos tribunais.
Assim, vemos que desde alterações do uso da casa de morada de família a quem inicialmente fora atribuída, ora por abandono intencional e querido ou por se retirar para outro local, ora por aquisição de outra morada, de modificação e alteração da guarda e cuidados dos filhos, da mãe para o pai e deste para aquela e que justificaram e pesaram mesmo a entrega da casa de morada de família, ora por alteração imprevisível dos rendimentos até então auferidos ou mesmo ainda por dificuldades económicas não previstas anteriormente, vários casos reais têm sido e são ainda colocados à apreciação jurisdicional.

Diremos que, o legislador não pode ter ficado indiferente e insensível a estas situações da vida real e manter situações desajustadas da realidade, com prejuízo das partes envolvidas e sem reflectirem já os interesses em causa e apenas com base num formalismo legal, pensamos que será algo que não terá sido pensado nem querido por este - art. 9º do CC -.
Por isso que, consideramos que o direito e a lei não pode ser vista nem analisada numa visão estática, imutável e formal e antes como forma a dar resposta aos problemas comuns e normais que a sociedade enfrenta.
O tribunal não pode ser alheio aos problemas que o rodeiam e a lei tem que servir como instrumento de justiça, mais ainda quando possui mecanismos próprios e típicos que prevêem mesmo para o direito obrigacional a alteração posterior dos contratos em função de circunstâncias supervenientes anormais - art. 437º do CC -

Vejamos

Dispõe o art. 1793º, n.º1 do C. Civil:

“Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada cônjuge e o interesse dos filhos do casal”.

Pereira Coelho, RLJ, ano 122, pág.137, afirma que “a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro”.
E prossegue, a pág. 207, nota 5., que se confrontarmos esta disposição com a norma paralela só respeitante à atribuição do direito ao arrendamento - do art. 84º, n.º2 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, impõe-se concluir que, na sua decisão, o tribunal há-de atender, prioritariamente, às necessidades dos cônjuges e aos interesses dos filhos do casal, e só depois, se dúvidas persistirem, a outras circunstâncias secundárias, como as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, ou da culpa imputada ao divórcio.
Isto porque a diversa formulação deste art. 1793º, n.º1 do Cód. Civil, inculca a ideia de que o objectivo da lei “não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não o é manter na casa de morada de família, em qualquer caso, o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou o ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tivessem ficado confiados”.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol. IV, 2ª ed., págs. 570 e 571, afirma que o primeiro factor atendível, dentro da solução flexível adoptada pela lei, são as necessidades de cada um dos cônjuges, sendo o segundo factor o do interesse dos filhos do casal (proximidade do estabelecimento do ensino que frequentam, do local de trabalho, etc.), isto porque, no dizer dos mesmos autores, “Não se trata efectivamente de um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio, que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar”.
E Leite de Campos, “Lições de Direito da Família e das Sucessões”, págs. 305, comentando o citado art. 1793º, escreve que “ A casa de morada de família é, para uma grande parte das famílias portuguesas, o único bem com algum significado económico de que dispõem. Portanto, a sua atribuição depois do divórcio tem uma particular importância. É, normalmente, objecto de acesa disputa entre os cônjuges, antes do divórcio e depois deste”.

Feito este preâmbulo, no qual se procurou indagar da função e finalidade primordial da norma, com ele pretendemos também indicar que o tribunal aceita a admissibilidade da alteração do acordo estabelecido, dentro dos condicionalismos dos arts. 1793º do CC e 1411º do CPC, por entender ser o que mais se adequa ao fim da norma, pese embora os argumentos daqueles que tenham entendimento contrário.
Tanto mais que, reapreciando o caso concreto dos autos, o acordo que foi realizado vigora apenas e só até à realização da partilha.

Ora, este entendimento tem como suporte, para além do já anteriormente afirmado, mais os seguintes argumentos:

Em primeiro lugar, todos aceitam hoje que se está perante um incidente para fixação de arrendamento da casa de morada de família, que se processa no domínio da jurisdição voluntária, cujas resoluções podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração - art. 1411º do CPC -

Em segundo lugar, o art. 1793º do CC prevê a possibilidade de ser dado de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja própria ou comum, desde que se considere as necessidades de cada um dos cônjuge e o interesse dos filhos do casal.

Em terceiro lugar, mesmo fixando o art. 1775º n.º 2 e 3 do CC a obrigatoriedade de os cônjuges acordarem previamente o destino da casa de morada de família e a sua utilização no período da pendência do processo, nada impede que tal acordo seja alterado, em função das circunstâncias supervenientes, tanto pela parte como pelo tribunal.
É que este mesmo normativo determina de igual forma quanto à prestação de alimentos e exercício de poder paternal e não há vozes que impeçam a sua alteração - art. 2012º do CC e 187º da OTM -

Em quarto lugar, este entendimento que concede a possibilidade de alteração do acordo, verificadas que estejam certas circunstâncias relativas aos cônjuges e filhos, dá melhor resposta ao fim e função essencial do art. 1793º do CC, disposição inovadora que pretendeu proteger a habitação da família, mantendo desta forma o equilíbrio de interesses subjacentes - Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. IV, pág. 570 -.

Em quinto lugar, podemos mesmo entender, em certos casos da vida moderna, como veiculando este normativo uma prestação alimentar em espécie, motivada por dificuldades económicas de qualquer um dos cônjuges e de a casa de morada de família, quando bem comum, produzir o seu efeito útil normal, qual seja de proporcionar um rendimento a quem dela está privado e dele necessita.

Por fim, diremos que o acordo então efectuado não pode significar a renúncia a qualquer direito, concretamente da possibilidade de arrendamento facilitada pelo art. 1793º do CC.

Em suma, a alteração será possível desde que tenha ocorrido alteração substancial e anormal das circunstâncias tidas em consideração aquando da celebração e homologação do acordo - Salter Cid, A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, págs. 314/316 -
E este mesmo autor apresenta um caso prático da vida real em que considera que seria imoral manter um acordo sobre a casa de morada de família em mera obediência a um pretenso “caso julgado”.

E o caso dos autos?

Não é este o momento para o apreciar atenta a fase processual, a questão substantiva e de fundo, se terá ou não o direito que pretende, mas sempre se dirá que, a serem verdadeiras as circunstâncias expostas na sua petição, seria incómodo e injusto para um tribunal negar a possibilidade de a requerente demonstrar que se alteraram significativamente as suas condições económicas, com elevados gastos na saúde e com a habitação que adquiriu com empréstimo, quando possui um bem, em comum com o cônjuge, que o usa, sem qualquer contrapartida e quando tem possibilidades económicas para suportar uma renda, ainda que parcial.
Ora, a atribuição da casa de morada de família a um cônjuge, para seu uso exclusivo, em acordo prévio ao divórcio por mútuo consentimento, não pode impedir, verificadas as condições do art. 1793º do CC, quais sejam as necessidades dos cônjuges ou os interesses dos filhos, que seja aquele alterado.
E esta alteração pode consistir em se manter a atribuição da casa de morada de família ao cônjuge inicial, pagando este uma renda ao outro cônjuge, sobre a metade que àquela pertence, caso, repete-se, haja alteração das circunstâncias em que aquele assentou.

Por isso que, o mesmo autor Salter Cid, desenha o quadro em que, verificados certos pressupostos cumulativos, aceita a alteração:

a) Que se tenha produzido uma alteração no conjunto de circunstâncias ou de representações consideradas ao tempo da adopção das medidas, o mesmo é dizer, uma alteração ou transformação do “cenário” contemplado pelos cônjuges ou pelo juiz na convenção, aprovação ou determinação das medidas cuja modificação se postula. (...);
b) Que a alteração seja substancial, quer dizer, importante ou fundamental em relação às circunstâncias contempladas na determinação das medidas judiciais ou acordadas, ainda que em si mesma ou isoladamente considerada a novidade não resulte tão extraordinária ou transcendental. (...);
c) Que a alteração ou mudança evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória das circunstâncias determinantes das medidas em questão e considerá-la, em princípio, como definitiva. (...);
d) E, finalmente, que a alteração ou variação afecte as circunstâncias que foram tidas em conta pelas partes ou pelo juiz na adopção das medidas e influíram essencial e decisivamente no seu conteúdo, constituindo pressuposto fundamental da sua determinação. (...).»
E acrescenta:
«A alteração substancial das circunstâncias justificativas da modificação das medidas pode (...) ser motivada tanto pela ocorrência de factos novos, como pelo conhecimento de factos anteriores de significativa transcendência ignorados na sua adopção.

Em conclusão, podemos a firmar que o recurso merece provimento.
*

IV - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento do incidente.
Custas pelo requerido.
*

Porto, 5 de Fevereiro de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome