Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2453/18.1T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202204042453/18.1T8VLG.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica do lesado, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho.
II - Para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais, razão pela qual o dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro não pode ser também indemnizado autonomamente como dano biológico a se.
III - Nos casos em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que, só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
IV - Na apreciação, em sede de recurso, o montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
V - Não se tendo operado ex-professo um cálculo actualizado da indemnização ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C. Civil com apelo também declarado v.g. aos índices de inflação entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da acção, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação, que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2453/18.1T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível de Valongo-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., Valongo, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X... S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe:
- a quantia global de 26.258,87 €, sendo 6.258,87 € a título de danos patrimoniais e 20.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, custas e demais encargos legais;
- a indemnização relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes quer da incapacidade parcial permanente geral e profissional, ainda não fixada, quer relacionados com a(s) intervenção(ões) cirúrgica(s), consultas médicas, tratamentos de medicina física e de reabilitação, exames complementares de diagnóstico, medicação, a realizar em consequência do acidente, a liquidar posteriormente ou em execução de sentença.
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Regularmente citada, a Ré contestou, aceitando que o acidente foi provocado pelo condutor do veículo seguro, mas impugnando os danos cujo ressarcimento o Autor visa nesta lide.
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Foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 59/98, de 22 de fevereiro, citando-se o Instituto da Segurança Social, I.P.
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Nessa veio o referido Instituto deduzir, em 02.05.2019, pedido de reembolso dos montantes pagos em consequência de incapacidade para o exercício da atividade profissional do Autor, na sequência do acidente descrito nos autos, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 471,09 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
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A Ré contestou, impugnando a factualidade invocada por desconhecimento.
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4. Foi proferido em 13.06.2019 despacho saneador e despacho de admissão dos meios de prova, entre os quais a realização de exame pericial.
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Na sequência da apresentação do relatório pericial, o Autor, por requerimento de 11.04.2021, deduziu ampliação e liquidação do pedido, atribuindo à ampliação do pedido o valor de 5.000,00 € e à liquidação do pedido o valor de 27.500,00 €.
Assim, o pedido que o Autor deduz na presente ação passou a ser de condenação da Ré no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante global de 58.758,87 €, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, calculados sobre o capital em dívida, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, sendo:
- 485,00 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes aos objetos danificados/inutilizados;
- 4.978,69 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes às perdas salariais;
- 455,56 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes às despesas médicas, medicamentosas e outras decorrentes do sinistro;
- 339,62 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes às viagens não reembolsáveis que estavam agendadas e que não se puderam realizar em virtude do sinistro;
- liquidando o pedido, 22.500,00 € (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelo dano permanente de repercussão na atividade profissional (rebate profissional);
- liquidando o pedido, 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica;
- ampliando o pedido em 5.000,00 €, 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
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A Ré contestou a ampliação e liquidação do pedido por impugnação.
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A ampliação e a liquidação do pedido genérico inicialmente formulado foram admitidas por despacho de 27.04.2021.
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Teve lugar a audiência de julgamento, com observância das legais formalidades.
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A final foi proferida decisão que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 50.914,98 € (cinquenta mil novecentos e catorze euros e noventa e oito cêntimos), sendo,
1.1. 485,00 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes aos objetos danificados/inutilizados;
1.2. 4.974,42 € (quatro mil novecentos e setenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes às perdas salariais;
1.3. 455,56 € (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais atinentes às despesas médicas, medicamentosas e outras decorrentes do sinistro;
1.4. 20.000,00 € (vinte mil euros) a título de indemnização pelo dano permanente de repercussão na atividade profissional;
1.5. 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica na sua vertente patrimonial;
1.6. 20.000,00 € (vinte mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;
1.7. Juros de mora sobre as quantias descritas em 1.1., 1.2., 1.3. e 1.6., contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à(s) taxa(s) legal(is) de juros civis aplicável(is);
1.8. Juros de mora sobre as quantias descritas em 1.4. e 1.5., contados desde a notificação do requerimento de ampliação e liquidação do pedido e até efetivo e integral pagamento, à(s) taxa(s) legal(is) de juros civis aplicável(is);
Mais condenou a Ré a pagar ao ISSOCIAL, I.P. a quantia de 471,09 € (quatrocentos e setenta e um euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à(s) taxa(s) legal(is) de juros civis aplicável(is).
No mais absolveu a Ré do peticionado.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor recurso, rematando com as seguintes conclusões:
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Devidamente notificada contra-alegou o Autor concluindo pelo não provimento do recurso.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
a)- saber se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido pelo Autor/recorrido devia, ou não, ter sido valorizado apenas como dano de natureza não patrimonial;
b)- saber, mesmo considerando o referido défice funcional como dano patrimonial futuro, o valor fixado é, ou não, excessivo;
c)- saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais é, ou não, excessivo;
d)- saber se os juros de mora que incidem sobre tais montantes deviam, ou não, ser contabilizados a partir da citação.
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada:
1. No dia 2 de julho de 2017, pelas 20h30m, no cruzamento ou entroncamento entre a Rua ... e a Rua ..., em ..., concelho de Valongo, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo marca “Hyundai” modelo ...”, matrícula ..-FV-.., propriedade de BB e conduzido pelo próprio, e o velocípede sem motor modelo “...”, conduzido pelo Autor.
2. O Autor seguia no seu velocípede e descia a Rua ..., vindo da Quinta... em direção à ....
3. O “Hyundai” seguia pela Rua ..., no sentido de marcha contrário ao do Autor.
4. Ao chegar ao entroncamento com a Rua ..., o “Hyundai” virou repentinamente à esquerda, cortando a marcha ao Autor.
5. O condutor do “Hyundai” não acionou o “pisca” do lado esquerdo, não parou, nem sequer abrandou a marca, pura e simplesmente mudou de direção à esquerda, sem atender ao Autor, que circulava serenamente na sua faixa de rodagem.
6. O “Hyundai” embateu no velocípede e no Autor, do lado esquerdo.
7. No dia e hora do acidente ainda era de dia e o tempo estava bom.
8. A visibilidade era boa.
9. Pelo que só por distração do condutor do “Hyundai” se deu este acidente.
10. O Autor nada pôde fazer para o evitar, na medida em que foi colhido pelo outro veículo mesmo no entroncamento, quando este mudou de direção à esquerda, invadindo a faixa de rodagem destinada aos veículos que circulassem no sentido de marcha em que seguia o Autor e onde se deu o embate.
11. Tudo conforme descrito na participação de acidente de viação então elaborada.
12. Na sequência do descrito embate, o Autor sofreu ferimentos que demandaram cuidados hospitalares, pelo que foi transportado pelos Bombeiros Voluntários ... para o Hospital ..., no Porto.
13. O acidente ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor e proprietário do “Hyundai” que, por total descuido e desatenção, mudou de direção à esquerda no momento em que o Autor estava a passar no entroncamento, em sentido contrário, violando as mais elementares regras de condução estradal.
14. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao “Hyundai” encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro com apólice n.º ....
15. Após participação do sinistro, a Ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do mesmo através de comunicação ao Autor efetuada em 04/11/2017.
16. Imediatamente após o acidente, o Autor foi transportado de ambulância para o Hospital ..., no Porto, politraumatizado.
17. O Autor apresentava ferida cortocontusa temporal direita e frontal esquerda, deformidade do antebraço direito, ferida na coxa esquerda com exposição muscular e escoriações em ambos os joelhos.
18. O Autor foi medicado e fez exames complementares de diagnóstico: exames ao sangue e urina, TC cerebral, RX tórax, RX coluna, bacia e membros.
19. Foi avaliado nas especialidades de cirurgia geral, ortopedia e neurocirurgia.
20. Foram-lhe suturadas as duas feridas das lesões contusas do couro cabeludo e região frontal e tratada a ferida na coxa, com sutura.
21. Realizou novo TC articular da mão direita, que revelou múltiplas fraturas, tendo sido aplicado tratamento conservador.
22. O Autor teve alta no dia 3 de julho de 2017, pelas 13h00m.
23. No dia seguinte (04.07.2017), ao final da manhã, o Autor recorreu novamente ao Serviço de Urgência do Hospital ..., no Porto, com queixas de cefaleias tonturas e dores musculares generalizadas.
24. Fez novo TC cerebral e ecografia à coxa esquerda.
25. Foi-lhe prescrita toma de antibiótico e analgésicos e repouso até remoção dos pontos na coxa.
26. No dia 15 de julho de 2017, o Autor voltou à Urgência, com sinais inflamatórios da ferida da coxa.
27. Foi realizada nova ecografia.
28. No dia 1 de agosto de 2017, o Autor voltou ao Serviço de Urgência do Hospital ..., no Porto, com queixas de dores e tumefação na região inguinal esquerda.
29. Fez nova ecografia e foi orientado para a Consulta Externa de Ortopedia.
30. No Hospital ..., o Autor teve ainda as seguintes consultas:
No dia 14 de julho de 2017, consulta de Cirurgia Geral;
No dia 11 de agosto, consulta de Cirurgia Geral;
No dia 17 de agosto de 2017, consulta de Ortopedia;
No dia 28 de setembro de 2017, consulta de Ortopedia;
No dia 15 de novembro de 2017, consulta de Medicina Física e de Reabilitação;
No dia 15 de dezembro de 2017, consulta de Cirurgia Geral;
No dia 7 de fevereiro de 2018, consulta de medicina Física e de Reabilitação;
No dia 3 de agosto de 2018, consulta de Medicina Física e de Reabilitação;
31. Paralelamente, o Autor foi às consultas regulares no Centro de Saúde, com a Médica de Família, e ao Hospital 1....
32. Fez novo TC à mão direita, em 10 de agosto de 2017, que revelou:
Status pós redução da CMC de D2 e D3 com bom alinhamento ósseo
Nas fileiras cárpicas nota-se irregularidade da estrutura do escafoide na porção distal e do osso capitato sugerindo sequela de trauma, alinhada
Irregularidade cortical da cabeça da falange proximal de D2 e D3 com mais acentuadas em D3, onde se evidenciam no plano subcutâneo dorsal pequenas esquirolas ósseas soltas Leve edema das partes moles adjacentes.
33. O Autor esteve de baixa médica entre os dias 3 de julho e 25 de setembro de 2017,
34. Tendo regressado ao trabalho por imperativos económicos, uma vez que a Segurança Social não remunerou a baixa médica nesse período.
35. Teve necessidade, por recaída, de nova baixa médica entre os dias 8 de janeiro e 18 de fevereiro de 2018.
36. O Autor fez 20 sessões de fisioterapia entre 22 de agosto e 22 de setembro de 2017,
37. Tratamento que repetiu no período compreendido entre 8 de janeiro e 19 de fevereiro de 2018.
38. O Autor mantém limitação álgica na pronação da mão direita e dor à palpação no punho; bem como queixas compatíveis com lesão do nervo cutâneo lateral da coxa.
39. Em 14 de agosto de 2017, foi comunicada pela Ré ao Autor a aceitação do valor da reparação do velocípede relativamente aos danos consequentes ao acidente, no valor de 182,63 €, pagos pela Ré diretamente à oficina reparadora.
40. Com o embate, ficaram danificados dois telemóveis do Autor, cuja reparação foi orçamentada para o telemóvel Huawei ... em 240,00 € e para o telemóvel Samsung ... em 95,00 €.
41. Com o acidente e a assistência médica, ficaram danificadas umas calças, uma camisa, umas sapatilhas e um relógio, que o Autor vestia/calçava/usava nessa data, de valor não concretamente apurado.
42. O Autor esteve sem trabalhar entre 3 de julho e 25 de setembro de 2017 e entre 8 de janeiro e 18 de fevereiro de 2018.
43. À data do acidente, o Autor auferia uma remuneração ilíquida de 1.202,00 € por mês, catorze vezes por ano, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 4,27 € por dia.
44. Nos meses de julho, agosto e setembro de 2017, deveria ter auferido € 3.606,00 € de remunerações ilíquidas, mais 273,28 € relativos a 64 dias de subsídio de alimentação, o que perfaz a quantia total de 3.879,28 €.
45. Em julho foi processado o valor de 40,07 € a título de remuneração.
46. Em setembro foi processado o valor de 200,33 € a título de remuneração e o valor de 17,08 € a título de subsídio de refeição (4 dias).
47. No período entre 3 de julho e 25 de setembro de 2017, em que o Autor esteve sem trabalhar, a Segurança Social não pagou subsídio de doença.
48. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2018, o Autor deveria ter auferido 2.404,00 € de remunerações ilíquidas, mais 179,34 € relativos a 42 dias de subsídio de alimentação, o que perfaz a quantia global de 2.583,34 €.
49. Em janeiro foi processado o valor de 240,40 € a título de remuneração e o valor de 4,27 € a título de subsídio de refeição (1 dia).
50. Em fevereiro foi processado o valor de 480,80 € a título de remuneração e o valor de 34,16 € a título de subsídio de refeição (8 dias).
51. O Autor recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença referente ao período de 11.01.2018 a 18.02.2018, o valor total de 471,09 € (9 dias pelo valor diário de 11,75 €, 18 dias pelo valor diário de 11,75 € e 12 dias pelo valor diário de 12,82 €).
52. O Autor suportou ainda, na sequência do acidente, as despesas de taxas moderadoras dos episódios de Urgência, Consultas Médicas, exames Complementares de Diagnóstico e Fisioterapia no Hospital ..., no valor de 284,00 €,
53. As despesas de taxas moderadoras das consultas no Hospital ... e no Centro de Saúde, no valor de 55,00 €,
54. As despesas com fisioterapia, no valor de 70,50 €,
55. As despesas em medicamentos, no valor de 21,76 €,
56. As despesas de transportes, no valor de 3,90 €,
57. A despesa com a certidão do auto de ocorrência, no valor de 20,40 €.
58. O Autor é eletricista de profissão, por conta de outrem, e tinha agendado, ao serviço da sua entidade patronal, a realização de um serviço no Funchal, com um colega, entre os dias 11 e 16 de julho de 2017.
59. Para o efeito, no dia 25 de junho de 2017 foram feitas as reservas dos dois voos de ida e volta na “Easyjet”, no valor de 339,62 €, pagos pelo Autor.
60. No dia 6 de julho de 2017, o Autor comunicou à companhia aérea a impossibilidade de viajar, em virtude de ter sido vítima de acidente de viação, solicitando o reembolso das viagens das duas pessoas, nem que fosse através de um voucher, por o trabalho não poder ser desenvolvido por apenas um dos funcionários.
61. Porquanto a tarifa dos voos em causa era “não reembolsável”, não foi emitido qualquer voucher.
62. Apesar de instada por diversas vezes, a Ré apenas comunicou ao Autor que assumia a responsabilidade pelo acidente de viação mais de quatro meses após a sua ocorrência e nunca se disponibilizou para prestar qualquer assistência médica ao Autor, nem o convocou para consulta de avaliação do dano corporal.
63. O Autor retomou o seu trabalho depois do dia 25 de setembro de 2017 para assegurar o sustento da família, porquanto estava sem receber ordenado da entidade patronal, subsídio de doença da Segurança Social nem indemnização pela incapacidade temporária por parte da Ré.
64. Quando retomou o trabalho, o Autor não se encontrava curado.
65. O Autor continua a padecer de dores, quer ao nível da mão direita quer da coxa esquerda, com limitação da mobilidade.
66. É com esforço e, por vezes, dor que continua a fazer os trabalhos, essencialmente manuais, de eletricista, que implicam movimentos das mãos e pernas, com posições desconfortáveis para trabalhar.
67. Por força do acidente, o Autor padece, a nível funcional, de dificuldades em efetuar manipulação de alguns objetos com a mão direita, nomeadamente se tiver que os manipular em situações em que tenha que fazer força com a mão ou então em que tenha que efetuar movimentos de rotação com essa mão.
68. Apresenta fenómenos dolorosos na face palmar da mão direita, na transição da primeira fileira do carpo para a segunda fileira do carpo, na linha média, em situações de compressão dessa região com irradiação da dor para o dorso da mão para o nível do 2.º metacarpo, nomeadamente com a realização de esforços acrescidos (por exemplo ao manipular algum instrumento) ou com a realização de ações continuadas ou repetitivas.
69. Apresenta sensação de "ardor" na face externa da coxa esquerda (desde o terço superior até ao terço médio), contínua, associada à compressão de tecidos nessa região e comichão ao nível da cicatriz na coxa esquerda.
70. Também por força do acidente, o Autor apresenta as seguintes lesões/sequelas: no crânio, cicatriz nacarada com 2.3 por 1 cm de maiores dimensões na região parietal direita, ligeiramente hipertrofiada, sendo referidas queixas dolorosas ligeiras à sua palpação; a mesma não é visível por se encontrar coberta por cabelos; cicatriz nacarada, com 1.5 cm de comprimento, vertical, na metade esquerda da região frontal, na zona de implementação dos cabelos, praticamente impercetível à distância de contacto social e de proximidade; sem quelóide, hipertrofia ou zonas de depressão; no membro superior direito: sem atrofia do antebraço (26 cm bilateralmente, medidos a 10 cm do olecrânio) e da mão; mobilidades do punho preservadas, sendo referidas queixas dolorosas nos últimos graus da flexão palmar e do desvio radial e à palpação da base do 2.º metacarpo, quer à palpação do dorso da mão que à palpação da face palmar; tumefação pétrea não dolorosa no dorso da mão, ao nível do escafóide e do trapézio; mobilidades dos dedos preservadas e com força mantida; força de preensão grau 5; consegue realizar todas as pinças com força preservada, embora com dores na pinça esférica e pinça de utilidade; membro inferior esquerdo: cicatriz hiperpigmentada com 15.5 por 2 cm de maiores dimensões, oblíqua, com vestígios de sutura, que se inicia no terço superior da face externa da coxa e se estende ligeiramente para baixa e para dentro em direção à face interna do terço superior da coxa; a mesma apresenta-se com quelóide no seu terço inicial (na face externa), sendo referidas queixas dolorosas à sua palpação, havendo ligeira depressão da mesmo ao longo do restante trajeto, com ligeiro repuxamento de tecidos adjacentes; hipertrofia da coxa de 1.5 cm (51 cm à esquerda e 48.5 cm à direita, medidos a 20 cm da interlinha articular do joelho); refere queixas de alteração da sensibilidade "algo diferente", mencionando atualmente sensação de formigueiro, na comparação da palpação da face externa da coxa, com a palpação da coxa contralateral. Mobilidades do joelho preservadas. Halux valgus.
71. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 17.09.2019.
72. No âmbito do período de danos temporários foram valorizados, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 2 dias; Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 806 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 128 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período total de 680 dias; Quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional e o tipo de traumatismo.
73. Quanto aos danos permanentes, considerando o valor global de perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afetarem o Autor em termos de autonomia e independência, mas serem causa de sofrimento físico, o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica é fixável em 4 pontos.
74. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, especificamente quando necessita de realizar mais força com a mão direita (por exemplo, a apertar parafusos ou a fazer furos de forma continuada ou colocar focos de grandes dimensões).
75. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as cicatrizes que apresenta – uma na região parietal direita, que atualmente não é visível por se encontrar coberta por cabelos; uma na região frontal, praticamente impercetível à distância de proximidade; uma na coxa esquerda, de dimensão considerável, em parte, com queloide, com ligeira depressão e com ligeiro repuxamento de tecidos adjacentes.
76. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: terá deixado de andar de bicicleta, atividade que efetuava ocasionalmente, aos fins de semana, por poucos quilómetros.
77. O Autor tinha 37 anos à data do acidente.
78. Era eletricista de profissão.
79. Auferia a título de salário a quantia mensal ilíquida de 1.202,00 €, 14 vezes por ano.
Factos não provados
Não se provou que:
1. Na sequência do embate descrito nos factos provados, o Autor ficou imobilizado já na Rua ..., a cerca de 10 metros do local do embate.
2. E o velocípede imobilizou-se na faixa de rodagem.
3. No dia 15 de julho de 2017, no serviço de urgência, o Autor apresentou queixas ao nível do antebraço direito e foram-lhe prescritos mais antibióticos e analgésicos.
4. As calças que o Autor vestia e que ficaram danificadas nos termos descritos nos factos provados tinham o valor de 20,00 €.
5. A camisa que o Autor vestia e que ficou danificada nos termos descritos nos factos provados tinha o valor de 30,00 €.
6. As sapatilhas que o Autor calçava e que ficaram danificadas nos termos descritos nos factos provados eram da marca Nike e tinham o valor de 70,00 €.
7. O relógio que o Autor usava e que ficou danificado nos termos descritos nos factos provados tinha o valor de 30,00 €.
8. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2018, o Autor deveria ter auferido 183,61 € relativos a 43 dias de subsídio de alimentação.
9. A empresa para a qual o Autor trabalha efetua serviços específicos de instalação de iluminação em que o Autor pode ter que subir e descer de um escadote cerca de 100 vezes por dia.
10. Depois da amnésia inicial para o sucedido, o Autor conseguiu recordar-se do acidente.
11. Vêm-lhe frequentemente à memória as imagens da confusão e do pânico no momento do acidente e logo após.
12. O Autor teve medo de morrer.
13. Entretanto, já no hospital, receou um eventual traumatismo crânio-encefálico e nas consequências que poderiam daí advir.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu aa duas primeiras questões que vêm colocadas no recurso prendem-se com:
a)- saber se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido pelo Autora/recorrido devia, ou não, ter sido valorizado apenas como dano de natureza não patrimonial e, mesmo considerando o referido défice funcional como dano patrimonial futuro saber se o valor fixado é, ou não, excessivo;
Como se evidencia da decisão recorrida aí se entendeu que sendo o Autor portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos, valorou tal dano quer na sua vertente patrimonial quer na sua vertente não patrimonial.
Deste entendimento dissente a recorrente para quem, tal défice funcional, devia ser valorado apenas na vertente de danos não patrimoniais.
Que dizer?
No segmento indemnizatório aqui em apreciação movemo-nos no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.
A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do artigo 564.º, nº 2 do Cód. Civil.
Tem-se afirmado que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, porque determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das actividades profissionais do lesado, destacando-se que uma incapacidade permanente parcial, sem qualquer reflexo negativo na actividade profissional do lesado e no seu efectivo ganho, “se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado”.[1]
Porém, outros entendem, como por exemplo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009[2], que também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Escreveu-se o seguinte neste aresto:
Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos (…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
“E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
“Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta direta–ou indiretamente–no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
“Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
“A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
“E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”[3]
Sustentam outros ainda que o dano corporal ou dano à saúde deve ser reconhecido como dano autónomo, verdadeiro “tertium genus” de natureza específica, com um lugar próprio que não se esgota nem é assimilado pela dicotomia clássica entre o que é patrimonial e o que não é patrimonial, impondo-se como uma realidade digna de reparação autónoma.
Entendimento este a que não são alheias as grandes dificuldades e delicadíssimos problemas suscitados pela determinação e avaliação das consequências pecuniárias e não pecuniárias do dano corporal no quadro da distinção dano patrimonial/dano não patrimonial.
Concretamente, quanto à indemnização de perdas patrimoniais futuras, a título de lucros cessantes, lembra-se que o lesado terá que provar a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, destacando-se que a avaliação e reparação das chamadas pequenas invalidades permanentes se deve confinar à área do chamado dano corporal ou dano à saúde.[4]
Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial-ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado-, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença.
Ora, a posição maioritária, que também sufragamos, vem considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico/patrimonial-porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
Evidentemente que casos há em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na actividade profissional que ele exerce. Uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, não tem para um lesado que desenvolve uma actividade profissional sedentária e marcada pelo esforço intelectual, qualquer repercussão nesta.
Por isso, em certas situações justifica-se que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
E sob este conspecto importa referir, ao contrário do que foi decidido, a indemnização pelo dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro, não pode ser também indemnizado autonomamente como dano biológico a se.
Com efeito, não se pode indemnizar duas vezes a mesma coisa.
A indemnização emergente de acidente de viação não visa um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante mas, antes, a reparação do dano causado.
A referência doutrinal e jurisprudencial ao dano biológico não tem visado esse desiderato.
O que nela se tem discutido, como supra se referiu, é a questão de saber se esse dano deve ser indemnizado a título de dano não patrimonial ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido.
No entanto, ninguém defende que o dano biológico seja indemnizado autonomamente, para além da indemnização da perda de ganho, porque isso seria uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios de equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.
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Isto dito e assentando na qualificação do aludido dano como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatório.
Como deflui do regime vertido nos artigos 564.º e 566.º, nº 3 do CCivil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.
No entanto, a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, de há longo tempo, a jurisprudência, num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nos seguintes parâmetros-força:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendi­mento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equi­dade;
4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já se aproxima dos 78 anos, e tem tendência para aumentar).[5]
Acolhendo tais directrizes e regressando ao caso dos autos, importa, desde logo respigar o seguinte quadro factual:
“- O Autor tinha 37 anos à data do acidente.
- O défice funcional permanente de integridade físico-psíquica é fixável em 4 pontos;
- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, especificamente quando necessita de realizar mais força com a mão direita (por exemplo, a apertar parafusos ou a fazer furos de forma continuada ou colocar focos de grandes dimensões)” (cfr. pontos 73., 74. e 77. a 79. da resenha dos factos provados).
Importa enfatizar que a propósito do factor rendimento, alguma jurisprudência[6] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
Em busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade.[7]
Com efeito, a integridade psicofísica é igual para todos (artigos 25.º, nº 1, da CRPortuguesa e 70.º, nº1, do Código Civil) de modo que, no cálculo da indemnização, não deve ser relevada a situação económica do lesado sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, nº 1 e nº 2 da Constituição.
O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas.
A Portaria 377/2008 de 26 de maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efetuar o cálculo do dano biológico.
Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos então como mais correto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.
A informação estatística da base de dados da Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2017 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 943,00.
Este valor é então um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade do lesado, que era no caso de 35 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade que é de 3 pontos.
Como assim, tendo por referência um rendimento anual de € 13.202,00 (€ 943,00 x 14) a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 1/4, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital.[8]
De acordo com os enunciados fatores, considerando que o autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a € 528,08 [(€ 943.000,00 x 14) x 4%], o que permitiria alcançar, ao fim de 41 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 37 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 78 anos de idade), o montante de € 21.651,28, apurando-se um valor de € 16.238,00 após se operar o apontado desconto de ¼.
Isto dito importa ainda, para se atingir a solução que, neste caso, se haja de considerar como a mais equitativa, apelar à jurisprudência que se vem pronunciando sobre situações com alguma similitude.
Constata-se assim o seguinte:
- Com uma incapacidade avaliável em 3 pontos, a um lesado com a idade de 40 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 8.000,00 €;
- Com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 73 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 2.500,00 €;
- Com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 78 anos foi fixada a indemnização respectiva em 8.000,00€;
- Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 36 anos fixou-se indemnização aproximada a 12.000,00 €;
- Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 39 anos, também motorista, foi fixada a indemnização de 12.500,00 €;
- Com uma incapacidade de 6 pontos, a uma lesada de 46 anos, que auferia rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00 €, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 55.000,00 €;
- Com uma incapacidade de 6 pontos, a um lesado de 44 anos, que auferia rendimento mensal global de 3.100,00 €, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em 25.000,00 €;
- Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 42 anos foi arbitrada a indemnização de 12.000,00 €;
- Com uma incapacidade de 8 pontos, num lesado de 49 anos foi fixada a indemnização de 20.000,00 €
- Com uma incapacidade de 7 pontos, num lesado de 39 anos foi fixada a indemnização de 15.000,00 €.[9]
Como assim, sopesando o quadro factual apurado, relevando especialmente que as sequelas sofridas pelo demandante implicam esforços suplementares na sua atividade profissional, parece-nos justo e equilibrado-quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa-, fixar em € 20.000,00 (vinte e três mil euros) o montante destinado a reparar o dano em causa, e não os € 25,000,00 que o tribunal fixou no seu conjunto, pois que valorou em € 5.000,00 o dano bilógico na sua vertente estritamente patrimonial o que, como se referiu, não tem qualquer fundamento.
Acontece que, no caso em apreço o dano biológico devia ter sido valorado apenas na sua vertente patrimonial.
Com efeito, para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais, sob pena de duplicação de indemnizações.
Repare-se que o tribunal recorrido em sede de fixação dos danos não patrimoniais voltou a convocar, para além de outro, o mesmo quadro factual que tinha sopesado para fixar o dano biológico nas duas vertentes.
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Procedem, assim em parte, as conclusões 1ª a 19ª formuladas pela recorrente.
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A terceira questão colocada no recurso prende-se com:
c)- saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais é, ou não, excessivo.
Na decisão recorrida fixou-se a este título o montante de € 20.000,00.
Com este montante não concorda a Ré apelante alegando que o mesmo não deveria ultrapassar os € 12.500,00.
Quid iuris?
Os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, conforme o artigo 496.º, nº 1, do C. Civil, consequência do princípio da tutela geral da personalidade previsto no artigo 70.º do mesmo diploma legal.
A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas; por outro lado, aprecia-se em função da tutela do direito. Neste caso o dano é de tal modo grave que justifica a concessão da indemnização pecuniária aos lesados.
Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente. Nestes casos, a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter prazeres ou distracções-porventura de ordem espiritual-que, de algum modo, atenuem a sua dor”.[10]
E, o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º, nº 3 e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adoptados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.[11]
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais que deixaram sequelas.
Assim releva no prisma–danos não patrimoniais–a seguinte factualidade:
Imediatamente após o acidente, o Autor foi transportado de ambulância para o Hospital ..., no Porto, politraumatizado. Apresentava ferida cortocontusa temporal direita e frontal esquerda, deformidade do antebraço direito, ferida na coxa esquerda com exposição muscular e escoriações em ambos os joelhos. Foi medicado e fez exames complementares de diagnóstico: exames ao sangue e urina, TC cerebral, RX torax, RX coluna, bacia e membros. Foi avaliado nas especialidades de cirurgia geral, ortopedia e neurocirurgia. Foram-lhe suturadas as duas feridas das lesões contusas do couro cabeludo e região frontal e tratada a ferida na coxa, com sutura. Realizou novo TC articular da mão direita, que revelou múltiplas fraturas, tendo sido aplicado tratamento conservador. Teve alta no dia seguinte ao do acidente, pelas 13h00m.
Porém, logo no dia seguinte (04.07.2017), ao final da manhã, o Autor recorreu novamente ao Serviço de Urgência do Hospital ..., no Porto, com queixas de cefaleias tonturas e dores musculares generalizadas. Fez novo TC cerebral e ecografia à coxa esquerda. Foi-lhe prescrita toma de antibiótico e analgésicos e repouso até remoção dos pontos na coxa.
No dia 15 de julho de 2017, o Autor voltou à Urgência, com sinais inflamatórios da ferida da coxa. Foi realizada nova ecografia.
No dia 1 de agosto de 2017, o Autor voltou uma vez mais ao Serviço de Urgência do Hospital ..., no Porto, com queixas de dores e tumefação na região inguinal esquerda. Fez nova ecografia e foi orientado para a Consulta Externa de Ortopedia.
O Autor fez 20 sessões de fisioterapia entre 22 de agosto e 22 de setembro de 2017, tratamento que repetiu no período compreendido entre 8 de janeiro e 19 de fevereiro de 2018.
O Autor mantém limitação álgica na pronação da mão direita e dor à palpação no punho; bem como queixas compatíveis com lesão do nervo cutâneo lateral da coxa.
Apresenta fenómenos dolorosos na face palmar da mão direita, na transição da primeira fileira do carpo para a segunda fileira do carpo, na linha média, em situações de compressão dessa região com irradiação da dor para o dorso da mão para o nível do 2.º metacarpo, nomeadamente com a realização de esforços acrescidos (por exemplo ao manipular algum instrumento) ou com a realização de ações continuadas ou repetitivas.
Apresenta sensação de "ardor" na face externa da coxa esquerda (desde o terço superior até ao terço médio), contínua, associada à compressão de tecidos nessa região e comichão ao nível da cicatriz na coxa esquerda.
Quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional e o tipo de traumatismo.
O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as cicatrizes que apresenta– uma na região parietal direita, que atualmente não é visível por se encontrar coberta por cabelos; uma na região frontal, praticamente impercetível à distância de proximidade; uma na coxa esquerda, de dimensão considerável, em parte, com queloide, com ligeira depressão e com ligeiro repuxamento de tecidos adjacentes.
A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: terá deixado de andar de bicicleta, atividade que efetuava ocasionalmente, aos fins de semana, por poucos quilómetros”.
*
Importa por outro lado sopesar que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor e proprietário do “Hyundai”, cujo proprietário havia transferido para a Ré a responsabilidade decorrente de acidentes de viação causados por aquele veículo (ponto 13. da fundamentação factual)
Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas.
Assim, Menezes Cordeiro[12] ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Galvão Telles[13] sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima–na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Menezes Leitão[14] realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.
Pinto Monteiro[15], de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.
Por outro lado, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “factie specie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto, sendo que, nesta ponderação de valores, tem defendido que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado.[16]
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça[17] vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Como assim, sopesando o quadro factual supra exposto e tendo em atenção as lesões sofridas, aos tratamentos necessários e a que teve de submeter-se, à duração destes, às dores, classificadas no grau 4 numa escala de sete, o dano estético fixado no grau 2 numa escala de 7 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 1 una escala de 7, entendemos que a compensação por esta categoria de danos fixada pelo tribunal recorrido se revela justa e equilibarada nos termos do artigo 566.º, nº 3 do Cód. Civil.
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Improcedem, desta forma, as conclusões 20ª a 30ª formuladas pela Ré recorrente.
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A última questão colocada no recurso prende-se com:
d)-saber desde quando são devidos os juros moratórios relativos aos montantes atribuídos a título de dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais.
Na sentença recorrida sobre esse conspecto discorreu-se do seguinte modo:
Acresce que resulta do disposto nos artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.os 1 e 2, ambos do Código Civil, que o atraso no cumprimento de uma dívida de natureza pecuniária constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos resultantes desse retardamento da prestação devida, correspondendo essa indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Estamos perante uma situação de responsabilidade por factos ilícitos, sendo de considerar a eventual aplicação da doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, segundo o qual sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação).
Uma vez que estamos face a uma indemnização por danos patrimoniais não carecida de atualização (cfr. acórdão do TRG de 12.01.2017, proferido no processo n.º 1881/13.3TJVNF.G1, disponível no sítio da internet da dgsi), na medida em que a situação patrimonial do lesado decorrente do facto danoso não se apresenta alterada no momento em que o tribunal está a apreciar o valor da indemnização a atribuir, não é de aplicar a jurisprudência fixada no citado acórdão.
Assim, e atento o disposto no artigo 805.º, n.º 3, segunda parte do Código Civil, são devidos juros:
- desde a citação e até efetivo e integral pagamento, sobre o montante global de 26.258,87 € (pedido inicial);
- desde a notificação do requerimento de ampliação e liquidação do pedido e até efetivo e integral pagamento, sobre o montante global de 25.000,00 €.
A taxa supletiva legal de juros de mora para as obrigações civis aplicável é atualmente de 4% (artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril)”.
Deste entendimento dissente a recorrente para quem ao fixar o termo inicial para a contagem dos juros de mora sobre as quantias compensatórias de danos patrimoniais calculadas com base em juízos de equidade e, bem assim, de danos não patrimoniais, na data da citação da apelante (ou da notificação do requerimento de ampliação/liquidação do pedido), e não da data da prolação da sua sentença, como devia, o tribunal recorrido fez, uma errada aplicação do previsto nos artigos 566.º, 805.º n.º 3 e 806.º n.º 1 do Código Civil, devendo a sua decisão ser alterada por forma a fixar tal termo a quo na data da referida prolação da sentença.
Que dizer?
Sobre esta matéria, há que chamar, neste domínio, à colação a doutrina ínsita no Ac Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002 de 9 de Maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e ss.
Decidiu-se no dito aresto que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n° 2 do artigo 506.° do C.Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n°1, também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
No caso sub judice, e tanto quanto decorre da sentença de 1ª instância, não se operou, “ex-professo” um cálculo actualizado ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do C. Civil, antes pelo contrário, aí se referiu que se estava perante uma indmnização não carecida de atualização.
Daqui decorre que o tribunal recorrido procedeu à fixação dos montantes indemnizatórios com referência à data da citação, não tendo nessa operação efectuado cálculo actualizado à data da decisão.
Assim, a posição sustentada pela Ré no seu recurso, no sentido de que os juros relativamente as parcelas indemnizatórias acima referidas só poderão ser fixados a partir da sentença proferida em 1ª instância, não poderá ser acolhida.
Para que a indemnização fosse considerada actualizada à data da decisão respectiva, impunha-se que na sentença tal fosse dito de modo claro, de modo a que nenhuma dúvida pudesse subsistir a tal respeito.
Não se dizendo na sentença que a indemnização foi objecto de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566.º, nº 2 do Cód. Civil, as consequências sempre teriam que ser as que resultam da previsão do artigo 805.º, nº 3 do mesmo diploma, ou seja, que os juros de mora são devidos desde a citação, tanto no que respeita a danos patrimoniais, como a danos não patrimoniais.
Defender posição contrária seria criar nos casos de silêncio no tocante à natureza actualizadora–ou não–da decisão, e sem apoio legal, a presunção de que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados à data desta.[18]
Naufraga, pois, também neste segmento, o recurso principal interposto pela Ré.
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Improcedem, desta forma, as conclusões 31ª a 36ª formuladas pela Ré recorrente.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente, por provado, e consequentemente revoga-se a decisão recorrida na parte em que fixou a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pelo dano biológico nas suas duas vertentes, alterando-se agora esse valor para € 20.000,00 (vinte mil euros) como dano patrimonial futuro.
No mais mantém-se a decisão recorrida.
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Custas por apelante e apelado na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 04 de Abril de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL.P1.S1 e Ac. STJ de 11.12.2012, p. 269/06.7 GARMR, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. proc. nº 560/09.0 YFLSB, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. também Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL e Ac. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Almedina, 2001, Cap. II, secção I.
[5] Segundo as Tábuas de Mortalidade relativas ao triénio 2014-2016, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 77,61 anos para os homens e de 83,33 anos para as mulheres.
[6] Entre outros, Ac. do STJ de e acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), onde expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento, Ac. de Coimbra de 04/06/2013, da Relação de Lisboa de 22/11/2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7), de 25/02/2021 852/17.5T8AGH.L1 e 24/10/2019 processo nº 3570/17.0T8LSB.L1-2 e da Relação do Porto, de 19/03/2018 processo nº 1500/14.0T2AVR.P1.
[7] Cfr. Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho– o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 126.
[8] Tem sido esta a solução preconizada, designadamente, pelo Conselheiro SOUSA DINIS em trabalho publicado na CJ, Acórdãos do STJ, ano V, tomo 2º, págs. 15 e seguintes.
[9] Cfr., entre muitos outros, respectivamente, Acs. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, 17.9.2013, proc. 7977/11.9 TBMAI.P1, 7.4.2016, proc. 171/14.9 TVPRT.P1, de 1.7.2013, p. 2870/11.8 TJVNF.P1 de 17.6.2014, proc. 11756/09.5 TBVNG.P1, de 24.2.2015, proc. 435/10.0 TVPRT.P1, de 9.12.2014, proc. 1494/12.7 TBSTS.P1, 10.12.2013, p. 2236/11.0 TBVCD.P1, de 9.12.2014, p. 149/12.7 TBSTS.P1, disponíveis in www.dgsi.pt, e da Rel. Guimarães de 27.2.2012, p. 2861/07.3 TABRG.G1, e de 22.3.2011, p. 90/06.2 TBPTL, da Relação de Lisboa de 24/10/2019 processo nº 3570/17.0T8LSB.L1-2disponíveis www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972, pág. 375.
[11] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[12] In Direito das Obrigações, 2° vol. pag. 288.
[13] In Direito das Obrigações, pág. 387.
[14] In Direito das Obrigações, vol. I, 299.
[15] In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n° l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.
[16] Ac. STJ 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR.S1, Ac. STJ 07.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[17] Cfr., por todos, acórdão de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[18] Em idêntico sentido, cfr. Ac. STJ de 13.10.2009, p. 2774/06.6 TBGDM.P1.S1, Ac. STJ de 25.10.2007, p. 07B2480, Ac. STJ de 22.1.2004, p. 03B3704 Ac. Rel. Porto de 3.3.2005, p. 0530278, todos disponíveis in www.dgsi.pt., em sentido contrário (com que não concordamos), cfr. Ac. STJ de 23.11.2010, p. 456/06.8 TBVGS.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt., no qual se escreveu que “inexistindo cálculo actualizado da indemnização a prestar, quanto aos danos de carácter patrimonial, ao contrário do que acontece quanto aos danos de natureza não patrimonial, o início dos juros de mora conta-se, desde a citação, para os primeiros, e da prolação da decisão, quanto aos últimos.”