Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7982/14.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PATRIMÓNIO COMUM DO CASAL
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE
EFEITOS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RP201712147982/14.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º665, FLS.160-167)
Área Temática: .
Sumário: I - A partilha de uma fracção autónoma pertencente ao património comum do casal e registada em nome da ex-cônjuge mulher, caso seja posterior ao registo da respectiva penhora, não é oponível ao exequente, por força do disposto no artigo 819.º do Código Civil, ainda que a dívida seja da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge marido e, à data do registo da penhora, o casamento já se encontrasse dissolvido por divórcio.
II - A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do artigo 88.ºdo CIRE pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência.
III - Importa, todavia, enfatizar que isso pressupõe que a execução tenha atingido bens integrantes da massa insolvente nos termos estatuídos no nº 1 do artigo 88.º do CIRE.
IV - Se no âmbito de uma execução instaurada contra o executado, que em momento posterior veio a ser declarado insolvente, é penhorado um bem imóvel pertencente ao património comum dos ex-cônjuges e, mais tarde, o referido imóvel vem, na sequência da partilha, a ser adjudicado ao cônjuge não executado, não tendo, por isso, sido apreendido para a massa insolvente, não pode a execução, que se encontrava suspensa, ser declarada extinta por o referido processo de insolvência ter sido encerrado nos termos da al. d) do artigo 230.º do CIRE, devendo, antes seguir a sua tramitação normal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7982/14.3T8PRT-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J6
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
I- A partilha de uma fracção autónoma pertencente ao património comum do casal e registada em nome da ex-cônjuge mulher, caso seja posterior ao registo da respectiva penhora, não é oponível ao exequente, por força do disposto no artigo 819.º do Código Civil, ainda que a dívida seja da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge marido e, à data do registo da penhora, o casamento já se encontrasse dissolvido por divórcio.
II- A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do artigo 88.ºdo CIRE pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência.
III- Importa, todavia, enfatizar que isso pressupõe que a execução tenha atingido bens integrantes da massa insolvente nos termos estatuídos no nº 1 do artigo 88.º do CIRE.
VI- Se no âmbito de uma execução instaurada contra o executado, que em momento posterior veio a ser declarado insolvente, é penhorado um bem imóvel pertencente ao património comum dos ex-cônjuges e, mais tarde, o referido imóvel vem, na sequência da partilha, a ser adjudicado ao cônjuge não executado, não tendo, por isso, sido apreendido para a massa insolvente, não pode a execução, que se encontrava suspensa, ser declarada extinta por o referido processo de insolvência ter sido encerrado nos termos da al. d) do artigo 230.º do CIRE, devendo, antes seguir a sua tramitação normal.
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Sociedade B…, com sede na Rua …, … intentou a presente execução contra C…, residente na Praça …, n.º …, …, Póvoa de Varzim.
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O referido executado foi casado com D… até ao dia até 16 de Outubro de 2008, data em que foi decretado o divórcio entre ambos.
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Fazia parte do património comum do casal a fracção autónoma designada pela Letra “V”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 4961/V, que o casal adquiriu na constância do matrimónio.
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No âmbito da presente execução, em que se executa uma dívida da exclusiva responsabilidade do executado, esta fracção autónoma foi penhorada e lavrado o respectivo registo em 30 de Maio de 2012.
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Em 05 de Julho de 2012, a propriedade da fracção foi registada exclusivamente em nome da ex-mulher do executado Jaqueline na sequência da partilha do património comum do casal.
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O executado apresentou-se à insolvência em 12 de Março de 2015, tendo a mesma sido decretada em 23-03-2015.
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No âmbito desse processo de insolvência a mencionada fracção autónoma, apesar de inicialmente apreendida para os autos de insolvência, foi a mesma levantada.
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Os referidos autos de insolvência, que correram termos sob o nº 913/15.5T8STS-J1, no Juízo de Comércio de Santo Tirso, vieram a ser encerrados por insuficiência da massa insolvente, (artigo 232º do CIRE), conforme despacho junto aos presentes autos.
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Na sequência desse encerramento a Srª juiz do processo com data de 14/09/2017 lavrou o seguinte despacho:
O aqui executado foi declarado insolvente, tendo o respectivo processo sido encerrado por insuficiência da massa, como resulta da antecedente certidão.
Tal implica, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 88º, nº 3 e 230º, nº 1, al. d) do CIRE, a extinção da presente execução, o que se determina.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o exequente interpor o presente recurso concluindo pela forma seguinte:
I – A presente execução foi extinta pelo despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:
“O aqui executado foi declarado insolvente, tendo o respectivo processo sido encerrado por insuficiência da massa, como resulta da antecedente certidão.
Tal implica, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 88º, nº 3 e 230º, nº 1, al. d) do CIRE, a extinção da presente execução, o que se determina.
Diligencie o AE em conformidade.”
II – A extinção da execução retira-se, no entanto, apenas formalmente da conjugação dos normativos citados, mas não poderia ser decretada em face da concreta factualidade que resulta dos autos que directamente os torna inaplicáveis ao caso em apreço;
II – Factualidade que se objectiva no seguinte:
a) Na data do registo da penhora (30-05-2012) do imóvel em execução nos presentes autos, este constituía património comum do casal do executado e da sua ex-mulher D…, divorciados desde 16 de Outubro de 2008;
b) Nessa data, o casal ainda não havia realizado a partilha do seu património comum (no qual se incluía o dito imóvel), partilha essa, extrajudicial, que veio a ser formalizada apenas em 05-07-2012, portanto, em data posterior à do registo da mencionada penhora;
c) Por força e na sequência dessa partilha extrajudicial, a fracção autónoma foi adjudicada (assim já penhorada nestes autos de execução) à sua identificada ex-mulher;
d) Posteriormente, em 12 de Março de 2015 o executado apresentou-se à insolvência, a qual foi decretada em 23-03-2015;
e) Na data em que veio a ser declarado insolvente, o executado já não era, por conseguinte, titular da dita fracção, razão pela qual a mesma não veio a integrar a respectiva massa insolvente;
f) Por essa razão e apesar de inicialmente apreendida para os autos de insolvência, a apreensão foi levantada, conforme expressamente consta do douto despacho de encerramento do processo de insolvência que atenta essa circunstância determinou “… o levantamento da apreensão que incide sobre o imóvel descrito na CRP da Póvoa de Varzim sob o nº 4961-V”;
IV - Esta factualidade encontra-se, de resto, relatada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/11/2013-proferido no âmbito destes autos (antes da redistribuição, então com o nº 254/11.7TBPVZB-2º Juízo Cível do Tribunal da Póvoa de Varzim), em sede de Oposição à Penhora;
V - Aqueles autos de insolvência, que correram termos sob o nº 913/15.5T8STS–J1, no Juízo de Comércio de Santo Tirso, foram encerrados por insuficiência da massa insolvente, (artigo 232º do CIRE), conforme despacho inserto nos presentes autos de execução;
VI - Não se tendo aí procedido à liquidação do património do insolvente (por inexistirem quaisquer bens liquidáveis), nem proferida sentença de verificação e graduação de créditos;
VII - Quando o insolvente C… requereu, em 12-03-2015, a sua insolvência, o imóvel já não se encontrava na titularidade, razão pela qual a fracção autónoma não integrou a respectiva massa insolvente, porquanto esta abrange apenas o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 46.º do CIRE;
VIII - Esta concreta circunstância determina a inaplicabilidade do artigo 88º do CIRE, na medida em que a declaração de insolvência do executado apenas determina a suspensão e a extinção das execuções pendentes que afectem os bens da massa insolvente.
IX - Desde logo, porque a apreensão de bens do insolvente no processo executivo é o factor de conexão que legitima a apensação das acções executivas ao processo de insolvência;
X - No caso presente, o tribunal a quo determinou a extinção da presente execução face à insolvência do executado e ao encerramento dos respectivos autos de insolvência, no pressuposto de que todos os credores do insolvente tiveram no respectivo processo de insolvência a oportunidade e o meio de obterem a satisfação do seu crédito;
XI - Partindo, assim, da premissa (errada) que foi a de considerar o bem penhorado na execução como fazendo parte da massa insolvente, o que não aconteceu, tendo em conta, como já dissemos, o momento em que esse bem foi obtido e penhorado e a noção de massa insolvente que nos é dada pelo artº 46 nº 1 do CIRE;
XII - Como resulta dos presentes autos da execução e dos de insolvência, a fracção autónoma penhorada naquele processo não integrou (nem poderia integrar pelos anunciados fundamentos) o património do executado à data da declaração de insolvência;
XIII - Somos portanto a concluir que, se é conforme aos normativos citados no despacho de extinção recorrido que a declaração de insolvência determina a suspensão ou extinção de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente, tal medida já não faz sentido nos casos, como o destes autos, em que o bem penhorado na execução não integre a massa insolvente, desde logo por não ser da titularidade do insolvente/executado aquando da declaração da insolvência;
XIV - Por conseguinte e atenta a supra citada factualidade, não se poderão produzir já sobre a acção executiva os efeitos da declaração de insolvência, concretamente, o efeito vertido no artigo 88º do CIRE, que refere obstar a declaração de insolvência ao prosseguimento dessas acções de execução;
XV - Assim, ao invés do determinado no douto despacho recorrido, não se impunha a extinção da presente execução pela declaração de insolvência do executado;
XVI - E visto que nenhuma outra razão se revela em face do estatuído no artigo 849º do CPC, é mister que estes autos de execução prossigam sobre o bem penhorado;
XVII - A não ser assim, o que respeitosamente não concedemos, o executado/insolvente ficaria absurda e inexplicavelmente eximido das suas obrigações e responsabilidades perante os credores, quer no âmbito do processo de insolvência (onde se apurou inexistir património), quer no da presente execução (cuja extinção vem declarada por virtude do encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa);
XVIII - O que afectaria, irremediável e incompreensivelmente, como é bom de ver, o legítimo direito de crédito do exequente e demais credores do insolvente.
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Devidamente notificado contra-alegou a co-titular D… concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se declarada a insolvência com caracter, pleno e, tendo sido o processo de insolvência encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, a execução deve ser considerada extinta quanto ao executado insolvente, nos termos do artigo 88.º, nº 3, do CIRE.[1]
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria a ter em conta para a apreciação do presente recurso é a que conta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma questão colocado no recurso e que consiste em:

a)- saber se declarada a insolvência com caracter, pleno e, tendo sido o processo de insolvência encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, a execução deve ser considerada extinta quanto ao executado insolvente, nos termos do artigo 88.º, nº 3, do CIRE.

Como sabemos a declaração de insolvência tem, além do mais, efeitos processuais, que são todos aqueles que atingem processos que, sendo exteriores ao processo de insolvência e podendo, inclusivamente, envolver pessoas distintas do devedor, são relevantes para a massa insolvente.
Tais efeitos têm subjacente o princípio da par conditio creditorum e dirigem-se, basicamente, a impedir que algum credor possa impedir, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores.
Esses efeitos processuais consistem na apensação (artigos 85.º, nºs 1 e 2, 86.º, nºs 1 e 2 e 89.º, nº 2, na impossibilidade de instauração (artigos 88.º, nº 1 e 89.º, nº 1) e na suspensão (artigos 87.º, nº 1 e 88.º, nº 1) de certas acções.
São chamadas para o processo de insolvência determinadas acções e créditos em que se debatam interesses patrimoniais do insolvente, por forma a satisfazer com um único processo a totalidade dos créditos de todos os credores, em obediência ao princípio acima enunciado.
É, portanto, no referido quadro normativo que o nº 1 do art.º 88º estabelece que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; (…)”.
Assim, no que às execuções diz respeito, da conjugação entre o artigo 85.º, nº 2 e o art.º 88.º, nº 1, resulta o seguinte regime geral:
- Todas as execuções contra o insolvente se suspendem;
- Se nessas execuções não existir qualquer bem integrante da massa insolvente penhorado, o processo não é remetido para apensação ao processo de insolvência;
- Se nessa execução existirem bens integrantes da massa insolvente penhorados, o processo é remetido para apensação ao processo de insolvência (o que é feito oficiosamente);
O nº 3 da mesma disposição legal estabelece que “as acções executivas suspensas nos termos do nº 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 230º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto”.
Esta norma, tal como a norma do subsequente nº 4, foi aditada na sexta alteração ao CIRE, dada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Na base da decisão recorrida, a determinar a extinção da execução, esteve o encerramento do processo de insolvência nos termos do artigo 230.º, nº 1, al. d) do CIRE, isto é, por se verificar a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Ora, encerrado o processo de insolvência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, podendo os credores exercer os seus direitos contra o devedor sem restrições, excepto as constantes do plano de insolvência aprovado e plano de pagamentos e do artigo 242.º, nº 1-artigo 233.º, nº 1, al.s a), e c), e os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos [cf. al. d) do nº 1 do art.º 233º].
Após a liquidação da massa insolvente podem ainda sobrevir rendimentos e, desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante ou venha entretanto a ser revogada tal concessão, podem os credores que não obtiveram no processo de insolvência o ressarcimento integral do seu crédito, prosseguir a execução relativamente a esse novo e autónomo património. A lide executiva poderá continuar a ser possível, sendo que o princípio da economia processual aconselha a que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obstar a que haja necessidade de se iniciar um processo novo.
Também não constitui causa de extinção das acções executivas declaradas suspensas nos termos do nº 1 do artigo 88.º o encerramento do processo de insolvência que decorra do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 230º. Deste encerramento não decorre a absoluta inutilidade ou impossibilidade da execução suspensa, podendo vir a ocorrer o prosseguimento da acção executiva.
Na maior parte das situações, as execuções poderão retomar o seu rumo, podendo ser instauradas novas execuções contra o insolvente, assim como novas acções declarativas. Com o encerramento do processo o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo 234.º quanto a sociedades comerciais- cf. artigo 233.º, nº 1, al. a).
Portanto, a lide executiva pode continuar a ser possível, e o princípio da economia processual exige até que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obviar que tenha, por vezes, que se iniciar um processo novo, sendo que, pode bem acontecer, com efeito, que após o encerramento da liquidação da massa e o rateio final haja rendimentos e desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante, podem, nessa circunstância, os credores que não obtiveram ressarcimento integral no processo de insolvência prosseguir com a execução relativamente a esse novo e autónomo património.
Por outro lado, prosseguindo o processo após declaração de insolvência, pode ocorrer o encerramento do processo a pedido do devedor quando deixe de encontrar-se em situação de insolvência e todos os credores nisso consintam [n.º 1, al. c), do art.º 230.º], nada obstando, então, ao prosseguimento das execuções [nº 1, als. c) e d) do art.º 233.º do CIRE].
Por assim ser, a maioria da jurisprudência é do entendimento que a declaração da insolvência determina a suspensão da execução e não a sua extinção por inutilidade superveniente da lide.
Ora, o que resulta daqueles assinalados normativos-artigos 88.º e 230.º-conjugados com os demais mecanismos legais no âmbito da insolvência (plano de insolvência, liquidação, exoneração do passivo restante), é que a extinção da execução pressupõe a declaração de encerramento do processo de insolvência, de modo a acautelar uma multiplicidade de situações que não afectem também o legítimo direito de crédito do exequente.
No caso sub judice, como supra se referiu, já foi declarado, com trânsito em julgado, o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, assim, ao abrigo do artigo 230.º, nº 1, al. d).
Esta é, pois, uma situação em que dificilmente se vislumbraria utilidade superveniente da lide executiva.
Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal (art.º 1º, nº 1) ao qual todos os bens do devedor são remetidos para a realização coactiva e equitativa do interesse de todos os seus credores, mal se compreende que os bens da massa insolvente, sendo insuficientes para satisfazer as custas do processo e as dívidas da própria massa, permitam o pagamento de um qualquer outro crédito, dentro ou fora do contexto daquela execução universal.
Se há insuficiência da massa insolvente é porque não há bens penhorados nas execuções que estão suspensas, pois que, se os houvesse, as execuções estariam apensadas ao processo de insolvência e os bens teriam sido apreendidos para a massa insolvente.
Não admira que, nos termos do artigo 88.º, nº 3, tanto a realização do rateio final, como a referida insuficiência da massa insolvente justifiquem a extinção das acções executivas pendentes contra o devedor (normalmente suspensas nos termos do nº 1 do mesmo artigo).
Esta solução está, aliás, em harmonia com o que dispõe o artigo 85.º (efeitos da declaração de insolvência sobre as acções pendentes), onde se impõe a apensação ao processo de insolvência de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer ato de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente, o que terá de ocorrer, desde logo, quanto às acções executivas em que já se tenham penhorado bens do devedor, sendo certo que os lapsos no cumprimento deste dispositivo legal sempre poderão ser corrigidos com a faculdade de qualquer credor obter a suspensão da execução a fim de impedir os pagamentos, invocando o disposto no artigo 793.º do Código de Processo Civil.
Como a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (n.º 1 do art.º 46.º), não se justifica manter pendente uma execução na esperança da descoberta de bens que não tenham sido apreendidos.
Em qualquer dos casos, as execuções perdem a sua razão de ser, ocorrendo uma situação de inutilidade superveniente da lide, causadora da extinção da instância (art.º 277º, al. e), do Código de Processo Civil).
Acontece que o caso sob apreciação tem alguma peculiaridade.
Analisando.
Quando o devedor/executado foi declarado insolvente já a presente execução havia sido instaurada e efectuada a penhora do imóvel que, à data, ainda era um bem comum do casal, não obstante a circunstância do casamento já se encontrar dissolvido.
Em 05 de Julho de 2012, a propriedade da fracção foi registada exclusivamente em nome da ex-mulher do executado-Jaqueline Gomes-na sequência da partilha do património comum do casal.
Como se sabe o conjunto patrimonial denominado “bens comuns do casal” ou “património comum” não assume a natureza de compropriedade, nem é um património autónomo, mas sim um património colectivo, no sentido de que cada um dos cônjuges é titular de um e mesmo direito indivisível sobre o todo patrimonial e não de um direito correspondente a uma fracção (no caso ½) desse conjunto patrimonial, susceptível de ser alienada, como ocorre na compropriedade.
Ora, esta natureza de património colectivo não se altera pelo facto dos cônjuges se terem divorciado.
Muito embora seja certo, que o disposto no artigo 1404.º do Código Civil, onde se determina que “As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”, possa ser aplicável ao património comum do casal após a dissolução do casamento, todavia, não é o caso dos autos.
Com efeito, o legislador distinguiu nos artigos 740.º e 743.º do CPCivil, a massa patrimonial constituída pelos bens comuns dos cônjuges (artigo 740.º), de outras situações em que existem patrimónios autónomos ou ocorrem fenómenos jurídicos de indivisão de bens (artigo 743.º).
Isto significa que a ordem jurídica previu um regime específico a seguir em caso de penhora, quando a penhora atinge bens que integram o património comum dos cônjuges, caindo na excepção prevista na parte final do mencionado artigo 1404.º do Código Civil.
E, como se disse, não se afigura relevante que o casamento já se encontre dissolvido, pois o que releva é a natureza do património e esta não se altera enquanto não houver partilha.[2]
Ou seja, a lei permite que sejam penhorados bens individuais que integram o património comum dos cônjuges, contrariamente ao que ocorre nos casos previstos no artigo 743.º do CPCivil, onde apenas permite a penhora do direito a esses bens indivisos mas não a penhora de bens individualizados.
A própria natureza dos bens comuns dos cônjuges como património colectivo, onde existe um só direito sobre o todo, com dois titulares, como se viu, mas não um direito a uma fracção desse património ou bem indiviso, que possa ser alienada enquanto tal, implica a necessidade de uma partilha prévia desse património, antes de se avançar para a eventual venda do bem penhorado.
Significa, portanto, que o que releva é a natureza do património onde se insere o bem penhorado e não a circunstância do casamento já se encontrar dissolvido à data da penhora.
Ora, autorizando a lei a penhora de bens singulares compreendidos no património comum do casal, mesmo que o casamento já se encontre dissolvido, cumpre verificar qual a força jurídica da penhora efectuada nestas circunstâncias.
A esta questão responde o artigo 819.º do Código Civil, onde se dispõe que “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
Consagra-se aqui como referiram os autores Pires de Lima/Antunes Varela[3], “(…) o princípio da ineficácia em relação ao credor dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regras do registo”.
No que respeita à inoponibilidade dos factos sujeitos a registo o n.º 1 do artigo 5.º do Código do registo predial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho), determina que “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”.
A partilha de bens constitui um acto oneroso[4] e é, sem dúvida, como tal, um acto de “disposição de bens”, pois implica a emissão de uma declaração de vontade por parte dos intervenientes nesse acto que a lei tutela e que determina a alteração do estatuto jurídico dos bens no que respeita à sua natureza patrimonial e titularidade.
No caso, o acto de disposição é claro, pois o bem passou da titularidade de ambos os ex-cônjuges para a titularidade de um só, a ora recorrida D….
Por conseguinte, como a penhora foi registada em 30 de Maio de 2012 e o registo da aquisição do bem por parte da recorrente só ocorreu em 5 de Julho de 2012, a prioridade do registo da penhora torna a mencionada aquisição inoponível ao exequente.[5]
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Daqui resulta que o bem imóvel em causa correspondente à fracção “V”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 4961/V, se encontra de forma válida ainda penhorado nos presentes autos de execução.
Por outro lado, a suspensão e extinção da instância executiva prevista no artigo 88.º bem como a apensação a que refere o artigo 85.º só é aplicável relativamente a diligências executivas que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
Acresce que, como supra se referiu no relatório, no âmbito do processo de insolvência a mencionada fracção autónoma, apesar de inicialmente apreendida para os autos de insolvência, foi a mesma levantada, ou seja, o referido bem não integrou a massa insolvente.
Diga-se, aliás, que pese embora a referida fracção tivesse sido adjudicada à recorrida D... na sequência das partilhas subsequente ao divórcio, isso não tinha impedido, se fundamento houvesse, para o Sr. administrador da insolvência encetar os procedimentos tendentes a obter a resolução da referida partilha com o que eventualmente a fracção regressaria também à esfera do executado com a consequente apreensão para a massa insolvente, sendo que, nos termos do artigo 266.º “Os bens comuns e os bens próprios de cada um dos cônjuges são inventariados, mantidos e liquidados em separado”.
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Destarte, verifica-se que a presente execução mantém a sua utilidade não se podendo afirmar a inutilidade que está ínsita ou pressuposta no nº 3 do artigo 88.º e, como tal, não pode ser extinta, antes deve prosseguir a sua normal tramitação, com todas as consequências que daí possam advir.
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Procedem, desta forma as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente, e, em consequência, dando provimento à apelação, revoga-se a sentença recorrida determina-se o prosseguimento da execução.
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Custas da apelação pela recorrida (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 14 de Dezembro de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] No sentido da inaplicabilidade do disposto no artigo 826.º (actual 743.º) do Código de Processo Civil aos bens integrante do património comum dos cônjuges, ver o acórdão da Relação do Porto de 21 de Maio de 2009, no processo n.º 8654/05.5TBVFR-A, bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 2010, no processo n.º 9320/05.7YYLSB-B: “I–No art.º 825º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil estão contemplados, para além dos casos de sociedade conjugal em vigor, também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já o não seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal, por ausência de partilha”.
[3] Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição. Coimbra Editora, 1986, pág. 93.
[4] A partilha é um acto a título oneroso, porque cada um dos condividentes cede o direito indiviso que tem sobre os bens em geral em troca do direito exclusivo sobre aqueles que lhe são assinados, ou, se há apenas uma coisa, cede o direito indiviso que tem sobre essa coisa, em troca do direito exclusivo sobre a parte que lhe for assinada» - Vaz Serra, B.M.J. n.º 75, pág. 248.
[5] Neste sentido, embora referindo-se à penhora da meação, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de Julho de 1960, onde se decidiu que a penhora sobre bens comuns do casal, já dissolvido por divórcio, produz efeitos em execução contra um dos ex-cônjuges, quando a penhora seja anterior ao registo da partilha - Jurisprudência das Relações, ano VI (1960), pág. 773.
No mesmo sentido, Batista Lopes quando referiu que «…produz efeitos a penhora, em execução contra um dos ex-cônjuges, sobre bens do casal, já dissolvido pelo divórcio, quando essa penhora seja anterior ao registo da partilha dos bens em virtude de dissolução de casamento - A Penhora. Livraria Almedina, 1967, pág. 106.