Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
666/17.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DESPEDIMENTO
TRABALHADOR BANCÁRIO
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE OBEDIÊNCIA
NACIONAL
INTERNACIONAL
ORDEM DE SERVIÇO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP20181108666/17.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO(SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º284, FLS.322-351)
Área Temática: .
Sumário: I - O dever de lealdade, em geral, reconduz-se à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações (art.762.º do CC). Desta exigência promana, no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja «no contrato», isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.
II - A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança.
III - A Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho [Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo], tem por objecto, conforme definido no seu art.º 1.º, “(..) estabelece(r) medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo e transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo».
IV - O Aviso n.º 5/2013, publicado no DR, 2.ª série, de 18-12-2013, veio regulamentar as condições, mecanismos e procedimentos necessários ao efetivo cumprimento dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, previstos no Capítulo II da Lei n.º 25/2008, de 5-6, no âmbito da prestação de serviços financeiros sujeitos à supervisão do Banco de Portugal.
V - É neste quadro legal delimitado pela Lei n.º 25/2008, de 18-12-2008 e pelo Aviso n.º 5/2013 do Banco de Portugal, que surge a Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA, instrumento de regulamentação interna elaborado pelo aqui Réu em cumprimento do determinado no artigo 41.º daquele aviso, a qual, como enunciado no seu texto, “ (..) descreve a política, o modelo e as responsabilidades para a Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo (PBC&FT) em vigor no Grupo C… (C…)» tendo como destinatários(..) todos os Colaboradores do Grupo C…, independentemente do seu local de trabalho, incluindo os que trabalham, eventualmente, em regime de subcontratação”, para aplicação “a todas as pessoas (“Clientes”) com dados carregados na Base de Dados e a todas as contas relacionadas com as mesmas, assim como a qualquer tipo de operação executada nos sistemas informáticos do Grupo C… com reflexo em qualquer tipo de conta do Grupo C…”.
VI - Qualquer conduta desconforme ao estabelecido na Ordem de Serviço de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA, não se reconduz a uma simples desobediência a regras, resultantes de instruções e ordens que visem definir práticas a serem observadas para um melhor funcionamento dos serviços em termos de organização interna na prossecução da actividade bancária. O que está em causa são procedimentos que visam assegurar interesses de ordem pública, nacional e internacional, definidos na Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, a serem concretizados pela estrita observância de um conjunto de deveres concretizados pelo Aviso n.º Aviso n.º 5/2013 do Banco de Portugal, que regulamenta aquela lei, bem como pela Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA – na qual o Banco os acolhe e densifica.
VII - O autor não se limitou a “cometer (..) irregularidades formais e de procedimento”, antes tendo praticado várias condutas bastante graves, fazendo tábua rasa de um conjunto de deveres especiais que, nas circunstâncias do caso, lhe eram exigíveis que observasse. Permitiu que fossem realizadas operações bancárias sem ter exigido a Declaração de Origem/Destino de Fundos, desconsiderando que através do fracionamento dos valores depositados e transferidos nas 4 operações o resultado final foi a entrada de €18.200, na conta de um único beneficiário, pese embora as contas utilizadas serem tituladas ou representadas por cidadãos de país que integra a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento de terrorismo, não dando cumprimento ao estabelecido no art.º 22.º do Aviso 5/2013, do Banco de Portugal.
VIII - Pelas mesmas razões, cumpria-lhe um especial dever de proceder à identificação dos envolvidos nas operações bancárias, sendo manifesto que não o cumpriu, já que permitiu que uma terceira pessoa, sem ser a representante da conta, actuasse como se o fosse e perante si forjasse a assinatura do real titular.
IX - Em suma, desrespeitou os deveres especiais de identificação, diligência, recusa e exame, indicados no Aviso 5/2013 do Banco de Portugal e reafirmados na Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA.
X - A conduta do autor, vista globalmente é muito grave e assenta num comportamento negligente em alto grau. E, vista também na sua globalidade, é inevitável concluir que afronta o dever de lealdade, enquanto dever geral que exige ao trabalhador “uma certa adequação funcional (..) da sua conduta à realização do interesse do empregador”, na medida em que, diremos mesmo de forma manifesta, não se mostra adequada ao cumprimento dos seus deveres funcionais na prestação da actividade contratada em conformidade com o princípio geral da boa fé (art.º 126.º1, do CT/09).
XI - Exige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional)”.
XII - As condutas do autor autorizam o Réu a ter uma dúvida séria, justificada e razoável, sobre a seriedade da sua conduta a da sua idoneidade para o exercício das funções. Não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Não é de todo exigível ao Réu., como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento do A. para desempenhar as funções contratadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 666/17.2T8MAI.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia, B… deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação do requerimento em formulário próprio a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D do Código de Processo do Trabalho, demandando Banco C…, SA, com o propósito de impugnar o despedimento que por este lhe foi comunicado por escrito na sequência de procedimento disciplinar.
Pede que se condene o Réu a ver declarada a ilicitude ou a irregularidade de tal despedimento, com as legais consequências.
Juntou cópia da decisão de despedimento.
Foi designado dia para a audiência de partes a que alude o art.º 98º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a qual veio a ser realizada, mas sem que se tenha logrado alcançar a resolução do litígio por acordo.
O Réu, notificada para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o processo disciplinar.
Sustenta o empregador que os factos considerados provados integram infrações disciplinares culposas, graves e conscientes, traduzindo violações dos deveres que impendem sobre o trabalhador de exercer de forma idónea, diligente, leal e conscienciosa as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais e usuais da deontologia da profissão, tal como estas se encontram previstas na alínea b) do nº 1 da cláusula 34ª do ACT para o setor bancário e nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, sendo suscetíveis de integrarem, atenta a sua gravidade e consequências, designadamente ao nível da quebra de confiança que o trabalho pressupõe, a previsão do disposto no nº 1 do artigo 351º do Código do Trabalho (justa causa de despedimento).
O trabalhador/autor apresentou contestação e reconvenção, mas foi convidado pelo tribunal a quo a proceder ao seu aperfeiçoamento. Acolhendo o convite, apresentou novo articulado.
Invoca o trabalhador, em primeira linha, a caducidade do direito de exercício do procedimento disciplinar pelo decurso dos prazos previstos nos artigos 352º, 357º e 329º, nº 2, do Código do Trabalho e 83º, nº 8, do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário, sustentando a ilicitude do despedimento nos termos do artigo 382º, nº 1, do Código do Trabalho.
Mais invocou a nulidade da prova consistente na captação e gravação de imagem da sua pessoa no local de trabalho e sua visualização.
Sustenta a ilicitude do despedimento por considerar inexistir justa causa para o despedimento, com as legais consequências daí decorrentes em termos de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, direito à reintegração e às retribuições intercalares (artigos 389º, 391º e 390º do Código do Trabalho).
Mais defende que o Banco ignorou o facto de ser primário, com cerca de 22 anos ao serviço, ser um trabalhador zeloso e dedicado, que eram factos suficientemente relevantes para o demover da aplicação da mais pesada, dura e mais gravosa das sanções disciplinares. Sustenta o Banco foi discriminatório e parcial em relação ao trabalhador, tendo-o penalizado brutalmente, tornando, assim, desadequada e desproporcional a sanção de despedimento que lhe aplicou.
Sustenta ainda que se verificou uma irregularidade procedimental cometida ao abrigo do disposto no artigo 356º, nº 1, do Código do Trabalho. Refere que o Banco, quando confrontado com o pedido de meio probatório requerido pelo Trabalhador ainda em sede de instrução do processo disciplinar, destinado a comprovar aquele dado em relação a condutas de outros funcionários que os capitulariam do mesmo modo, refugiou-se no segredo bancário para desta feita impedir a prova do autor de tal facto. Alega que a negação do meio de prova requerido, a todos os títulos injustificável, tem como consequência a irregularidade do processo disciplinar, nos termos previstos no artigo 356º, nº 1, do Código do Trabalho, passível de autónoma e subsidiária indemnização ao trabalhador, conforme resulta do artigo 389º, nº 2, do mesmo diploma.
Invoca ainda, sem prescindir, a exceção de abuso de direito, sustentando que ainda que por hipótese académica se admitisse que pudesse estar-se diante uma situação de justa causa de despedimento, sempre se estaria diante uma situação que apela ao instituto do abuso de direito, dado que após ter prestado declarações -em Janeiro de 2016 – e a notificação da nota de culpa com suspensão preventiva de funções, passaram-se mais de deis meses sem que tenha tido notícias quanto à existência de qualquer processo disciplinar que o visasse, o que o fez crer que o seu comportamento em nada beliscava a manutenção da sua relação de emprego, aceitando o Réu, ainda que implicitamente, que a relação de confiança se mantinha. Ao notificá-lo da nota de culpa passado esse tempo, o Banco atuou com manifesto abuso de direito, na modalidade de um “venire contra factum proprium”, o que sempre conduz à ilicitude do despedimento.
Termina pugnando pela declaração de ilicitude e irregularidade do despedimento e, subsidiariamente, ser declarado e reconhecido que o empregador agiu com abuso de direito, devendo considerar-se que em tal situação agiu ilegitimamente devendo considerar-se que o despedimento foi ilícito, com as mesmas consequências legais previstas no Código do Trabalho quanto à ilicitude do despedimento.
Em qualquer das situações, peticiona a condenação do empregador a reintegrar o trabalhador, com todos os direitos e regalias, sem prejuízo do direito à indemnização por antiguidade, pelo qual possa vir a optar até ao final da discussão da audiência de julgamento.
Mais peticiona a condenação do empregador no pagamento ao trabalhador da indemnização prevista no artigo 389º, nº 2, do Código de Trabalho, caso apenas venha a ser julgada procedente a irregularidade do procedimento ou por omissão de diligências probatórias requeridas pelo trabalhador e negadas pelo empregador durante a fase daquele. Peticiona ainda a condenação do empregador a pagar-lhe o seguinte:
- Até ao trânsito em julgado da decisão final, todas as retribuições (salários de tramitação ou retribuições intercalares) que aquele deixou de transferir, desde o despedimento, acrescido de juros de mora sobre as retribuições vencidas.
- Todos os custos e acréscimos que venha a suportar em consequência do despedimento, relacionados com o contrato de crédito pessoal que celebrou com o empregador e que se mantém em vigor, acrescidos dos juros de mora a incidirem sobre os valores de tais acréscimos e a contabilizar até efetiva restituição ou pagamento de tais montantes;
- A quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora a contar da notificação desse pedido e até efetivo pagamento;
- Os juros de mora desde a citação e a recair sobre as quantias vencidas e acima reclamadas e desde o vencimento relativamente às prestações vincendas;
- A sanção pecuniária compulsória diária não inferior a €250,00 em caso de incumprimento quanto à reintegração do trabalhador nas condições reclamadas
O empregador apresentou resposta, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas pelo trabalhador e pela improcedência das suas pretensões, com a respetiva absolvição de todos os pedidos.
Elaborou-se então despacho saneador, julgando-se verificados os necessários pressupostos processuais e a instância válida e regular; dispensou-se a da identificação do objeto do processo e dos temas de prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, na presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo trabalhador B… contra o empregador Banco C…, SA, decide-se:
A) Declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador levado a cabo pelo empregador.
B) Condenar o empregador na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
C) Condenar o empregador no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), por cada dia de incumprimento do determinado em B), desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até à reintegração efetiva do trabalhador.
D) Condenar o empregador a pagar ao trabalhador as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o 26-01-2017 até ao trânsito em julgado da decisão, compensação essa à qual terão que ser deduzidas as quantias que o trabalhador haja recebido a título de subsídio de desemprego no referido período temporal, as quais deverão ser entregues pelo empregador à segurança social, tudo a liquidar oportunamente no respetivo incidente nos termos do artigo 609º, nº 2, e 358º do Código de Processo Civil, com juros de mora à taxa legal desde a data da liquidação;
E) Julgar parcialmente procedente a reconvenção formulada pelo trabalhador e, em consequência:
e.1. - Condenar o empregador a pagar ao trabalhador a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
e.2. - Condenar o Banco C…, SA a repor ao trabalhador as condições do contrato de empréstimo/crédito aplicáveis aos funcionários bancários, bem como a pagar ao trabalhador a quantia a liquidar posteriormente no respetivo incidente nos termos do artigo 609º, nº 2, e 358º do Código de Processo Civil, a título de indemnização dos prejuízos decorrentes da alteração dessas condições no período em que a mesma durar, com juros de mora à taxa legal desde a data da liquidação.
e.3. Absolver o empregador do demais peticionado pelo trabalhador a título de danos não patrimoniais e que exceda o determinado em e.1.
*
Valor da ação: € 57.964,18 (Acórdão da Relação do Porto de 21-11-2016, disponível na base de dados in www.gde.mj.pt).
Custas por empregador e trabalhador na proporção do respetivo decaimento, sendo de, respetivamente, 12% para o trabalhador e 88% para o empregador (artigo 527º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Face ao decidido na alínea D) da parte decisória, comunique a presente decisão aos serviços de segurança social, para os fins tidos por convenientes – artigo 75º, nº 2, do CPT -, dando conta oportunamente do respetivo trânsito em julgado.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença, o Réu empregador apresentou recurso de apelação,
…………………………………………………………………………………………….
…………………………………………………………………………………………….
…………………………………………………………………………………………….
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação respeitam ao seguinte:
…………………………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………
ii) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos ao ter-se concluído pela ilicitude do despedimento (conclusões 10 e sgts).
………………………………………………………………..................
………………………………………………………………..................
………………………………………………………………..................
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O recorrente Banco C…, SA discorda da sentença, mesmo que não se acolha a impugnação da matéria de facto, defendendo que a matéria de facto provada, “designadamente a que ficou a constar dos pontos 18, 19, 20, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 dos factos provados, reveste-se de profunda gravidade e constitui, por si só, justa causa para o despedimento do Autor”, por delas resultar que “foram diversas as graves condutas do Autor (..) mas delas umas sobressaem pela sua gravidade”.
No entender do recorrente, desses factos resulta a prática de infracções disciplinares que, pela sua gravidade, geram uma irremediável quebra da confiança no trabalhador - não podendo esquecer-se “o sector em que é exercida a actividade, pois, como vem repetidamente reconhecendo a Jurisprudência, os trabalhadores bancários devem ter uma conduta de honestidade irrepreensível”- não lhe sendo exigível que o mantenha ao seu serviço. Defende que “[A] conduta do Recorrido é de tal modo grave que implica, irreversivelmente, a perda da confiança, constituindo evidente justa causa para despedimento”.
………………………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….
II.3.1 A fundamentação do Tribunal a quo no que se refere ao enquadramento legal a considerar e sobre a noção de justa causa, merece o nosso acolhimento e não foi posta em causa pela recorrente. Como se retira das conclusões, a sua discordância é dirigida à aplicação aos factos dos princípios enunciados pelo tribunal a quo, mais precisamente, no que concerne à qualificação da conduta do recorrido como negligente e à sua valoração, pois, embora tendo-se reconhecido que o autor praticou ilícitos disciplinares, concluiu-se inexistir fundamento para a justa causa de despedimento.
Procurando não incorrer numa repetição inútil da fundamentação do tribunal a quo, mostra-se necessário, em jeito de enquadramento, deixar as considerações essenciais sobre a noção de justa causa de despedimento e, ainda, sobre os deveres dos trabalhadores cuja violação são imputados pelo R. ao autor, mormente, o dever de lealdade.
A CRP, no seu art.º 53.º, estabelece o princípio da segurança no emprego, que se traduz, antes de mais, na proibição do despedimento sem justa causa, isto é, “(..) os despedimentos arbitrários, sem razão suficiente e socialmente adequada” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 281].
O trabalhador perderá essa protecção se tiver dado origem, por falta disciplinar grave, ao despedimento, nesse caso podendo o empregador, no exercício do poder disciplinar, aplicar-lhe a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação [art.º 328.º n.º1, al. d), do CT 09].
Como explica Monteiro Fernandes, “Daí a deslocação do problema da determinação da justa causa para o terreno da valoração disciplinar e da correlativa graduação das sanções. Certa infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa-fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo” [Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, p. 610].
Atentemos, então, nos aspectos essenciais da figura da justa causa por facto imputável ao trabalhador (subjectiva).
Dispõe o n.º 1 do art.º 351.º do CT 09: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Daí que, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art.º 9º n.º1 e, no Código do Trabalho de 2003, o art.º 396.º n.º1, continua a entender-se quer na doutrina quer na jurisprudência, que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa);
ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa);
iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.
Igualmente à semelhança das anteriores normas, o legislador complementa o conceito de justa causa com uma enumeração meramente exemplificativa de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento [n.º2, do art.º 351]. O que vale por dizer que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquele elenco, antes abrangendo qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências.
Contudo, não basta a verificação de um ou mais comportamentos assim qualificáveis para se concluir que há justa causa, sendo necessário apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo ao «(..) quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes»[n.º 3, do art.º 351.º].
A jurisprudência dos tribunais superiores é unânime no entendimento de que a ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências deve considerar o entendimento de um “bonus pater famílias” e de um “empregador razoável” segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstância de cada caso concreto.
Outro aspecto relevante a considerar na apreciação da justa causa consiste na formulação de um juízo de prognose sobre a viabilidade futura da relação de trabalho.
Nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Este é sem dúvida um aspecto de extrema relevância para compreender a essência da justa causa de despedimento: o juízo sobre a impossibilidade das relações contratuais refere-se ao futuro («a subsistência da relação de trabalho», no dizer da própria lei)” [Op. cit., p. 306].
Dito por outras palavras, como aponta Maria do Rosário Palma Ramalho, tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que qualquer situação de justa causa tem que se subsumir à cláusula geral de justa causa estabelecida no n.º1 do art.º 351.º, para efeitos dos respectivos elementos integrativos, ou seja, para que o comportamento do trabalhador consubstancie uma situação de justa causa de despedimento não é suficiente que seja ilícito, culposo e grave, sendo também condição de verificação necessária, que dele resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato de trabalho. Em suma, “(..) perante o comportamento do trabalhador, objectivamente considerado (..) é sempre necessário um juízo de valor para determinar, em concreto, a gravidade desse comportamento, o grau de culpa do trabalhador e em que medida é que ele compromete o vínculo laboral” [Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Ed., Almedina, 2010, p. 910].
Para Bernardo da Gama Lobo Xavier, a verificação da justa causa passa, assim, pelo recurso a um critério operacional, que se traduz no seguinte: “A ideia de impossibilidade imediata refere-se essencialmente à posição do empregador que faz valer a rescisão por justa causa, libertando-se de todos os obstáculos postos pela lei à desvinculação das relações de trabalho. A desvinculação torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador. A justa causa representa exactamente uma situação em que esses interesses deixam de valer, ou melhor, são afastados” [Op. cit., p. 308].
Num entendimento convergente, Monteiro Fernandes defende que «(..) não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (..). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)” [Op. Cit, p. 589].
E, mais adiante, após mais desenvolvido tratamento da figura, vem a concluir dizendo: “Em suma: a cessação do contrato imputada a falta disciplinar só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto (arts.351.º/3 e 357.º/4, através do balanço de interesses atrás referido” [Op. Cit., p. 613].
Nessa mesma linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081; de 17.06. 2009, Proc.º 08S3698; de 03.6.2009, Proc.º n.º 08S3085; de 15.09.2010, Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1; de 7.10.2010, Proc.º 439/07.0TTFAR.E1.S1; e, de 13.10.2010, Proc.º n.º 142/06.9//LRS.L1.S1, [todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj].
Com a celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, o de «(..) estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem» [art.º 97.º do CT 09].
Mas para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outra obrigações «(..) conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador” [António Monteiro Fernandes, Op. cit. p. 23].
Esses deveres acessórios estão previstos nas diversas alíneas do art.º 128.º do CT 09, em enumeração exemplificativa, entre eles constando, no que aqui releva, os seguintes:
[al.c)] Realizar o trabalho com zelo e diligência;
[al. e)] Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
[al f)] Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
Subjacente a esses deveres está o princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, no Código do Trabalho constante do art.º 126.º n.º1, nos termos seguintes:
-“O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”.
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a par de parte da doutrina nacional - como assinala - distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”, nesta última categoria, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, incluindo o dever de lealdade, em geral (e, também, de respeito e urbanidade). Prossegue a mesma autora, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho” [Op. cit. p. 412].
Mais adiante, debruçando-se em concreto sobre o dever de lealdade, faz notar que «Embora seja referido na lei sem particular destaque [art.º 128.º n.º 1 al. f], o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador”. Prossegue a análise deste dever, escrevendo que “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT». Assinalando, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra «(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato», para concluir que «(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador» [Op. Cit. pp. 420/424].
Debruçando-se aprofundadamente sobre esta problemática, o Professor Monteiro Fernandes defende que o dever de lealdade vai bem para além da interdição de concorrência e da obrigação de sigilo ou reserva, apontadas pela al. f), do n.º1, do art.º 128.º do CT/09, assinalando, desde logo, que a “proposição jurídica referente à lealdade lhe confere um alcance normativo superador dos limites do sigilo e da não concorrência”, ao enunciar “guardar lealdade ao empregador, nomeadamente….” e apontando que a “jurisprudência tem persistido em enfatizar os ingredientes fiduciários da relação de trabalho, para os quais o dever geral de lealdade assume uma função estruturante. No seu entender, “(..) em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de «execução leal» tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de «perigo» para o interesse do empregador ou para a organização técnico laboral da empresa” [Op. cit., pp 240/241].
Prossegue, distinguindo duas facetas que caracterizam este dever: uma subjectiva, outra objectiva. A primeira “decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam), concretizando que “(..) é necessário (..) que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele”, elucidando que “(..) a diminuição de confiança não está dependente da verificação de prejuízos nem – salvo no tocante á medida ou grau – da existência de culpa grave do trabalhador”, para afirmar que “a simples materialidade desse comportamento, aliada a um grau moderado de culpa, pode, em certos contextos (funções requerendo a «máxima confiança», como as de caixa dum banco, assistente de administração, director geral ou director), decorrer, razoavelmente, um efeito redutor das aludidas expectativas”. A segunda faceta reconduz-se “à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações (art.762.º do CC), relembrando que tal resulta expressamente do artigo 126.º 1, do CT/09. Passa a concretizar que “[D]esta exigência promana, no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional – razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo – da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja «no contrato», isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» [Op. cit, pp. 242/243].
Resta assinalar que este é o entendimento desde há muito seguido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, como se retira do Acórdão do STJ de 29-04-2009 [Proc. nº 08S3081, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt/jstj], onde se afirma que “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança” [No mesmo sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 22-01-1992, nº Convencional JSTJ00013348, Conselheiro Castelo Paulo, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
Cremos estar assim evidenciada a especial importância que o dever de lealdade assume na relação de trabalho subordinado e, logo, que a sua violação é susceptível de só por si tornar imediatamente impossível a manutenção do contrato de trabalho.
Mas para além disso, com especial relevância para o caso concreto, cabe ter presente que no caso em apreço as condutas praticadas pelo autor inscrevem-se no âmbito da actividade de caixa numa instituição bancária, significando isso, como exemplificou o Professor Monteiro Fernandes, que se tratam de funções requerendo a “máxima confiança”.
Como invoca o recorrente, esse é também o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, como o ilustra o Acórdão de 08-01-2013, [Proc.º 447/10.4TTVNF.P1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário se lê o seguinte:
I - A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa, um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva, surgindo o despedimento sem indemnização ou compensação, no elenco gradativo das previstas sanções disciplinares, como a “ultima ratio”, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.
II - O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/“bonus paterfamilias” e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do art. 351.º do CT/2009.
III - No plano de valoração desta norma, não pode descurar-se o sector de actividade (bancária) em que se desenvolve a prestação contratada e a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a “confiança”, mais que mero “suporte psicológico” de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma “função de confiança”, essencial na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador.
IV- (..).
II.3.2 Como decorre das conclusões, os factos que o recorrente reputa fulcrais para sustentar a sua discordância quanto à decisão do Tribunal a quo no que concerne à valoração feita sobre a conduta do recorrido autor, são os seguintes:
18 - No exercício das suas funções de Caixa / Tesoureiro, então no Balcão … – …, em 23-11-15, o trabalhador processou os seguintes movimentos:
a) Às 12:19:54 e 12:20:22 processou dois depósitos de €4.600,00 cada na conta nº 4-………......, processando seguidamente, às 12:22:00 e às 12:23:13, duas transferências de €4.600,00 cada, a favor do IBAN PT.. …. …. …. …. …. ., titulado por D…, Unipessoal, Ldª, domiciliado no E…;
b) Às 13:44:22 e às 13:44:54 processou dois depósitos de €4.100,00 e €4.900,00 na conta nº .-………......, processando seguidamente, às 13:46:28 e às 13:47:09 duas transferências dos mesmos valores para crédito do mesmo IBAN anteriormente referido em a), tendo estas duas últimas operações sido efetuadas no período de encerramento do Balcão, na hora de almoço.
19 - Tendo, assim, na referida data, e no espaço de tempo assinalado, o trabalhador certificado operações de transferência a favor do mesmo beneficiário – D…, Unipessoal, Ldª – no valor de €18.200,00, em OIC, através do Banco C….
20 - As referidas contas são tituladas ou representadas pelos cidadãos de nacionalidade chinesa que seguidamente se identificam, sendo a República Popular da China um dos países que integram a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo:
- NUC …….., titulado por F…, domiciliado no Balcão …. – … – …;
- NUC …….., titulado por D…., Unipessoal, Ldª, representado por G…, domiciliado no Balcão … – H….
23 - O trabalhador relativamente às operações referidas em 18 não solicitou a Declaração de Origem/Destino de Fundos.
24 - O trabalhador relativamente às operações referidas em 18 desconsiderou o facto de os depósitos confluírem para um mesmo beneficiário.
28 - Nas duas transferências identificadas em 18 sobre o NUC ……. existem ligeiras dissemelhanças face ao espécime em poder do Banco, mas já quanto às transferências efetuadas sobre o NUC …….. igualmente referidas em 18 se verifica manifesta dissemelhança óbvia, uma vez que as duas componentes da assinatura se encontram apostas nos documentos de transferência pela ordem inversa.
29 – O normativo respeitante a Movimentação / Transferências Emitidas e Recebidas - Nacionais e Europeias / Contas C… e para Outras Instituições de Crédito (OIC) /Imediatas ou por Agenda, constante nos anexos 16 a 16.7 do PD, que aqui se dá como reproduzido, exige a conferência da assinatura e a verificação das condições de movimentação da conta.
30 - Quando o trabalhador atendeu no dia 23-11-15, em horário de fecho do Balcão, o suposto representante do NUC …….., sucede que quem se apresentou para depositar e transferir os fundos foi uma mulher, sendo que o representante da cliente D…, Unipessoal, Ldª é um homem.
31 – No decurso do atendimento pelo trabalhador da cliente mulher, conforme referido em 30, a dada altura, o trabalhador virou para tal cliente o monitor do seu posto de trabalho.
32 – Nesse mesmo dia 23-11-2015, após ter sido chamado a atenção pela gerência do Balcão do facto das assinaturas atinentes NUC ……. não estarem de acordo com os registos, o trabalhador fotografou com o seu telemóvel o monitor exibindo a máscara da transação de Consulta de Assinaturas, e depois levou para casa as certificações das transferências efetuadas sobre o NUC ……. referida em 18 com vista a tentar obter a ulterior assinatura do cliente em causa em conformidade com os registos, sendo que no dia seguinte e após determinação nesse sentido feita pelo gerente do Balcão trouxe tais certificações para o Banco.
Com base nesta matéria de facto argumenta, no essencial, o seguinte:
i) O autor aceitou realizar 4 depósitos, por montante total que ultrapassava os 10.000 e que se destinou ao mesmo beneficiário, sem solicitar a Declaração de Origem de Fundos, sabendo estar o aviso do Banco de Portugal e as instruções da sua entidade empregadora, pois bem sabia que a República Popular da China é um dos países que integram a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo;
ii) Ainda mais grave, o Recorrido permitiu a realização de transferências bancária de avultado montante (no total de 9.000,00€) para outra OIC (outra instituição de crédito) ordenadas por quem não era titular da conta;
iii) Acrescendo que as transferências que o Recorrido processou foram feitas com o recurso a falsificação de assinatura que certificou, apesar de não ser confundível sequer com a assinatura do titular da conta, e quem se apresentou para as fazer e quem assinou em nome do titular foi uma mulher quando o titular da conta era um homem.
iv) O Recorrido não podia ignorar que a assinatura que serviu para a transferência bancária de 9.000,00€ para OIC foi falsificada na sua presença e por ele certificada como “conforme” permitindo assim a realização das transferências.
v) A conduta do Recorrido foi dolosa – ao contrário do que entendeu a Meritíssima Juiz a quo que reputou a conduta do Recorrido de negligente
vi) Não está em causa qualquer arbitrariedade, nem se trata de qualquer “simples falha” do Recorrido, antes se estando perante uma conduta gravíssima violadora, entre outras, do artigo 22.º do Aviso 5/2013 do Banco de Portugal, da Ordem de Serviço/CTR/…./Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C… e do Normativo de Movimentação/Transferência Emitidas e Recebidas – Nacionais e Europeias/Contas C… e para Outras Instituições de Crédito (OIC) Imediatas ou por Agenda.
vii) A desonestidade do Recorrido não se circunscreve à relação laboral que manteve com o Recorrente, mas antes importa a quebra definitiva da confiança pois, sendo o Recorrente um Banco, não pode ter nos seus quadros, a prestar serviços aos seus clientes, trabalhadores capazes de fazer o que fez o Recorrido.
viii) Não podendo olvidar-se o sector em que é exercida a actividade, pois, como vem repetidamente reconhecendo a Jurisprudência, os trabalhadores bancários devem ter uma conduta de honestidade irrepreensível.
Nesta ordem de considerações, conclui defendendo que “O despedimento do Recorrido foi lícito e justo, não restando ao Recorrente qualquer outra alternativa que não fosse a de (o) despedir.”.
II.3.3 Vejamos se lhe assiste razão.
Na parte da fundamentação em que se debruça sobre as infracções imputadas pelo Réu ao autor que se consideraram provadas e à sua valoração por violação dos deveres laborais a que estava sujeito, começa o tribunal a quo por referir o seguinte:
- «No que respeita ao exercício das funções de caixa/tesoureiro, e concretamente à matéria de depósitos e transferências envolvendo cidadãos chineses, a única factualidade concreta e circunstanciada – como sempre o deve ser uma imputação disciplinar – imputada ao trabalhador prende-se com um único dia – 23-11-2015 – e relativamente ao exercício dessas funções no Balcão de ….
Neste particular, ficou demonstrado que o trabalhador processou os movimentos melhor discriminados no ponto 18 dos factos provados, tendo na referida data e no espaço de tempo assinalado naquele ponto, certificado operações de transferência a favor do mesmo beneficiário – D… Unipessoal, Lda. – no valor de €18.200,00, em OIC, através do Banco C…, SA. Mais ficou demonstrado que as referidas contas são tituladas ou representadas pelos cidadãos chineses identificados no ponto 20 dos factos provados, sendo a República Popular da China um dos países que integram a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo. É certo, também, que ficou demonstrado que relativamente às operações mencionadas em 18 dos factos provados o trabalhador após o número de identificação e data de validade de cada um dos clientes que se apresentaram perante si, não tendo solicitado relativamente a tais operações a Declaração de Origem/Destino de Fundos. O trabalhador relativamente às operações em referência desconsiderou o facto de os depósitos confluírem para um mesmo beneficiário.
Com a conduta em causa o trabalhador não deu integral cumprimento ao preceituado na Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…, SA, aludida em 25 dos factos provados, a qual por sua vez visava dar cumprimento ao que nesta matéria emana do Aviso 5/2013 do Banco de Portugal no respetivo artigo 22º (cfr. ponto 21 dos factos provados).
(..)».
Importa deixar aqui algumas notas para melhor se perceber como surge e qual o enquadramento da Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitaais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA.
A Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho [Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo], tem por objecto, conforme definido no seu art.º 1.º, “(..) estabelece(r) medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo e transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo».
Sem entrar em considerações aprofundadas, cabe contudo assinalar que nos termos do artigo 38.º da Lei 25/2008, a fiscalização do cumprimento dos deveres nela previstos compete, no caso das entidades financeiras, “Ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e ao Instituto de Seguros de Portugal, no âmbito das respectivas atribuições” [al. a), ponto i]. Em decorrência dessa competência, vem em seguida o art.º 39.º, estabelecer o seguinte:
1 - No âmbito das respectivas atribuições, cabe às autoridades de supervisão e de fiscalização referidas no artigo anterior:
a) Regulamentar as condições de exercício, os deveres de informação e esclarecimento, bem como os instrumentos, mecanismos e formalidades de aplicação, necessárias ao efectivo cumprimento dos deveres previstos no capítulo II, sempre com observância dos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade;
b) Fiscalizar o cumprimento das normas constantes da presente lei e dos correspondentes diplomas regulamentares de aplicação sectorial;
c) Instaurar e instruir os respectivos procedimentos contra-ordenacionais e, conforme o caso, aplicar ou propor a aplicação de sanções.
(..)».
Releva ainda referir que o regime contra-ordenacional específico consta previsto nos artigos 45.º a 57.º A, dai resultando que o incumprimento dos deveres impostos na Lei 25/2008 é susceptível de consubstanciar a prática dos ilícitos contra-ordenacionais tipificados nas alíneas a) a ag), do art.º53.º, p. ex., por [al.d] “(..) inobservância dos procedimentos e medidas de diligência previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 9.º”, sendo as pessoas colectivas responsáveis solidárias pelo pagamento das coimas e das custas em que sejam condenados os seus dirigentes, mandatários, representantes ou trabalhadores pela prática de infracções puníveis nos termos da lei (art.º 51.º).
O Aviso n.º 5/2013, publicado no DR, 2.ª série, de 18-12-2013, veio regulamentar as condições, mecanismos e procedimentos necessários ao efetivo cumprimento dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, previstos no Capítulo II da Lei n.º 25/2008, de 5-6, no âmbito da prestação de serviços financeiros sujeitos à supervisão do Banco de Portugal. Com maior detalhe, refere-se na exposição inicial do Aviso, para além do mais, o seguinte:
- «A Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro, e a Diretiva n.º 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
Na qualidade de autoridade de supervisão neste contexto específico, pode o Banco de Portugal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, definir as condições de exercício, os deveres de informação e de esclarecimento, bem como os instrumentos, mecanismos e formalidades de aplicação que, em cada momento, se mostrem adequados e necessários à realização dos controlos que permitam ou facilitem a monitorização do cumprimento do disposto no Capítulo II da referida lei pelas entidades sujeitas à sua supervisão ou que prestem serviços financeiros relacionados com matérias sujeitas à sua supervisão.
Não obstante, a competência regulamentar do Banco de Portugal, que lhe é conferida pela Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, assenta não apenas no seu artigo 39.º, mas também em outros preceitos do mesmo diploma legal, de onde também decorre, de forma expressa, a referida competência regulamentar. Tal é o caso do(s):
(..)
Nesta conformidade, pode o Banco de Portugal sujeitar as entidades financeiras suas supervisionadas à observância de medidas suplementares de vigilância da clientela, seja ao nível do exercício do dever de identificação, seja ao nível do cumprimento do dever de diligência ou de ambos. Tal não prejudica, naturalmente, o exercício das demais competências regulamentares conferidas pela Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, designadamente a de, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º, introduzir outras especificações na observância dos deveres preventivos enunciados no artigo 6.º da mesma lei.
(..)».
Em coerência com o estabelecido na Lei 25/2008, na consecução dessa função regulamentar o Aviso 5/2013, enuncia um conjunto de deveres a serem observados pelas entidades bancárias e pelos seus funcionários, entre eles, o “Dever de Identificação”, o “Dever de Diligência” e o “Dever de Controlo”, definindo um conjunto de procedimentos a serem observados relativamente a cada um deles e em que situação. Com relevo para o caso em apreço merecem referência ao normas seguintes:
- «Artigo 9.º Objeto do dever de identificação
1 - Ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da lei, as instituições financeiras estão obrigadas a dar cumprimento ao dever de identificação sempre que:
a) Estabeleçam qualquer relação de negócio;
b) Executem transações ocasionais de montante igual ou superior a 15.000 euros, independentemente de a transação ser realizada através de uma única operação ou de várias operações que aparentem estar relacionadas entre si, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º
(..)».
- Artigo 22.º Depósitos em numerário -
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, no caso de depósitos em numerário em contas tituladas por terceiros e sempre que os montantes a depositar sejam iguais ou superiores a 10.000 euros, as instituições de crédito devem proceder à conferência e ao registo dos seguintes elementos identificativos:
a) Nome do depositante;
b) Tipo, número, data de validade e entidade emitente de documento de identificação do depositante.
2 - Sempre que as instituições de crédito considerem, em função dos seus critérios internamente definidos, que um depósito em numerário em conta titulada por terceiro representa um risco elevado de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, devem adotar os procedimentos previstos no número anterior quando o montante a depositar seja igual ou superior a 5.000 euros.
3 - Sempre que as instituições de crédito tenham razões para suspeitar da ocorrência de fracionamento de depósitos em numerário em contas tituladas por terceiros, por forma a não serem atingidos os limites previstos nos números 1 e 2, devem aquelas proceder à extração de cópia do documento de identificação do depositante ou à recolha dos dados eletrónicos nele contidos.
- «Artigo 29.º Objeto do dever de diligência» -
1 - O dever de diligência previsto nos artigos 9.º e seguintes da lei constitui, em paralelo com o dever de identificação, um procedimento de vigilância da clientela, estando também as instituições financeiras obrigadas ao seu cumprimento sempre que se verifique alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 9.º do presente Aviso.
- «Dever de controlo
Artigo 41.º Sistema de controlo interno
1 - As instituições financeiras devem:
a) Definir e implementar um sistema de controlo interno que integre políticas, meios e procedimentos destinados a garantir o cumprimento das normas legais e regulamentares em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e a evitar o seu envolvimento em operações relacionadas com aqueles tipos de crimes;
b) Reduzir a escrito as políticas, meios e procedimentos que integram o seu sistema de controlo interno, incluindo a sua política de aceitação de clientes;
(..)».
É neste quadro legal delimitado pela Lei n.º 25/2008, de 18-12-2008 e pelo Aviso n.º 5/2013 do Banco de Portugal, que surge a Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA - parcialmente reproduzida no facto provado 25 -, instrumento de regulamentação interna elaborado pelo aqui Réu em cumprimento do determinado no artigo 41.º daquele Aviso acima acabado de transcrever (em parte), a qual, como enunciado no seu texto, “ (..) descreve a política, o modelo e as responsabilidades para a Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo (PBC&FT) em vigor no Grupo C… (C…)» tendo como destinatários(..) todos os Colaboradores do Grupo C…, independentemente do seu local de trabalho, incluindo os que trabalham, eventualmente, em regime de subcontratação”, para aplicação “a todas as pessoas (“Clientes”) com dados carregados na Base de Dados e a todas as contas relacionadas com as mesmas, assim como a qualquer tipo de operação executada nos sistemas informáticos do Grupo C… com reflexo em qualquer tipo de conta do Grupo C…”.
Enunciam-se “11 (onze) deveres que são refletidos no dispositivo para o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo do C… aos quais o C… e todos os seus colaboradores (permanentes, temporários, subcontratados) estão sujeitos “, que surgem definidos, como melhor se pode ver na transcrição do facto provado 25, entre eles constando os seguintes:
- «1. Identificação
Consiste na recolha de informação e documentação comprovativa da identidade e outros dados dos Clientes e respetiva verificação.
Deve ser garantida ainda a actualidade da informação e validade da documentação.
2. Diligência
Consiste, em complemento à Identificação, em compreender a finalidade e a natureza da relação de negócio, a origem do património depositado inicialmente, as caraterísticas das operações do Cliente, incluindo a origem e destino dos fundos envolvidos, e, no caso de empresas, a estrutura de propriedade e controlo.
Deve ser suficiente para avaliar o risco de BC&FT e definir o respetivo perfil de risco do Cliente.
Consiste também em acompanhar continuamente a relação de negócio, mantendo a informação recolhida antes sempre atualizada.
A diligência deve ser reforçada quando o perfil de risco do BC do Cliente é elevado, consistindo, ao longo da relação de negócio, num dever de compreensão dos montantes transaccionados e das caraterísticas das operações, comprovado com documentos como contratos, faturas, etc. A diligência reforçada aplica-se, além disso, nos contextos das operações realizadas à distância ou por pessoas politicamente expostas (PEP).
3. Recusa
Consiste em recusar o estabelecimento da relação de negócio ou a execução de uma operação ou de uma transação ocasional quando não foi facultada toda a informação e documentação comprovativa, necessária para proceder à Identificação e à Diligências adequadas ao perfil de risco de BC do Cliente.
A execução da recusa deve implicar a reavaliação do interesse na manutenção da relação do negócio.
(…)
5. Exame
Consiste em examinar qualquer conduta, atividade ou operação cujas caraterísticas são suscetíveis de poder estar relacionadas com a prática de BC ou FT.
São elementos caraterizadores:
- A natureza, a complexidade, a invulgaridade ou a atipicidade;
- A falta de um objetivo económico ou de um fim lícito, da conduta, atividade ou operação;
- O montante, a origem ou o destino dos fundos movimentados;
- Os meios de pagamento utilizados;
- A natureza, a actividade, o padrão operativo ou o perfil dos intervenientes;
- O tipo de transação ou o produto que possa favorecer especialmente o anonimato.
O resultado do exame deve ser reduzido a escrito e conservado por um período de 5 (cinco) anos.
6. Comunicação
Consiste em informar de imediato o Procurador-geral da República e a Unidade de Informação Financeira (Polícia Judiciária) sobre qualquer operação suscetível de configurar a prática de BC&FT.
(..)»
A Ordem de Serviço/CTR/1201 enuncia ainda “Conceitos Relativos à Prevenção de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo”, apontando “Indícios de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo (BC/FT), após esclarecer que “parte dos quais (são) correspondentes ao que se encontra previsto no Aviso 5/2013”.
No que aqui interessa, apontam-se os seguintes:
- «Operações em Geral:
1. Depósitos em numerário de elevados montantes, de uma só vez ou em várias operações fraccionadas, feitos excecionalmente por pessoas singulares ou coletivas (empresas), cuja atividade não é compatível com esta movimentação.
2. Ocorrência de acréscimos significativos no numerário transacionado por parte de qualquer pessoa, agindo em nome individual ou coletivo, sem causa aparente, sobretudo quando os depósitos sejam, posterior e sistematicamente transferidos a curto prazo, para conta de outro Cliente do Banco ou para outro Banco e/ou para “destinos” que não estejam, normalmente, associados à atividade do Cliente.
(…)
Factores de Risco Elevado
De acordo com o Aviso 5/2013, Banco de Portugal, são fatores de risco elevado:
A. Factores de risco inerentes aos Clientes
A.1 – Relações de negócio ou transações ocasionais que se desenrolem em circunstâncias inabituais, face ao perfil expetável do Cliente e aos demais elementos caraterizadores da relação de negócio ou transação ocasional;
2 – Clientes/Beneficiários efetivos residentes ou que desenvolvam atividade nos países ou jurisdições de Risco de BC/FT G2/3
(…)
11 – Relações de negócio, transacções ocasionais ou operações em geral expressamente indicadas pelo Banco de Portugal, em função dos riscos associados a Clientes/Beneficiários efectivos.
(…)
C – Factores de risco inerentes à localização geográfica
20 – Países ou jurisdições com deficiências estratégicas no domínio de prevenção do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo, identificados com Risco BC/FT G2/3.
(…)».
Serve este enquadramento para deixar claro que qualquer conduta desconforme ao estabelecido na Ordem de Serviço de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA, não se reconduz a uma simples desobediência a regras, resultantes de instruções e ordens que visem definir práticas a serem observadas para um melhor funcionamento dos serviços em termos de organização interna na prossecução da actividade bancária. O que está aqui em causa são procedimentos que visam assegurar interesses de ordem pública, nacional e internacional, definidos na Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, enquanto “medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo”, ao transpor para “a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto”, a serem concretizados pela estrita observância de um conjunto de deveres concretizados pelo Aviso n.º Aviso n.º 5/2013 do Banco de Portugal, que regulamenta aquela lei, os quais são acolhidos e densificados pelo Banco R. naquela Ordem de serviço.
Como bem refere o recorrente resulta dos factos 18, 19, 20, 23 e 24, que o autor aceitou realizar e validou 4 depósitos, em montantes fracionados, mas que no seu valor global se traduziram em €18.200, ultrapassando largamente os limites indicados no art.º 22.º/1/2/3 do Aviso 5/2013, do Banco de Portugal, sem solicitar a Declaração de Origem de Fundos, sabendo que aquele valor global entrou na conta do mesmo beneficiário – D… Unipessoal, Ld.ª -, bem assim que as contas envolvidas nessas operações bancárias – depósitos e transferências - eram tituladas ou representadas por cidadãos da República Popular da China, sendo este um dos países que integram a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo e, logo, implicando a observância dos procedimentos preventivos definidos no Aviso 5/2013 e na Ordem Serviço CTR/1201 do Réu.
O Tribunal a quo também assim concluiu e refere-se ao art.º 22.º do Aviso 5/2013, afirmando que autor não deu integral cumprimento “ao preceituado na Ordem de Serviço/CTR/1201(..) a qual por sua vez visava dar cumprimento ao que nesta matéria emana do Aviso 5/2013 do Banco de Portugal no respetivo artigo 22º”, mas se bem interpretamos a fundamentação, não se retira dela que tenha tido em consideração, para valorizar a conduta do autor em termos de gravidade, estarem em causa interesses de ordem pública, quer nacional quer internacional.
Para que melhor se perceba as razões desta afirmação atente-se na parte imediatamente seguinte da fundamentação:
- «De facto, o trabalhador embora tenha aposto o número de identificação e data de validade de cada um dos clientes que se apresentaram perante si a fazer as operações, em conformidade com o dever de identificação, desconsiderou o facto de os depósitos confluírem para um mesmo beneficiário em operações fracionadas, sendo um primeiro conjunto de depósitos fracionados num montante global de €9.200,00 (dois depósitos de €4.600,00 cada um – alínea a) do ponto 18 dos factos provados) e um segundo conjunto de depósitos fracionados num montante de global de €9.000,00 (dois depósitos sendo um de €4.100,00 e outro de €4.900,00 – alínea b) do ponto 18 dos factos provados), não dando o devido cumprimento ao dever de diligência no sentido de em complemento à identificação efetuar as necessárias diligências com vista a compreender a origem e o destino dos fundos envolvidos desde logo com a solicitação da declaração de origem/destino de fundos.
Nesta sede, tem de reconhecer-se que o devido cumprimento do dever de diligência a que o trabalhador estava obrigado pelo citado normativo interno fizesse com que perante o sobredito fracionamento tivesse diligenciado por compreender a origem e destino dos fundos que estavam a ser depositados e transferidos para um mesmo beneficiário em depósitos fracionados. Isto porque, e desde logo, estando os depósitos a ser efetuados na mesma conta e depois transferidos para a mesma conta não se via razão para tal fracionamento, pelo que devia o trabalhador ter complementado o dever de identificação com o dever de diligência a que alude o normativo interno.
De todo o modo, não pode também deixar de se ter em consideração que nas operações em causa mencionadas no ponto 18 dos factos provados, estamos a falar de dois depositantes distintos, se bem com o mesmo beneficiário dos fundos. Ou seja, o cliente que fraciona o primeiro conjunto de depósitos e transferências (al. a) do ponto 18) é distinto do cliente que fraciona o segundo conjunto de depósitos e transferências (al. b) do ponto 18), o que mitiga de alguma forma a situação já que não pode afirmar-se que a totalidade dos €18.200,00 tenha provindo do mesmo depositante».
Começamos por manifestar a nossa discordância quanto a este último parágrafo. Salvo o devido respeito, nas circunstâncias do caso o que releva é o montante global de €18.200,00 depositado na conta do mesmo beneficiário D…, Unipessoal, Ldª, dado que esse é o resultado final de 4 operações bancárias realizadas sucessivamente, num curto espaço de tempo, envolvendo depósitos numa conta para serem imediatamente transferidos para aquela conta, acrescendo que parte dessas operações nem sequer poderiam ser feitas por terem sido realizadas por pessoa que não era representante da conta e com o recuso à falsificação de assinatura.
Prosseguindo. O Tribunal a quo afirma haver violação do dever de diligência, mas reconduz esse incumprimento ao dever a que o autor estava obrigado “pelo citado normativo interno”, isto é, da Ordem de Serviço interna, não resultando desta fundamentação que tivesse sido ponderado que, mais do que a violação de uma instrução de serviço interna, a descrita conduta consubstancia um claro respeito pelo especial dever de diligência imposto pela Lei n.º 25/2008 e pelo Aviso 5/2013, como se disse e repete, por razões de interesse público.
Mas para além disso, acresce que há também violação do dever de obediência, uma vez que o autor não cumpriu em conformidade com as ordens e instruções da sua entidade empregadora respeitantes à execução do trabalho para aquelas situações [art.º 128 n.º1, al. e), do n.º1]. Mais, em contrário do que foi entendido e afirmado expressamente pelo Tribunal a quo, pelas razões que deixámos enunciadas a propósito do dever de lealdade na sua dimensão de dever geral de conduta, há também uma clara e objectiva violação desse dever. Mas adiante retomaremos este ponto.
Fazendo aqui um ponto de situação, por ora deixamos afirmado que, em nosso entender, a apontada conduta do autor - violação do disposto no art.º 22.º do Aviso 5/2013 – assume um grau de gravidade muito elevado, bem para além da valoração que parece estar subjacente à fundamentação da sentença recorrida.
Seguindo a argumentação do recorrente, sublinha este a gravidade da conduta do Recorrido ao ter permitido a realização de transferências bancária de avultado montante (no total de 9.000,00€) para outra OIC (outra instituição de crédito) ordenadas por quem não era titular da conta e, para além disso, feitas com o recurso a falsificação de assinatura que certificou, apesar de não ser confundível sequer com a assinatura do titular da conta, e quem se apresentou para as fazer e quem assinou em nome do titular foi uma mulher quando o titular da conta era um homem.
A este propósito refere o tribunal a quo ter ficado “também apurado que quanto às duas transferências mencionadas na alínea b) do ponto 18 sobre o NUC ………. a assinatura que foi certificada pelo trabalhador não confere por semelhança com o espécime em poder do Banco para a referida conta, uma vez que as duas componentes da assinatura se encontram apostas nos documentos de transferência pela ordem inversa. Tal significa que o trabalhador no atendimento em causa aceitou e certificou assinatura que não conferia por semelhança com o espécime em poder do Banco. Acresce ainda que relativamente a tais operações o trabalhador aceitou e certificou suportes documentais assinados por pessoa que não era o representante da conta em causa, na medida em que quem se apresentou para depositar e transferir os fundos foi uma mulher e o representante do titular da conta em causa D… Unipessoal, Lda. é um homem.
Este comportamento do trabalhador configura um incumprimento dos instrumentos de normativo interno respeitante a Movimentação/Transferências Emitidas e Recebidas – Nacionais e Europeias/Contas C… e para outras instituições de crédito (OIC)/imediatas ou por agenda, que exigem a conferência de assinatura e a verificação das condições de movimentação da conta.
Neste conspecto, o trabalhador não deu devido cumprimento aos procedimentos instituídos nos normativos aplicáveis, não tendo colocado a devida atenção, zelo e diligência na conferência de assinatura e na verificação das condições de movimentação da conta em causa. É certo que a pessoa que se lhe apresentou pela frente para o efeito do depósito e movimentação da conta era portadora do documento de identificação da pessoa que junto do Banco tinha legitimidade para movimentar a conta em causa, mas não podemos olvidar que a pessoa que tinha tal legitimidade era um homem sendo que a pessoa que se apresentou perante o trabalhador era uma mulher.
Naquela situação, era exigível ao trabalhador que tivesse mais cuidado e atenção na análise da documentação que lhe foi entregue para verificar as condições da movimentação da conta, desde logo detetando que o documento de identificação respeitava a um homem e quem se apresentava perante ele era uma mulher e, bem assim, verificando que a assinatura em causa se mostrava invertida em relação ao espécime em poder do Banco pelo qual o trabalhador devia efetuar a conferência de assinatura».
Decorre desta fundamentação, no essencial, que o Tribunal a quo entendeu que o autor violou o dever de diligência por não ter colocado a “devida atenção, zelo e diligência na conferência de assinatura e na verificação das condições de movimentação da conta”, isto é, em razão de uma conduta negligente.
O Recorrente discorda, defendendo que a conduta do Recorrido foi dolosa.
Com o devido respeito, não lhe assiste razão.
A verificação da identidade dos titulares de conta bancária ou representantes de conta bancária de pessoa colectiva deve ser efectuada, num primeiro passo, indagando-se se a documentação apresentada pela pessoa que pretende realizar a operação bancária e que apresenta aquela como sendo sua, é de facto o titular desse documento. E, num segundo passo, pelo confronto entre os elementos constantes desse documento de identificação e a documentação existente no banco, actualmente disponível também nos sistemas informáticos mediante digitalização dos documentos. Refira-se, no caso essa documentação foi junta aos autos com o processo disciplinar, nomeadamente a fls. 330 e 330, onde constam, respectivamente a informação individual de F… e G…, o primeiro titular da conta NUC……., domiciliada no Balcão …. – …, e o segundo representante da conta NUC ……. titulada por D… Unipessoal, Lda (facto 20), relevando apontar que nessa informação consta a indicação de serem indivíduos do sexo masculino.
Contudo, não resulta dos factos provados o suficiente para se poder concluir que o autor agiu dolosamente, ou seja, validando as operações bancárias em causa (facto 22) como se estivessem a ser realizadas pelos titulares das contas, bem sabendo que tal não correspondia à verdade. Com efeito, não está provado que o autor se tenha debruçado sobre os documentos de identificação e sobre os dados documentais da informação bancária para fazer as necessárias verificações. Mais, se bem atentarmos na nota de culpa acima transcrita no facto provado 5, nomeadamente nos pontos 8 a 11, nem essa imputação é feita em termos concretos e precisos. Não se afirma que o autor estaria consciente de que a conta a que se referia a operação bancária era representada por G… – um homem – quando tinha à sua frente a pretender realizar esse movimento bancário uma mulher. Mais, nem pode sequer pretender-se que esteja implícita no ponto 11, quando se imputa ao autor ter virado o monitor do seu posto de trabalho para a mulher que atendia, no momento da assinatura do documento do suporte da transferência, “apontando para a máscara da transacção correspondente à Consulta de Assinaturas, que aquela observou, induzindo-a (o Autor) a falsificar a assinatura em questão”, dado a alegação ser conclusiva e, para além disso, reportada a um momento seguinte.
Mas ainda que assim não se entenda, o certo é que do imutado no ponto 11, apenas se provou [facto 31] que “No decurso do atendimento pelo trabalhador da cliente mulher, conforme referido em 30, a dada altura, o trabalhador virou para tal cliente o monitor do seu posto de trabalho”. Portanto, não se sabe qual foi a finalidade dessa actuação do autor, nem tão pouco se a cliente – mulher – que estava perante si retirou alguma vantagem do facto de ter visualizado o monitor.
Por conseguinte, apenas pode concluir-se que o autor actuou, pelo menos, sem realizar qualquer diligência mínima, isto é, observando os procedimentos essenciais para de forma adequada e com o devido cuidado confirmar a identidade da pessoa - a mulher – que tinha perante si, procurando actuar como se fosse G… – um homem - representante da conta NUC ……. titulada por D…, Unipessoal, Lda. Para além disso, essa falta de diligência persistiu na verificação da conformidade das assinaturas, desde logo “quanto às transferências efectuadas sobre o NUC ……. (..)” por se verificar “manifesta dissemelhança óbvia, uma vez que as duas componentes da assinatura se encontram apostas nos documentos de transferência pela ordem inversa” [factos provados 29 e 18].
Não obstante, ainda que não possa concluir-se pela actuação dolosa, o assinalado leva a reconhecer razão ao recorrente quando defende estarmos perante uma conduta de extrema gravidade. Se o autor validou a identidade e certificou a assinatura sem que se tenha apercebido de quem estava perante si não era o representante da conta titulada pela D…, Unipessoal, lda, tal só pode resultar da falta absoluta dos cuidados mais elementares e dos procedimentos que estava obrigado a observar, não devendo perder-se vista que naquelas circunstâncias, pelas razões já enunciadas, estava até sujeito a um especial dever de identificação de quem tinha perante si e de diligência, em geral, no controle da operação bancária.
Acresce que esta conduta consubstancia também uma grave violação dos deveres de obediência e de lealdade em geral, quanto a este valendo aqui as razões enunciadas a esse propósito.
No que concerne ao provado no facto 32, pronunciou-se o tribunal a quo nos termos que seguem:
« (..)
No que respeita a esta conduta do trabalhador – consubstanciada em fotografar com o seu telemóvel o monitor exibindo a máscara da transação de Consulta de Assinaturas e de levar para casa as certificações das transferências efetuadas sobre o NUC …….. com vista a tentar obter a ulterior assinatura do cliente em causa em conformidade com os registos –, a mesma não é conforme com os deveres de zelo que sobre si impendiam no que respeita a documentação e instrumentos do trabalho. É certo que não pode dizer-se que tal comportamento tenha sido tomado de forma encapotada e com o objetivo de ocultar perante o empregador o erro verificado, tanto mais quando é certo que o foi no próprio dia 23-11-2015 já depois de ser confrontado pela gerência do Balcão quanto ao facto das assinaturas atinentes NUC ……. não estarem de acordo com os registos. Ou seja, a situação já tinha sido detetada, a forma encontrada pelo trabalhador para a procurar resolver/sanar é que se revelou absolutamente despropositada, na medida em que devia saber que o procedimento correto para o fazer não seria esse. De todo modo, não pode deixar também de valorar-se que logo que tal lhe foi determinado pelo gerente do Balcão trouxe a documentação em causa de volta para o Banco».
Concordamos com o Tribunal a quo quando considera que a conduta do Autor não foi “conforme aos deveres de zelo que sobre si impediam no que respeita a documentação e instrumentos de trabalho”. Mas, a nosso ver, há bem mais do que isso, em concreto, também aqui há violação do dever geral de lealdade. Passamos a explicar.
No facto provado 32 consta o seguinte: “ Nesse mesmo dia 23-11-2015, após ter sido chamado a atenção pela gerência do Balcão do facto das assinaturas atinentes NUC ……. não estarem de acordo com os registos, o trabalhador fotografou com o seu telemóvel o monitor exibindo a máscara da transação de Consulta de Assinaturas, e depois levou para casa as certificações das transferências efetuadas sobre o NUC …….. referida em 18 com vista a tentar obter a ulterior assinatura do cliente em causa em conformidade com os registos, sendo que no dia seguinte e após determinação nesse sentido feita pelo gerente do Balcão trouxe tais certificações para o Banco”.
Ora, se o propósito era obter a ulterior “assinatura do cliente em causa em conformidade com os registos” – - então o procedimento adequado passaria por solicitar a presença do cliente em causa no Banco, de modo a que este regularizasse a assinatura. O facto provado sugere que o propósito do autor seria o de contactar directamente o cliente, para que ele apusesse a assinatura no documento em termos coincidentes com a que consta dos registos, mas isso não é suficiente para excluir as várias hipóteses que se podem configurar sobre a possibilidade de fazer constar no documento outra assinatura conforme aos registos sem intervenção do cliente, tirando partido do facto de tudo se passar no exterior do Banco.
Assim sendo, esta conduta, para mais inserindo-se no circunstancialismo a que nos vimos referindo, assume também uma gravidade elevada e, note-se, aqui a título doloso, dado que o autor não podia ignorar não lhe ser permitido levar os documentos relativos às certificações das transferências efetuadas sobre o NUC ……. para o exterior das instalações do Banco. Mas para além disso, crê-se que tal conduta é também contrária ao princípio geral do dever de lealdade, por ser susceptível de criar no empregador dúvida séria, justificada e razoável, sobre a sua idoneidade para o exercício das funções, não se ajustando ao princípio geral da boa fé no cumprimento do contrato.
Avançando, defende o recorrente estar aqui em causa “uma conduta gravíssima violadora, entre outras, do artigo 22.º do Aviso 5/2013 do Banco de Portugal, da Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C… e do Normativo de Movimentação/Transferência Emitidas e Recebidas – Nacionais e Europeias/Contas C… e para Outras Instituições de Crédito (OIC) Imediatas ou por Agenda”, que importa a quebra definitiva da confiança pois, “sendo o Recorrente um Banco, não pode ter nos seus quadros, a prestar serviços aos seus clientes, trabalhadores capazes de fazer o que fez o Recorrido”, não podendo “olvidar-se o sector em que é exercida a actividade, pois, como vem repetidamente reconhecendo a Jurisprudência, os trabalhadores bancários devem ter uma conduta de honestidade irrepreensível”.
Nesta ordem de considerações, conclui defendendo que “O despedimento do Recorrido foi lícito e justo, não restando ao Recorrente qualquer outra alternativa que não fosse a de (o) despedir.”.
Isto porque o Tribunal a quo concluiu o seguinte:
- «(..) a factualidade apurada não permite concluir que o comportamento do trabalhador tenha sido doloso, muito menos visando beneficiar ou facilitar os negócios dos clientes em causa. Não resultou apurado que o trabalhador ao cometer as irregularidades formais e de procedimento que foram elencadas tenha atuado com o intuito de beneficiar os clientes em causa. Em momento algum se alvitra, sequer, que o trabalhador tenha tido algum benefício para si com estes factos.
Não podem, assim, dar-se como violados pelo trabalhador os deveres de lealdade e fidelidade para com o empregador.
Acresce que não resultou apurado que os indicados comportamentos do trabalhador tenham causado prejuízos ao empregador, nomeadamente patrimoniais ou na sua imagem, nem ao cliente (NUC …….). Não foi invocado nem se apurou que se tenham apresentado no Banco a reclamar a falsificação da sua assinatura ou de movimentação indevida da conta (no que respeita à movimentação do montante que havia sido depositado na conta para uma outra conta do mesmo titular pertencente a uma outra instituição de crédito).
(..)
Ponderada a conduta global do trabalhador, a mesma é de facto censurável e culposa, assumindo relevância disciplinar, por violação, nomeadamente dos deveres de zelo e diligência e de obediência (de cumprimento de instruções/normativos do empregador respeitantes a execução do trabalho).
Concorda-se parcialmente com o Tribunal a quo quando refere que a factualidade apurada não permite concluir que o comportamento do autor tenha sido doloso. Esse juízo é correcto no que concerne à certificação das operações bancárias mencionadas no facto 18, mas como se acabou de dizer atrás, já não o é quanto ao facto de ter levado os documentos relativos às certificações das transferências efetuadas sobre o NUC ……. para o exterior das instalações do Banco.
Por outro lado, é certo que os factos provados não permitem concluir que o autor tenha actuado com o intuito de beneficiar os clientes envolvidos nas operações bancárias em causa, nem tão pouco lhe é sequer imputado que tenha obtido vantagem para si ou que a tenha procurado alcançar.
Contudo, com o devido respeito, tal não afasta a violação do dever de lealdade e, mais, até com elevada intensidade.
Na verdade, sempre com o devido respeito, o autor não se limitou a “cometer (..) irregularidades formais e de procedimento”, antes tendo praticado várias condutas bastante graves, fazendo tábua rasa de um conjunto de deveres especiais que, nas circunstâncias do caso, lhe eram exigíveis que observasse. Permitiu que fossem realizadas as operações bancárias referidas no facto provado 18, sem ter exigido a Declaração de Origem/Destino de Fundos (facto 23), desconsiderando que através do fracionamento dos valores depositados e transferidos nas 4 operações o resultado final foi a entrada de €18.200, na conta de um único beneficiário, a D…, Unipessoal, Ldª, pese embora as contas utilizadas serem tituladas ou representadas por cidadãos da República Popular da China, país que integra a lista dos identificados com deficientes mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento de terrorismo, não dando cumprimento ao estabelecido no art.º 22.º do Aviso 5/2013, do Banco de Portugal. Pelas mesmas razões, cumpria-lhe um especial dever de proceder à identificação dos envolvidos nas operações bancárias, sendo manifesto que não o cumpriu, já que permitiu que uma terceira pessoa, sem ser a representante da conta titulada pela D…, Unipessoal, Ldª, actuasse como se o fosse e perante si forjasse a assinatura do real titular.
Em suma, desrespeitou os deveres especiais de identificação, diligência, recusa e exame, indicados no aviso 5/2013 do Banco de Portugal e reafirmados na Ordem de Serviço/CTR/1201/Prevenção e Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo do C…,SA, onde se concretiza:
- «1. Identificação
Consiste na recolha de informação e documentação comprovativa da identidade e outros dados dos Clientes e respetiva verificação.
Deve ser garantida ainda a actualidade da informação e validade da documentação.
2. Diligência
Consiste, em complemento à Identificação, em compreender a finalidade e a natureza da relação de negócio, a origem do património depositado inicialmente, as caraterísticas das operações do Cliente, incluindo a origem e destino dos fundos envolvidos, e, no caso de empresas, a estrutura de propriedade e controlo.
Deve ser suficiente para avaliar o risco de BC&FT e definir o respetivo perfil de risco do Cliente.
Consiste também em acompanhar continuamente a relação de negócio, mantendo a informação recolhida antes sempre atualizada.
A diligência deve ser reforçada quando o perfil de risco do BC do Cliente é elevado, consistindo, ao longo da relação de negócio, num dever de compreensão dos montantes transaccionados e das caraterísticas das operações, comprovado com documentos como contratos, faturas, etc. A diligência reforçada aplica-se, além disso, nos contextos das operações realizadas à distância ou por pessoas politicamente expostas (PEP).
3. Recusa
Consiste em recusar o estabelecimento da relação de negócio ou a execução de uma operação ou de uma transação ocasional quando não foi facultada toda a informação e documentação comprovativa, necessária para proceder à Identificação e à Diligências adequadas ao perfil de risco de BC do Cliente.
A execução da recusa deve implicar a reavaliação do interesse na manutenção da relação do negócio.
(…)
5. Exame
Consiste em examinar qualquer conduta, atividade ou operação cujas caraterísticas são suscetíveis de poder estar relacionadas com a prática de BC ou FT.
(..)
A conduta do autor, vista globalmente é muito grave e assenta num comportamento negligente em alto grau. E, vista também na sua globalidade, é inevitável concluir que afronta o dever de lealdade, enquanto dever geral que exige ao trabalhador, parafraseando o Professor Monteiro Fernandes, “uma certa adequação funcional (..) da sua conduta à realização do interesse do empregador”, na medida em que, diremos mesmo de forma manifesta, não se mostra adequada ao cumprimento dos seus deveres funcionais na prestação da actividade contratada em conformidade com o princípio geral da boa fé (art.º 126.º1, do CT/09).
Como se refere no já citado Acórdão do STJ de 08-01-2013, “[E]xige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional)”.
No caso, crê-se que as condutas do autor autorizam o Réu a ter uma dúvida séria, justificada e razoável, sobre a seriedade da conduta do autor e a sua idoneidade para o exercício das funções, não se ajustando ao princípio geral da boa fé no cumprimento do contrato.
No percurso que conduziu à decisão recorrida o tribunal a quo atendeu ao facto de não ter resultado apurado “que os indicados comportamentos do trabalhador tenham causado prejuízos ao empregador”, bem assim à inexistência de antecedentes disciplinares numa relação laboral com mais de 20 anos.
No que concerne ao primeiro aspecto, relembra-se ser entendimento reiterado pela jurisprudência e, como se viu, também acolhido pela doutrina, no sentido de que “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança”.
Quanto à ausência de antecedentes disciplinares, é na verdade um elemento a favor do autor, mas que tem uma relevância relativa e aferida em cada caso concreto face à gravidade da conduta ilícita do trabalhador. No caso, não é suficiente para minimizar os efeitos da sua conduta, em termos de minar a necessária confiança do empregador na sua futura idoneidade para o cumprimento das suas obrigações decorrentes do vínculo laboral.
É certo que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual.
Porém, tudo ponderado no quadro dos factos apurados, não cremos estar perante um caso susceptível de ser sanado através da aplicação de uma medida sancionatória não expulsiva, mas antes perante uma crise contratual irremediável.
Numa perspectiva subjectiva, os deveres violados estão intrinsecamente relacionados com a necessidade de existir uma relação de confiança entre as partes, exigindo do trabalhador que paute a sua conduta de modo a não comprometer essa confiança. E, numa perspectiva objectiva, reconduzem-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações.
Ora, atento o quadro factual na sua globalidade, é forçoso concluir que a conduta do recorrido não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Não é de todo exigível ao Réu., como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento do A. para desempenhar as funções contratadas.
Por conseguinte, os argumentos do recorrente Banco merecem acolhimento. No confronto dos interesses antagónicos das partes, não vemos fundamento bastante para dar prevalência ao interesse do recorrido autor na conservação do contrato de trabalho, em detrimento do interesse do R., considerando-se como razoável e justificada, a alegada perda de confiança do empregador no seu comportamento futuro, de tal modo que torna inexigível a manutenção daquele ao seu serviço.
Assim sendo, cabe concluir estarem preenchidos os requisitos necessários para se julgar verificada a justa causa invocada pelo Réu, considerando-se o despedimento lícito.
II.3.4 Mas subsiste uma derradeira questão. Com efeito, em conformidade com o disposto no n.º2, do art.º 665.º do CPC, cumpre-nos ainda apreciar a excepção de abuso de direito invocada pelo autor, cujo conhecimento foi considerado prejudicado pelo Tribunal a quo em razão de ter concluído pela ilicitude do despedimento. Acresce dizer que este Tribunal ad quem dispõe dos elementos necessários para se pronunciar.
Nos artigos 149.º a 163.º da contestação ao articulado motivador do despedimento apresentado pelo Réu, veio o autor defender que mesmo que se concluísse estarem verificados os pressupostos para existir justa causa de despedimento, sempre se estaria perante uma situação que apela ao instituto do abuso de direito, dado que entre a data em que prestou prestado declarações - em Janeiro de 2016 – e a notificação da nota de culpa com suspensão preventiva de funções, passaram-se mais de seis meses sem que tenha tido notícias quanto à existência de qualquer processo disciplinar que o visasse. Em 05/07/2016 foi chamado a retomar as funções de caixa/tesoureiro, funções que exerceu até ao início do seu período de férias de Verão. Em 27/07/2016, ainda em gozo de férias, foi notificado da nota de culpa com a decisão de suspensão preventiva de funções.
Refere, ainda, no dia seguinte ao termo das férias (01/08/2016), foi contactado pelo gerente do balcão de Maia (Zona Industrial), onde o Autor então se encontrava a prestar serviço, a questioná-lo sobre o motivo por que não se havia apresentado ao trabalho.
Defende que desse modo o Réu fê-lo crer que o seu comportamento em nada beliscava a manutenção da sua relação de emprego, aceitando aquele, ainda que implicitamente, que a relação de confiança se mantinha.
Daí que, na sua perspectiva, ao notificá-lo da nota de culpa passado esse tempo, o Banco atuou com manifesto abuso de direito, na modalidade de um “venire contra factum proprium”, o que sempre conduz à ilicitude do despedimento.
Respondeu o Réu, contrapondo que o Autor foi transferido do Balcão de … a 30.06.2016 por motivo de encerramento deste, tendo exercido funções de caixa e tesouraria sob supervisão do gerente e dada a ausência de duas colaboradoras em situação de licença, no período compreendido entre 4.07.2016 e 15.07.2016. Como alega o Autor foi contactado pelo gerente do Balcão … (Zona …), uma vez que este não tinha, à data, conhecimento da suspensão preventiva aplicada ao Autor, ou seja, a informação não lhe foi transmitida pela DPENN, embora tenha sido informada da decisão da CECA.
Não houve, da parte do Réu, qualquer actuação em abuso de direito.
Passando à apreciação da questão, importa enunciar os factos relevantes organizados por ordem cronológica, sendo de reter, como ponto de partida, que os relativos às operações bancárias em causa, descritos no facto 18, ocorreram em 23-11-2015. Assim:
36 – No dia 25-11-2015, o gerente do Balcão de … I… enviou ao Diretor de Área, J…, um email reportando a situação ocorrida no Balcão de …. …. no dia 23-11-2015, email esse que consta no PD como Anexo 1.1 a 1.3, (..).
55 – Em 25-11-2015 o trabalhador recebeu instruções do gerente do Balcão de …, I…, no sentido de deixar o “caixa” e passar para o atendimento geral.
58 - Competiam, a quem estivesse no atendimento geral, funções, nomeadamente de: aplicações financeiras, aberturas de contas, subscrição de seguros, emissão de crédito e de débito.
59 - Lugar e função que o trabalhador manteve até ao dia 30-06- 2016, data do encerramento do Balcão de ….
37 – O email referido em 36 foi reencaminhado pelo identificado Diretor de Área para o Diretor Regional (DPENN) K…, o qual, por seu turno, o remeteu para o Dr L… (DAI) e este reencaminhou para o seu colega de departamento DAI, Dr. M…, no mesmo dia pelas 22.01, para averiguações.
38 – Relativamente à situação reportada em 36, a DAI ouviu I… através de exposição escrita feita pelo mesmo em email de 11-01-2016.
39 – No âmbito das averiguações efetuadas pela DAI o trabalhador prestou declarações na DAI em 12-01-2016, conforme anexo 19 a 19.3 do PD, (..).
60 – O trabalhador esteve ausente de baixa médica no período compreendido entre 30 de março de 2016 e 29 de maio de 2016 (…).
62 – O trabalhador foi entretanto chamado a retomar as funções de caixa/tesoureiro, funções que exerceu no Balcão da Zona Industrial … (Balcão para onde o trabalhador foi transferido depois do encerramento do Balcão de …), no período compreendido entre 4-07-2016 e 15-07-2016, tendo depois iniciado o seu período de férias de Verão.
3 – Por deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração do Banco C…, S.A. de 12-07-16, com base no teor da Informação nº D- .. … …/../.. da DAI foi mandado instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento e suspensão preventiva da prestação de trabalho ao aqui trabalhador B…, (…).
5 - Em 21-07-16 foi deduzida contra o trabalhador a nota de culpa
63 – Em 26-07-2016, ainda em gozo de férias, o trabalhador foi notificado da nota de culpa com a decisão de suspensão preventiva de funções.
64 - No dia seguinte ao termo das férias (01/08/2016), logo de manhã pelas 9 horas, foi contactado pelo gerente do balcão da Zona Industrial …, onde o trabalhador então se encontrava a prestar serviço, a questioná-lo sobre o motivo porque não se havia apresentado ao trabalho.
65 - Tendo o trabalhador então informado aquele gerente, de que se encontrava suspenso – facto que o gerente em causa desconhecia.
Num breve parêntesis, releva referir que parte destes factos, nomeadamente os que respeitam às comunicações entre órgãos do R. e diligências que foram realizadas na sequência do reporte, em 25-11-2015, pelo gerente do Balcão de … I… ao Diretor de Área, da situação ocorrida no dia 23-11-2015, serviram para a apreciação pelo Tribunal a quo da excepção de caducidade do direito de exercício do poder disciplinar arguida pelo autor, a qual foi julgada improcedente.
Retomando a questão, retira-se destes factos que o autor, após ter sido ouvido em declarações, em 12 de Janeiro de 2016, esteve efectivamente seis meses ao serviço da Ré até notificado da nota de culpa. Esta foi deduzida em 21-07-2016, na sequência de deliberação do órgão competente a Ré, em 12-07-2016, e a notificação foi concretizada a 26-07-2016.
Contudo, contrariamente ao que a alegação do autor parece pretender sugerir, este não esteve todo esse tempo a exercer as funções de caixa, ou seja, aquelas em cujo exercício praticou os factos que lhe foram imputados no processo disciplinar.
Na verdade, tendo esses factos ocorrido a 23-11-2015, logo de seguida, no dia 25-11-2015, o gerente do Balcão de … I…, onde o autor prestava serviço e seu superior hierárquico, do mesmo passo que reportava superiormente a situação ocorrida, deu-lhe também instruções para deixar o “caixa” e passar para o atendimento geral, passando a competir-lhe, nomeadamente, tratar de aplicações financeiras, aberturas de contas, subscrição de seguros e emissão de crédito e de débito.
E, não o referiu o autor, mas foram essas funções que manteve até ao dia 30-06-2016, data do encerramento do Balcão de ….
Sendo que entretanto, esteve ausente por doença no período compreendido entre 30 de março de 2016 e 29 de maio de 2016, ou seja, cerca de dois meses.
Na sequência do encerramento do Balcão de … foi transferido para o Balcão da Zona …, onde voltou a exercer as funções de caixa/tesoureiro, mas no curto período compreendido entre 4-07-2016 e 15-07-2016, tendo depois iniciado o seu período de férias de Verão, durante as quais é notificado da nota de culpa e da decisão de suspensão preventiva da prestação de trabalho.
Em suma, após a prática dos factos imputados no exercício das funções de caixa, o autor apenas manteve o exercício daquelas funções no dia imediatamente seguinte e retomou-as, meses depois, na sequência da transferência para outro balcão, durante dez dias.
Por último, tendo já sido notificado da nota de culpa e suspenso preventivamente, o que ocorre durante as férias, terminado o período que estava previsto para o gozo daquelas é interpelado pelo gerente do balcão onde fora colocado a questioná-lo sobre o motivo por que não se havia apresentado ao trabalho, sendo que este ignorava que ele se encontrava suspenso.
No rigor das coisas, é este o circunstancialismo a considerar.
O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 26/27].
O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Acolhe-se a concepção objectiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, se ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário [Op. Cit., pp. 29].
Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações [Op. cit. pp. 299/300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, Op. cit., pp. 29].
O abuso de direito, consumado por actuação que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, não é exclusivo do direito substantivo, podendo também resultar no exercício do direito de acção, numa perspectiva da actuação processual, nomeadamente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares.
A esse propósito, Menezes Cordeiro escreve o seguinte:
- “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé.
E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais.
A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”.
[Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 91/92]
É com base naquele circunstancialismo, que indicámos de forma rigorosa e organizada, que o autor pretender sustentar que o Réu fê-lo crer que o seu comportamento em nada beliscava a manutenção da sua relação de emprego, aceitando aquele, ainda que implicitamente, que a relação de confiança se mantinha.
Com o devido respeito, esta tese não tem o mínimo sustento.
O tempo decorrido após ter prestado declarações e sem ter sido notificado da nota de culpa é irrelevante desde que não tenha ocorrido a caducidade do direito de exercício do poder disciplinar. E, se tivesse caducado aquele direito, então nem se colocava a questão do abuso de direito.
Resta, pois, a alegada manutenção no exercício de funções de caixa. Ora, como se assinalou, o autor foi imediatamente retirado dessas funções, no mesmo dia em que é reportada superiormente a situação ocorrida, ficando assim evidenciado que o seu superior hierárquico, o responsável pelo Balcão onde estava colocado, deixou de ter a necessária confiança na sua idoneidade para o manter nas mesmas funções, isto é, naquelas em cujo exercício ele praticara os factos que estavam a ser reportados.
É certo que depois o autor retoma o exercício das funções de caixa, mas, mas por breves dias e num circunstancialismo em que é transferido de balção em razão do encerramento do anterior, passando a ter um novo superior hierárquico que nem sequer teria conhecimento do ocorrido.
Finalmente, não se vislumbra que significado pretende o autor retirar do facto do novo superior hierárquico desconhecer que tinha sido suspenso preventivamente e o ter interpelado para o questionar porque não se havia apresentado ao trabalho, findo o período de férias. Por qualquer razão, no curto período que mediou entre a notificação do autor, a 26-07-2016 (uma terça feira), e o dia em que deveria voltar ao trabalho por ter concluído as férias, a 1 de Agosto de 2018, não fora a suspensão preventiva, os serviços do Réu competentes para esse efeito não fizeram aquela comunicação ao gerente do Balcão onde aquele estava colocado. Note-se que entre uma data e outra passaram três dias úteis.
Certo é que o autor estava já suspenso preventivamente. Por isso, repete-se, não vimos qual a relevância desse facto.
Não existe, pois, qualquer fundamento para sustentar o abuso de direito invocado pelo autor.
II.3.5 Cabe fazer o balanço final. Não existindo o alegado abuso de direito e tendo-se concluído estarem preenchidos os requisitos necessários para se julgar verificada a justa causa invocada e, logo, o despedimento lícito, cabe proceder a essa declaração, em consequência revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o Réu dos pedidos deduzidos pelo autor.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, declarando o despedimento lícito e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o Recorrente Réu dos pedidos deduzidos pelo autor.
Custas da acção e do recurso a cargo do recorrido autor, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 8 de Novembro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira