Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
149/17.0PFVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PENA SUSPENSA
CONSULTAS DE ALCOOLOGIA E TRATAMENTO
CONSENTIMENTO
PENA ACESSÓRIA
DETERMINAÇÃO
Nº do Documento: RP20180117149/17.0PFVNG.P1
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º744, FLS.159-173)
Área Temática: .
Sumário: I - A sujeição de arguido a consultas de alcoologia e a tratamento, se necessário, no âmbito de "Programa STOP – Responsabilidade e Segurança", como condição de suspensão da execução de pena de prisão depende, designadamente, da obtenção do seu prévio consentimento pessoal, prestado antes do encerramento da discussão em sede de julgamento na primeira instância (artigo 52º, nº 3, do Código Penal).
II - A determinação da medida concreta de pena acessória de inibição de condução é realizada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente (função preventiva adjuvante da pena principal).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 149/17.0PFVNG.P1
Data do acórdão: 17 de Janeiro de 2018
Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem:
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia
Sumário:
............................................................................
............................................................................
............................................................................
............................................................................

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I – RELATÓRIO
1. Em 22 de Junho de 2017 foi proferida nos presentes autos uma sentença condenatória que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"Pelo exposto, julgo a acusação procedente por provada e, em consequência,
Condeno o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, p. e p. pelo art°292°, n°1 e 69°, n°1, al.), do C.P. e, em consequência, condeno-o na pena de prisão de sete meses.
Ao abrigo do disposto art° 45°, do C.P., substituo a pena de prisão aplicada pela pena de prisão por dias livres, fixando esta em 42 periodos, com a duração de trinta e seis horas, iniciando-se cada período às 08 horas de sábado e terminando às 20h de Domingo.
Mais condeno o arguido na pena acessória de inibição de conduzir por sete meses.
(…)"
2. Inconformado com a pena aplicada, o arguido interpôs recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões:
Este recurso fundamenta-se apenas numa razão, a medida da pena aplicada ao Arguido, sendo os seus critérios para a determinação da pena os previstos nos arts. 40º, 70° e 71° do Código Penal.
Para além da matéria da acusação dada como provada, provaram-se várias outras circunstâncias, que mostram a perfeita integração social do arguido.
Na verdade, o Arguido é solteiro e vive com os Pais, vive ainda com uma filha menor com 11 anos de idade, pois a progenitora deste faleceu e a filha era uma bebé.
Acresce que, o Arguido tem uma outra filha duma relação posterior àquela, filha essa que se encontra à guarda e cuidados da mãe, mas que passa os fins-de-semana com o Pai/Arguido.
Tendo sido o Arguido condenado numa pena de prisão de 7 meses, substituída pela pena de prisão por dias livres, fixando esta em 42 períodos, com a duração de 36 horas, iniciando-se cada período às 8h de sábado e terminando às 20h de domingo, entendendo-se que seria mais benéfico a suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período, desde logo porque o Arguido é o único apoio familiar, além de que, tem a seu cargo aos fins-de-semana uma filha menor.
Todo o Direito Penal Português, se encontra virado para a reinserção social dos arguidos, em especial no que concerne às infrações estradais, uma vez que estão em causa "cidadãos normais" e não criminosos compulsivos.
O Arguido, aceita suspender a execução da pena de prisão de 7 meses pelo mesmo período, subordinada à frequência do programa 'STOP - Responsabilidade e Segurança'.
Tal condição, é mais benéfica para o Arguido e para a sociedade, uma vez que desse modo o Arguido poderá manter-se integrado na sociedade e o meio familiar.
Disposições violadas: Art. 40 n.°2, 70°e 71°do Código Penal; Art. 1.°, 18 n.°2, e 32°n.°da CRP
Termos em que deve o presente recurso ser julgado ser julgado procedente por provado e, em consequência, serem diminuídas as medidas concretas da pena de prisão e da sanção acessória aplicadas, fazendo-se assim Justiça.

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência, alegando, no essencial, o seguinte:
O arguido não questiona a opção pela pena de prisão, nem a medida da pena, pretendendo, apenas, a suspensão da execução da mesma, sujeita ao supra mencionado dever.
a) Dos factos provados:
Conforme resulta da factualidade provada na douta sentença, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido:
No processo 449/07.8GFVNG, do 3.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 16.7.2007, o arguido foi condenado na pena de 90 dias de multa, pela prática, em 13.7.2207, de um crime de condução sem habilitação legal:
Esta pena foi extinta em 26.3.2008.
No processo 311/08.7GNPRT, do 4.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 28.7.2008, o arguido foi condenado na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 28.6.2008, de um crime de condução sem habilitação legal:
Esta pena foi extinta em 20.5.2009.
No processo 53/13.1PFVNG, do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 11.2.2013, o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um ano, pela prática, em 18.1.2013, de um crime de condução sem habilitação legal:
Esta pena foi extinta em 11.2.2014.
No processo 114/14.0PFVNG, do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 21.5.2014, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática, em 12.4.2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez:
Esta pena foi extinta em 12.12.2015.
No processo 140/15.1PFVNG, da Instância Local Criminal de Gaia J1, por sentença transitada em julgado em 4.1.2016, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um ano, pela prática, em 25.5.2015, de um crime de condução sem habilitação legal:
Esta pena foi extinta em 4.1.2017.
Temos, assim, que esta é a sexta condenação sofrida pelo arguido, sendo a segunda por condução de veículo em estado de embriaguez. Todas as demais condenações sofridas pelo arguido estão, também elas, relacionadas com a condução ilegal de veículos, concretamente a sua condução sem habilitação legal.
b) Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido:
Pugna o arguido/recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sujeita ao atrás mencionado dever.
Quanto a tal ponto, dir-se-á:
Dispõe o art.° 50.° do Código Penal, "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Como referem Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayete, in Código Penal Anotado e Comentado, "A suspensão da execução da pena de prisão é um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídico-criminal, configurada como pena de substituição, que se baseia num juízo de prognose favorável ao condenado, desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição".
A suspensão da execução da pena de prisão tem, como pressuposto formal, ter o agente sido previamente condenado em pena de prisão até 5 anos e, como pressuposto material a "adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial' (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pg. 226, nota 5), ou, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2009, disponível em dgsi.pt "É a chamada prognose favorável do comportamento futuro do arguido, que o tribunal retirará da personalidade do agente e das circunstâncias do facto submetido a julgamento".
No caso em apreço, está em causa uma conduta cometida com dolo intenso, porque directo.
A ilicitude e a culpa são significativas, considerando a taxa de álcool no sangue apresentada - já algo acima do limite mínimo a partir do qual tal conduta constitui crime -, o veículo que conduzia (um automóvel ligeiro de passageiros) e a via onde exercia a condução, situada em plena cidade de Gaia.
As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, assim como as de prevenção especial, em face dos antecedentes criminais do arguido.
De entre as penas aplicadas, já foi condenado em pena de multa, pena de prisão suspensa na sua execução (em 2 ocasiões) e pena de prisão substituída por trabalho.
As condenações sofridas foram sequenciais e tendo o arguido cumprido as diversas penas aplicadas (a última das quais, precisamente em pena de prisão suspensa na sua execução, acabou de cumprir escassos 6 meses antes da prática do crime objecto destes autos), não tiveram as mesmas o condão de o afastar da criminalidade, voltando a incorrer na prática de novo crime de condução em estado de embriaguez.
Forçoso é, pois, concluir que nenhuma das mencionadas condenações e as penas aplicadas e cumpridas, serviram ao arguido de suficiente advertência ou de efeito dissuasor contra o crime, já que não obstaram a que o mesmo continuasse a delinquir, praticando novo crime.
Tudo isto denota uma personalidade fortemente propensa à prática criminosa, distanciada dos valores jurídico-criminais e que o arguido se mostra incapaz de interiorizar o desvalor da sua conduta e a necessidade de mudança.
Neste contexto, uma vez que o arguido já foi condenado anteriormente, em duas ocasiões, em pena de prisão suspensa na sua execução, que cumpriu e que tal pena não logrou afastá-lo da criminalidade, naturalmente que, depois de comprovada a falência de tal pena, em ordem a assegurar as finalidades da punição, não estão, in casu, verificados os pressupostos para que, por ela, se volte a optar.
Neste contexto, em ordem a lograr-se atingir as finalidades da punição, máxime a ressocialização do arguido, afigura-se-nos indispensável, em face dos respectivos antecedentes criminais, uma efectiva (ainda que, como se impunha, mitigada) privação da respectiva liberdade, mostrando-se, a nosso ver, em tudo justificada a opção pela "prisão por dias livres".
Pelo exposto, contrariamente ao defendido pelo arguido, entendemos que a pena aplicada é perfeitamente ajustada ao caso sub judice, razão pela qual deverá ser mantida, assim se fazendo, Justiça."

5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer com o seguinte teor:
"Inconformado com a pena de prisão a cumprir por dias livres em que foi condenado por sentença de fls. 31 a 35v, veio o arguido B…, interpor competente recurso a fls. 45 e seguintes.
É exclusivamente de direito visando a suspensão daquela pena de prisão, sujeita ao dever que propõe - fundamentando, para tanto, nos termos constantes da respectiva peça recursória, cujos termos se dão por reproduzidos, por economia processual.
Como é sabido são as conclusões que definem e delimitam o objecto do recurso e, como delas resulta, a questão verdadeiramente suscitada é a da suspensão da pena de prisão aplicada.
Como decorre da fundamentação escorreita da sentença, aí são explanadas as razões porque a pena de prisão aplicada não foi suspensa ou substituída por qualquer outra pena não detentiva - que merecem o nosso acolhimento total.
Assim, e subscrevendo tal motivação da sentença, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente."

6. O recorrente apresentou resposta ao parecer, reiterando os termos das conclusões da motivação de recurso.
Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
*
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
*
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso – que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
a. Erro jurídico que resultou na desaplicação de pena (de sete meses de prisão) suspensa pelo período de sete meses, subordinada à obrigação de frequência, pelo arguido, de um programa "Stop –Responsabilidade e Segurança", com violação do disposto nos artigos 40 n.°2, 70°e 71°do Código Penal; art. 1.°, 18 n.°2, e 32°n.°da CRP;
b. Erro jurídico que resultou na excessividade da sanção acessória.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Os factos processuais relevantes:
Considerando o objeto do recurso, tal como foi definido pelo recorrente, interessa recordar os factos provados, bem como a fundamentação jurídica da pena e da sanção acessória aplicadas.
Extrato da sentença recorrida:
"Dos Factos
Com relevância para a decisão da causa resultou provado que:
No dia 11.06.2017, pelas 01h 17m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula .. - .. - IS, na Rua …, Vila Nova de Gaia.
O arguido conduzia sob a influência de uma TAS de 1,67 g/l, a que corresponde, pelo menos, uma taxa de 1,536 gr/l de sangue.
O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de exercer a condução do veículo motorizado depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido aufere salário mensal no valor de €560.
Vive com os pais, contribuindo para as despesas domésticas com €200.
Tem uma filha menor a cargo e uma outra a quem paga a pensão de alimentos mensal de €100.
Tem como habilitações literárias o 6° ano de escolaridade.
O arguido já foi condenado:
- No proc. 449/07.8GFVNG, do 3° Juizo Criminal do tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 16.07.2007, pena de 90 dias de multa, pela prática em 13.07.2007 de um crime de condução sem habilitação legal.
Esta pena foi extinta em 26.03.2008.
- No proc. 311/08.7GNPRT, do 4° Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 28.07.2008, pena de 12 dias de multa, pela prática em 28.06.2008 de um crime de condução sem habilitação legal.
Esta pena foi extinta em 20.05.2009.
- No proc. 53/13.1PFVNG, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 11.022013, pena de 4 meses de prisão, suspenda na execução por um ano, pela prática em 18.01.2013 de um crime de condução sem habilitação legal.
Esta pena foi extinta em 11.02.2014.
- No processo 114/14.0PFVNG, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença transitada em julgado em 21.05.2014, pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 horas de TFC e quatro meses de inibição de conduzir veículos motorizados, pela prática em 12.04.2014 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Esta pena foi extinta em 12.12.2015
- No proc. 140/15.1PFVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- V.N.Gaia- Juízo Local Criminal-Juiz 1, por sentença transitada em julgado em 04.01.2016, pena de prisão de cinco meses, suspensa na execução por um ano, pela prática em 25.05.2015 de um crime de condução sem habilitação legal.
Esta pena foi extinta em 04.01.2017
*
Não existem factos alegados que tenham resultado não provados.
*
Motivação
(…)
*
do Direito
Fixados os factos, vejamos o direito.
Os factos descritos e praticados pelo arguido integram a prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, do C. Penal.
Estabelece o Art° 292° do C. Penal que: "Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gl/l é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
Neste tipo de crime é a própria acção que, em si mesma, é considerada perigosa, segundo a experiência comum aceite pelo legislador, não sendo a exigência do perigo como resultado da acção elemento do tipo.
Nos crimes de perigo abstracto como este, não se exige a prova da criação de uma concreta situação de perigo para determinados bens jurídicos, sendo suficiente a prova da acção típica.
Na verdade, o arguido conduzia o veículo automóvel id. em 2.1., nesta comarca, verificando-se que após ter sido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, acusava uma taxa de 1,67 gr/l e deduzida a margem de erro máxima admissível, de 1,536 gl/l, deduzido o erro máximo admissível.
Além disso, tinha consciência do que tinha bebido e da respectiva quantidade e, mesmo assim conduziu o veículo por aquela estrada, agindo com dolo directo (art° 14°, n°1, do C.P.).
Da determinação e da medida das penas
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível, nos termos do art. 292.° do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, a que acresce a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período de três meses a três anos (art. 69.°, n° 1, al. a), do Código Penal).
De acordo com o disposto no art. 70.°, do CP: «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A medida da pena a encontrar terá como limite máximo e inultrapassável aquela que corresponder à culpa de cada agente, visando-se primordialmente a tutela das expectativas da comunidade que confia na manutenção da norma jurídica violada, procurando-se sempre a reinserção dos agentes na sociedade (vide Figueiredo Dias, in "Direito português - As consequências jurídicas do crime").
Concretizando de uma outra forma, à luz do disposto no art°. 71°. C.P., na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido; fixando-se o limite máximo de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral; e, a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
Retomando o caso sub judice temos que ponderar as agravantes e as atenuantes que se apuraram.
Como agravantes temos a taxa de álcool, que excede em mais de 0,3 gr/l o limite a partir do qual a conduta configura a prática de um crime, sendo, por isso, relevante.
Por outro lado, sabemos, julgamos que sem discussão, que as necessidades de prevenção geral são, no que respeita ao crime de condução com álcool, muito elevadas - basta verificar os números que quase semanalmente são fornecidos no que respeita à prática deste crime, quase assentando arraiais a ideia de que começa a fazer parte da nossa cultura (para não dizer "moda". E se em outros tempos tal se poderia justificar o certo é que, nos dias que correm, face ao aumento exponencial de viaturas em circulação (com o consequente aumento do risco ou mesmo do perigo) essa justificação perdeu-se. A condução sob o efeito do álcool, porque potencialmente indutora de consequências devastadoras para a saúde pública (e individual), deve merecer dos Tribunais, cada vez mais, punição severa - assim a sociedade recebendo o "sinal" de que tais comportamentos não são mais tolerados.
As finalidades da reprovação e punição não se podem bastar, por tudo o que se disse, com mera pena de multa, principalmente porque são muito elevadas as exigências de prevenção especial, considerando que o arguido tem já condenações anteriores, em penas de prisão suspensa na execução por crimes no exercício da condução e nem esta constituiu suficiente contra motivo para prevenir a prática de novos ilícitos.
Entende-se, assim, optar pela aplicação de uma pena de prisão. E, tendo em consideração o que atrás se deixou dito, se entende fixar em sete meses.
Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas de prisão na chamada pequena criminalidade, e hoje mesmo já na média criminalidade, o art. 43.°, n.° 1 do Código Penal estabelece, como obrigatório, que «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (...)».
A pena de prisão fixada em medida não superior a 1 ano, para além de poder ser substituída por multa (art.43.°, n.°1 do C.P.), pode ser suspensa na execução (art.50.° do C.P.) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.° do C.P.), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, uma vez que são cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão, em alguns entendimentos) como o regime de permanência na habitação (art.44.° do C.P.), a prisão por dias livres (art.45.° do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.° do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal.
A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
Relativamente à suspensão da execução, tendo em consideração que o arguido beneficiou já desta, extinta no corrente ano, entendemos que a mesma não se revela adequada a prevenir a prática de novos ilícitos, estando já demonstrado que o não foi, por uma vez mais o arguido se encontrar confrontado com o sistema judicial.
No que se refere à prestação do trabalho a favor da comunidade, o arguido já beneficiou desta, sem sucesso, dado que cometeu novos ilícitos após a sua aplicação, por crime da mesma e de idêntica natureza.
De acordo com o art.45.° do Código Penal, na redacção actualmente vigente, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (n.°1).
A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins de semana, não podendo exceder 72 períodos (n.°2). Cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e a máxima de quarenta e oito, equivalendo a cinco dias de prisão contínua. (n.° 3).
O pressuposto formal requerido pela lei é que a pena de prisão seja aplicada em medida não superior a um ano. O pressuposto material coincide com o critério geral de aplicação das penas de substituição: «predomínio absoluto de considerações de prevenção de socialização, eventualmente limitadas por exigências irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico (estas em princípio, sempre satisfeitas pelo facto de a pena agora em exame ser ainda, em todo o caso, uma pena de prisão).
Dito de outro modo, sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter em grande parte as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional.
Com esta pena o arguido não terá de perder o lugar profissional que possui na sociedade, nem põe em perigo a sua situação familiar.
Não restam dúvidas que o pressuposto formal requerido pela lei para aplicação da pena de prisão por dias livres se verifica no caso concreto, uma vez que foi aplicada ao arguido uma pena de prisão em medida não superior a um ano.
Quanto ao pressuposto material, também este se verifica, pois trabalha, sendo a única fonte de rendimentos do seu agregado familiar, assente que está que a sua mulher é doméstica e, por outro lado, para além das prementes exigências de prevenção especial a que já atrás se fez menção, importa referir que o arguido com o cumprimento efectivo da pena de prisão ver-se-ia impedido de exercer a sua profissão, o que imporia um grande sacrifício para o seu agregado familiar.
Nestas circunstâncias de vida do arguido, o cumprimento da pena de prisão poderia colocar em risco a manutenção das suas ligações familiares.
Assim a pena de um sete meses de prisão aplicada ao arguido, será substituída por prisão por dias livres.
Decorre do art° 45°, n°2, que a prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes ao fim de semana, não podendo exceder 72 períodos, sendo que cada um dos períodos tem a duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito, equivalendo a cinco dias de prisão continua (n°3).
Assim, tendo em consideração a pena de prisão aplicada, substitui por 42 períodos, com a duração de trinta e seis horas, devendo o arguido cumpri-los entre as 08h da manhã de sábado e as 20h de domingo.
Quanto à pena acessória de inibição de conduzir, considerando o exposto quanto à determinação da medida da pena, entende-se fixa-la em três anos.
Quanto à sanção acessória, tem como limite mínimo três meses e máximo três anos- art° 69°, do C.P.
Considerando as agravantes e atenuantes a que aludimos a propósito da determinação da pena concreta, decide-se fixa-la em sete meses.
B – Apreciando:
1ª questão
Do alegado erro jurídico que resultou na desaplicação de pena (de sete meses de prisão) suspensa pelo período de sete meses, subordinada à obrigação de frequência, pelo arguido, de um programa "Stop –Responsabilidade e Segurança", com violação do disposto nos artigos 40 n.°2, 70°e 71°do Código Penal; art. 1.°, 18º, n.°2, e 32° da CRP;
Para motivar esta questão, o recorrente limita-se a alegar que se provaram diversas circunstâncias que traduzem a perfeita integração social do arguido: é solteiro, trabalha, vive com os seus pais e uma filha menor de idade e tem uma segunda filha de uma nova relação, que vive com a respetiva progenitora, passando apenas os fins-de-semana com o arguido[3].
À luz de tais factos, o recorrente conclui que se revelará mais benéfica a suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período, subordinada à frequência do programa 'STOP - Responsabilidade e Segurança', uma vez que o arguido é o único apoio familiar, além de ter a seu cargo uma filha menor de idade aos fins-de-semana.
O recorrente entende que tal solução será mais benéfica para si e para a sociedade, uma vez que desse modo poderá manter-se integrado na sociedade e no meio familiar.
Apreciando.
Um recurso ordinário, versando matéria de direito deve incluir nas conclusões da motivação de recurso:
- As normas jurídicas violadas;
- O sentido em que, no entendimento da recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
- Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Tais exigências legais resultam do disposto no artigo 412º, nº 2, do Código de Processo Penal.
O recorrente identificou as normas jurídicas que, no seu entender, foram violadas na sentença recorrida: os artigos 40 n.°2, 70°e 71°do Código Penal e 1.°, 18 n.°2, e 32°, n.° da Constituição da República Portuguesa e, de um modo notoriamente insuficiente, limitou-se a referir a pena pretendida em sede de recurso e a sustentar a sua pretensão em afirmações de natureza jurídica muito ténue.
Porém, uma vez que se está perante uma pena privativa da liberdade, importa assegurar, até ao limite, as garantias judiciárias fundamentais do recorrente, independentemente da fragilidade técnica da sua defesa que, apesar de manifestamente irregular, ainda é algo percetível em relação às suas bases jurídicas.
De jure
O artigo 50º nº 1 do Código Penal – nem sequer invocado na motivação do recurso – que diz respeito, tão-só, à possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão (o que constitui o cerne da pretensão recursória) estatui que o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição[4].
Esta norma fixa um pressuposto formal - o de que a pena seja de prisão em medida não superior a cinco anos – e um pressuposto material - o de que «o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...).»
Enquanto não oferece qualquer dúvida de que se verifica no caso concreto o pressuposto formal, impõe-se discutir se o pressuposto material se encontra, ou não, preenchido no caso em apreço.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
Como salientado por Figueiredo Dias[5] "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo."
Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”[6]
No plano da evolução histórica da nossa lei criminal, já antes da revisão do Código Penal concretizada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, a suspensão da execução da prisão não seria decretada caso se opusessem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, afastando quaisquer considerações relativa à culpa[7] “mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. [8]
A atual redação da norma refere a realização das finalidades da punição de forma adequada e suficiente.
Houve um aperfeiçoamento de ordem legal de forma mais abrangente na dimensão da finalidade das penas, com repercussão nas penas concretas.
A socialização entronca num critério de exigências de prevenção especial.
É essa prevenção especial que perante um prognóstico favorável nos termos do artº 50º nº 1 do Código Penal, determina a socialização em liberdade do condenado, por ser adequada e suficiente às finalidades da punição. Como escreveu Eduardo Correia, «(…) averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva da condenação.»
Apreciando.
A questão jurídica concreta é de uma manifesta simplicidade.
Como bem sustentado e aferido na fundamentação da decisão pelo tribunal a quo, "Relativamente à suspensão da execução, tendo em consideração que o arguido beneficiou já desta, extinta no corrente ano, entendemos que a mesma não se revela adequada a prevenir a prática de novos ilícitos, estando já demonstrado que o não foi, por uma vez mais o arguido se encontrar confrontado com o sistema judicial."
A factualidade assinalada na fundamentação jurídica da decisão recorrida evidencia uma personalidade do agente do crime (o ora recorrente) que suscita elevadas, notórias e justificadas preocupações de prevenção especial: estas são definitivamente consolidadas pelos antecedentes criminais muito significativos do arguido por crimes rodoviários – e nem uma pena de cinco meses de prisão, suspensa por um ano, se revelou suficiente para afastá-lo da reincidência criminal rodoviária, tendo cometido o ilícito em causa nos presentes autos menos de seis meses após aquela pena ter sido declarada extinta.
Dir-se-á que ficou provado que a mera suspensão da execução da pena aplicada nos autos não o afastará, certamente, de nova condução de veículo automóvel em estado de embriaguez: os autos não revelam qualquer mudança na personalidade ou na vida do arguido que evidencie uma mudança de comportamento e/ou de atitude perante as infrações criminais rodoviárias por si cometidas e as sanções pelas mesmas jáaplicadas nos tribunais. Em destaque, quanto à condução sob a influência de bebidas alcoólicas em excesso, que nem sequer a sua única condenação por tal crime em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade o demoveu de reincidir nessa prática – o que originou mais este processo -.
Resta aferir se a subordinação de uma suspensão da execução da pena de prisão à condição sugerida pelo recorrente – a frequência, pelo condenado, do "programa STOP – Responsabilidade e Segurança" -, nos termos do disposto nos artigos 50º, números 2 a 4, 52º, 1, b) e 3, do Código Penal (normas não invocadas pelo recorrente) é legalmente admissível e servirá de estímulo suficiente para assegurar as finalidades de prevenção especial.
Para tanto, importa recordar em que consiste tal programa[9]: com a duração de um ano, é constituído por quatro componentes indissociáveis e complementares:
a) Realização de entrevistas com o técnico de reinserção social;
b) Frequência do Curso sobre “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”;
c) Sujeição a Consulta(s) de Alcoologia e tratamento;
d) Frequência do Curso “Prevenção e Segurança Rodoviária”.
Resulta do disposto no artigo 52º, nº 3,do Código Penal, que a sujeição do arguido a consultas de alcoologia e a tratamento, se necessário, depende da obtenção do seu prévio consentimento – e este constitui, pacificamente, um ato pessoal, que não pode ser concretizado pelo seu defensor, em seu nome -.
De resto, tal consentimento teria de ser prestado antes do encerramento da discussão em sede de julgamento na primeira instância, para poder ser considerado na decisão final, incluindo a presente, que é proferida em sede de recurso.
Na instância de recurso não há lugar a um novo julgamento, mas apenas à apreciação do mérito da impugnação da decisão proferida na primeira instância.
Por conseguinte, não se revela sequer legalmente admissível optar pela suspensão da execução da pena com a sujeição do arguido ao programa proposto em sede de recurso, uma vez que:
- O arguido não manifestou até ao encerramento da discussão em primeira instância o seu consentimento à frequência de consultas de alcoologia e a tratamento, se necessário;
Finalmente, também não tem fundamento legal a pretensão recursória em ver suspensa a execução da pena de prisão pelo mesmo período, uma vez que a pena de prisão fixada é de sete meses e o período mínimo da sua suspensão é de um ano (artigo 50º, 5, do Código Penal).
Pelo exposto, improcede a primeira questão suscitada pelo recorrente, em todas as suas vertentes, confirmando-se a pena aplicada em primeira instância.
*
2ª questão:
Do alegado erro jurídico que resultou na excessividade da sanção acessória.
O recorrente pretende a redução, em dois meses, da sanção acessória fixada de inibição de condução de quaisquer veículos a motor, passando a mesma de 7 meses para 5 meses, por considerar esta última mais adequada e respeitadora da dignidade humana.
Mais uma vez se assinala a notória ausência de esforço do recorrente em fundamentar juridicamente, de forma clara, a sua tese jurídica, contrapondo-a à interpretação jurídica do tribunal recorrido.
Porém, tal inconsistência não exclui a sua apreciação, uma vez que ainda evidencia algum conteúdo relevante.
De jure:
O arguido foi condenado, pacificamente, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 292º do Código Penal.
A este crime corresponde uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, imposta pelo estatuído no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, tendo como limite mínimo 3 meses e como limite máximo 3 anos.
Recordando as posições em confronto:
- A decisão recorrida fixou-a, em concreto, em 7 meses.
- O recorrente pretendendo a sua redução para 5 meses.
- O Ministério Público pugnou pela confirmação da decisão.
A determinação da medida concreta da pena acessória é efetuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do Código Penal[10], uma vez que depende da gravidade do ilícito e da culpa do agente do crime.
Esta norma estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, precisando o nº2 do mesmo artigo que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
Estas podem ser agrupadas em três grupos fundamentais:
a) fatores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta};
b) fatores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e
c) fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto - alínea e) -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe-se ter em consideração que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo respeitar-se as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade[11].
Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respetiva determinação exigir-se-á, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso – foi o que sucedeu no caso em apreço -.
No entanto, como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94 de 14 de Dezembro[12], “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
Apesar da identidade de critério base para definição da medida concreta da pena principal e da pena acessória, importa considerar a natureza específica de cada uma delas (privação da liberdade, no caso da prisão ou natureza patrimonial no caso da multa, enquanto a pena acessória incide sobre a privação temporária do exercício da condução automóvel, no âmbito do qual foi praticado o crime em causa) bem como as finalidades próprias de cada uma delas, de modo a assegurar que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas no contexto dos fins das penas.
A este respeito, importa recordar que a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, que se dirige, ao menos nalguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação[13].
Trata-se, inclusivamente, de medida na qual o legislador tem vindo a depositar expectativas acrescidas: após as alterações introduzidas no Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, esta pena acessória mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei nº 77/2001, de 13 de Julho, que introduziu uma alteração significativa na estatuição do art. 69º do Código Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respetivamente), tendo subjacente fortes preocupações de prevenção geral no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária verificados em Portugal.
Nestes termos, a determinação da pena acessória deve ser efetuada com base nos critérios gerais estatuídos no art. 71º do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe reconheça, também, um importante efeito de prevenção geral[14].
A perigosidade do agente revela-se na gravidade do facto praticado.
A este propósito importa ter presente que uma taxa de alcoolemia de 1,20 g/l determina um aumento do risco de acidente em 16 vezes[15].
No caso concreto in iudicium, importa ter presente que resultou provado que o arguido tem um antecedente criminal por crime de condução em estado de embriaguez (o tipo de crime em discussão neste processo) e quatro antecedentes criminais por condução sem habilitação legal.
Este conjunto significativo de antecedentes gera preocupações de prevenção especial particularmente acentuadas, na medida em que exprimem um elevado grau de perigosidade do arguido no exercício da condução automóvel, com elevada/mediana eficácia agravante da pena acessória.
A taxa concreta de alcoolemia detetada no caso em apreço – 1,53 grs./litro – situa-se cerca de 27,5% acima do limite mínimo que criminaliza a conduta, com reflexos médios/elevados agravantes na determinação da pena acessória.
De resto, apenas se provaram factos sem relevo para a determinação da pena concreta, a recordar:
"O arguido aufere salário mensal no valor de €560.
Vive com os pais, contribuindo para as despesas domésticas com €200.
Tem uma filha menor a cargo e uma outra a quem paga a pensão de alimentos mensal de €100.
Tem como habilitações literárias o 6° ano de escolaridade."
Atento o exposto, considera-se ajustada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor durante 7 (sete) meses – o que coincide com a decisão recorrida –.
*
O recurso é, assim, julgado não provido.
*
Das custas
Sendo o recurso julgado não provido, o arguido deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, de acordo com o grau de complexidade reduzido/médio do recurso, em 4 (quatro) unidades de conta.
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes ora subscritores, do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso do arguido B….
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.
*
Porto em 17 de Janeiro de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
______
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Este facto não pode ser considerado na presente decisão, por não constar como provado na sentença recorrida, não tendo o recorrente impugnado a decisão da matéria de facto, cujo teor se considera, pois, pacificamente estabilizado.
[4] Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Português. Anotado e comentado, 15ª edição, 2002, p. 197, notas 1 e 2, «Os pressupostos e a duração da suspensão da execução da pena constavam do artº 48º da versão originária do Código, o qual tivera por fontes, além do artº 88º do CP de 1886, os arts. 62º e 63º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, discutidos nas 22ª e 23ª sessões da Comissão Revisora, em 10 e 17 de Maio de 1964 e a Base VIII da Proposta de Lei nº 9/X. Este artigo foi discutido nas 4ª, 6ª, 15ª e 41ª sessões da CRCP, em 14 de Fevereiro, 13 de Abril e 12 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990. (...) Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos (…)»
[5] Ibidem, 519.
[6] Anabela Rodrigues, A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade, Coimbra, 1982, pág. 78 e seguintes, Almeida Costa, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 65º, 1989, pág. 19 e seguintes e Miranda Pereira, "Ressocialização", Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, V, 1987.
[7] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2003, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -, tomo II, 2003, pág. 221: «Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.»
[8] Mantém-se parcialmente válida a ratio legis evidenciada no Relatório da Proposta (constante do Diário da Câmara dos Deputados de 26 de Maio de 1893), que está na base da Lei de 6 de Julho de 1893 - que introduziu em Portugal a suspensão condicional da pena -: «Fica ao prudente arbítrio dos magistrados e dos tribunais a apreciação do carácter moral do delinquente, os seus antecedentes e costumes, das circunstâncias do crime, das causas externas e internas que o determinaram, o exame escrupuloso de todos os factos que os autorizem a aplicar a disposição da lei com discernimento e seguras probabilidades de êxito.»
[9] Fonte: http://www.dgrs.mj.pt/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1001.98.
[10] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, U.C.E., 2010, pág. 263, nota 1, Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, pena acessória e medidas de segurança, Universidade Católica, 1996, pág. 28 e Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 15ª ed., pág. 237.
[11] Considere-se, a este respeito, o entendimento expresso por Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, cujo teor se pode traduzir da seguinte forma: «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena».
Movido por conceção semelhante, Maia Gonçalves, em anotação ao art. 72º, in loc cit., refere o seguinte: «a culpa do agente não é susceptível de uma medida exacta e, por isso, ao julgador é dada uma certa elasticidade na respectiva apreciação, elasticidade em que pode e, portanto, deve levar em conta as exigências de prevenção de futuros crimes».
Recorda-se, a propósito, que o princípio da culpa tem proteção normativa constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição da República Portuguesa) e do direito à liberdade (art. 27º, 1 do mesmo texto legal), conforme tem sido realçado pela doutrina – neste sentido, Maria Fernanda Palma, "Constituição e Direito Penal. As questões inevitáveis" in Perspectivas ConstitucionaisNos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, a págs. 234 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, Lisboa, 1999, a págs. 25.
No mesmo sentido tem-se pronunciado a jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdãos números 663/98, in Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 1999, 89/2000, in Diário da República, II Série, de 4 de Outubro de 2000 e 202/2000, in Diário da República, II Série, de 11 de Outubro de 2000.
Como refere Figueiredo Dias, in loc cit., a págs. 215, «Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligado ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
Considera-se errada a conceção segundo a qual é dado previamente ao Juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, um «ponto» médio (ou outro) da moldura penal, donde aquela deve partir (conceção que recebeu algum acolhimento da jurisprudência nacional - v.g., entre outros, o Ac. S.T.J., 85.11.13, B.M.J., 351º,-211 -.
Como defende Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, a págs. 142, «(…) o Juiz deve determinar o quantum exacto da pena em função da culpa e da prevenção e dos elementos para ela relevantes (…)».
A este propósito, com particular interesse, ainda, o Acórdão do STJ, datado de 24 de Fevereiro de 1988, B.M.J., 374º,-229, para além dos seguintes autores: Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. espanhola, t. II, a págs. 429 e Adelino Robalo Cordeiro, “Escolha e medida da pena”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, C.E.J., a págs. 237 e segs. e “Moldura penal abstracta, pena concreta, escolha da pena”, «in» Textos, I, 1990-91, C.E.J., a págs. 161 e seguintes.
[12] BMJ, 446º - Suplemento -, 102.
[13] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias, 1993, 88 e 232.
Ibidem, a págs. 164 e 165, refere, a este propósito, ainda, o seguinte: «(…) a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor – em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária – de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável(…)».
E, quanto às finalidades da pena acessória em causa, «(…) se (…) o pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano (…)».
[14] Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Março de 2012, relatado pela Desembargadora Dra. Alda Casimiro, no processo nº 282/09.2SILSB.L-5.
[15] Esta conclusão consta da página 8 do estudo Álcool e condução, publicado pela D.G.V. e atualmente localizado no endereço na rede digital global da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em http://www.ansr.pt/Default.aspx?tabid=87&language=pt-PT.