Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1535/13.0TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL SOARES
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE PENAL
PESSOAS COLETIVAS PÚBLICAS
Nº do Documento: RP201806131535/13.0TDPRT.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 763, FLS.55-63)
Área Temática: .
Sumário: A exclusão de responsabilidade prevista no artº 11º 2 CP só é concedida às pessoas colectivas, que em relação ao concreto acto, tenham actuado no exercício de prerrogativas de poder publico (ius imperi).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1535/13.0TDPRT.P1
Comarca do Porto
1ª Secção do Juízo Local Criminal do Porto
Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por sentença proferida em 13 de Julho de 2017, o tribunal, entre o mais que aqui não releva, decidiu absolver, por ilegitimidade, a Cooperativa B…, do crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º nº 1 al. d) do CP, por aplicação do disposto no seu artigo 11º nº 2 do CP.
1.2 Recurso
Interpôs recurso o assistente C…, pedindo que a arguida Cooperativa seja condenada pelo crime imputado na acusação.
Para tanto, em suma, invocou que a exclusão de responsabilidade criminal prevista no artigo 11º nº 2 só é concedida a pessoas colectivas que exerçam poderes de soberania e não às que beneficiem do estatuto de utilidade pública, por equiparação a instituições particulares de solidariedade social. Em consequência, impugnou o julgamento da matéria de facto, pretendendo a sua alteração para que a arguida cooperativa seja condenada pelo crime imputado na acusação.

O Ministério Público respondeu defendendo a improcedência do recurso por, em resumo, concordar com a sentença, visto estar provado que a arguida cooperativa beneficia do estatuto de utilidade pública.

A arguida cooperativa também respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência. Disse, sinteticamente, que o recurso, na parte em que se impugna a matéria de facto provada, não pode ser admitido, na medida em que o tribunal, tendo proferido decisão absolutória por ilegitimidade, não chegou a pronunciar-se sobre os factos que lhe estavam imputados. Além disso, não tendo o assistente impugnado os documentos, dos quais resulta que a recorrida beneficia do estatuto de utilidade pública, não tem interesse processual em recorrer. Sem prescindir, contrariou a impugnação do julgamento da matéria de facto.

Na Relação o Ministério Público emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.
2. Questões a decidir no recurso
A questão controvertida principal colocada no recurso é a de saber se uma cooperativa equiparada a instituição social de solidariedade social está ou não isenta de responsabilidade criminal.
3. Fundamentação
3.1. A decisão recorrida
Transcrevemos a parte relevante da sentença sob recurso:
Da Legitimidade/Ilegitimidade da arguida “Cooperativa…”
Suscitou a arguida “Cooperativa B…”, em sede de contestação a questão da sua ilegitimidade para ser acusada/pronunciada nos presentes autos, alegando que é uma pessoa colectiva que exerce prerrogativas de poder público, estando excluída a sua responsabilidade criminal por força do art. 11.º, n.º3, do C. Penal.
A referida questão foi relegada para sede de sentença, que cumpre decidir a título de questão prévia.
Conforme resulta do art. 11.º, n.º1, do Código Penal, “salvo disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal”.
O n.º2 da mesma norma estabelece que “as pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos… 256.º,… quando cometidos:
a) em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem”.
O n.º3 da referida norma dispõe que “para efeitos da lei penal a expressão pessoas colectivas públicas abrange:
a) pessoas colectivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais;
b) entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade;
c) demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público”.
O n.º7, estabelece que “a responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes”.
Assim, a Reforma Penal de 2007 alterou significativamente toda a matéria atinente à responsabilidade criminal das pessoas colectivas e entidades equiparadas.
A regra é ainda responsabilidade restrita às pessoas físicas ou singulares.
E, ainda que vasto o terreno da responsabilidade criminal dos entes colectivos, nem todos os entes colectivos são criminalmente responsáveis, atentas as exclusões efectuadas nos n.ºs 2 e 3, do citado art. 11.º.
A Lei 59/07, veio definir que as pessoas colectivas ou entidades equiparadas passam a ser puníveis por alguns dos crimes previstos no Código Penal mas a responsabilização depende sempre do crime ser cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva, por pessoa que nela ocupe uma posição e liderança ou que aja sob a sua autoridade e não exclui a responsabilidade das pessoas singulares nos termos gerais (cfr. Victor de Sá pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal anotado e comentado, p. 88).
No entanto, conforme resulta da citada norma e referem os mesmos autores, algumas pessoas colectivas encontram-se excluídas (cfr. n.ºs 2 e 3) e pelo contrário, outras entidades, como as associações civis e as associações de facto são equiparadas a pessoas colectivas, para efeitos de responsabilização (cfr. n.s 2 e 5).
De qualquer forma, os crimes que determinarem responsabilidade dos entes colectivos têm que ser cometidos, em nome e no interesse dos mesmos “por pessoas que neles ocupem uma posição e liderança” ou por quem aja sob sob a autoridade de tais pessoas, “em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
A Lei 30/15, de 22/04, veio alterar a redacção do citado art. 11.º, revogando o seu n.º 3 e, no que concerne ao n.º2, passou a dispor: “as pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos… 256.º,… quando cometidos:
a) em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem”.
Assim, “as empresas públicas e quaisquer pessoas colectivas de direito público e as entidades concessionárias de serviços públicos respondem criminalmente pelas infracções que cometam, sempre que tenha agido sem prerrogativas de poder público” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, p. 82).
Ora, a arguida “Cooperativa” quando invocou a sua ilegitimidade para ser arguida nos presentes autos, alegou, em síntese que desenvolve a sua actividade no ramo da solidariedade social, com o objecto social referido na certidão junta aos autos.
As instituições particulares de solidariedade social são pessoa colectivas de utilidade pública, sendo-lhes atribuído esse estatuto por cooperarem com a Administração Pública na prossecução e fins não lucrativos de interesse geral.
Alegou ainda que é uma pessoa colectiva que exerce prerrogativas de poder público, estando excluída a sua responsabilidade criminal por força do art. 11.º, n.º3, do C. Penal.
No que concerne à noção de “pessoas colectivas de utilidade pública”, define a Secretaria - Geral da Presidência do Conselho de Ministros que “são pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos (associações, fundações ou certas cooperativas) que prossigam fins de interesse geral em cooperação com a Administração central ou local, em termos de merecerem da parte da Administração a declaração de utilidade pública (www.sg.pcm.gov.pt/pessoas-colectivas-de-utilidade-publica).
Por seu turno, resulta do art. 4.º Código Cooperativo (redacção da Lei 119/2015, de 31/08), n.º 1, que “sem prejuízo de outros que venham a ser legalmente consagrados, o sector cooperativo compreende os seguintes ramos: l) solidariedade social”. O n.º 4 desta norma legal dispõe que “as cooperativas de solidariedade social que prossigam os objectivos previstos no n.º1, do Estatuto das Instituições particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Dec.-Lei 119/83, de 25/02, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 172-A/14, de 14/11 e que sejam reconhecidas nessa qualidade pela Direcção-Geral da Acção Social, são equiparadas às instituições particulares de solidariedade social, aplicando-se-lhe o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais”.
Ora, face à prova produzida, maxime a documental junta aos autos resultou apurado que a arguida “Cooperativa”:
- foi constituída por escritura pública de 21/11/33 e registada em 16/09/1987, tendo como objecto “actividade no ramo da Segurança Social, nos termos do art. 4.º, n.º1, al. m), do Código Cooperativo e Decreto-Lei 7/98, de 15/01” e “é reconhecida como prosseguindo os objectivos previstos no art. 1.º do Dec.-Lei 119/83, de 25/02 (Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social) desde 10/04/01; acessoriamente, poderá promover outras iniciativas de interesse para os cooperadores nos domínios social, cultural e de qualidade de vida, designadamente, clínicas médicas em qualquer dos ramos, organizar creches e infantários, salas de estudo, centros de dia ou de outros serviços de promoção sócio-culturais”;
- Por escritura pública de 27/07/99, foi alterado o n.º2, do art. 1.º que refere que “a cooperativa inclui-se no ramo da solidariedade social do sector cooperativo, previsto no art. 4.º, n.º1, al. m), do Código Cooperativo” e o art. 2.º, n.º1, que passa a dispor que “a cooperativa tem por objecto social a solidariedade social estando a sua actividade vocacionada para o apoio social aos associados e a terceiros, com vista à melhoria da sua qualidade de vida e inserção sócio económica”.
O art. 4.º refere que “podem ser sócios da Cooperativa: todos os indivíduos que o declarem perante a direcção com mais de 5 anos…”
- beneficia de declaração emitida pela Direcção-Geral da Solidariedade e Segurança Social, que reconhece a “Cooperativa B…” como cooperativa de solidariedade social que prossegue os objectivos previstos no art. 1.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovada pelo DL 119/83, de 25/02, sendo equiparada a estas instituições e aplicando-se o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais”; o “reconhecimento produz efeitos desde 10/04/01, data da apresentação do requerimento”.
- do documento junto aos autos a fls. 1122-1123, emitido pela Directora de Serviços de Assuntos Jurídicos e Documentação, Presidência do Conselho de Ministros, datado de 24/04/17, resulta nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/02, que aprova o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 172-A/14, de 14/11, “as entidades registadas… adquirem automaticamente a natureza de pessoas colectivas” e de acordo com a informação disponibilizada pela Direcção-Geral da Segurança Social, a “Cooperativa B…” encontra-se registada desde 2001 como cooperativa de solidariedade social, equiparada a IPSS, pelo que adquiriu ao abrigo do regime que lhe é aplicável, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública.
Ora, assim sendo, resulta da prova documental junta que por força do citado registo, desde 2001, a arguida “Cooperativa” é considerada cooperativa de solidariedade social, equiparada a IPSS, tendo por força do regime que lhe é aplicável, a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública, tendo, em consequência, um interesse geral e -de acordo com a maioria da doutrina que se pronunciou quanto ao tema-, exerce a sua actividade no exercício de prerrogativas públicas.
Assim sendo, entende-se que assiste razão à arguida “Cooperativa” e que a mesma deve ser considerada como “pessoa colectiva no exercício do poder público”, estando a sua responsabilidade criminal excluída por força do já citado art. 11.º, nº2, do Código Penal.
Pelo exposto determino o arquivamento dos autos quanto à arguida “Cooperativa B…”.
3.2. Apreciação do mérito do recurso
Temos de começar por afastar duas questões suscitadas no recurso e na resposta, mas que não têm a nosso ver razão de ser.
A primeira é a objecção da arguida recorrida, segundo a qual o assistente não teria interesse jurídico relevante no recurso, dado não ter impugnado os documentos dos quais resulta a atribuição do estatuto de utilidade pública, o que deveria levar à rejeição do recurso.
O que está em causa não é saber qual é o estatuto da cooperativa arguida, mas sim se esse estatuto lhe confere dispensa da responsabilidade criminal. Essa divergência resolve-se na interpretação da lei e não dos factos. E o assistente tem inteira legitimidade para não concordar com a decisão do tribunal e para a impugnar.
A segunda questão refere-se à impossibilidade de sindicar a decisão da matéria de facto nos termos pedidos no recurso. Na verdade, como diz a cooperativa arguida, e bem, tendo sido absolvida por ilegitimidade, não chegou haver decisão de mérito sobre os factos que lhe eram imputados. Daí decorre que, se a nossa decisão for a de revogar nesta parte a sentença, a cooperativa arguida terá de ser julgada em primeira instância. Não se pode reapreciar em recurso uma decisão que não foi proferida.
Não é aplicável a esta situação a jurisprudência fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 4/2016, de 21JAN2016 (Diário da República n.º 36/2016, Série I de 2016-02-22), visto que aquela se refere apenas às situações em que o arguido foi absolvido em primeira instância por decisão de mérito.
Os factos em questão, susceptíveis de fazer incorrer a cooperativa recorrida em responsabilidade criminal, terão ocorrido no ano de 2012. A essa data vigorava a versão do artigo 11º do CP aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro. Esta norma veio depois a ser alterada pela Lei nº 60/2013, de 23 de Agosto e depois pela 30/2015, de 22 de Abril que, entre outras alterações, eliminou o nº 3, ainda citado na sentença sob recurso.
De todo o modo – isso podemos já afirmar – a sequência de leis é inócua para a resolução deste caso. O que está em causa é saber se a cooperativa arguida cabe no conceito de “pessoa colectiva que exerce prerrogativas de poder público”, que à data dos factos se achava previsto na al. c) do nº 3 do artigo 11º e hoje está no corpo do nº 2.
Damos como adquirido que a cooperativa arguida tem estatuto equiparado a instituição particular de solidariedade social (IPSS) e estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública.
O regime jurídico da declaração de utilidade pública está previsto no Decreto-Lei nº 391/2007, de 13 de Dezembro. Nele não se prevê a atribuição de quaisquer poderes de autoridade pública às instituições que dele beneficiem. Apenas se lhe concede um estatuto especial, que permite obter certos benefícios (por exemplo, isenções fiscais), em atenção ao interesse público da sua actividade.
Parece-nos, pois, forçado, sem mais análise, equiparar o conceito de “pessoa colectiva de utilidade pública” ao de “pessoa colectiva no exercício de prerrogativas de poder público”. Se tivesse sido intenção do legislador fazer essa equiparação, bastava a remissão para uma designação consagrada há dezenas de anos na lei e com regulamentação específica consolidada, o que permitiria a imediata identificação das entidades isentas de responsabilidade penal.
Aliás, se repararmos no que dispõe o artigo 2º nº 1 do diploma que regulamenta a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (Lei 67/2007, de 31 de Dezembro), verificamos que aí o exercício de prerrogativas de interesse público está conexionado com o exercício da função administrativa, que pressupõe o poder de autoridade próprio do Estado. O acórdão do TRL, de 3NOV2015 (processo 102/14.6T8FNC.L1.I, em www.dgsi.pt) interpretou essa norma considerando que se refere ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade – o que nos parece correcto.
Temos assim como seguro que a exclusão de responsabilidade prevista no artigo 11º nº 2 do CP, só é concedida às pessoas colectivas – públicas ou privadas – que, em relação ao concreto acto, tenham actuado no exercício de prerrogativas de poder público, que é como quem diz, de exercício da autoridade pública. Ou seja, o que releva não é a utilidade pública da função exercida pela pessoa colectiva – a qualidade do resultado da actuação – mas sim a forma de exercício da sua actividade, dotada de jus imperi.
É esse também o entendimento de Susana Aires de Sousa (citada na página 25 da Dissertação de Mestrado Exclusão da Responsabilidade Criminal das Entidades Públicas, Porto, 2014, da autoria de Ana Cláudia Carvalho Salgueiro[1]), para quem a alínea c), entretanto revogada, se referia a pessoas colectivas que exercessem poderes de autoridade pública.
Na página 32 da dissertação que acabámos de referir, a autora dá um conjunto de exemplos de entidades que exercem prerrogativas de interesse público que merecem a nossa concordância, por serem de pessoas colectivas a quem o Estado entregou poderes de autoridade em áreas específicas: Confederações Empresarias (com funções de regulação), Fundação para a Computação Científica Nacional (que gere o domínio web), Federações Desportivas (com funções de regulação) e entidades que realizam inspecções técnicas ou exames de condução (com funções de fiscalização e licenciamento).
Já não podemos concordar com a autora quando, contraditoriamente, estende os exemplos às IPSS, Misericórdias e Associações de Bombeiros, cujo traço identificativo comum não é o exercício da autoridade pública mas sim a prossecução de fins de interesse público, exercidos sob a forma privada, sem jus imperi.
É esta a interpretação que a nosso ver respeita o princípio constitucional da igualdade e se adequa à razão de ser da isenção de responsabilidade criminal. Essa isenção não é uma contrapartida premial que o Estado concede em troca do exercício de funções com utilidade pública. O que a pressupõe e justifica é o exercício da autoridade soberana, seja pelo Estado seja por outra entidade qualquer, uma vez que, por definição, ela implica a insusceptibilidade de prática de acções criminosas e a impossibilidade de aplicação de penas.
O exercício de funções privadas, exactamente iguais às de qualquer outra pessoa colectiva, ainda que de utilidade pública, não justifica a isenção de responsabilidade criminal prevista no referido preceito.
Em face do exposto, consideramos que a cooperativa requerida não da isenção de responsabilidade criminal prevista no artigo 11º nº 2 do CP e que, em consequência, tem de ser julgada pelos factos imputados na acusação.
4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em revogar a sentença recorrida, na parte em que absolveu a cooperativa arguida por ilegitimidade, devendo o processo prosseguir os seus termos contra ela.

Sem custas
Porto, 13 de Junho de 2018
Manuel Soares
João Pedro Nunes Maldonado
_________
[1] https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16793/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado.pdf