Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15411/15.9T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: MULTA
NÃO PAGAMENTO
CULPA
ARGUIDO PRESO
Nº do Documento: RP2017062115411/15.9T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º35/2017, FLS.57-62)
Área Temática: .
Sumário: I - Ao arguido em cumprimento de pena efectiva, está-lhe vedado o recurso à celebração de contrato de trabalho, que lhe permita a obtenção de rendimentos suficientes para o pagamento da multa.
II - E, não resultando dos autos outros elementos quanto à sua situação económica que permita concluir que se está a furtar ao cumprimento da pena de multa,.
III - deve a pena de prisão subsidiária fixada ser suspensa na sua execução, ao abrigo do disposto no artigo 49.º/3 C Penal.
IV - mesmo que a situação actual não tenha sofrido alteração em relação àquela que se verificava aquando da sentença condenatória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
1 Relatório
Nos autos nº 15411/15.9T8PRT-A.P1, que correm na Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 2, em que é arguido B…, foi proferido despacho que decidiu que, “o âmbito de aplicação do n.º 3, do art.º 49.º do CP é, no fundo, circunscrito aos casos em que a falta de pagamento da multa pelo condenado se deve a alguma alteração superveniente da situação que fora anteriormente dada como provada pelo tribunal, uma deterioração fortuita das condições económico-financeiras do condenado após condenação”, indeferindo assim o requerido pelo arguido.

Não conformado, veio o Digno Magistrado do Ministério Público interpor recurso em benefício do arguido, alegando para tanto o que consta de fls. 514 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:

1 - O arguido B… foi condenado, além o mais, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €600,00 (seiscentos euros).
2 - O Tribunal, face ao não pagamento da multa e comprovada a inexistência de bens exequíveis, determinou que o condenado cumpra 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária. Acrescentando, Notifique, sendo o condenado também para o informar de que pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (€600) (cfr. art.° 49º, n.° 2, do C.P.) e que se provar, dentro do prazo de 30 (trinta) dias após a notificação do presente despacho, que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (cfr. art.° 49°, n.° 3, do C.P.)”.
3 - O arguido B… requereu, a anexação de uma declaração emitida pelo Estabelecimento Prisional C…, onde consta o início da sua reclusão em 25.04.2014, o que, no seu entender, comprova a inexistência de rendimentos ou proveitos, e a suspensão da pena de prisão subsidiária.
4 - Pelo Tribunal foi então decidido que: o âmbito de aplicação do n.º 3, do art.º 49.º do CP é, no fundo, circunscrito aos casos em que a falta de pagamento da multa pelo condenado se deve a alguma alteração superveniente da situação que fora anteriormente dada como provada pelo tribunal, uma deterioração fortuita das condições económico-financeiras do condenado após condenação.
O condenado fundamentalmente invoca que não pode pagar a multa por estar preso.
Em primeiro lugar, a falta de pagamento da multa aplicada nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita.
Em segundo lugar, do ponto de vista de política legislativa sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelo n.° 3 do art.° 49.° do C.P., dado o regime prisional a que está sujeito (…)”. Pelo que se decidiu, indeferir o requerido pelo condenado.
4 - É deste despacho que vem interposto o presente recurso, porquanto: - quanto ao entendimento de que “o âmbito de aplicação do n.º 3, do art.º 49.º do CP é, no fundo, circunscrito aos casos em que a falta de pagamento da multa pelo condenado se deve a alguma alteração superveniente da situação que fora anteriormente dada como provada pelo tribunal.
5 - Salvo melhor opinião, e quanto a este ponto, não parece ser essa a melhor interpretação da norma em pareço. De facto, como refere Figueiredo Dias, a pena de multa “só pode ser considerada como “instrumento privilegiado da política criminal quando surja não apenas no seu enquadramento legal, mas também no conceito social formado à luz da sua aplicação, como autêntica pena criminal, antes que como mero “direito de crédito do Estado” – ainda que de natureza publicística – contra o condenado”.
6 - Por outro lado, como salientam, quer de Maia Gonçalves quer de Paulo Pinto de Albuquerque, cfr. citações supra, a aplicação de pena de prisão subsidiária, efetiva, está dependente de se considerar, além do mais, o incumprimento da pena de multa como culposo.
7 - Nesse sentido, se pronuncia, também, o douto Acórdão do TRC, de 06.02.2013, no qual se refere que, para o efeito, (art.º 49.º, n.º 3,) o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.
8 - Deverá pois, ser considerado que a melhor interpretação e aplicação da norma do n.º 3, do art.º 49.º do CPenal, deverá ter em consideração a situação pessoal e económica, atual e concreta, do condenado para aferir se o não pagamento da multa lhe é ou não imputável.
9 - Quanto ao entendimento de que a falta de pagamento da multa aplicada nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita.
10 - Figueiredo Dias refere que “culpa é e há-de ser sempre censurabilidade”. “… a censurabilidade da culpa se não liga (…) a um tal poder (poder de agir de outra maneira), antes sim a um dever de responder às exigências éticas que se fazem (…) à personalidade do agente”. “… o direito fica legitimado a fazer exigências (…) à personalidade do homem; tais exigências que este “tem que” cumprir e por isso se lhe apresentam como tarefa, integram o “valor da personalidade” que caracteriza o homem suposto pela ordem jurídico-penal. Contudo, “… perante uma ação pela qual a personalidade é, em princípio, plenamente responsável, se comprove uma sensível desconformarão entre aquilo que poderá chamar-se a censurabilidade externo-objetiva do facto e a essência de valor da personalidade que o fundamenta, resultante do conhecimento total do seu carácter e da sua “atitude” ou das suas “intenções” fundamentais. E que uma tal desconformação possa (…) atribuir-se a uma constelação exógena particularmente imperiosa, a momentos exteriores à própria pessoa, que não encontram nesta nenhum “eco” censurável, antes “estorvaram” ou mesmo “desviaram” o cumprimento normal daquelas intenções. Neste caso, pese à manutenção da substancial responsabilidade da pessoa pelas suas ações, não poderá falar-se de culpa jurídico-penal, justamente em atenção a uma ideia de inexigibilidade”.
11 - Também, para Germano Marques da Silva, “o conceito de culpa, enquanto juízo de censura, equipara-se ao de exigibilidade. Atua com culpa a pessoa a que numa situação concreta pode exigir-se que atue em conformidade com os imperativos jurídicos contidos na norma.
A culpa pressupõe a normalidade da motivação do agente pelas normas do sistema jurídico-penal, mas o grau concreto de exigibilidade imposto pela lei resulta da relação entre as necessidades preventivas e os princípios utilitaristas da intervenção mínima e garantísticos, sendo, por isso, como o de normalidade, conceito normativo.
A finalidade de prevenção tem uma dupla valência. Por um lado só alguém com capacidade de se motivar pelas normas pode ser culpável e por outro lado atua como limite de exigibilidade”.
“A responsabilidade, por sua vez, significa, no seu sentido etimológico a capacidade de responder, a capacidade do homem de se comprometer e responder pelos atos que pratica e pelas suas consequências”. “O sistema penal português é também um sistema moderadamente penal do facto, isto é, partindo do facto, toma também, em conta o autor”.
11- Resulta das informações de fls. 423 e ss. do Serviço de Finanças de que não são conhecidos quaisquer bens ou rendimentos ao arguido. No mesmo sentido informa a secção de processos a fls. 432.
12 - O arguido juntou declaração, emitida pelo Estabelecimento Prisional C… na qual se declara que o arguido, B…, está recluído desde 25.04.2014.
13 - Mostra-se, assim que - na situação concreta em que se encontra o arguido, sem bens ou rendimentos, conhecidos, e em situação de cumprimento de pena, desde 25.04.2014 - não será exigível ao arguido, que atue em conformidade com os imperativos jurídicos contidos na norma, efetuando o pagamento da multa.
14 - Exigindo a finalidade de prevenção a capacidade de o arguido se motivar pela norma, não deve o mesmo ser considerado culpado porque, estando detido e não disposto de bens ou rendimentos, não pode optar por agir em conformidade com a lei.
15. Pelo que, a falta de pagamento da multa, aplicada ao arguido, nos presentes autos, não deverá ser-lhe imputada como resultante de um ato, seu, culposo, porque, na situação concreta em que o arguido se encontra, não lhe é exigível que atue em conformidade com a lei, efetuando o pagamento da multa, face à manifesta incapacidade económica do arguido e à sua situação de reclusão desde 25.04.2014.
16 - Quanto ao entendimento de que do ponto de vista de política legislativa sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições.
17 - A finalidade das penas está definida no art.º 40.º do CPenal, como sendo a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Tais finalidades não deixam de ser prosseguidas, também, em todas as decisões que impõem penas de prisão, mas suspensas na sua execução, nos termos e de acordo com o disposto no art.º 50.º do CPenal.
18 - Por maioria de razão, a pena de prisão subsidiária, aplicada, em substituição da pena de multa, não deixa de prosseguir tais finalidades pelo facto de se suspender a sua execução.
19 - No Ac. TRG de 19-05-2014, foi decidido que: III. É pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o não pagamento da multa tenha ocorrido por motivo não «imputável» ao condenado (art. 49 nº 3 do CPP). No Ac. TRC de 18-03-2015, entendeu-se que: II - … desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres.
20 - Como saliente Maia Gonçalves, neste caso, a possibilidade de a execução da pena de prisão poder ser suspensa – é um poder-dever ou seja um poder vinculado.
21 – Mostra-se, face à concreta situação do arguido, considerando, designadamente, as razões do não pagamento da multa, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
22 - Mesmo em situação de reclusão, diferentes condições poderão ser impostas ao arguido como condição da suspensão de execução da pena de prisão subsidiária, desde logo a obrigação de frequentar e desenvolver no EP, ou fora dele se entretanto for libertado, cursos e atividades, de acordo com as suas habilitações, aptidões e disponibilidade, que o habilitem a desenvolver uma atividade profissional quando em liberdade, ou, outras medidas que se julguem mais convenientes.
23 - A suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, imposta ao arguido B…, com as condições acima referidas, satisfaz não só a previsão do art.º 49.º, n.º 3, como também, a previsão do art.º 50.º, n.º 1, ambos, do CPenal.
24 - A decisão ora recorrida interpretou a norma do art.º 49.º, n.º 3, do CPenal, no sentido de que - o âmbito de aplicação do n.º 3, do art.º 49.º do CP é, no fundo, circunscrito aos casos em que a falta de pagamento da multa pelo condenado se deve a alguma alteração superveniente da situação que fora anteriormente dada como provada pelo tribunal; e considerou que; - a falta de pagamento da multa em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, porque a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita; e considerou, ainda, que; - não seria aceitável, do ponto de vista de política legislativa, que a situação de reclusão do condenado afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária. E, não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições.
25 - Porém deveria ter interpretado a referida norma do art.º 49.º, n.º 3, do CPenal no sentido de que, para a referida norma, o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária; e, por outro lado, encontrando-se o arguido em cumprimento de pena desde 25.04.2014, não parece que possa exigir-se-lhe que atue em conformidade com os imperativos jurídicos contidos na norma, efetuando o pagamento da multa, apesar de não possuir bens para tal, pelo que, o não pagamento da multa, não pode ser imputado a ato culposo do arguido; devendo ainda entender-se que, face à concreta situação do arguido, considerando, designadamente, as razões do não pagamento da multa, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; e, por último, mesmo em situação de reclusão, diferentes condições poderão imposta ao arguido como condição da suspensão de execução da pena de prisão subsidiária, desde logo a obrigação de frequentar e desenvolver no EP, ou fora dele se entretanto for libertado, cursos e atividades.
26 - Pelo exposto deverá ser revogada a douta decisão ora recorrida, o douto despacho de fls. 507 e ss., no qual se decidiu indeferir a requerida (pelo arguido) suspensão da execução da pena de 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, em substituição da pena de multa não paga, que deverá ser substituída por outra na qual seja decidido suspender a pena, de 80 dias de prisão subsidiária imposta ao arguido, pelo prazo de 1 a 3 anos, com a condição de, o arguido, durante o período da suspensão, frequentar e desenvolver no EP, ou fora dele se entretanto for libertado, cursos e atividades, de acordo com as suas habilitações, aptidões e disponibilidade, que o habilitem a desenvolver uma atividade profissional quando em liberdade, ou, outras medidas que se julguem mais convenientes.

Assim, deverá a douta decisão ora recorrida, ser revogada e substituída por outra, que, nos termos expostos, suspenda, pelo prazo de 1 a 3 anos e mediante condições, a pena, de 80 dias de prisão subsidiária imposta ao arguido.

Distribuídos os autos neste Tribunal, o Digno Procurador Geral-adjunto teve vista nos autos, não emitindo parecer.

Cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, veio o arguido pronunciar-se, tendo aderido às conclusões do recurso, pugnando pelo seu provimento.

Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
Resultam dos autos os seguintes factos relevantes para a apreciação do recurso.

A) O arguido B… foi condenado, em cúmulo jurídico, por Acórdão de fls. 284 e ss., nas seguintes penas:
a) No processo 493/07.5 GCALM, a pena de 50 (cinquenta) dias de multa, substituída por 50 (cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
b) Nos processo comum singular 817/09.0PHPRT; no processo comum singular 427/11.2PJPRT; no processo comum singular 734/12.7 PAVNG; no processo comum coletivo no processo 148/12.9 SMPRT (e neste processo apenas os crimes cometidos nos dias entre 12 a 15, 16 e 22 a 23 de Março de 2012); no processo comum singular 506/12.9 PAVNG e no processo comum singular 157/11.5 PWPRT, a pena única de 6 (seis) anos de prisão e 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de €600,00 (seiscentos euros);
c) No processo 148/12.9SMPRT, pelos factos praticados em 23 de Junho de 2012 a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, d) Tais penas serão cumpridas de forma sucessiva.

B) No Despacho de fls. 489 e ss., foi decidido, a fl. 497, face ao não pagamento da multa e comprovada a inexistência de bens exequíveis, determinar que o condenado cumpra 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária”. E, acrescentou-se:
“Notifique, sendo o condenado também para o informar de que pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (€600) (cfr. art.° 49º, n.° 2, do C.P.) e que se provar, dentro do prazo de 30 (trinta) dias após a notificação do presente despacho, que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (cfr. art.° 49°, n.° 3, do C.P.)”.

C) A fls. 403 e ss., veio o arguido B… requerer o seguinte: “…venho anexar ao dito processo (15411/15.9T8PRT) 1 declaração emitida pelo Estabelecimento Prisional C…, onde consta o inicio da minha reclusão, 25.04.2014, e creio que serve como prova quando falo da inexistência de rendimentos ou proveitos. Sendo assim e atendendo às minhas fracas possibilidade de poder apresentar outro documento qualquer que comprove com mais rigor o que me foi pedido. Vindo por este meio pedir a Vossa Excelência a suspensão da referida multa subsidiária. Creio que a presente declaração serve como prova do que foi dito”.
Junta declaração emitida pelo Estabelecimento Prisional C… na qual se declara que o arguido “está recluído desde 25.04.2014”.

D) No Despacho de fls. 507 e ss. foi decidido, a fl. 509, que: “o âmbito de aplicação do n.º 3, do art.º 49.º do CP é, no fundo, circunscrito aos casos em que a falta de pagamento da multa pelo condenado se deve a alguma alteração superveniente da situação que fora anteriormente dada como provada pelo tribunal, uma deterioração fortuita das condições económico-financeiras do condenado após condenação.
O condenado fundamentalmente invoca que não pode pagar a multa por estar preso.
Em primeiro lugar, a falta de pagamento da multa aplicada nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita.
Em segundo lugar, do ponto de vista de política legislativa sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelo n.° 3 do art.° 49.° do C.P., dado o regime prisional a que está sujeito (…)”.
Pelo que se decidiu, indefiro o requerido pelo condenado.
E) Resulta das informações de fls. 423 e ss. do Serviço de Finanças de que não são conhecidos quaisquer bens ou rendimentos ao arguido.
F) No mesmo sentido informa a secção de processos a fls. 432.
G) O arguido juntou declaração, emitida pelo Estabelecimento Prisional C… na qual se declara que o arguido, B…, está recluído desde 25.04.2014.
***
Atentas as conclusões do recurso, sendo estas que balizam o seu objecto, a única questão que importa apreciar e decidir é o saber se o despacho recorrido viola a previsão do art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal,

Vejamos então.

Dispõe o artigo 49º do C. Penal o seguinte:

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.

O nº 3 do preceito em causa, prevê a hipótese de o pagamento da multa não resultar de um comportamento culposo do condenado, cabendo-lhe provar nos autos que essa omissão não lhe é imputável.

Estamos perante o cumprimento de obrigação pecuniária, pelo que a ausência de culpa terá sempre que resultar da prova da impossibilidade de obtenção de rendimentos para o efeito.

As multas são pagas com dinheiro e esse dinheiro terá que estar disponível na esfera do condenado para o cumprimento da pena.

A obtenção de dinheiro para o efeito resultará de qualquer uma das formas legítimas e lícitas susceptíveis de o permitir, sendo a principal, e mais comum, a obtenção, como contrapartida da prestação de trabalho, de um vencimento.

Não havendo bens próprios, susceptíveis da originar rendimentos, ou susceptíveis de serem vendidos e assim recebido um preço, ou outros meios usuais de obtenção de liquidez pecuniária, ficará o condenado – saudável e em idade para o efeito – reduzido à possibilidade de trocar a sua força de trabalho por um vencimento.

Qualquer Manual de Economia explicará melhor os processos de obtenção de dinheiro, sendo que no caso, e na ausência de mais informações sobre as capacidades económicas do condenado, teremos que concluir que será mediante a sua prestação de trabalho que este obterá proventos para cumprir a pena.

O não cumprimento da pena, consubstanciado no pagamento da multa, terá assim que ser apreciado se resultou de um comportamento culposo deste, ou não.

A culpa será aquela que directamente causa o incumprimento da pena e não a culpa que gerou a censura e a reacção penal e determinou a fixação da pena.

Ao contrário do que é defendido no despacho recorrido, que entende ser a culpa do incumprimento a mesma que resulta do comportamento ilícito que determinou a fixação da pena, não se nos afigura serem as duas confundíveis, pois é manifesto que os seus pressupostos são diferentes, e o momento da sua apreciação é igualmente diferente, sendo a culpa do comportamento ilícito que determinou a reacção penal aferida face aos factos e bens jurídicos violados, e fixada mediante a pena que na ocasião se julgou ajustada, e a culpa do não cumprimento da pena, aferida face às condições económicas e às possibilidades financeiras do condenado no momento em que se verifica o incumprimento da pena.

Como é evidente, se dos autos resultarem elementos que permitam concluir que os proventos económicos do condenado não são suficientes para o pagamento da multa em que foi condenado, e se a ponderação da sua capacidade para o efeito à data do cumprimento da pena não se alterou, ou antes pelo contrário, se agravou, então dúvidas não temos que estamos perante uma situação de impossibilidade não culposa.

No caso dos autos, o condenado está em cumprimento de pena efectiva, estando-lhe vedado o recurso à celebração de contrato de trabalho que lhe permita a obtenção de rendimentos suficientes para o pagamento da multa.

Não resultam dos autos outros elementos quanto à sua situação económica que nos permita concluir que o condenado se está a furtar ao cumprimento do pagamento da multa, pelo que terá no caso pleno cabimento a aplicação da previsão do artigo 49º nº 3 do C.Penal, devendo a pena de prisão subsidiária fixada ser-lhe suspensa nos termos referidos na norma, pelo que haverá o recurso de proceder.
3 Decisão
Face ao exposto, julga-se provido o recurso e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, devendo ser proferido novo despacho que suspenda a execução da pena de prisão subsidiária ao condenado B… pelo período e com as condições, deveres e regras de conduta, a que alude o nº 3 do artigo 49º do C. Penal.

Sem custas

Porto, 21 de Junho de 2017
Raúl Esteves
Élia São Pedro