Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
459/15.1GAPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE FURTO
PERDA DE VANTAGENS
Nº do Documento: RP20160914459/15.1GAPRD.P1
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 689, FLS.178-190)
Área Temática: .
Sumário: I - Não tendo sido apreendida a coisa furtada, não poderá ter lugar a entrega da mesma ao lesado (o ofendido de boa-fé), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado (nº 2 do artigo 111º do Código Penal).
II - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do furto a pagar ao Estado o valor correspondente à coisa furtada, da qual o arguido se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (nº 4 do artigo 111º do Código Penal).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 459/15.1GAPRD.P1
Data do acórdão: 14 de Setembro de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca do Porto Este
Instância Local de Paredes | Secção Criminal

Sumário:
1. Não tendo sido apreendida a coisa furtada, não poderá ter lugar a entrega da mesma ao lesado (o ofendido de boa-fé), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado (nº 2 do artigo 111º do Código Penal).
2. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do furto a pagar ao Estado o valor correspondente à coisa furtada, da qual o arguido se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (nº 4 do artigo 111º do Código Penal).
Acordam os juízes acima identificados da 4ª Secção Judicial
- 2ª Secção Criminal -
do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I - RELATÓRIO
1. Em 10 de Março de 2016 foi proferida a sentença condenatória do arguido, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
«Decisão
1. Condenar o arguido B… pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
2. Declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática do crime, e consequentemente, Condenar o arguido B… a pagar ao Estado a quantia de €1.750 (mil, setecentos e cinquenta euros), ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal.
3. Condenar o arguido B… no pagamento das custas do processo penal, fixando em 3 UC’s o valor da de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo, sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia.
(…)»

2. Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso da mesma, terminando a
motivação de recurso com as necessárias conclusões, nas quais suscitou, em suma:
a) Violação da presunção de inocência do arguido;
b) Erros em matéria de direito:
a. Os factos provados não integram a prática de um crime de furto (artigo 203º do Código Penal);
b. A pena aplicada é excessiva;
c. Não há fundamento legal (nomeadamente no artigo 111º do Cód. Penal) para que o autor de um furto seja condenado a pagar ao Estado um montante equivalente ao valor da vantagem patrimonial que obteve com a prática do crime, mesmo nos casos em que o ofendido não deduziu pedido de indeminização cível.
5. O recurso foi objeto de resposta por parte do Ministério Público na primeira instância e de parecer neste Tribunal, ambos concluindo pela improcedência do recurso.
6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
a) Violação da presunção de inocência do arguido;
b) Erros em matéria de direito:
a. Os factos provados não integram a prática de um crime de furto (artigo 203º do Código Penal);
b. A pena aplicada é excessiva;
c. Não há fundamento legal (nomeadamente no artigo 111º do Cód. Penal) para que o autor de um furto seja condenado a pagar ao Estado um montante equivalente ao valor da vantagem patrimonial que obteve com a prática do crime, mesmo nos casos em que o ofendido não deduziu pedido de indeminização cível.
Para decidir as matérias acima descritas, importará, primeiramente, recordar o teor da fundamentação em matéria de facto e de direito da sentença recorrida.

II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar algumas passagens da decisão recorrida -:
«II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
1.1. Factos Provados
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
- Constantes da acusação pública:
1. Em data e hora não concretamente determinadas, mas situadas cerca de três semanas antes de 27/05/2015, o arguido B… decidiu fazer sua a madeira existente nas árvores plantadas em alguns terrenos rústicos localizados no … - ….r – Paredes, descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob os números 1659, 1811 e 1812 (Todos da Freguesia de …), pertencentes ao ofendido C…, com valor não concretamente apurado, mas de não inferior a €255 (duzentos e cinquenta euros).
2. Como o arguido não é madeireiro e não dispunha de material próprio para o corte e transporte da madeira, decidiu contratar os serviços de D…, madeireiro de profissão, o que fez, dizendo-lhe que tinha feito negócio com as árvores que existiam no terreno sobredito, e que pretendia proceder ao seu corte para posterior venda da madeira, e que não dispunha de dinheiro para pagar-lhe o serviço, propondo-lhe que o pagamento fosse efectuado com a entrega de parte da madeira que fosse sendo cortada, numa percentagem de cerca de 50%, o que D… aceitou, por ter ficado convencido de que o arguido estava a dizer a verdade.
3. Assim, na sequência dos supra referidos factos, durante cerca de três semanas antes de 27/05/2015, e no próprio dia 27/05/2015, cerca das 18H30, D…, procedeu ao corte de diversas árvores, essencialmente eucaliptos e alguns pinheiros, ambos em número não concretamente determinado, cujo peso global não foi possível apurar, mas que seria de pelo menos cerca de 100 (cem) toneladas, que transportou em cerca de 50% para um estaleiro pertencente ao arguido, fazendo seus os remanescentes 50%.
4. Bem sabia o arguido que tal terreno e árvores não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu dono, e ainda que ao proceder da forma descrita causava, como efectivamente causou, ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado, mas de pelo menos €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
5. O arguido agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, mas apesar de o saber, quis actuar da forma descrita, com o objectivo de se apropriar, como efectivamente se apropriou, da supra referida quantidade de madeira, e dela dispor como se fosse coisa sua.
- Constantes da Contestação, com relevo para a decisão a proferir:
6. O arguido, na altura dos factos, trabalhava como motorista.
7. O arguido e o D… combinaram entre si, que cada um ficava com metade da madeira.
8. O arguido nunca disse ser o proprietário do terreno referido no ponto 1. dos factos provados.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
9. Do CRC do arguido consta:
- em 15.10.2013, pela prática em 11.11.2012, de um crime de ofensa à integridade física, uma condenação na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €6.
- Quanto à situação económica, familiar, social e profissional do arguido provou-se que:
10. O arguido é motorista de pesados, contudo desempregado desde Maio/Junho 2015; da actividade relacionada com limpeza de mato e compra e venda de madeira aufere entre 600 e 700 euros por mês; reside com a esposa, empregada refeitório, que aufere mensalmente 130 euros, e com os seus dois filhos, com 19 e 17 anos de idade, respectivamente; vive em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a 120 euros; tem um veículo automóvel de marca mercedes, modelo 190, do ano de 1984, a gasóleo; tem o 4º ano de escolaridade.

1.2. Factos Não Provados
- Constantes da acusação pública:
A. Nas circunstâncias referidas no ponto 2. dos factos provado o arguido disse a D… que era proprietário dos terrenos referidos no ponto 1. dos factos provados.
- Constantes da Contestação, com relevo para a decisão a proferir:
B. O ofendido solicitou ao arguido que procedesse à limpeza do terreno melhor identificado no ponto 1. dos factos provados, nomeadamente procedesse ao corte de árvores e, em contrapartida por esse trabalho, combinaram que o arguido ficaria com as árvores que cortasse.
C. O ofendido disse ao arguido que precisava que o terreno ficasse limpo e sem árvores até meados de Agosto, pois já o tinha vendido.
D. O arguido solicitou ajuda a D…, pois este já conhecia o ofendido há vários anos.
E. D… sabia a quem pertencia o terreno identificado no ponto 1. dos factos provados.
Os demais factos alegados são conclusivos, correspondem a conceitos de direito ou não revestem interesse para a decisão a proferir.
1.3. Motivação da Decisão de Facto
A prova foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento globalmente considerada, destacando-se, resumidamente, o seguinte.
Valoraram-se as declarações do arguido na parte em que confirmou os factos ínsitos nos pontos 2 e 3 dos factos provados, tendo esclarecido que contratou D… para cortar as árvores que se encontrassem no terreno melhor id. no ponto 1º dos factos provados, o que aquele fez sob a sua indicação, tendo com o mesmo acordado que o pagamento seria efectuado mediante a entrega de 50% da madeira cortada, sendo que a demais ficaria para o arguido. Tais factos foram, igualmente, confirmados por D….
Contudo, o arguido referiu que o fez, a pedido do ofendido, que em Fevereiro/Março 2015 pediu “para fazer limpeza ao terreno”, cortar o mato e abatendo as árvores, sendo estas o pagamento daquela limpeza; mais referiu que o ofendido disse-lhe que andava com problemas em tribunal por causa das limpezas, sendo que a primeira conversa do ofendido foi com o seu filho E…, mas que esse recusou fazer o serviço; disse que o ofendido lhe referiu para tinha de tirar tudo até Agosto porque a partir dali o terreno não era dele; mais disse que cerca de meio ano antes tinha feito uma limpeza ao terreno, e “levou 300 e tal euros”; mais disse que na altura ainda trabalhava como motorista, não tinha tractor com guincho e, por isso, contratou D… para fazer a “limpeza”, tendo acordado que a madeira era metade para cada um, mas que este apenas lhe entregou 20 toneladas; por fim, referiu que “eles andaram lá 2 semanas a limpar”, tendo começado no princípio de maio de 2015.
O ofendido C…, negou peremptoriamente esta versão dos factos; confirmou que contratou o arguido uma única vez, em meados de Novembro de 2014, para cortar umas mimosas e um pinheiro, em cerca de 10 m. de largura do terreno identificado nos autos, por um vizinho ter ligado a dizer que umas austrálias estavam a cair para o seu terreno, tendo pago 250 euros mais madeira, o que o arguido fez com uma motosserra e com a ajuda de dois filhos, ao sábado, contudo não contratou mais nenhum serviço, sendo que nessa altura referiu ao arguido já ter o terreno vendido; mais disse, que o arguido tem um estaleiro de madeiras nas imediações do seu terreno e que conhece os filhos dos arguidos por serem acólitos; no dia anterior à apresentação da queixa-crime, 27.05.2015, passou pelo terreno de bicicleta, viu que tinham sido serrados pinheiros junto ao caminho, ouviu barulho de motosserra, dirigiu-se ao seu interior e viu D… e três funcionários a cortar árvores do seu terreno; interpelou-o, tendo aquele esclarecido que o arguido o tinha contratado para “limpar o terreno”, que andava lá há 15 dias a cortar madeira, tendo de imediato suspendido os trabalhos; mais disse, que antes dessa data tinha feito um contrato promessa de compra e venda do terreno, recebeu €3.000 de sinal e agora os promitentes-compradores não querem fazer o negócio; perguntado, esclareceu que há cerca de 10 anos ganhou 8.000 euros com a venda de madeiras desse mesmo terreno, sendo que nunca limpou a mata.
Por seu turno, D…, madeireiro, esclareceu que o arguido o contratou para fazer um corte de madeiras em início/meio do ano de 2015, em …, na zona …; na altura o arguido disse à testemunha que depois do corte tinha que limpar o terreno e que depois o terreno ia ser vendido a pessoas que estavam no estrangeiro; o arguido mostrou o “monte”, as marcações e disse o que era para cortar; esclareceu que o arguido não disse quem era o proprietário do terreno, mas quanto à madeira disse que tinha feito negócio quanto a ela; a testemunha relatou que o arguido disse que queria fazer o negócio, mas não tinha dinheiro para fazer o pagamento, sendo que a testemunha levava 15 euros a tonelada, com transporte; ficou acordado que cada um ficava com metade da madeira, tendo a testemunha levado entre 100 a 150 toneladas de madeira, sendo metade para casa do arguido; a testemunha esclareceu que costuma vender a 40 euros a tonelada, o que daria cerca de 4.000 euros, contudo se fosse a comprar directamente, tendo de cortar a madeira, ficaria a 20 euros a tonelada, sendo que antes de cortada a madeira valeria €3.500; perguntado disse que fez o corte quase até ao fim até que apareceu o Sr. C…, que não deixou cortar mais nada porque tinha havido um engano, dizendo que não tinha vendido nada, nem tinha mandado cortar nada, tendo a testemunha explicado ao ofendido o negócio feito com o arguido; perguntado, disse que o arguido foi várias vezes ao terreno enquanto andaram lá (cerca de 2 semanas), sendo que fez limpeza por dois dias até que se avariou uma máquina; por último, disse que não sabe quem é o proprietário do prédio em apreço, nem o perguntou ao arguido por já ter feito vários negócios com ele.
E…, com 19 anos de idade, filho do arguido, referiu que conhece o fendido por ter sido acólito; referiu que num sábado, estava no terreno do pai, em …, quando o ofendido chegou; a testemunha foi chamar o seu pai e o ofendido propôs ao arguido que limpasse o terreno e que para pagar o serviço abatia as árvores, sendo que já tinha prometido vender o terreno em agosto; referiu que o seu pai consoante limpava, abatia as árvores, sendo que seria o madeireiro que iria abater as árvores que iria fazer igualmente a limpeza; mais disse que o ofendido deslocou-se novamente ao terreno do pai para saber quando dava início ao serviço; esclareceu que o pai tinha feito um contrato anterior para limpar uma leira, a 20 ou 25 euros à hora, tendo o ofendido pago 100 euros quando já andavam a trabalhar e depois um cheque, cujo valor não sabe, e deu também madeiras – mimosas, eucaliptos e pinheiros; por último, disse que o Sr. C… nunca propôs o negócio à testemunha, sendo que o pai não tem tractor com guincho, que é necessário para evitar a queda descontrolada de árvores, apenas tinha motosserra.
F…, esposa do arguido, que referiu que quando o ofendido se deslocou ao terreno chamou o marido para falar com o aquele, não ouviu a conversa do marido e do Sr. C…, contudo após a conversa ouviu o marido a dizer que o Sr. C… o veio contratar para limpar a mata até agosto, sendo que a conversa foi na presença do filho; mais disse que viu uma segunda conversa, também na presença do filho; disse que na altura o arguido era motorista de pesados, pelo que acordou com D…, madeireiro, a divisão de metade da madeira; espontaneamente disse que num primeira vez “aí contratou o marido” para limpar um monte no mesmo sítio objecto dos autos e pagou ao marido e passados três meses foi falar com marido para o segundo serviço a que aludiu supra; perguntada, disse que “o pagamento era abater as árvores que quisesse”, mas não tinha máquinas para o efeito, por isso contratou o Sr. D….
Por último, G…, manobrador de máquinas, referiu que trabalha para os arguido aos sábados, “a rachar lenha”, há cerca de 3 anos e que conhece o arguido por o ver a falar com o arguido no terreno deste; perguntado, disse que num sábado, a meio da manhã, em Janeiro/Fevereiro, em 2015, o ofendido “chamou pelo B… e estiveram a conversar”, sendo que após a conversa, o arguido disse que o ofendido tinha dado a lenha pela limpeza do monte; referiu que o filho do arguido também assistiu à conversa; mais disse que ajudou o arguido nas limpezas das leiras num terreno do ofendido, anteriormente a esta conversa, cerca de 6 meses atrás, limparam austrálias.
Ora, da prova produzida temos, por um lado, o ofendido que sustenta nada ter acordado com o arguido e este que sustenta que cortou as árvores por ofendido como meio de pagamento do serviço de limpeza, tendo as testemunhas de defesa tentado corroborar a versão dos factos trazida pelo arguido, a nosso ver, malogradamente. Vejamos.
- O arguido declarou que a primeira conversa do ofendido para a limpeza do terreno foi com o seu filho E…, mas que este recusou fazer o serviço. O filho do arguido, E…, negou peremptoriamente tal facto, o que o ofendido também fez;
- E…, filho do arguido, referiu que quando o ofendido se deslocou ao terreno daquele para o contratar para fazer a limpeza em troca da lenha das árvores, foi a testemunha que foi chamar o arguido. Já F…, esposa do arguido, referiu que foi esta que foi chamar o arguido;
- E…, filho do arguido, relatou não ter assistido à conversa havida entre arguido e ofendido. G…, manobrador de máquinas, que afirmou que estava presente o local referiu que o filho do arguido assistiu a esse mesma conversa;
- E… referiu que o pagamento acordado entre arguido e ofendido era que o seu pai “consoante limpava, abatia as árvores”, sendo que seria o madeireiro que iria abater as árvores que iria fazer igualmente a limpeza. Ora, por um lado, o madeireiro, a testemunha D…, referiu que era o arguido (e não a testemunha D…) que ia fazer a limpeza e que o arguido só foi um dia ou outro fazer limpeza, sendo que as regras da experiência comum e normal acontecer ditam que corta-se primeiro e depois limpa-se;
- aponte-se, ainda, que a testemunha F…, esposa do arguido, referiu espontaneamente que na primeira vez, cerca de seis meses antes dos factos objecto dos autos, o ofendido “aí contratou o marido” para limpar um monte no mesmo sítio objecto dos autos e pagou ao marido e passados três meses foi falar com marido para o alegado serviço relatado pelo arguido. A expressão espontânea da testemunha “aí contratou o marido” permite concluir que não houve qualquer outra contratação, nomeadamente a que o arguido quis fazer crer que o legitimaria a praticar os factos objecto destes autos;
- acresce que a testemunha F…, perguntada, disse que “o pagamento era abater as árvores que quisesse”, mas como o arguido não tinha máquinas para o efeito, este contratou o Sr. D…. Veja-se que também não se mostra plausível à luz das regras da experiência e normal acontecer que o arguido aceitasse fazer um serviço, para o qual não tinha meios, nem disponibilidade, sem saber quanto é que o Sr. D… lhe ia levar pelo mesmo, ou seja, sem saber se era rentável ou se iria ter prejuízo;
- G… referiu que trabalha para o arguido aos sábados, “a rachar lenha”, e que estava presente na conversa tida entre o ofendido e o arguido; pergunta-se se só tinha visto o ofendido naquele momento, como sabe quem é o Sr. C…;
- Refira-se, ainda, que não se revela minimamente plausível à luz das regras da experiência comum e normal acontecer que o ofendido que, como disse, há dez anos ganhou 8.000 euros com a venda da madeira do seu terreno e já tinha prometido vender o terreno com as árvores (cfr. contrato promessa 13-14), propusesse ao ofendido pagar-lhe a “limpeza” ao terreno com todas as árvores que lá se encontrassem; o arguido quis fazer crer tratar-se de um preço justo por aquele trabalho, custo esse que o ofendido já não queria suportar porque tinha prometido vender o terreno, mas veja-se que ainda assim o rendimento foi tal que permitiu ser dividido pelo arguido e por D…, que efectivamente fez o corte de árvores, ou seja, para o dono do terreno não era rentável, mas para o arguido já o era;
- por último, de referir que igualmente não se mostra plausível à luz das regras da experiência comum e normal acontecer que o ofendido, que tinha feito um contrato-promessa de compra e venda do terreno com as árvores incluídas (cfr. fls. 13-14), recebido 3.000 euros de sinal, mandasse “limpar” todo o terreno, pagando tal limpeza com as árvores nele existentes, e com isso “perdesse” o negócio acordado, pois naturalmente, os promitentes compradores deixaram de ter interesse no negócio, como o ofendido o esclareceu, deixando este de receber o remanescente o preço acordado (€32.000 – cfr. fls.- 13 v)., já para não referir da eventual obrigação de entregar aos promitentes compradores o sinal recebido em dobro (€6.000).
Da prova produzida em julgamento ficou o tribunal convicto que os factos ocorreram como o ofendido de forma espontânea e sincera relatou, não merecendo qualquer credibilidade a versão dos factos relatada pelo arguido, pelas razões que deixámos supra expostas. Importa também referir, por último, que as testemunhas de defesa não só mostraram as fragilidades e contradições que supra se sublinhou, como os depoimentos foram prestados de forma insegura, vacilante e encenada, sendo que no que respeita à testemunha E…, filho do arguido, além do mais, evidenciou constante nervosismo durante a prestação do depoimento, que a face rubra também não deixava esconder.
Aponte-se quanto ao valor da madeira furtada que a sua prova decorreu do depoimento de D… que foi esclarecedor quanto a esta matéria. Disse que cortou efectivamente entre 100 a 150 toneladas de madeira, e levou metade para casa do arguido; o arguido referiu que apenas lhe foi entregue 20 toneladas de madeira, por a sua esposa dizer que a sobredita testemunha entregava pouca madeira. Também aqui o arguido não mereceu credibilidade pois que a testemunha D… foi peremptória em afirmar que, após o corte, diariamente passava em casa do arguido onde entregou metade da madeira ao arguido.
Acresce que esta testemunha D… referiu que costuma vender a 40 euros a tonelada, o que daria cerca de 4.000 euros, contudo se fosse a comprar directamente, tendo de cortar a madeira, ficaria a 20 euros a tonelada, sendo que antes de cortada a madeira valeria €3.500. Por outro lado, esta testemunha referiu que não cortou toda a madeira por ter sido impedido pelo ofendido. Este, por seu turno, referiu que há 10 anos ganhou 8.000 euros com a venda de toda a madeira daquele mesmo terreno.
Ora, da prova produzida ter-se-á que concluir que o arguido recebeu metade da madeira cortada e transportada por D…, que como esse disse, rondou entre as 100 e 150 toneladas, ou seja, pelo menos o arguido recebeu efectivamente 50 toneladas de madeira, no valor de pelo menos 1.750 euros, pois caso vendesse a 40 euros a tonelada, como referiu a sobredita testemunha, ganharia €2.000
Valorou-se, ainda, o teor do contrato de fls. 13-14, fotografias de fls. 15 e 24-64 e certidão matricial de fls. 16-23.
No que tange ao valor das árvores valorou-se o depoimento de D…, madeireiro contratado pelo arguido, aliás, que o confirmou.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais do arguido valorou-se o certificado de registo criminal junto a fls. 95 aos autos, e quanto à situação económica, familiar e social do arguido, fundou o tribunal a sua convicção nas declarações deste.

2. De Direito
2.1. Enquadramento jurídico-penal
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal.
Estatui o n.º 1, do artigo 203º, do Código Penal que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
O bem jurídico protegido pela mencionada norma incriminadora é a propriedade, visto como uma especial relação de facto sobre a coisa - poder de facto sobre a coisa - tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa, como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica.
Do referido artigo 203º do Código Penal extrai-se os seguintes os elementos típicos do crime de furto: I) ilegítima intenção de apropriação; II) subtracção; III) coisa móvel alheia; IV) o dolo. A estes elementos expressos há ainda que acrescentar um elemento implícito: V) o valor patrimonial da coisa.
Delimitando conceptualmente os seus elementos temos que o primeiro elemento, intenção de apropriação – que para além de tudo a lei ainda exige que seja ilegítima, isto é, contrária ao direito – “deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro” (cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 33, § 27). Trata-se de um elemento subjectivo do tipo objectivo de ilícito, que faz do furto um crime intencional, mas não de um dolo específico, e que deve ser acoplado ao elemento dolo, do tipo subjectivo de ilícito.
O crime de furto é um crime essencialmente doloso, no entanto, “há uma indesmentível dimensão subjectiva na intenção de apropriação. Isto é: ao primeiro momento lógico em que se tem de verificar uma intencionalidade exclusivamente virada para a (des)apropriação outra tem de seguir imediatamente no sentido de apropriação” – cfr. Ob. cit. pág. 46, § 60.
O dolo, por sua vez, deve cobrir todos os elementos do tipo objectivo de ilícito e, assim, para além dos elementos do tipo fundamental (furto simples).
No crime de furto não basta que haja intenção de apropriação de coisa móvel alheia para que estejam preenchidos todos os elementos típicos do crime de furto. É necessário ainda, tal como para qualquer outro tipo legal de crime, que haja uma exteriorização objectivável daquele animus.
A subtracção, por sua vez, traduz-se numa “conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica a eliminação do domínio de facto que outrem pratica sobre a coisa” – cfr. Ob. cit p.43, § 54.
A coisa tem de ser subtraída “à esfera, real ou potencial, de utilidades de quem dela usufruía (sem ser em sentido civilístico rigoroso: isto é, quem de modo legítimo estava apto a retirar da coisa utilidades com relevância jurídica) e entrar, sendo suficiente um modo precário, ou mesmo passageiro, na esfera de utilidade e de disponibilidade do próprio delinquente, não sendo, no entanto, necessário, obviamente, que retire da coisa subtraída real e efectivo proveito” (Faria Costa, Crimes contra o Património, Lições ao 5º ano, F.D.U.C.). Por outro lado, são irrelevantes as formas por que se concretize tal subtracção, já que o artigo não descreve a modalidade de acção (trata-se de um crime de realização livre).
Coisa é toda a substância material susceptível de apreensão com carácter jurídico relevante. Porém, o furto só pode ter lugar relativamente a coisas móveis – “É móvel toda e qualquer coisa que seja susceptível de ser deslocada espacialmente” – e alheia – “é alheia toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção” (Ob. cit., p. 41, § 47).
Atentos os factos provados ter-se-á que concluir que se encontram preenchidos todos os elementos típicos crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, razão pela qual o arguido não pode deixar de ser punido por tal crime.

2.2. Determinação da Pena
2.2.1. Da Medida Concreta da Pena
O crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Impõe-se, num primeiro momento, optar pela pena a aplicar ao arguido.
À luz do artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", ou seja, visa cumprir a finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto protecção de bens jurídicos “a medida da pena há-de ser dada pela medida e necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto... Quando se afirma que é função do Direito Penal tutelar bens jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação. Aqui pois, a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”. Ed. Aequitas, 1993, pág. 227).
Bem como, a finalidade de prevenção especial de socialização referida à reintegração do agente na comunidade.
Assim, a escolha da pena terá necessariamente de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir tais objectivos. Embora a pena privativa de liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo deverá sobrepor, e de forma prioritária, a necessidade de ressocializar o infractor.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador as penas são aplicadas com a finalidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e em última análise na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
Só especiais exigências de prevenção e de adequação à culpa justificarão o recurso a penas detentivas não podendo, em caso algum, a pena (seja ela qual for) ultrapassar a medida da culpa.
Por essas razões, só quando as penas não privativas da liberdade se não mostrarem suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição (de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente) é que deverá ser dada preferência à pena detentiva (artigo 70º do Código Penal).
Explicitando tal ideia refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331 “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição.
O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
Este critério tem sido entendido pela doutrina como uma conjugação de dimensões exclusivamente preventivas. Dir-se-á que a pena de prisão é de “substituir” por uma medida não detentiva sempre que razões de prevenção especial o aconselhem e razões de prevenção geral se não lhe oponham (cfr. Anabela Rodrigues, “Critério de escolha e penas de substituição”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Eduardo Correia).
Com efeito, o sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência das reacções criminais não detentivas da liberdade relativamente às penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam, em concreto, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, qual sejam, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente do crime na sociedade – artigos 70º e 40º, do Código Penal.
De acordo com o n.º 1 deste último comando legal "a aplicação das penas ... visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", acrescentando o seu n.º 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Significa isto que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.
Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à escolha da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.
A opção entre a pena de prisão ou pena de multa tem que ser feita tendo em conta o grau de socialização do agente e os reflexos que qualquer dessas penas poderá ter na sua vida futura.
Será de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o arguido da criminalidade.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a maior das vantagens da pena de multa é a de não quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional, evitando, por esta forma, um dos efeitos criminógenos da pena privativa da liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam – cfr. “Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 120-121.
Vejamos.
No caso em apreço o arguido tem um condenação anterior, contudo por crime de natureza distinta, encontra-se profissional e familiarmente inserido, não se afigurando que a necessidade de assegurar a confiança da comunidade na norma violada aconselhe a opção pela pena privativa da liberdade ao arguido, mostrando-se suficiente à reprovação da sua conduta e à prevenção de futuros crimes, a aplicação de uma pena de multa.
Assim, face ao exposto e de harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, afigura-se-nos que, no caso concreto, a pena de multa é suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção especial e prevenção geral que o ilícito em apreço reclama.

2.2.2. Da Medida Concreta da Pena
Estabelece o n.º 1 do artigo 71º do Código Penal que a “determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do artigo 40º, n.º 2 do mesmo código.
Assim sendo, na determinação da exacta medida da pena, ter-se-á que atender à formula básica interpretativa deste normativos, segundo a qual temos de partir da sua moldura abstractamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.
As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma submoldura, a qual tem por limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídico-penais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5.º ano da FDUC, pág. 279 e ss.).
Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta submoldura, a medida exacta da pena concreta aplicável ao agente.
Na ponderação da medida concreta da pena deverá o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71º, n.º 2 do Código Penal).
Tendo, pois, em conta o princípio geral que acaba de ser formulado, deverão ser neste momento consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado, sejam expressivas da culpa dos arguidos e da medida das necessidades de prevenção.
Feita a opção pela pena de multa, no que respeita, importa agora determinar a medida da pena a aplicar à arguida.
O Código Penal consagrou o sistema de dias de multa (artigo 47º, n.º 1 do Código Penal), de acordo com o qual a pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal. No caso sub judice:
- o grau da ilicitude é médio, atendendo ao modus operandi do agente;
- o valor apurados dos bens furtados (€3.500);
- a intensidade do dolo, que é directo;
- pondera-se, ainda, a ausência de espírito crítico do arguido, alvitrando razões implausíveis para o seu cometimento;
- tem uma condenação anterior, contudo por crime de distinta natureza;
- o arguido está familiar e profissionalmente inserido.
Assim, tudo ponderado e tendo em conta a moldura abstracta da pena de multa prevista para o crime de furto (pena de multa de 10 a 360 dias – cfr. artigos 47º, n.º 1 do Código Penal e artigo 203º do Código Penal), reputamos como proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 200 (duzentos) dias de multa.
Na fixação do quantum diário da multa, dispõe o artigo 47º, n.º 2 do Código Penal que deve ser encontrado um montante pecuniário diário entre €5,00 (cinco euros) e €500,00 (quinhentos euros), determinado em função segundo da situação económica do arguido e dos seus encargos pessoais, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.
No caso sub judice apurou-se que o arguido é motorista de pesados, contudo desempregado desde Maio/Junho 2015; da actividade relacionada com limpeza de mato e compra e venda de madeira aufere entre 600 e 700 euros por mês; reside com a esposa, empregada refeitório, que aufere mensalmente 130 euros, e com os seus dois filhos, com 19 e 17 anos de idade, respectivamente; vive em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a 120 euros; tem um veículo automóvel de marca mercedes, modelo 190, do ano de 1984, a gasóleo; tem o 4º ano de escolaridade.
Atentos os factos supra aludidos no que concerne à situação económica, social e familiar do arguido, julga-se adequado fixar tal montante em €7 (sete euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

3. Da Perda de Vantagens Patrimoniais nos termos do artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal.
O Ministério Público veio requerer que se declare a perda da vantagem patrimonial alcançada, pelo arguido pelo cometido do crime por que vem acusado, a favor do Estado, nos termos do artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal.
Notificado, o arguido pronunciou-se pelo indeferimento do promovido (cfr. fls. 133).
Dispõe o artigo 111º, do Código Penal nos segmentos que importam:
“1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor”.
(…)
Seguindo de perto o Ac. do STJ de 03-10-2002, disponível em www.dgsi.pt, “a essência ou a significação político - criminal do que no artigo 111º, do Código Penal se estipula (particularizando, de algum modo, a filosofia que, no geral, informa a regulamentação da perda de instrumentos, produtos e vantagens, inserto no Capítulo VIII DO Título III – Das consequências Jurídicas do facto), alcança-se a partir de uma tonalidade ampla a conferir ao termo “vantagem” (encarada esta ao lado dos objectos, instrumentos, produtos e direitos relacionados com o ilícito praticado ou deste oriundos) ou seja numa perspectiva abrangente, quer da recompensa dada ou prometida ao agente delitivo, quer de todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime (facto ilícito) em que, através dele ou por via dele, haja sido conseguido.
E a alguma distinção (ou, melhor dizendo, a diferenciação em capítulo daqueles que rege o destino do ilicitamente obtido) apercebível no confronto entre o regime de perda (a favor do Estado) relativo a objectos, instrumentos e produtos, por um lado e o regime de perda de vantagens (ainda a favor do Estado) por outro, encontra plausível justificação, mesmo que sob a égide de um escopo, no fundo, comum; a legitimar a perda dos objectos, instrumentos e produtos do crime acha-se, em primeira linha, a sua perigosidade (e decorrente adequação) imediata ou potencial para a prática de crimes, ao passo que a perda de vantagens assenta, primacialmente, num desiderato ditado, não só por razões de prevenção geral da criminalidade ou da conveniência da criminalidade ou da conveniência de uma acrescida censura ao desvalor das condutas desenvolvidas mas, sobretudo, pela necessidade de se estabelecer uma efectiva (normativamente efectiva) objectividade à ideia tradicional (porém sempre actual e perdurável) de que se o crime não compensa, importa que se obste e é fundamental que se impeça que, na prática, compense ou possa compensar.
“Sendo certo que nenhuma disposição legal retira propriamente imperatividade à perda a favor do Estado, prevista na primeira parte do seu n.º 2 do artigo 111º, do Código Penal e sendo igualmente certo que tal imperatividade pode ser condicionada na sua abrangência pelos “direitos do ofendido”, parecerá que a tutela desses direitos terá forçosamente de derivar (ou de depender, em termos de efectivação prática) de uma comprova (inequívoca e prévia) de que o agente do crime (e demandado cível) não satisfará de “ motu próprio” ou não se encontrará em condições de satisfazer a reparação a que, por decisão judicial, ficou adstrito.
O que, no fim de contas, se reconduz - certo sendo que o Estado apenas deixará de dispor integralmente do que tiver revertido a seu favor nos precisos termos em que esse acervo deva ser indispensável a cobrir o dano sofrido pelo lesado e importando, ainda, que a reversão das vantagens para o mesmo lesado deva pautar-se por uma exacta correspondência ao valor do prejuízo por aquele suportado (e a que tenha ficado com direito) – por um lado, à verificação de que o autor de facto ilícito não reparará o prejuízo que causou (reparação a que foi condenado) e ao apuramento, por outro, do valor real daquilo que haja de consubstanciar a matéria patrimonial sobre que vai incidir o direito à reparação”.
(…)
Quando os bens que consubstanciam o benefício patrimonial obtido forem restituídos ao lesado (v.g. o automóvel subtraído), no decurso do processo ou na decisão final, o confisco previsto no artigo 111.º do Código Penal apenas operará se a vantagem for superior àqueles (v.g. o valor da sua utilização no período em que esteve na posse do arguido) ou o ofendido, por um qualquer motivo válido, não aceitar a restituição. O Estado não pode confiscar os bens do lesado, devendo limitar-se a restituí-los ao seu legítimo proprietário (art. 186.º, n.º 1, do CPP), assim anulando a vantagem obtida. Voltar a confiscá-la (restituição mais perda) seria uma verdadeira violação do ne bis in idem. Aliás, em bom rigor, como já não há vantagem, também não há nenhum conflito prático entre o confisco e um eventual pedido de indemnização civil (v.g. para recuperar os danos causados com a má utilização da viatura), cujas regras também são, igualmente, desnecessárias, porque se trata de restituir «o seu a seu dono» (suum cuique tribuere).
Contudo, no cado dos autos não foi deduzido pedido de indemnização civil e ficou provado que o arguido furtou bens do ofendido, no valor de pelo menos €3.500,00, a que corresponde o prejuízo do ofendido; contudo apurou-se que o arguido ficou apenas com 50% da madeira das árvores do ofendido, já que a outra metade ficou para o madeireiro que o arguido contratou para proceder ao corte das árvores, ou seja, o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita de, pelo menos, €1.750 com a prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal.
Fazendo nossas, as palavras de João Conde Correia, Procurador da República, e Hélio Rigor Rodrigues, Procurador-Adjunto, publicado na sobredita Revista, “a remoção dos incentivos económicos subjacentes a prática do crime, concretizada através do confisco das respectivas vantagens, constitui o único modo verdadeiramente eficaz de combater a actividade ilícita que visa o lucro. As finalidades preventivas que por esta via se alcançam, em conjugação com o quadro normativo vigente, impõem que se conclua de forma inequívoca que inexiste qualquer limite ao confisco motivado pela mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil”, (sublinhado nosso), pelo que ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, condena-se o arguido a pagar Estado a quantia de €1.750 (mil, setecentos e cinquenta euros), sem prejuízo do ofendido vir a requerer a atribuição da sobredita quantia, nos termos do disposto no artigo 130º do Código Penal.»
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1ª questão: Da violação do princípio da presunção de inocência;
O recorrente motivou o seu recurso numa alegada violação, pelo Tribunal a quo, da citada garantia constitucional e processual penal.
Importa, primeiramente, concretizar o seu âmbito abstrato e, seguidamente, analisar a decisão recorrida, de modo a aferir se a mesma respeitou, ou não, tal garantia judiciária fundamental.
Numa atividade de reconstituição histórica de factos, como é o caso do julgamento em matéria de facto, a certeza judicial não pode ser confundida com a certeza absoluta, constituindo, antes, uma certeza empírica e histórica[3].
Toda a decisão penal em matéria de facto constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
É neste contexto, precisamente, que se situa o âmbito de aplicação do princípio in dubio pro reo.
A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável. No caso de tal apreciação resultar numa dúvida razoável, esta conclusão deve beneficiar o arguido [4] .
A existência de uma violação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida na julgadora[5], emergente do próprio texto da decisão recorrida, do qual se concluiria que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (ou seja, numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido)[6];
Analisada a fundamentação da convicção do tribunal expressa na sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo apurou os factos determinantes da responsabilidade penal do arguida com base na conjugação e articulação crítica dos dados objetivos emergentes dos meios concretos de prova produzidos de forma regular, tendo valorado os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um «(..) substrato racional de fundamentação e convicção (…)», com o apoio de presunções naturais, «juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido (…)»[7]. Da sua leitura resulta manifesto que a julgadora não teve qualquer dúvida sobre a verificação dos factos que considerou assentes, tendo realizado uma análise particularmente assertiva, completa e inteligente da prova produzida, aferindo, racionalmente, a credibilidade das declarações do arguido, as quais são, em si mesmas, inverosímeis e não tiveram sustentação na demais prova produzida, antes tendo sido contrariadas pela prova testemunhal produzida.
A motivação da decisão respeitante à matéria de facto elucida:
a) os meios de prova que sustentaram a convicção formada; e
b) o percurso lógico seguido na sua formação;
Da sua leitura não resulta qualquer falha ou incorreção no exame crítico da prova.
Pelo contrário, na fundamentação da convicção do tribunal a quo encontram-se explicadas, de forma muito clara, congruente e plausível, os critérios pelos quais os diversos meios concretos de prova foram valorados, não resultando da fundamentação da decisão recorrida que a julgadora tenha tido quaisquer dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes.
O arguido ainda emitiu alguns juízos parciais sobre passagens de alguns depoimentos, procurando lançar a dúvida sobre o mérito da decisão recorrida. Porém, não chega a concretizar uma impugnação da decisão da matéria de facto (artigo 412º, 3 e 4, do Código de Processo Penal), ao não especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem identificando provas concretas que imponham decisão diversa, limitando-se a citar algumas passagens da prova oral produzida, sem que daí extraísse qualquer conclusão jurídico-processual relevante
Por conseguinte, improcede a alegada violação do princípio in dubio pro reo.

2ª questão: dos alegados erros em matéria de direito:
O arguido começa por questionar que se encontre preenchido o elemento subjetivo do tipo legal de crime de furto simples (artigo 203º, 1, do Código Penal).
Para tanto, refere que «o elemento subjetivo (do tipo objetivo), ou seja, a ilegítima intenção de apropriação, "é traduzido na intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa, a haver para si ou para outrem, comportando-se relativamente a ela com animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial" - cf. Ac. RE. de 29/11/94, CJ, T V, p. 292).
A ilegitimidade traduz-se no conhecimento ou consciência do agente de que a coisa é alheia, pertencente a outrem, querendo apropriar-se dela ou fazer dela coisa sua sem que detenha direito ou título para o efeito, o mesmo é dizer, em violação de direito alheio.
Ora, conforme afirma perentoriamente o arguido, este só procedeu ao corte das árvores pois foi abordado duas vezes pelo ofendido para que que o arguido procedesse à limpeza e corte das árvores pois o terreno tinha sido vendido.
Assim, não se verifica uma ilegítima intenção de apropriação, uma vez que o arguido teve a autorização do ofendido para o corte das árvores.»
Apreciando.
O arguido imputa à sentença recorrida um erro em matéria de direito, consubstanciado pela não verificação do elemento subjetivo do tipo legal de crime de furto.
De jure
No ordenamento jurídico vigente, o tipo legal de furto simples aparece no Código Penal no artigo 203º, inserido no capítulo II referente aos "Crimes contra a Propriedade":
«Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a propriedade, o que resulta da interpretação sistemática do nosso Código Penal e da doutrina mais tradicional[8].
Os elementos do tipo que emergem da construção dogmática da infração, descritos no tipo legal de crime, são os seguintes:
a) ilegítima intenção de apropriação; e
b) subtração de coisa móvel alheia;
Por exigir uma ilegítima intenção de apropriação, o legislador configurou o crime de furto como crime intencional (Absichtsdelikt).
Por seu turno, o objecto do furto "coisa móvel" deverá corresponder àquilo que o entendimento comum dos cidadãos configura enquanto tal e não o sentido emergente dos arts. 202º e 205º, 1, do Código Civil (noção de coisa móvel), sendo ainda certo que o carácter alheio advém da circunstância da coisa estar ligada, por uma relação de interesse ou domínio, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infração penal.
O crime de furto é essencialmente doloso.
Do exposto resulta que a sentença recorrida e o recorrente analisaram corretamente o tipo legal de crime em questão, designadamente, reconhecendo a "ilegítima intenção de apropriação" como elemento do tipo.
O único erro que se constata é na motivação de recurso, uma vez que o recorrente sustenta a ausência de ilegítima intenção de apropriação com base nas declarações do arguido – erro crasso -, enquanto os únicos factos jurídicos relevantes são aqueles que resultaram provados (artigo 368º, 2, do Código de Processo Penal).
A ilegítima intenção de apropriação resultou provada nos factos seguidamente reproduzidos:
«4. Bem sabia o arguido que tal terreno e árvores não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu dono, e ainda que ao proceder da forma descrita causava, como efectivamente causou, ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado, mas de pelo menos €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
«5. O arguido agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, mas apesar de o saber, quis actuar da forma descrita, com o objectivo de se apropriar, como efectivamente se apropriou, da supra referida quantidade de madeira, e dela dispor como se fosse coisa sua.»

Conforme já referido, o recorrente não concretizou no recurso uma impugnação da decisão da matéria de facto (artigo 412º, nº 3 e 4, do Código de Processo Penal) jurídico-processualmente válida e susceptível de ser conhecida, uma vez que nem sequer identificou concretos pontos de facto que considerasse incorretamente julgados, nem indicou provas concretas que impusessem decisão diversa.
As declarações do arguido – invocadas na motivação de recurso - apenas constituiram um meio concreto de prova que foi objeto – e muito bem - de análise crítica na sentença recorrida, sendo a (falta da) sua credibilidade aferida de forma objetiva, inclusivamente, em conjugação com a demais prova produzida.
Os factos jurídico-processualmente relevantes para determinar – ou não – a responsabilidade penal que constitui o objeto do procedimento criminal, são aqueles que resultam provados na sentença.
Estes resultaram definitivamente estabilizados com a prolação da sentença, a ausência de impugnação pelo recorrente e perante a ausência de vício formal (erro notório ou contradição entre a fundamentação e a decisão) que inquine a decisão final.
Tendo-se provado a "ilegítima intenção de apropriação", o recurso é manifestamente improcedente no tocante a este argumento da motivação em apreço.

O segundo erro em matéria de direito conclusivamente imputado pelo recorrente à sentença recorrida é a excessividade da pena concreta aplicada;
Para tanto, limita-se a referir que "A pena aplicada ao arguido, no valor de €1.400,00 (200 dias de multa à taxa diária de €7), é manifestamente excessiva, não tendo o Tribunal "a quo" tido em conta as condições pessoais e económicas do arguido.".
Esta motivação do recorrente não tem conteúdo com valor jurídico-processual, o que determina que não possa ser conhecido: o artigo 412º, nº 2, do Código de Processo Penal exige em relação às motivações de recurso que, no caso de versarem matéria de direito, as conclusões indiquem:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
O recorrente nada disso fez.
Por conseguinte, a alegada excessividade da pena não poderá ser conhecida por este Tribunal.

Finalmente, o recorrente entende existir um erro de direito, por não existir fundamento legal para que o autor de um furto seja condenado a pagar ao Estado um montante equivalente ao valor da vantagem patrimonial que obteve com a prática do crime, mesmo nos casos em que o ofendido não deduziu pedido de indemnização cível.
Entende, designadamente, que o estatuído no artigo 111º do Código Penal não o permite.
De jure:
Recordando o estatuído no artigo 111º do Código Penal:
1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.
A respeito desta norma, o recorrente escreveu na motivação do recurso o seguinte:
Onde o legislador escreveu " recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito", não deve o intérprete ler "vantagem conseguida ou obtida pelo agente da prática do um facto ilícito".
O que alguém furta não lhe é "dado" nem "prometido".
Apreciando.
Em primeiro lugar, louva-se o recorrente, pois, nesta passagem, cumpriu o estatuído no artigo 412º, 2, do Código de Processo Penal. No entanto, importa também referir, a motivação de recurso limitou-se, nesta parte, a transcrever nessas considerações, sem citar, a fundamentação do acórdão da Relação de Guimarães, de 1 de Dezembro de 2014 (processo nº 218/11.0GACBC.G1), relatado pelo Desembargador Dr. Fernando Monterroso.
Porém, esse caso é distinto do presente, uma vez que nesse processo apenas foi considerada – por assim ter sido vertido na motivação de recurso – a aplicabilidade dos números 1 e 4 do artigo 111º do Código Penal.
O caso em apreço nos presentes autos é distinto: a perda a favor do Estado foi ordenada ao abrigo do estatuído nos números 2, 3 e 4,do artigo 111º do Código Penal.
Provou-se, com interesse para a apreciação desta questão (mantendo-se válidas as considerações já acima desenvolvidas sobre a importância dos factos provados para a decisão), o seguinte:
«Assim, na sequência dos supra referidos factos, durante cerca de três semanas antes de 27/05/2015, e no próprio dia 27/05/2015, cerca das 18H30, D…, procedeu ao corte de diversas árvores, essencialmente eucaliptos e alguns pinheiros, ambos em número não concretamente determinado, cujo peso global não foi possível apurar, mas que seria de pelo menos cerca de 100 (cem) toneladas, que transportou em cerca de 50% para um estaleiro pertencente ao arguido, fazendo seus os remanescentes 50%.
Bem sabia o arguido que tal terreno e árvores não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu dono, e ainda que ao proceder da forma descrita causava, como efectivamente causou, ao ofendido, um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado, mas de pelo menos €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).»
Não tendo sido apreendida a madeira (as cinquenta toneladas de madeira furtada que foi deixada no estaleiro do arguido) furtada pelo arguido, não poderá ter lugar a entrega da mesma ao lesado (o ofendido de boa-fé), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado (nº 2 do artigo 111º do Código Penal).
Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do furto a pagar ao Estado, por ter sido requerido, o valor correspondente à madeira furtada, da qual o arguido se apropriou ilegitimamente – e que foi fixado, na factualidade provada, num montante nunca inferior a € 1.750,-- (nº 4 do artigo 111º do Código Penal) -.
Por conseguinte, a decisão condenatória em causa, que obriga o arguido a pagar ao Estado da importância de € 1.750,-- (mil setecentos e cinquenta euros) tem fundamento legal, por corresponder ao valor da madeira furtada da qual o arguido ilegitimamente se apropriou, não tendo sido possível a restituição em espécie.
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Em conclusão, o recurso é julgado totalmente improcedente.
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Das custas processuais:
Sendo o recurso do arguido julgado não provido, o recorrente deverá ser condenada no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, de acordo com o grau de complexidade médio do recurso, em 5 (cinco) unidades de conta.
IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso não provido.
Custas a cargo do recorrente B…, condenando-se este no pagamento de uma taxa de justiça fixada em 5 (cinco) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 14 de Setembro de 2016.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Climent Durán, La Prueba Penal, Tirant Blanch, Barcelona, pág. 615.
[4] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, pág. 215.
[5] Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997: o princípio in dubio pro reo «(…) parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador. (…)»
[6] Tal equivale a dizer que se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido à subsistência de uma dúvida positiva e invencível no espírito dos julgadores, a violação do princípio in dubio pro reo traduzir-se-ia numa decisão da matéria de facto desfavorável ao arguido.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Janeiro de 2004, relatado pelo Juiz-Conselheiro Henriques Gaspar no processo nº 03P3213 e pesquisável através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência referido na nota 4.
[8] Albin Eser, Strafgesetzbuch, Kommentar, 24ª edição, 1991, relativamente ao § 242 1.