Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15756/17.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
OPOSIÇÃO À PENHORA
Nº do Documento: RP2020090815756/17.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
II - Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis, é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
III - No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.
IV - O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
V - Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente.
VI - Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável.
VII - Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
VIII - Ao julgar confessados os factos alegados pelo opoente por efeito da revelia, num caso em que não foram alegados factos passíveis de confissão que não tivessem sido já antecipadamente impugnados no requerimento executivo, a decisão recorrida não padece verdadeiramente de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, mas antes de erro de julgamento na apreciação dos efeitos da revelia do exequente.
IX - Sendo a oposição à penhora um incidente da ação executiva com processado autónomo, é-lhe aplicável a previsão do nº 1, do artigo 665º do Código de Processo Civil.
X - Quer o nº 4, do artigo 829º-A do Código Civil, quer o nº 2, do artigo 703º do Código de Processo Civil não constituem desvios ao princípio do pedido mas tão-só à regra da literalidade do título, admitindo-se que os limites da execução não se definem apenas pelo título executivo (artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil) mas também com o concurso da lei substantiva e adjectiva.
XI - A manifestação de vontade do exequente nas alegações de recurso no sentido de haver do executado o que lhe cabe a título da sanção prevista no nº 4, do artigo 829º-A, do Código Civil deve ser relevada desde que ocorra até ao momento da extinção da ação executiva, atento o figurino próprio da ação executiva que não comporta audiência final, não lhe sendo aplicável o termo final previsto no nº 2, do artigo 265º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 15756/17.3T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 15756/17.3T8PRT-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
………………………………
………………………………
………………………………
***
Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 05 de julho de 2017, no processo nº 493/13.6TVPRT-C do Juízo Central Cível do Porto, Juiz 3, B… instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, nos próprios autos, contra C… pedindo o pagamento da quantia de vinte e cinco mil euros, acrescida de IVA à taxa de 6% ao ano e de juros de mora contados à taxa legal desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, o seguinte:
Por sentença homologatória já transitada em julgado[1], ficou estabelecido o pagamento ao exequente da quantia de 25.000,00€ em prestações de 2.500,00 cada, devendo a 1ª ser paga até ao dia 300 [sic] de junho de 2017, e as restantes de acordo com os recebimento por parte do executado das quantias arbitradas no âmbito das Providências Cautelares por si intentadas.
Mais ficou estabelecido que o não pagamento da 1ª prestação no prazo acordado implicaria o vencimento imediato das restantes.
Até à presente data o executado nada pagou ao exequente, pelo que se venceu a totalidade da dívida, no montante de 25.000,00€, a que acresce IVA à taxa lega [sic] de 6% por o executado beneficiar de apoio judiciário.
Àquele valor, acrescem juros à taxa legal desde 01.07.2017 até efetivo e integral pagamento.
Em 19 de setembro de 2019, a Sra. Agente de Execução, para garantia do pagamento da dívida exequenda no montante de € 26.500,00 e despesas prováveis de € 2.650,00, procedeu à penhora do crédito, no montante de € 34.369,62[2], que o executado detém na Companhia de Seguros D…, resultante da indemnização que lhe foi atribuída no âmbito do processo nº 493/13.6TVPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Porto – Inst. Central.
Em 11 de outubro de 2019, C… foi notificado da penhora, constando da notificação, além do mais, o seguinte: “O valor em dívida (incluindo a quantia peticionada, juros e custas é provisoriamente fixado em 34369,62 Euros já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução no valor de 2194,81 Euros.
Em 05 de novembro de 2019, comprovando ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de atribuição de agente de execução, C… deduziu oposição à penhora requerendo que apenas seja entregue ao exequente o valor que resulta do título executivo (25.000,00€) acrescido do correspondente valor do IVA calculado, in casu, à taxa reduzida de 6%, devendo ser-lhe restituída de imediato a quantia de € 7.869,62[3], alegando para o efeito o seguinte:
i. A presente execução tem como título executivo um acordo homologado por sentença em que o executado se declarou devedor ao exequente da quantia de 25.000,00€ a título de honorários no processo 493/13.6TVPRT-C.
ii. Por dificuldade nos recebimentos das quantias arbitradas em sede de províncias cautelares que entretanto foram sendo interpostas contra a Seguradora D…, o valor total foi, por acordo entre as partes, alvo da presente execução.
iii. Com a exclusiva finalidade de acautelar (e bem) o recebimento por parte do Exequente do montante acordado, sentenciado e homologado.
iv. Sendo que, salvo o devido respeito por diferente opinião o valor que está titulado na sentença homologada é de 25.000,00€ e não de 26.500,00€ como, certamente por lapso consta do requerimento executivo.
v. Por outro lado o valor a indicar à D… como alvo da penhora só poderia (eventualmente e se houvesse lugar ao pagamento de despesas e honorários do AE, o que neste caso, te todo, não se aplica) ter sido o de 29.150,00€ como consta da secção 8 do Auto de Penhora sob o título “Limite da Penhora”.
vi. No entanto e surpreendentemente, a Senhora Agente de Execução, notificou a D… para proceder à penhora do montante de 34.369,62€ (?) valor que não está justificado em lado nenhum, muito menos no título executivo dado à execução e que excede, brutalmente, o valor do título (art. 784.º n.º 1 al. a) d CPC)
vii. E não se diga que pode ter a ver com os honorários da Senhora Agente de Execução, dado que, como supra se referiu, nos presentes autos, como nos autos principais, o executado ora opoente sempre dispôs de apoio judiciário.
viii. É que, “numa execução em que é efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pela executada a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, bem como dos honorários com patrono e solicitador de execução, não devem ser liquidadas as quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução, a seu cargo, sendo o respectivo reembolso à exequente a cargo do IGFEJ.” Ac do Tribunal da Relação de Lisboa in DGSI no processo 2052-09.9TBPDL-C.L1-6.
Não foi deduzida qualquer contestação à oposição à penhora.
Em 09 de janeiro de 2020, foi proferida a seguinte decisão[4]:
C…, na sequência da execução que lhe foi movida por B…, veio deduzir oposição à penhora, face à penhora efetuada em tais autos que incide sobre o crédito que detém na Companhia de Seguros D…, resultante da indemnização que lhe foi atribuída no âmbito do processo que se mostra identificado nos autos de penhora junto de fls.11 do processo principal.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que a penhora em causa é ilegal, nos termos do art. 784º, nº1, al. a) do CPC, atento o facto do montante penhorado se revelar excessivo relativamente ao montante exequendo.
Devidamente notificada, a parte contrária nada opôs.
Vistos os autos e o disposto no artº 293 nº 3 e 785º nº 2 do CPC, considerando confessados os factos alegados pelo opoente, julgo procedente a oposição à penhora e determino o levantamento da penhora efetuada nos autos principais relativamente à parte que excede o montante necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda e a respetiva restituição ao opoente.
Notifique, incluindo a Sr.ª AE.
Sem custas o incidente atenta a sua simplicidade.
Notifique e registe.
Em 21 de janeiro de 2020, inconformado com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação pugnando pela revogação da decisão impugnada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
Não foram oferecidas contra-alegações.
Aquando do recebimento do recurso, a Sra. Juíza a quo afirmou não vislumbrar em que medida a decisão sob censura enfermava de qualquer vício formal que importasse apreciar nessa sede.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentos de facto[5], por oposição dos fundamentos com a decisão e por ambiguidade ou obscuridade;
2.2 Da consequência jurídica da eventual nulidade da decisão recorrida.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e pertinentes para conhecimento das questões decidendas constam do relatório deste acórdão e resultam dos próprios autos da ação executiva, bem como do apenso de oposição à penhora, autos que no que respeita ao desenvolvimento da lide têm força probatória plena, não se reproduzindo nesta sede por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentos de facto e oposição dos fundamentos com a decisão e por ambiguidade ou obscuridade
O recorrente pugna pela nulidade da decisão recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão e ainda por ambiguidade ou obscuridade, alegando para o efeito que os fundamentos da sentença – confissão dos factos por falta de pronúncia do exequente – não fazem o menor sentido, inexistem por inexistirem factos alegados pelo opoente, estando em oposição com a decisão, que não pode basear-se em algo que não existe, além de que nos termos do disposto no art.º 732.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 785.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, não se consideram confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo e, finalmente, a sentença padece de ambiguidade e obscuridade, pois julga procedente a oposição e ordena a restituição ao opoente da parte que exceda o montante necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda, sendo que a quantia exequenda há-de ser, necessariamente, o montante de € 25.000,00 acrescido de IVA à taxa de 6%, os juros civis requeridos e os compulsórios que decorrem da Lei, enquanto as custas incluirão os montantes pagos pelo exequente a título de taxa de justiça e os honorários da Agente de Execução – artigo 541º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[6], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[7].
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
No caso em apreço, na decisão recorrida julgaram-se confessados os factos alegados pelo recorrido no seu requerimento de oposição à penhora, por falta de contestação do ora recorrente e, nessa sequência, sem qualquer ponderação ou apreciação crítica, julgou-se procedente a oposição à penhora, determinando-se o levantamento da penhora efetuada nos autos principais relativamente à parte que excede o montante necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda e a respetiva restituição ao opoente.
Importa não olvidar que a partir da reforma do direito processual civil operada pelo decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, deixou de existir o chamado cominatório pleno (veja-se o nº 2, do artigo 784º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes das alterações introduzidas pelo citado decreto-lei), pelo que a revelia da parte passiva implica apenas a confissão dos factos alegados pela parte ativa (trata-se do cominatório semi-pleno), devendo sempre ter em atenção os factos alegados no requerimento inicial da ação executiva e que antecipadamente impliquem impugnação dos factos alegados pela parte que deduz pretensão incompatível com esta.
Ora, analisando o requerimento de oposição à penhora, não se colhem no mesmo factos concretos que sejam suscetíveis de confissão pelo requerido em tal incidente, já que a adesão do opoente ao vertido no ponto 8 do auto de penhora se deve considerar antecipadamente impugnada pelo que foi pedido no requerimento executivo, na medida em que aí, além do capital que o executado reconheceu em dívida, no montante de € 25.000,00, do IVA à taxa de 6% no montante de € 1.500,00, se pediram também juros de mora contados à taxa legal desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento.
De facto, no requerimento de oposição à penhora, sem total congruência[8], vêm suscitadas duas questões de direito que importava resolver: a primeira é da determinação do capital exequendo – vinte e cinco mil euros, numa certa perspetiva da recorrida – e a segunda é a da irresponsabilidade da recorrida pelas despesas da execução em virtude de beneficiar de apoio judiciário.
A decisão recorrida, sem atentar na inexistência de factos concretos alegados pelo requerente da oposição à penhora passíveis de confissão, julgou confessados os factos alegados no requerimento de oposição e, depois, sem mais[9], julgou procedente a oposição, determinando o levantamento da penhora efetuada nos autos principais relativamente à parte que excede o montante necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda e a respetiva restituição ao opoente, não atentando que uma das pretensões da agora recorrida era a de não pagamento de quaisquer despesas da execução em virtude de beneficiar de apoio judiciário e não curando de concretizar a abrangência da quantia exequenda, matéria controvertida entre as partes.
Neste contexto, por um lado, a decisão recorrida afirma a procedência da oposição à penhora e, por outro lado e simultaneamente, na realidade julga a mesma oposição parcialmente improcedente responsabilizando o opoente pelo pagamento das custas da ação executiva.
A tudo isto, que já não é pouco, acresce a ambiguidade na determinação do que é a quantia exequenda já que não se curou minimamente de definir os seus precisos contornos, como se impunha, pois que havia pelo menos um aparente conflito das partes sobre esta matéria.
Ao julgar confessados os factos alegados pelo opoente por efeito da revelia, num caso em que não foram alegados factos passíveis de confissão que não tivessem sido já antecipadamente impugnados no requerimento executivo, a decisão recorrida não padece verdadeiramente de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, mas antes de erro de julgamento na apreciação dos efeitos da revelia do exequente.
Ao julgar procedente a oposição à penhora e ao determinar o levantamento da penhora efetuada nos autos principais relativamente à parte que excede o montante necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda e a respetiva restituição ao opoente, o tribunal recorrido proferiu uma decisão em si mesma contraditória, na medida em que procedendo, como se declarou, a oposição, o opoente não devia ser simultaneamente responsabilizado pelo pagamento das custas, decisão que porém não foi atacada pelo recorrido que tinha legitimidade para tanto, pelo que não deve nesta sede ser especificamente escrutinada[10].
Por outro lado, ao afirmar que na procedência da oposição, a penhora se cingia ao necessário para garantir o integral pagamento das custas e quantia exequenda, não curando de precisar em que consistia precisamente a quantia exequenda[11], matéria sobre a qual havia patente discordância entre o opoente e a Sra. Agente de Execução, o tribunal recorrido proferiu um dispositivo ambíguo que torna a decisão ininteligível e inexequível.
Pelo exposto, declara-se a nulidade da decisão recorrida por ambiguidade do dispositivo.
4.2 Das consequências decorrentes da eventual nulidade da decisão recorrida
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 665º do Código de Processo Civil, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.”
A nosso ver, sendo a oposição à penhora um incidente da ação executiva com processado autónomo, é-lhe aplicável a previsão do nº 1, do artigo 665º do Código de Processo Civil.
Importa agora sanar a nulidade da decisão recorrida decorrente da ambiguidade do dispositivo, conhecendo do objeto da apelação.
O exequente pediu no requerimento executivo o pagamento do capital de € 25.000,00, IVA no montante de € 1.500,00, valor que o próprio recorrido reconheceu ser devido no seu petitório final da oposição à penhora e juros de mora contados à taxa legal e vencidos desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento.
Além destes montantes, há que ter em conta, a título de despesas prováveis da execução, tal como previsto no nº 3, do artigo 735º do Código de Processo Civil, a importância de € 2.650,00[12].
Também há que proceder à liquidação dos juros de mora vencidos desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento e contados à taxa anual de 4% (veja-se o nº 2, do artigo 716º do Código de Processo Civil).
Finalmente, questiona-se se não obstante o exequente não ter pedido no requerimento inicial o pagamento da sanção civil prevista no nº 4, do artigo 829-A, do Código Civil, deve o executado proceder ao seu pagamento.
A jurisprudência mais recente dos tribunais superiores que se tem debruçado sobre esta problemática, na sua maioria pertinentemente citada pelo recorrente[13], tem sido unânime no sentido de que tal valor é devido automaticamente, não dependendo de qualquer condenação ou de pedido adrede formulado pelo exequente em sede executiva, devendo a sua liquidação ser efetuada oficiosamente pelo agente de execução tal como previsto no nº 3, do artigo 716º do Código de Processo Civil.
Ainda que não se siga esta jurisprudência nos seus fundamentos, entendendo-se que quer o nº 4, do artigo 829º-A do Código Civil, quer o nº 2, do artigo 703º do Código de Processo Civil não constituem desvios ao princípio do pedido[14] mas tão-só à regra da literalidade do título, admitindo-se que os limites da execução não se definem apenas pelo título executivo (artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil) mas também com o concurso da lei substantiva e adjetiva, no caso em apreço o exequente manifestou inequivocamente nas suas alegações de recurso a vontade de haver do executado o que lhe cabe a título da sanção prevista no nº 4, do artigo 829º-A, do Código Civil[15].
Esta manifestação de vontade do exequente deve ser relevada desde que ocorra até ao momento da extinção da ação executiva, atento o figurino próprio da ação executiva que não comporta audiência final, não lhe sendo aplicável o termo final previsto no nº 2, do artigo 265º do Código de Processo Civil.
No circunstancialismo que se acaba de descrever, é assim patente que o exequente tem também direito a haver do executado o adicional de 5% contado sobre o capital de vinte e seis mil e quinhentos euros desde 01 de julho de 2017, como foi pedido, até efetivo e integral pagamento.
Pelo exposto, conclui-se que o recurso de apelação procede, pois que não existe qualquer excesso na penhora[16], tendo o exequente direito a haver do executado a quantia de vinte e cinco mil euros, mil e quinhentos euros a título de IVA, juros de mora contados à taxa de 4% sobre a quantia de vinte e seis mil e quinhentos euros desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento e ainda o adicional de 5% contado sobre a quantia de vinte e seis mil e quinhentos euros desde 01 de julho de 2017 até efetivo e integral pagamento, a que acrescem as despesas previsíveis da execução computadas em dois mil seiscentos e cinquenta euros, tal como previsto no n º 3, do artigo 735º do Código de Processo Civil.
As custas do recurso e do incidente são da responsabilidade do recorrido pois que decaiu (artigos 527º, nºs 1 e 2 e 541º, ambos do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso de apelação interposto por B…, acordam em declarar nula a sentença recorrida proferida em 09 de janeiro de 2020, por ambiguidade do dispositivo e, em substituição, ex vi artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil, por inexistir qualquer excesso na penhora, julga-se a oposição à penhora deduzida por C… totalmente improcedente.
Custas do recurso e do incidente a cargo do recorrido, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 08 de Setembro de 2020
Carlos Gil
Carlos Querido
Mendes Coelho
___________
[1] A transacção homologada por sentença proferida em 05 de abril de 2017 e já transitada em julgado tem o seguinte teor: “CLÁUSULA PRIMEIRA O Autor reduz o pedido à quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros). CLÁUSULA SEGUNDA O Réu compromete-se a pagar ao Autor a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), fraccionadamente, sendo a 1.ª fracção a pagar até ao próximo dia 30 de Junho de 2017 e no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), por transferência bancária para o IBAN PT50 0033 0000 000175 0946232, e as seguintes fracções, do mesmo valor, serão pagas em conformidade com os recebimento das quantias já arbitradas em sede das providências cautelares. CLÁUSULA TERCEIRA Com a decisão final transitada em julgado o Réu obriga-se ao pagamento da totalidade das fracções que ainda estiverem em falta, para integral pagamento da quantia aqui fixada. CLÁUSULA QUARTA O não pagamento da 1.ª fracção no prazo acordado implica o imediato vencimento das restantes. CLÁUSULA QUINTA Custas na proporção do decaimento.”
[2] Ao contrário do afirmado pelo recorrente não está junta ao processo eletrónico qualquer liquidação da Sra. Agente de Execução que indique como foi obtido este valor. Tendo em conta o título exequendo, a incidência de IVA à taxa de justiça reduzida em virtude do executado beneficiar de apoio judiciário, o vencimento da obrigação exequenda a partir de 01 de julho de 2017 e a “sanção pecuniária compulsória” prevista no nº 4 do artigo 829º-A, do Código Civil, obtêm-se os seguintes valores: € 25.000,00 de capital; € 1.500,00 de IVA, tendo em conta o ponto 2.11 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e referente aos bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, no caso e especificamente “Prestações de serviços, efetuadas no exercício das profissões de jurisconsulto, advogado e solicitador a desempregados e trabalhadores no âmbito de processos judiciais de natureza laboral e a pessoas que beneficiem de assistência judiciária”; € 2.650,00 a título de despesas prováveis calculadas nos termos previstos no nº 3, do artigo 735º do Código de Processo Civil; € 2.352,33 de juros de mora contados à taxa civil sobre o montante de € 26.500,00 desde 01 de julho de 2017 até 19 de setembro de 2019; € 2.940,41, a título de “sanção pecuniária compulsória” prevista no nº 4, do artigo 829º-A do Código Civil, contada à taxa de 5% sobre o montante de € 26.500,00, desde 01 de julho de 2017 até 19 de setembro de 2019, o que tudo somado totaliza: € 34.442,74.
[3] Este montante obtém-se subtraindo ao valor de € 34.369,62 a importância de € 26.500,00, correspondente ao somatório do capital de € 25.000,00 com € 1.500,00, a título de IVA à taxa de 6% a incidir sobre tal capital.
[4] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 10 de janeiro de 2020.
[5] A nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação fáctica não vem expressamente qualificada como tal mas resulta inequivocamente do que o recorrente alegou para substanciar a invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão na quarta conclusão das suas alegações de recurso. Uma vez que o tribunal é livre na qualificação jurídica, não estando sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil) e que a nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida, apesar de não qualificada como tal, foi na sua materialidade suscitada pelo recorrente, deve este tribunal de recurso conhecer desta patologia.
[6] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[7] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[8] De facto, por um lado, afirma que a decisão exequenda apenas suporta a pretensão de pagamento coercivo do capital de vinte e cinco mil euros (ponto iv do requerimento de oposição à penhora) e, por outro lado, no pedido que formula reconhece a obrigação de pagamento de IVA calculado sobre o valor de € 25.000,00, à taxa de 6%, obtendo-se por esta forma o montante de € 1.500,00 que somado ao capital de € 25.000,00 totaliza € 26.500,00, precisamente o valor que a recorrida afirma ter sido inscrito por lapso no requerimento executivo.
[9] Se acaso o tribunal recorrido tem tido o cuidado de especificar os factos que se deviam considerar confessados, com grande probabilidade detetaria o erro em que estava a incorrer.
[10] Ainda assim, atenta a natureza instrumental do instituto do apoio judiciário, ou seja, assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (artigo 1º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de julho) e não eximir-se, sem mais, ao cumprimento das suas obrigações, afigura-se-nos que a decisão do tribunal recorrido foi nesta parte acertada. De facto, repugna pensar que a entidade responsável pela cobrança coerciva do crédito exequendo não pudesse também realizar coercivamente o seu crédito emergente do serviço prestado, tal como previsto no artigo 541º do Código de Processo Civil. Não por acaso, no âmbito do apoio judiciário, no que respeita especificamente à ação executiva, apenas se prevê especificamente a atribuição de agente de execução (artigo 16º, nº 1, alínea g), da Lei nº 34/2004, de 29 de julho). Discorda-se por isso da doutrina veiculada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de fevereiro de 2016, proferido no processo nº 2052-09.9TBPDL-C.L1-6, acessível na base de dados da DGSI e citada pelo opoente no seu requerimento de oposição à penhora.
[11] Se era só o capital de € 25.000,00 acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 01 de julho de 2017, se era o capital de € 26.500,00 acrescido de juros de mora à taxa legal desde 01 de julho de 2017 e os juros compulsórios contados à taxa de 5% ao ano, ex vi artigo 829-A, nº 4, do Código Civil, como parece resultar do cálculo efetuado pela Sra. Agente de Execução para determinar o valor a penhorar e como sustenta agora o recorrente ser o devido.
[12] Importa ainda ter em consideração o que decorre do nº 1, do artigo 721º do Código de Processo Civil e de acordo com o qual os “honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541º.” Por seu turno, o artigo 541º, epigrafado “Garantia de pagamento das custas” prescreve que as “custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respectiva ação declarativa saem precípuos do produto dos bens penhorados.”
[13] De facto, dos acórdãos citados pelo recorrente, apenas o do Tribunal da Relação de Guimarães de 02 de maio de 2016, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Isabel Rocha, no processo nº 1144/14.5T8CHV.G1, acessível na base de dados da DGSI, se pode considerar impertinente, já que respeita a um caso em que o exequente, ao invés do que se passa no caso destes autos, havia pedido o pagamento coercivo da quantia devida com base no nº 4, do artigo 829º-A do Código Civil. Os outros dois acórdãos citados pelo recorrente, respetivamente, do Supremo Tribunal de Justiça, de 08 de novembro de 2018, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Abreu no processo nº 1772/14.0TBVCT-S.G1.S2 e da Relação de Guimarães, de 09 de maio de 2019, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Sandra Melo no processo nº 3380/14.7T8GMR.G1, ambos acessíveis nas bases de dados da DGSI incidem sobre casos similares ao dos autos em que o exequente não formulou o pedido de pagamento da importância resultante do previsto no nº 4, do artigo 829º-A, do Código Civil, sustentando-se em ambos os casos que a liquidação de tal valor não dependia de pedido do exequente e decorria do cumprimento das funções por parte do agente de execução nos termos previstos no nº 3, do artigo 716º, do Código de Processo Civil, em conjugação com a estatuição da citada norma do Código Civil.
[14] Na senda do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2006, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos e publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV, Tomo III/2006, página 53 a 55, mas sem o citar, Maria Victória Rocha in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2018, página 1238, anotação XV, escreve a propósito o seguinte: “É uma sanção legal, automática, independente de qualquer decisão do juiz e sem necessidade de requerimento por parte do credor numa ação declarativa (muito embora devam, os juros, ser requeridos na ação executiva, se o exequente pretender que lá sejam atendidos).” Sublinhe-se que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por sua vez se firmou no doutrinado por F. Correia das Neves, no Manual dos Juros, 3ª edição refundida e aumentada, Almedina 1989, página 91, segundo parágrafo, como se colhe explicitamente dos fundamentos do aresto.
[15] Esta sanção prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil suscita a questão de saber se lhe é aplicável a regra prevista no nº 3 do mesmo preceito. Responde afirmativamente a esta questão João Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, página 458, penúltimo parágrafo do texto. Ana Prata, in Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina 2019, com a coordenação de Ana Prata, página 1080, anotação 7, afirma ser discutível a aplicação do nº 3 do artigo 829º-A, do Código Civil a este adicional.
[16] Pelo contrário, dado o tempo entretanto decorrido, certamente que o montante penhorado é insuficiente para satisfação do devido.