Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1950/16.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPEDIMENTO
CONFLITO DE INTERESSES
Nº do Documento: RP201810091950/16.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º850, FLS.213-221)
Área Temática: .
Sumário: A norma do artigo 176º do Civil que regula o impedimento de voto relativamente às deliberações das associações é subsidiariamente aplicável às deliberações das assembleias de condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal por força do artigo 157º do mesmo código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1950/16.8T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, S.A., NIPC ………, com sede na Avenida …, nº …, ...º andar, Matosinhos, propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma única, contra:
1. C…, residente na Rua …, nº …, Porto;
2. D…, residente na Avenida …, nº .., …, Lisboa;
3. E…, residente na Rua …, nº …, Hab. …, Porto;
4. F…, residente na Rua …, nº …, …, Porto;
5. G…, residente na Rua …, nº …., AP .., Porto;
6. H…, LDA., com sede na Rua …, nº … – …, Porto;
7. I… – UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua …, nº …, Póvoa do Varzim;
8. J…, residente na Rua …, …, Vigo;
9. K…, residente na Urbanização …, La Guardia;
10. L…, residente na Rua …, nº ..., Matosinhos;
11. M…, residente na Praceta …, nº .., …;
12. N…, residente na Rua …, nº ..., Maia;
13. O…, residente na Rua …, nº …, …;
14. P…, residente na Travessa …, nº .., …, Matosinhos;
15. Q…, residente na Travessa …, nº …, …;
16. S…, residente na Rua …, nº …, …, …;
17. T…, residente na Rua …, nº …, Hab. …, Porto;
18. U…, residente na …, …;
19. V…, residente na Rua …, nº …, Hab. .., Porto;
20. W…, residente na …, .., …, La Guardia;
21. X…, residente na …, …;
22. Y…, na qualidade de cabeça-de-casal da Herança de Z…, residente na Rua …, nº …, …, … Guimarães;
23. AB…, residente na … – …, Liverpool;
24. AC…, residente na Rua …, nº …, …, Porto;
25. AD…, residente na Rua …, nº …, …, Porto;
26. AE…, residente na Rua …, nº .., Porto;
27. AF…, residente na Rua …, nº …, …, Porto;
28. AG…, residente na Rua …, nº …, …, Porto;
29. AH…, residente na Travessa …, nº ../..., Matosinhos, peticionando a declaração de nulidade da deliberação aprovada na assembleia geral extraordinária de condóminos do empreendimento turístico …, de 3 de Dezembro de 2015, constante do ponto 1 da ordem de trabalhos, ou, subsidiariamente, a sua anulação. Alegou, para o efeito e sumariamente, que a autora foi ilegitimamente impedida de exercer o seu direito de voto, na referida assembleia, através do seu representante, uma vez que o presidente da aludida assembleia não tinha poderes para o fazer, tendo julgado erradamente aplicável à situação o disposto no art. 176º do Código Civil, apesar de esta disposição não ser adequada às assembleias de condóminos e não estarem preenchidos os pressupostos necessários à sua aplicação. Ademais, aduziu ainda, de forma subsidiária, que foi violado o disposto no art. 1432º nº 6 do Código Civil, já que os condóminos que convocaram a referida assembleia não comunicaram, no prazo legalmente previsto para o efeito, a ata da mencionada assembleia aos condóminos que nela não estiveram presentes.

Citados para contestar, os réus apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação e por excepção, dilatória (ineptidão da petição inicial e ilegitimidade processual passiva dos réus) e peremptória. Alegaram, resumidamente, que a autora foi legitimamente impedida pelo presidente da assembleia realizada no dia 3 de Dezembro de 2015 de exercer o seu direito de voto, no que concerne à deliberação constante do ponto 1 da ordem de trabalhos, uma vez que existia conflito de interesses, sendo certo que a autora possuía a maioria dos votos dos condóminos presentes, pelo que o seu voto seria determinante para a aprovação ou não aprovação da referida deliberação. Por outro lado, realçaram que era à autora que competia enviar a acta da assembleia em discussão nos presentes autos aos condóminos que nela não estiveram presentes, motivo pelo qual não pode agora vir suscitar a invalidade de uma deliberação com fundamento num vício que ela própria gerou. Ademais, propugnaram os réus que a autora actua em abuso do direito, ao propor a presente acção, uma vez que não recorreu da decisão do presidente da assembleia ocorrida a 3 de Dezembro de 2015 para o plenário da própria assembleia, conforme o presidente informou que seria possível. Defenderam ainda os réus que, a existirem, as invalidades suscitadas pela autora nunca seriam a nulidade (por violação do direito de voto) e anulabilidade (por falta de comunicação da ata aos condóminos não presentes na assembleia), mas antes a anulabilidade e a mera irregularidade, respectivamente. Peticionaram igualmente os réus a condenação da autora em litigância de má-fé, com base no conhecimento da falta de fundamento da sua pretensão, na alteração da verdade dos factos e omissão de factos relevantes, bem como na utilização manifestamente abusiva do processo. Quanto a este último ponto, referiram expressamente que a autora utiliza o processo para mascarar graves ilegalidades e irregularidades que cometeu no exercício do cargo de administradora do condomínio.

Foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente, bem como a julgar improcedente o pedido de litigância de má-fé deduzido pelos réus contra a autora.
B…, SA veio interpor recurso, concluindo:
A. No âmbito do processo em epígrafe, no dia 19 de Fevereiro de 2018 foi a Recorrente notificado da sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e que em consequência absolveu os réus do pedido.
B. Em suma, o Douto Tribunal de Primeira Instância considerou ser aplicável à propriedade horizontal o artigo 176º do Código Civil, considerou verificarem-se os requisitos impostos por essa norma para que tivesse sido vedado do direito de voto da Autora, e por fim considerou que o não envio da acta aos condóminos ausentes não constitui fundamento de anulação das deliberações nela constantes.
C. A Recorrente não se conforma nem se poderá conformar com o conteúdo do despacho recorrido, atentos os motivos que ora se apresentam:
D. O Douto Tribunal deu como facto provado, no ponto 7 da sentença recorrida, que a Autora foi impedida de exercer o seu direito de voto “por parte do presidente da assembleia, com fundamento nos arts. 21º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo e 176º do Código Civil”, contudo, aquando da fundamentação de direito, o Doutro Tribunal não se pronunciou sobre a questão levantada pela Autora ao nível da sua petição inicial que se prende com o facto de, no entendimento desta, o presidente daquela assembleia de condóminos ter extravasado as suas funções e competências.
E. Sem consultar a assembleia de condóminos, o presidente da assembleia lançou mão de uma analogia jurídica já que aquela norma civilística (176º do Código Civil) não está prevista no regime jurídico da propriedade horizontal mas sim especificamente para as “associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique”.
F. O recurso àquela analogia contraria e afasta a regulamentação específica prevista para a propriedade horizontal, até porque a figura jurídica da analogia tem como ratio legis a integração de lacunas, prescrevendo o nº 1 do artigo 10º do Código Civil: “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”.
G. À luz do caso concreto não se vislumbra a existência de qualquer lacuna legal quanto ao direito de voto no âmbito da propriedade horizontal, sendo claro o normativo prescrito no nº 2 do artigo 1430º do Código Civil, a saber, “cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418º se refere”.
H. O artigo 53º do Decreto-Lei 228/2009, de 14 de Setembro, que determina a aplicação subsidiária aos empreendimentos turísticos em propriedade plural do regime da propriedade horizontal.
I. Pelo que se deverá concluir pela irregularidade da actuação do presidente daquela assembleia de condóminos, ao aplicar arbitrariamente ainda que segundo o seu entendimento mas violando normas imperativas e omitindo qualquer consulta à assembleia de condóminos quanto a esta matéria.
J. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra, quer aprecie a ausência de poderes do presidente da assembleia para vedar o direito de voto a qualquer condómino e declarando-se assim a nulidade da deliberação referida nos termos e com as devidas consequências legais.
K. O Douto Tribunal considerou ser aplicável analogicamente à administração das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal o disposto no artigo 176º do Código Civil, sendo certo que a Recorrente não subscreve esse entendimento nem se conforma com o mesmo.
L. O direito de voto é o direito mais relevante dos condóminos; decorre, por inerência da própria qualidade de proprietários, e é em sequência, um direito irrenunciável detenham eles maior ou menor permilagem do valor total do prédio.
M. Nas palavras de Abílio Neto são “nulas as deliberações tomadas pela assembleia de condóminos que infrinjam normas de natureza imperativa, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública. Estarão nessas condições, nomeadamente, (…) a que retira qualquer condómino no todo ou em parte, o direito de voto, que lhe é reconhecido pelo nº 2 do artigo 1430º”.
N. Noutra contenda judicial, em que se pretendeu colocar em causa deliberações tomadas com o exercício do direito de voto da Autora com o mesmo fundamento de alegado conflito de interesses, entendeu o órgão judicial que “perante o teor literal daquele preceito [artigo 176º do Código Civil], não se pode dizer que o Condomínio, enquanto conjunto de proprietários de imóveis constituídos em propriedade horizontal seja uma associação sem fim lucrativo, uma fundação ou uma sociedade, pessoas colectivas às quais se refere o artigo 157º do Código Civil. Sendo assim, não estando o condomínio abrangido pelo artigo 157º deve entender-se que não lhe será aplicável o artigo 176º do Código Civil”.
O. No âmbito desse mesmo processo judicial determinou-se que “Porém, admitido que o sócio numa sociedade por quotas pode votar na deliberação que fixe a sua própria remuneração ou na aprovação das contas (Raul Ventura, Comentário ao CSC, Sociedade por Quotas, Vol. II, comentário ao art. 251º, Vol III, p. 71 e RLJ ano 108º, p. 246) torna-se difícil sustentar-se o impedimento de voto da Condómina, que por imposição legal é Administradora do empreendimento turístico, em todas as deliberações nas quais está em causa a fixação dos honorários por essa administração e o preço dos serviços que presta ao Condomínio.” o que, mutatis mutandis, se pode aplicar igualmente a uma deliberação de moção de censura à sua própria conduta enquanto administradora.
P. Pelo que o artigo 176º do Código Civil não se poderá aplicar aos edifícios constituídos em propriedade horizontal e, consequentemente, aos empreendimentos turísticos, como é o caso dos presentes autos.
Q. Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra no sentido de se declarar a supra mencionada inaplicabilidade o que acarreta a nulidade da deliberação em causa por ter sido vedado o exercício do direito de voto a Autora, ao arrepio dos normativos legais imperativos que regem a propriedade horizontal, devendo essa nulidade ser declarada nos termos e com as devidas consequências legais.
R. Ainda que se entenda pela aplicabilidade do mencionado artigo 176º, de referir que sempre seria necessário concluir que o voto da Autora era essencial à existência da maioria necessária, tendo o Douto Tribunal entendido diferentemente, ao se abster de apreciar esta questão porquanto a assunção da existência de um conflito de interesses justifica o impedimento do direito de voto, sem mais.
S. O direito de voto é efectivamente o direito mais relevante dos condóminos e é um direito verdadeiramente irrenunciável detenham eles maior ou menor permilagem do valor total do prédio, pelo que mesmo que se admita a existência de um conflito de interesses sempre será necessário avaliar a relevância do direito de voto da Autora, não sendo legítimo nem admissível o impedimento do direito de voto daquela sem que se apure a referida relevância no contexto geral do empreendimento.
T. A Autora não detém a maioria da totalidade universal do empreendimento, totalizando a permilagem de todas as fracções autónomas de que é proprietária o valor de 437,02‰ do capital investido à data da realização daquela assembleia.
U. Este terá de ser sempre o critério a presidir a apreciação da essencialidade dos votos da Autora, sob pena de se for considerado apenas a totalidade dos presentes em assembleia de condóminos, a mera presença de 1,00‰ de outros condóminos impediria o exercício do direito de voto por parte da Autora, por alegado conflito de interesses.
V. Mesmo que se considerasse existir conflito de interesses, bastava, in casu, a comparência na assembleia de todos os condóminos e que o seu voto fosse no sentido de aprovação daquela deliberação para que o voto da Autora não fosse suficiente para a reprovar.
W.O voto da Autora nunca seria determinante para a formação da maioria necessária, sendo injustificável e ilegítimo o impedimento com que se deparou na Assembleia in casu, pelo que em nenhum momento poderia a Autora ter visto vedado o seu direito de voto.
X. Pelo que não poderá deixar de se constatar que a deliberação que se pretende pôr em causa infere de nulidade por ter sido vedado o exercício do direito de voto a Autora, ao arrepio dos normativos legais imperativos que regem a propriedade horizontal, motivo pelo qual a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por uma outra que declare a referida nulidade nos termos e com as devidas consequências legais.
Y. O Doutro Tribunal considerou que a Autora/Recorrente não possui legitimidade para arguir a anulabilidade da deliberação em litígio porquanto esteve presente nessa mesma deliberação acrescentando ainda que a falta de comunicação das actas aos condóminos ausentes apenas se configura como uma formalidade posterior à aprovação das deliberações, não podendo a Autora conformar-se com este entendimento.
Z. Determina o nº 6 do artigo 1432º do Código Civil que “as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registadas com aviso de recepção, no prazo de 30 dias”, sendo certo que tal não sucedeu porquanto a acta da Assembleia referenciada não foi devidamente comunicada aos condóminos ausentes.
AA. Neste caso estão em causa todas as deliberações constantes na referida acta e não apenas a que a Autora viu o seu direito de voto ilegitimamente vedado.
BB. Cabia ao grupo de condóminos que convocou a Assembleia promover em conformidade com os ditames legais, mormente no que respeita ao envio da acta, o que não ocorreu, uma vez que apenas a Autora foi notificada daquela acta, tendo sido solicitado àquela o favor de promover ao competente envio aos restantes condóminos ausente.
CC. Não tendo sido a Autora a convocar aquela assembleia não lhe cabe a si o dever de cumprir o disposto na normal legal supra citada, mas sim a quem promoveu a referida convocatória, até porque ainda que a Autora pretendesse quanto a este aspecto cumprir com o requisito legalmente aposto no artigo supra referenciado, era-lhe completamente impossível promovê-lo já que o envio daquela acta foi promovido no dia 31 de Dezembro de 2015 o que não lhe permitia, de modo nenhum, promover a notificação aos condóminos ausentes no prazo legal, a saber, 30 dias.
DD. De onde se conclui pela omissão dos deveres impostos pelos supra citado nº 6 do artigo 1432º do Código Civil por parte dos condóminos que convocaram a dita assembleia.
EE. Nas palavras de Abílio Neto “são anuláveis as deliberações da assembleia de condóminos que, embora recaindo sobre matérias que são da sua competência, ou seja, que incidem sobre as partes comuns do edifício, todavia violam preceitos de lei material ou procedimental aplicáveis, ou regulamentos que se encontram em vigor”.
FF. Pelo que não se poderá deixar de considerar que quando se verifique a violação dos procedimentos legais aplicáveis à comunicação de actas a condóminos ausentes estamos perante um caso claro e evidente de anulabilidade das referidas deliberações, motivo pelo qual deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que declare anuladas as deliberações tomadas na sobredita assembleia de 3 de Dezembro de 2015, por violação dos procedimentos legais específicos aplicáveis quanto à comunicação de actas aos ausentes, nos termos e para os efeitos legais.
TERMOS EM QUE, Deve o presente recurso ser admitido e as alegações juntas recebidas, julgando-se aquele totalmente procedente por provado e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e substituída por uma outra, que defira na totalidade o requerimento executivo, com as devidas consequências legais.

C…, D…, H…, LDA., I… – UNIPESSOAL, LDA. L…, M…, N…, O…, P…, T…, X…, HERANÇA Z…, AB…, AE…, AF… e AG… apresentaram contra-alegações, concluindo:
1. Verdadeiramente, do ponto de vista técnico, rigoroso, sempre sem a quebra do respeito que é devido, a Apelante não cumpriu, em substância, o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC.
2. Por outro lado, ao contrário da tese porque propugna a Apelante, estamos, de facto, em presença de uma situação típica de conflito de interesses.
3. E, no caso vertente, como muito bem aquilatou a Sentença recorrida, temos reunidos os dois pressupostos necessários, para que o conflito de interesses se verifique: A) uma maioria imprescindível para determinar o sentido da deliberação (cujo carácter de imprescindibilidade deverá ser sempre avaliado em face do caso concreto); B) a votar em matéria de interesse próprio conflituante com o interesse comum (o que, como se verá, deverá ser apresentado em concreto).
4. O Exmo. Senhor Presidente da mesa, mais não fez do que exercer correctamente as funções de que estava incumbido, sem extravasar minimamente os seus poderes.
5. A este respeito dispõe o artigo 21.º do CPA, sob a epígrafe “Presidente e Secretário” o seguinte: “1 - Sempre que a lei não disponha de forma diferente, cada órgão colegial da Administração Pública tem um presidente e um secretário, a eleger pelos membros que o compõem. 2 - Cabe ao presidente do órgão colegial, além de outras funções que lhe sejam atribuídas, abrir e encerrar as reuniões, dirigir os trabalhos e assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações. 3 - O presidente pode, ainda, suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões, quando circunstâncias excecionais o justifiquem, mediante decisão fundamentada, a incluir na ata da reunião, podendo a decisão ser revogada em recurso imediatamente interposto e votado favoravelmente, de forma não tumultuosa, por maioria de dois terços dos membros com direito a voto. 4 - O presidente, ou quem o substituir, pode reagir judicialmente contra deliberações tomadas pelo órgão a que preside quando as considere ilegais, impugnando atos administrativos ou normas regulamentares ou pedindo a declaração de ilegalidade por omissão de normas, bem como requerer as providências cautelares adequadas.”
6. Ora, não é possível conceber o ordenamento jurídico a não ser como um todo harmónico.
7. Pelo que mediante um aspecto lacunar na lei lançou-se mão de uma norma balizadora do funcionamento regular das assembleias, em órgãos colegiais da Administração Pública, as quais estão subordinados aos mais rígidos princípios que garantam a imparcialidade e a transparência.
8. Pelo que se justifica e é o que impõem as boas regras da hermenêutica jurídica (vide artigo 9.º do CC) justifica-se, in casu, a aplicação do disposto no artigo 176.º do CC.
9. Matéria sobre que a Sentença em mérito se pronuncia, subliminarmente, ao defender, com muito acerto que a Apelante foi legitima e legalmente impedida de exercer o seu direito de voto,
10. Aliás, fazê-lo de forma expressa seria enveredar pela prolixidade e é tautológico;
11. É preciso atentar na coerência lógica que presidiu à Decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual é irrepreensível.
12. Mas esta alegada “omissão de pronúncia (de direito)” - no que se reporta ao alegado facto de o Presidente daquela assembleia de condóminos ter extravasado os seus poderes - quanto a este facto alegado pela Apelante, técnico-juridicamente tratar-se-ia de uma causa de nulidade da Sentença (os termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC), a qual pode ser fundamento do Recurso, é certo, mas não é impugnação de matéria de direito. 13. A pretensão da Recorrente também tem de soçobrar, no segmento em que esta discorda da contabilização da maioria que a sentença em mérito efectua, dizendo que o voto da Apelante não era determinante para a formação da maioria.
14. Nesta conformidade, resulta claro que a Apelante defendendo uma tese de contabilização de uma maioria, em abstracto e desgarrada do caso concreto; 15. Os Apelados acompanham, a este respeito, in totum o entendimento do Tribunal a quo, de acordo com o qual o que releva é o caso concreto.
16. Assim, temos que “...uma vez descontados os votos atribuídos indevidamente ao condomínio, não exista maioria necessária para a sua aprovação. Ou seja deve ser levada a cabo uma apreciação, em concreto, sobre a influência dos votos indevidos do condomínio em situação de conflito de interesses. “
17. E, revertendo ao caso dos autos, temos, EM CONCRETO, que as permilagens da Apelante permitiam-lhe capturar a vontade do órgão deliberativo, Assembleia, ficando, contra legem, aniquilada a sua democraticidade intrínseca e necessária.
18. Entende ainda, embora sem razão, a Apelante que possui legitimidade para arguir o vício da falta de comunicação da acta, porém, para além de esta ser uma incumbência sua, como bem entendeu o Tribunal a quo, a ratio legis do artigo 1432.º, n.º 7 do Código Civil é acautelar o interesse dos condóminos ausentes – para que possam tomar conhecimento e posição sobre o teor das deliberações tomadas em assembleia, sendo que a Apelante esteve presente (tendo o preceito em escrutínio uma função meramente adjetiva, ou seja, serve para determinar o momento em que se inicia a contagem de determinados prazos, não contendendo com a validade intrínseca das deliberações aprovadas na assembleia a que se refere).
19. Mantendo os Apelados, adicionalmente, o entendimento que sempre aventaram nestes autos: quem tem a obrigação legal de proceder ao envio da acta é a Apelante.
20. Obrigação de que a Apelante que fez tábua (designadamente a de arquivar e guardar as actas – cf. artigo 1.º, n.º 3 do DL 268/94 de 25/10) e até devolveu a aludida acta.
21. E, se esta quisesse cumprir tal formalismo legal até teria podido fazê-lo, tempestivamente, pois o prazo previsto no artigo 1432.º do CC é de 30 dias. 22. Pelo que, nesta conformidade: - a Assembleia de Condóminos sobre que versa a acta realizou-se em 03/12/2015; - O secretário da mesa expediu a missiva com a Acta da sobredita Assembleia em 31/12/2015.
23. Donde se extrai que a acta não foi enviada dentro do prazo legal - o qual só terminaria em 15/01/2016, nos termos 279.º, alínea e) do Código Civil - porque a Apelante não quis!
24. Os Apelados subscrevem, integralmente, a Mui Douta Sentença em mérito quando esta evidencia que este vício para afectar a deliberação – in casu o que é cominado com a anulabilidade – tem de ser um vício na formação da mesma (genético em relação à deliberação). 25. Assim, se o envio da acta ocorre em momento ulterior e quando a vontade do órgão deliberativo já está perfeitamente formada, mesmo a existir preterição de uma formalidade (o que se não aceita e aqui por mera hipótese de raciocínio e cautela de patrocínio se concebe) tal ocorrência nunca teria a susceptibilidade de viciar uma deliberação que já está tomada (e no caso concreto validamente tomada). Termos em que NÃO deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, DEVE SER MANTIDA A MUITO DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO ASSIM SE FAZENDO, INTEIRA, PERENE, COSTUMADA E SÃ JUSTIÇA!

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se ocorre a invalidade da deliberação aprovada na assembleia geral extraordinária de condóminos do empreendimento turístico …, de 3 de Dezembro de 2015, constante do ponto 1 da ordem de trabalhos.
II. Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes:
A. FACTOS PROVADOS
1. Encontram-se descritas na Conservatória do Registo Predial a favor da autora as frações autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, Z, AF, AH, AI, AK, AM, AO, AQ, AS, AU, BH, BJ, BL, BM, BN, BO, BP, BQ, BR, BT, BU, BV, BX, BZ, CB, CD, CF, CH, CI, do edifício em propriedade horizontal sito na Rua …, em Vila Nova de Cerveira.
2. A autora é a administradora do condomínio do empreendimento turístico …, sito na Rua …, Vila Nova de Cerveira.
3. Um grupo de condóminos representativo de 25% do capital investido convocou uma assembleia de condóminos para o dia 3 de dezembro de 2015. 4. A convocatória para a aludida assembleia tinha a seguinte ordem de trabalhos: “1- Análise, discussão e deliberação sobre a avaliação da atividade da B…, S.A., enquanto administração do condomínio do empreendimento turístico …. Discussão e deliberação sobre as medidas a tomar. 2- Apresentação, discussão e deliberação do orçamento do condomínio do turístico da …, para o período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2016. 3- Outros assuntos de interesse geral do condomínio”.
5. Na assembleia de condóminos referida no ponto 3, estiveram presentes ou representados os réus, bem como AJ…, em representação da autora e do condómino AK….
6. AL… foi eleito pela assembleia mencionada no ponto 3 para exercer as funções de presidente da mesa.
7. Aquando da deliberação sobre o ponto 1 da ordem de trabalhos da convocatória, a autora foi impedida de exercer o seu direito de voto, através do seu representante, por parte do presidente da assembleia, com fundamento nos arts. 21º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo e 176º do Código Civil.
8. Na sequência disso, o representante da autora ausentou-se da assembleia referida no ponto 3.
9. Como consequência da apreciação do ponto 1 da ordem de trabalhos da convocatória, foi aprovada uma moção de censura à atuação da autora enquanto administradora do condomínio, por 355,00‰ do capital investido.
10. A 31.12.2015, o secretário da assembleia realizada a 3 de dezembro de 2015 enviou à autora a respetiva ata, pedindo-lhe que a difundisse pelos demais condóminos não presentes na referida assembleia.
11. A autora não enviou aos condóminos ausentes da assembleia a ata que lhe foi remetida pelo secretário da assembleia realizada a 3 de dezembro de 2015. 12. O presidente da assembleia realizada a 3 de dezembro de 2015 advertiu todos os presentes de que das decisões proferidas caberia recurso para o plenário da assembleia.
B. FACTOS NÃO PROVADOS:
Da prova produzida, o Tribunal considerou não provados os seguintes factos: a) A autora pretendeu, com a propositura da presente ação, mascarar as ilegalidades e irregularidades que tem vindo a cometer no exercício do cargo de administradora do condomínio.
III – Fundamentação de direito.
Argumenta a recorrente que o tribunal não se pronunciou sobre a questão levantada na petição inicial que se prende com o facto de o presidente daquela assembleia de condóminos ter extravasado as suas funções e competências.
Sem consultar a assembleia de condóminos, o presidente da assembleia lançou mão de uma analogia jurídica - a norma civilística do176º do Código Civil) – sendo que não se vislumbra a existência de qualquer lacuna legal quanto ao direito de voto no âmbito da propriedade horizontal, sendo claro o normativo prescrito no nº 2 do artigo 1430º do Código Civil, a saber, “cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418º se refere”.
Conclui que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que aprecie a ausência de poderes do presidente da assembleia para vedar o direito de voto a qualquer condómino e que declare a nulidade da deliberação com as devidas consequências legais.
Atentemos.
O referido nº 2 do artigo 1430º do C. Civil é uma disposição que confere aos condóminos o voto por referência às “unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418º se refere.” Trata-se, pois, do conteúdo e delimitação do direito de voto dos condóminos.
O artigo 176º do mesmo código, ao dispor que “o associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes”, refere-se a uma questão diferente respeitante à matéria dos impedimentos ao direito de voto.
Portanto, não existe uma norma específica relativamente a impedimentos de votos na assembleia de condóminos.
O artigo 157º do C. Civil estipula que “As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.”
Assim, tem sido entendido que a norma do artigo 176º do Civil que regula o impedimento de voto relativamente às deliberações das associações é subsidiariamente aplicável às deliberações das assembleias de condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal por força do mencionado artigo 157º. (v.g. Acórdãos da Relação de Lisboa de 21-10-2008, proc. nº 7933/2008-7 e de 29-12-2015, proc. nº 1417/10.8TVLSB.L1-2 in www.dgsi.pt).
Em suma, o condomínio é um sujeito jurídico, a que se aplicam, subsidiariamente, em tudo o que não pressuponha a personalidade jurídica, as normas das associações.
É de todo conveniente que a assembleia salvaguarde algumas limitações legais ao direito de voto como quando, por exemplo, ocorre um conflito de interesses que oponha um condómino ao interesse geral da assembleia de condóminos.
Muitas situações se podem configurar em que é patente um conflito ou colisão de interesses: a instauração de uma acção executiva para cobrança das quantias devidas ao condomínio, nomeação e exoneração do administrador, etc.
O ordenamento jurídico tem de evitar a todo o custo o conflito de interesses, quer ao nível das normas – as antinomias –, quer ao nível dos negócios jurídicos.
O nosso Código Civil adoptou como regra a proibição do negócio consigo mesmo, sendo condição de validade do negócio consigo mesmo, que não haja conflito de interesses, no acto de constituição ou conclusão do negócio, pois se houver conflito de interesses o contrato é anulável – artigo 261º, n.º 1, do Código Civil.
Obviar a conflitos de interesses é uma tarefa primordial para evitar desordens e transtornos no tecido social.
De tudo se conclui que não houve qualquer omissão de pronúncia, tendo sido considerada a legalidade e a legitimidade do presidente da assembleia para vedar o direito de voto à recorrente.
Mais invoca a recorrente que não detém a maioria da totalidade universal do empreendimento pelo mesmo que se considerasse existir conflito de interesses, bastava, in casu, a comparência na assembleia de todos os condóminos e que o seu voto fosse no sentido de aprovação da deliberação para que o seu voto não fosse suficiente para a reprovar.
Neste ponto subscreve-se o que se diz na sentença: “Chegados à conclusão que existia conflito de interesses e que o condómino visado foi legitimamente impedido de exercer o seu direito de voto nada mais há a apreciar. Ou seja, a questão de saber se, em concreto, o voto do condómino em situação de conflito de interesses teria ou não influência na aprovação da deliberação impugnada só tem relevância quando o mesmo exercer indevidamente o seu direito de voto. Ou dito de outra forma, só quando o condómino em conflito de interesses intervém na aprovação de determinada deliberação é que cumpre, posteriormente, aquilatar se o seu voto teve alguma influência na decisão final. Caso não tenha tido qualquer influência, a deliberação, embora aprovada com o voto ilegítimo de um condómino, não é anulável. Portanto, improcede a pretensão da autora, no sentido da declaração de nulidade da deliberação em litígio nos presentes autos, com fundamento na violação do seu direito de voto.”
Com efeito, a lei estabelece o impedimento do exercício do direito de voto. E no cumprimento desse comando legal foi impedido o voto da recorrente. E é tão só esta a questão a resolver.
A sanção da anulabilidade e a relevância que o conflito de interesses teria ou não na aprovação da deliberação impugnada é questão que não se coloca porque não aconteceu a substância fáctica.
O outro ponto que a recorrente coloca é o de que, não tendo sido ela a convocar aquela assembleia não lhe cabia si o dever de cumprir o disposto no nº 6 do artigo 1432º do Código Civil, mas sim a quem promoveu a convocatória.
Conclui pela omissão dos deveres impostos pelos supra citado nº 6 do artigo 1432º do Código Civil por parte dos condóminos que convocaram a dita assembleia.
Sem necessidade de mais considerações, reitera-se o enunciado na sentença nesta matéria: “Desta forma, o não envio da ata da assembleia de condóminos aos condóminos que nela não estiveram presentes nem sequer constitui fundamento para anulação das deliberações nela aprovadas, uma vez que se trata de uma formalidade posterior à aprovação das mesmas, cujo objetivo único é possibilitar o seu conhecimento pelos condóminos ausentes, podendo estes, no prazo de 90 dias, manifestar o seu assentimento ou discordância em relação às mesmas. Assim, “a falta de comunicação terá como único efeito dilatar para mais tarde (para quando seja efetuada por qualquer meio idóneo – carta registada com aviso de receção ou outro meio mais solene, como seja a citação) o início do prazo de impugnação (…)” – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de fevereiro de 2013, proc. nº 1415/12.7TBFLG.G1, consultável em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 6 de dezembro de 2016, no proc. nº 473/13.1TBLMG-A.C1, consultável em www.dgsi.pt, considerou que “[a] comunicação a que alude o art. 1432º, nº 6 do C. Cívil é necessária para os efeitos estabelecidos no seu nº 5 e também para a contagem do prazo de convocação de assembleia extraordinária (art. 1433º, nº 2) ou para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (art. 1433º, nº 3)”. Portanto, conclui-se que a comunicação imposta no art. 1432º nº 6 do Código Civil exerce uma função adjetiva, determinando o início da contagem de determinados prazos, não contendendo com a validade intrínseca das deliberações aprovadas na assembleia a que se refere. Desta forma, pelos motivos expostos, improcede igualmente a pretensão da autora no sentido da anulação da deliberação em discussão nos presentes autos, com fundamento na falta de comunicação da ata da assembleia em que a mesma foi aprovada aos condóminos que nela estiveram ausentes.”
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 9 de Outubro de 2018
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante