Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
367/16.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO PROMESSA
JUÍZO DE COMÉRCIO
Nº do Documento: RP20170927367/16.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 659, FLS.8-14)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição.
II - Às Secções de Comércio compete o julgamento dos processos de insolvência nos termos do artigo 128.º, n.º 1 a) da LOSJ, cabendo-lhe, igualmente, o julgamento dos apensos e incidentes que, porventura, se suscitem no âmbito das ações cuja competência lhes é atribuída, nos termos do art. 128º/3 do citado diploma.
III - Praticado ato pelo administrador da insolvência, gerador de consequências sobre a massa insolvente os encargos que daí decorram projetam-se na massa insolvente, conforme decorre do disposto no artigo 51.º do CIRE.
IV - Proposta ação de resolução do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apreendidos para a massa insolvente celebrado com o administrador da insolvência, após declaração de insolvência e peticionando-se a restituição do sinal em dobro deve a ação correr por apenso ao processo, conforme imposto pelo artigo 89.º, n.º 2, do CIRE, sendo a competência para o seu conhecimento e tramitação cometida à Seção de Comércio, ao abrigo do disposto no artigo 128º/1 a) da LOFTJ.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: CompMatéria-367/16.9T8PVZ
Comarca do Porto
Póvoa de Varzim - Inst. Central - 2ª Secção Cível - J4
Proc. 367/16.9T8PVZ
Recorrente: B…, Lda
Recorrido: Massa Insolvente de “D…, S.A” e Outros
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTORA: B…, Lda, com sede na Rua …, nº …, …, Trofa, e
- RÉUS: C…, Lda, sita na Rua …, nº .. Porto; e Massa Insolvente de “D…, S.A”, representada pela Administradora da Insolvência, Dra. E…, nomeada por sentença no processo 76/14.3TYVNG,
pede a Autora que se julgue provada e procedente a presente ação, e por via dela seja decretada a resolução do contrato e a condenação das rés nos pedidos, com devolução do sinal em dobro, devolução da comissão paga e, devolução do valor suportado a título de IVA.
Alegou para o efeito e em síntese, que no âmbito do processo de insolvência 76/14.3TYVNG, pendente na Comarca do Porto, Instância Central de Vila Nova de Gaia, Seção de Comércio de Vila Nova de Gaia prometeu comprar dois imóveis tendo prestado sinal. A ré C…, Lda teve intervenção no negócio na qualidade de mediadora. A administradora da insolvência apesar das insistência da autora não promoveu a celebração da escritura pública de compra e venda, solicitando um prazo complementar para a celebração do contrato, mas mesmo assim não celebrou o contrato, perdeu a Autora interesse na celebração do contrato, o que foi comunicado à ré massa insolvente, pretendendo resolver o contrato e ser ressarcida dos prejuízos sofridos.
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Citados os réus, contestaram, invocando, entre outras exceções, a exceção de incompetência material.
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Replicou a autora, pugnando pela improcedência da invocada exceção.
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Notificadas ambas as partes para querendo se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal julgar procedente a invocada exceção de incompetência material relativamente à ré Massa Insolvente, bem como manifestamente improcedente o pedido deduzido contra a ré leiloeira, pronunciaram-se nos termos contantes da ata de audiência prévia de fls. 167 e 168.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Face ao exposto, declara-se este Tribunal materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pela autora contra a ré Massa Insolvente de “D…, S.A.”, absolvendo-se esta ré da instância.
Custas a fixar a final”.
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A Autora veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a autora formulou as seguintes conclusões:
a) Conforme supra alegado a Mma Juiz ao fundamentar a sua sentença nas seguintes disposições legais nº2 do art. 89º do CIRE, nº1 do art. 46º CIRE, alínea c), nº1 do art. 41º CIRE, alínea a), nº1 do art. 128º da Lei 62/2013 LOTJ e art. 65º CPC violou por errada interpretação e aplicação do disposto nas supra normas legais, pois estas comportam uma interpretação e aplicação em sentido contrário ao adotado na sentença.
b) Por outro lado, também conforme supra alegado, a Mma Juiz “ a quo” violou o disposto no art. 64º do CPC, pois conforme supra alegado, este dispositivo legal atribui competência material ao tribunal aqui recorrido.
Sem prescindir
c) Mas se assim não se entender tendo em atenção o supra alegado a Mma Juiz ao não lançar mão da apensação de processos, violou os princípios da economia processual, da cooperação e da boa fé processual, violou ainda o disposto no nº1 do art. 85º CIRE, pois ao determinar na sua sentença a absolvição da instância, “ independentemente do eventual acordo das partes quanto ao aproveitamento dos articulados, bem sabendo que nos termos do nº1 do art. 85º do CIRE a apensação poderia ser requerida pela própria ré e esta não o fez, isto é manifestamente beneficiar o infrator, violando assim o principio da igualdade processual das partes, violando, assim, tal dispositivo legal.
Termina por pedir a revogação da sentença e a substituição da decisão no sentido de julgar materialmente competente o tribunal da Povoa de Varzim e caso não se entenda deve ser determinada a apensação dos autos ao processo de insolvência.
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A ré massa insolvente DA FIRMA “D…, S.A.”, representada pelo Administrador Judicial veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.º - A sentença recorrida aplicou e interpretou de forma correcta e necessária o disposto nos artigos, 89.º, n.º 2, 46.º, n.º 1 e 51.º, n.º 1, al. c) todos do CIRE, bem como, o disposto no art.º 128.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), pelo que a mesma não merece qualquer censura ou reparo.
2.º - De facto, dispõe o invocado artigo 89.º, n.º 2 do CIRE, que “as ações, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.
3.º - Por sua vez, o art.º 51.º do CIRE, que prevê as dívidas da Massa Insolvente, refere no seu n.º 1, alínea c), que são dívidas da massa insolvente “as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.”
4.º - Ao contrário do que alega a Autora/Recorrente, o que a mesma peticiona na acção em crise é não só a resolução de um contrato, mas também, e em consequência de tal resolução, a devolução do sinal em dobro, pelo que não é verdade que o que se discute nos presentes autos é apenas o direito à resolução de um contrato.
5.º - A ter provimento tal acção, o que por mera hipótese académica se admite, a mesma traria um prejuízo exorbitante para a Massa Insolvente, não apenas por esta ter de devolver o sinal em dobro, mas principalmente, porque a inviabilização do cumprimento de tal contrato, constituiria uma sério e irreparável dano patrimonial para a Ré/Recorrida, dado que ao celebrar tal negócio a mesma tinha sérias e fundadas expectativas de alcançar o montante total de 452.000,00€, acrescidos de IVA, o que não sucedeu.
6.º - Bem sabe a Autora/Recorrente que a venda em separado dos bens imóveis não trará para a massa insolvente os activos que traria a venda conjunta de todos os bens, sendo certo que não foi de ânimo leve que se optou por colocar à venda a globalidade dos bens (móveis e imóveis), num só lote, pelo que, claramente que a presente acção diz respeito a dívidas da massa insolvente, e por isso o Tribunal a quo, ao citar o art.º 89.º, n.º 2 do CIRE, fê-lo e bem.
7.º - Independentemente do objecto do processo, é facto que o mesmo foi interposto contra a Massa Insolvente da firma “D…”, e também é facto, que “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” – cfr. art.º 46.º, n.º 1 do CIRE -.
8.º - O alegado terceiro, ao contrário do que alega a Autora/Recorrente, não é estranho ao processo de insolvência, antes pelo contrário, é a firma que originou que a liquidação dos bens da Massa Insolvente ficasse suspensa devido às acções em curso.
9.º - O art.º 128.º, n.º 1, al. a) da Lei de Organização do Sistema Jurídico, é claro ao dispor que: “compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização”; e bem assim, o n.º 3 daquele dispositivo legal, ao referir que “a competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.”
10.º - Como é consabido, o processo de insolvência e processos conexos têm especificidades e modo de tramitação próprios, que têm e devem de ser observados.
11.º - Tal como refere, e bem o Tribunal a quo, “a secção de comércio é um tribunal de competência especializada, pelo que a instauração da presente ação num tribunal de competência específica cível, viola as regras da competência em razão da matéria - cf.. artigo 65° do C.P.C. A infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal - artigo 96º al. a) do Código de Processo Civil -, podendo tal incompetência ser arguida pelas partes, mas devendo, em todo o caso, ser suscitada oficiosamente pelo tribunal – artigo 97º nºs 1 e 2 do C.P.C.”
12.º - Ao aplicar-se o art.º 64.º do CPC, como entende a Autora/Recorrente, o Tribunal a quo, não poderia ser chegado a conclusão diferente daquela a que chegou, uma vez que só são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, o que não é o caso dos autos.
13.º - O art.º 128.º, n.º 1, al. a) da Lei de Organização do Sistema Jurídico, a Ré/Recorrida, encontrava-se em vigor desde 2013, tendo a Declaração de Insolvência da firma “D…”, ocorrido em 2014.
14.º - Não cabia à Ex.ma Sra. Administradora de Insolvência, requerer a apensação dos presentes autos àqueles, desde logo porque a acção em crise não se insere nos termos do disposto no art.º 85.º do CIRE, uma vez que a presente acção deu entrada após a declaração de insolvência, sendo certo que tal norma dispõe sobre acções pendentes à data da declaração de insolvência.
15.º - A foi invocada a excepção da incompetência territorial do Tribunal a quo, logo no início da contestação apresentada.
16.º - Não pode a Autora/Recorrente socorrer-se da imputação da responsabilidade pela absolvição da instância da Ré Massa Insolvente, à Ex.ma Sra. Administradora de Insolvência, ao Tribunal de Comercio de Vila Nova de Gaia e ao Tribunal a quo, já que, e salvo devido respeito, tal absolvição deveu-se única e exclusivamente a um “erro” cometido pela própria Recorrente.
17.º - As custas de parte foram reclamadas nos termos do disposto no art.º 25.º do Regulamento das Custas Processuais, não existindo qualquer imposição legal quanto ao momento em que as mesmas podem ser enviadas.
18.º - A Ré/Recorrida não alega quanto ao valor fixado para a presente ação, uma vez que a Autora/Recorrente se limita a fazer uma ténue referência à sua não concordância com o mesmo, sendo certo que posteriormente nada alega, nem concluí quanto a esse.
19.º- Resulta assim devidamente fundamentada e decidida a Sentença recorrida, quanto à Ré/Recorrida diz respeito.
Termina por que se julgue improcedente o recurso da autora.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
A questão a decidir consiste em saber se o tribunal é competente em razão da matéria para julgar e apreciar a pretensão da autora.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
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3. O direito
- Da incompetência em razão da matéria -
A apelante insurge-se contra a decisão recorrida que julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria, defendendo a competência da jurisdição comum para a tramitação e julgamento da presente ação.
Em sede de saneador julgou-se procedente a exceção por se entender que estando em causa uma divida da massa insolvente, o processo deve correr os seus termos por apenso ao processo de insolvência, sendo competente para preparar e julgar a ação, em razão da matéria, a Seção de Comércio onde se encontra pendente o processo de insolvência.
A questão que se coloca consiste, assim, em apurar se a jurisdição comum é competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente ação ou se a mesma está afeta a jurisdição especializada.
A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição[2].
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que resulta do facto do poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais.
A competência abstrata de um tribunal designa a fração do poder jurisdicional atribuída a esse tribunal.
A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder do tribunal julgar determinada ação, significa que a ação cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstrata do tribunal.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Neste domínio funciona o princípio da especialização, de acordo com o qual se reserva para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito[3].
A “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação”, determina a incompetência do tribunal[4].
Nos termos do art. 211º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Gozam de competência não discriminada.
Daqui decorre que os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Nos termos do art. 64º CPC são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, como se prevê no art. 96º/a) CPC.
A incompetência absoluta do tribunal é uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância ou, no caso de ter sido decretada depois de findos os articulados, a remessa dos autos ao Tribunal competente, desde que o autor tal requeira, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão e o réu esteja de acordo sobre o aproveitamento dos articulados (cfr. artºs 99ºCPC).
Nos termos do art. 128 /1 a) e 3 da Lei 62/2013 de 26 de agosto compete às seções de comércio preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização, bem como, os respetivos incidentes e apensos e a execução das decisões.
Prevê o art. 89º/2 Código da Insolvência e Recuperação de Empresas ( que se passará a citar no texto de forma abreviada como: “CIRE” )[5] que as ações, incluindo as executivas, relativas às dividas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com exceção das execuções por dividas de natureza tributária.
A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo – art. 46º/1 CIRE.
A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dividas – art. 46º/1 CIRE.
As dividas da massa insolvente vêm enunciadas no art. 51º CIRE.
Consideram-se dividas da massa insolvente, entre outras, as dividas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente e ainda, as dividas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções – art. 51º/c) e d) CIRE.
No caso concreto, pretende a apelante através da presente ação obter a resolução de um contrato promessa e a restituição do sinal em dobro e reembolso de outras despesas, por incumprimento do contrato imputável ao administrador da insolvência nomeado no âmbito do processo de insolvência da sociedade D…, SA, Proc. 76/14.3TYVNG. O alegado contrato foi celebrado na pendência do processo de insolvência e tem por objeto a compra e venda de imóveis apreendidos para a massa insolvente.
A divida em causa reveste a natureza de divida da massa insolvente, por resultar de atos de administração praticados pelo administrador da insolvente, pois o alegado contrato foi celebrado na fase de liquidação dos bens da massa insolvente, no âmbito das funções que são atribuídas ao administrador da insolvência, a quem cumpre escolher a modalidade de venda dos bens da massa insolvente (art. 164º/1 CIRE). A reconhecer-se o direito do apelante à restituição do sinal em dobro constitui-se uma divida da massa insolvente, pois os valores recebidos integraram este património e foi no seu interesse que o contrato foi celebrado.
Argumenta o apelante que o art. 89º /2 CIRE não se aplica ao caso concreto, porque se pede a resolução do contrato.
Efetivamente peticiona-se a resolução do contrato, mas também a restituição do sinal em dobro como consequência de tal resolução, valor que representa uma divida da massa insolvente.
Refere, ainda, o apelante que operando-se a resolução, a massa insolvente mantém-se na titularidade dos imóveis, podendo proceder à venda dos mesmos, não se justificando a referência ao art. 46º CIRE.
Efetivamente a massa insolvente mantém-se na titularidade dos imóveis, pois através da celebração do alegado contrato promessa não se processou a transmissão da propriedade dos imóveis. Porém, com a celebração do contrato a massa insolvente obteve o pagamento parcial do preço através do sinal prestado que ingressou na massa insolvente e será a massa insolvente que terá que responder pelos prejuízos que cause a terceiros.
Também entende o apelante que não se aplica o regime do art. 128º/1 a) da Lei 62/2013, porque a insolvência foi decretada há mais de dois anos.
Como se começou por referir a competência em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição. A presente ação foi instaurada em 17 de março de 2016, em data posterior à entrada em vigor do novo regime de organização do sistema judiciário e por isso, a norma do art. 128º/1 a) e 3 da Lei 62/2013 tem plena aplicação à concreta situação de facto.
Por fim, refere que a sentença violou ainda o disposto no nº1 do art. 85º CIRE, pois ao determinar a absolvição da instância, independentemente do eventual acordo das partes quanto ao aproveitamento dos articulados, bem sabendo que nos termos do nº1 do art. 85º do CIRE a apensação poderia ser requerida pela própria ré e esta não o fez, isto é manifestamente beneficiar o infrator, violando assim o principio da igualdade processual das partes, violando, assim, tal dispositivo legal.
O despacho recorrido não fez aplicação do regime previsto no art. 85ºCIRE, nem se justifica a sua aplicação à concreta situação dos autos.
No art. 85º CIRE prevêm-se os efeitos processuais da declaração de insolvência nas ações pendentes o que não se verifica no caso presente, porque a ação foi instaurada depois da declaração de insolvência da sociedade D…, SA. No citado preceito a apensação da ação está dependente da iniciativa do administrador da insolvência e a decisão cabe ao juiz do processo de insolvência.
Contudo, como já se observou, a procedência da exceção não impede o aproveitamento dos atos praticados, pois no caso de ter sido decretada depois de findos os articulados, a lei admite a remessa dos autos ao Tribunal competente, desde que o autor tal requeira, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão e o réu esteja de acordo sobre o aproveitamento dos articulados (cfr. artºs 99º/2 CPC).
Resta referir que não se anota na tramitação dos autos a apontada violação do principio da igualdade.
Os princípios processuais servem para sustentar e congregar normas dispersas, para auxiliar o interprete e aplicador do direito na adoção das soluções mais ajustadas ou para impor aos diversos sujeitos determinadas regras de conduta processual[6].
O art. 4ºCPC, sob a epígrafe “ Igualdade das Partes “, determina:
“ O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.“
Em comentário a este preceito refere LEBRE DE FREITAS: “[t]rata-se de garantir a ambas as partes, ao longo do processo, a identidade de faculdades e meios de defesa e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos. Como, porém, é da natureza do próprio processo alguma diversidade das posições das partes[…], à ideia de identidade formal absoluta de meios e efeitos substitui-se a de um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, sempre que a desigualdade objetiva intrínseca de certas posições processuais leve a atribuir a uma parte meios ou a sujeitá-la a efeitos não atribuíveis à outra”[7].
O princípio da igualdade não se manifesta no teor da decisão a proferir, mas na atitude e conduta do juiz na promoção dos termos e atos processuais.
Questão diferente consiste em saber se as decisões merecem censura, mas só pela via do recurso podem ser impugnadas as decisões judiciais.
O apelante limita-se a censurar a conduta do juiz à luz dos princípios que regem o processo civil. Contudo, o tribunal de recurso não julga a conduta do juiz, mas as decisões por este proferidas.
Considera-se, assim, que não cumpria ao juiz do tribunal “a quo” pronunciar-se sobre a apensação dos autos ao processo de insolvência, porque o regime do art. 85º CIRE não tem aplicação à situação dos autos, sendo certo que de acordo com esta norma constitui matéria da competência do juiz do processo de insolvência e ao abrigo do art. 99º/2 CPC, oficiosamente, não lhe cumpre promover tal diligência, porque a lei prevê a iniciativa do autor.
Conclui-se que não merece censura o despacho recorrido, quando julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria, com absolvição da ré massa insolvente da instância, improcedendo as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.
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Custas a cargo do apelante.
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Porto, 27 de Outubro de 2017
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 91.
Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Porto 31.03.2011 – Proc. 147/09.8TBVPA.P1 endereço electrónico: www.dgsi.pt; Ac. STJ, CJ/STJ, 1997, I, 125; Ac. Rel Porto 07/11/2000, CJ, Tomo V/2000, pág. 184.
[3] Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 195.
JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil, vol I, Lisboa, AAFDL, 1980, 646.
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, 128.
[5] DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08, com as alterações introduzidas pelo DL 116/2008 de 04/07, DL 185/2009 de 12/08, Lei 16/2012 de 20 de abril e pelo DL 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor a 01 de julho de 2017.
[6] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, vol.I, 2ª edição, revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 23
[7] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Código de Processo Civil – Anotado, vol. I, Coimbra Editora, pag. 10-11