Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
378/12.3TTLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA
Nº do Documento: RP20140616378/12.3TTLMG.P1
Data do Acordão: 06/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não se aplicam às relações de trabalho estabelecidas entre uma Irmandade da Misericórdia e os seus trabalhadores os contratos colectivos de trabalho celebrados entre a AEEP— Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, entre a mesma associação de empregadores e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE — Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU — Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, ainda que a empregadora contenha no âmbito da sua actividade social as valências de jardim de infância e actividades de tempos livres.
II – Não sendo possível identificar um instrumento de regulamentação colectiva como referencial normativo para as funções exercidas pelo trabalhador ilicitamente despedido, deve precisar-se na condenação do empregador que a reintegração do A. se efectuará para o exercício das tarefas descritas na matéria de facto que o mesmo desempenhava antes de ser despedido.
III – As Santas Casas da Misericórdia não filiadas na CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade – estão expressamente exceptuadas pelas Portarias n.º 900/2006 e 280/2010 da extensão por elas operada das condições de trabalho constantes dos contratos colectivos de trabalho entre a CNIS e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros e entre a mesma Confederação e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública - publicados, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, nºs 25, de 8 de Julho de 2005, e 7, de 8 de Maio de 2006, n.º 35, de 22 de Setembro de 2009, e n.º 45, de 8 de Dezembro de 2009.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 378/12.3TTLMG.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… veio em 30 de Julho de 2012 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho de Lamego a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado em 23 de Julho de 2012 pela Santa Casa da Misericórdia ….
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R., alegou, em síntese: que em Agosto de 2009, pelo prazo de 1 ano, contratou o R. como técnico de reabilitação, actividade a desenvolver a partir de 1 de Setembro de 2009 e em 35 horas semanais, nas diversas valências da R., mediante a retribuição de € 732,00; que, pese embora as diversas solicitações da R., o trabalhador nunca procedeu à devolução do contrato a termo escrito que então lhe foi entregue para assinar e que levou consigo para “ler melhor”, nunca mais o devolvendo; que no final de 2009 a R. aceitou passar a pagar ao A. a retribuição de € 900,00; que o trabalhador não dedicava 35 horas semanais à instituição, mas apenas 23,45 horas, registando um horário nos livros de presença diverso da aquele que praticava, assinando nos livros de presença de modo incompatível nas diversas valências e desenvolvendo actividades noutras instituições durante o horário em que deveria trabalhar para a R.; que as actividades praticadas pelo A. com os utentes se tornaram repetitivas e sem inovação, provocando cansaço e falta de motivação dos utentes; que, por considerar não existirem as condições para a manutenção da relação de trabalho e violação dos deveres de assiduidade, pontualidade, zelo e diligência e lealdade, em Junho de 2012 notificou o trabalhador manifestando a sua intenção de não renovar o contrato ou, caso o trabalhador não se considerasse vinculado pelo mesmo, comunicando a nota de culpa com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, o que veio a proferir por decisão de 17 de Junho de 2012 com fundamento. Conclui que o despedimento deve ser julgado regular e lícito, opondo-se à reintegração do A.

Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, o A. trabalhador impugnou parte dos factos alegados pela R. e deduziu reconvenção. Alegou, em resumo: que foi contratado pela R. no ano de 2006, com a categoria profissional de professor de educação física, tendo a partir de Janeiro de 2009 aumentado o seu horário, por forma a abranger todas as valências da R., e passando a auferir 900,00€ mensais; que entre Outubro e Novembro de 2009 foi-lhe apresentada por funcionário da R. uma minuta de contrato de trabalho, que não correspondia ao acordado, tendo o A. continuado a exercer as mesmas funções, praticando o mesmo horário, sendo-lhe paga a mesma retribuição; que nunca recebeu qualquer repreensão por parte da R. até à instauração do processo disciplinar; que não lhe foi facultada a consulta dos originais deste processo, mas tão somente fotocópias, e bem assim que da nota de culpa não consta uma descrição das circunstâncias de tempo, lugar e modo, dos factos concretos que lhe são imputados, pelo que é inválido o procedimento disciplinar e ilícito o despedimento; que sempre foi diligente e zeloso, assíduo e pontual, cumprindo o horário de trabalho na R., que desde logo era composto por uma componente lectiva e outra componente não lectiva; que os horários eram estabelecidos pela R. de modo a que o A. pudesse desempenhar as suas actividades na Câmara Municipal …; que a sua função não é a reabilitação física dos utentes; que não lhe foi pago ao longo do contrato o vencimento correspondente à sua categoria profissional “nos termos do CCT", bem como subsídio de almoço e formação profissional e que sofreu danos não patrimoniais em consequência do procedimento disciplinar. Requereu, a final, a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação na sua reintegração, no pagamento de diferenças salariais no valor de € 25.553,19, na regularização dos descontos para as entidades competentes e no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 9.000,00.
A R. apresentou o articulado de resposta de fls. 348 e ss., nele impugnando a generalidade dos factos invocados em fundamento da reconvenção, reiterando a categoria profissional do A., que não é a de professor mas técnico de reabilitação, o montante salarial e os descontos até então realizados. Alegou também que fornece almoço a todos os seus funcionários, do que foi dado conhecimento ao A. que, não obstante, nunca o solicitou e que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável não é o invocado pelo A. mas o contrato colectivo assinado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNSFP - Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, com a última revisão global publicada no BTE nº 15 de 22/4/2011. Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.
O A. pronunciou-se quanto aos documentos e à admissibilidade da resposta nos termos de fls. 412 e ss.
Foi proferido despacho saneador na audiência preliminar documentada a fls. 417 e ss., e elencaram-se os factos assentes, bem como os controvertidos e carecidos de prova.
Realizada a audiência de julgamento, e sendo proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objecto de reclamação, a Mma. Julgadora a quo proferiu em 5 de Novembro de 2013 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e a reconvenção parcialmente procedente, e em consequência:
i) declaro a ilicitude do despedimento do A./trabalhador B…, e condeno a R./empregadora Santa Casa da Misericórdia … a reintegrar o A., sem prejuízo da sua categoria (técnico de reabilitação) e antiguidade (reportada a Setembro de 2009);
ii) condeno a R. a pagar ao A. a quantia de 1.400,00€ a título de danos não patrimoniais;
iii) julgo este tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de condenação da R. na regularização de descontos contributivos do A.;
iv) absolvo a R. do demais peticionado.
Fixo à causa o valor de 5.000,01€ - art. 98º-P, nº2 do CPT.
Custas pelo A. e pela R. na proporção de 30% / 70% (art. 527º, nºs 1 e 2 do NCPC)
[…].»
1.2. O A. veio requerer a aclaração da sentença em requerimento entrado em 11 de Novembro de 2013 (fls. 653 e ss.), por ter sido omitida a condenação das retribuições com efeitos desde o despedimento até efectiva reintegração e veio ulteriormente em 10 de Dezembro de 2013 (fls. 788) – após ter sido convidado a reformular a sua pretensão por despacho proferido em 27 de Novembro de 2013 ao abrigo do disposto no art. 3º, a) do diploma preambular da Lei 41/2013, de 26/6 em virtude da entrada em vigor do Código de Processo Civil – reiterar este pedido de aclaração, requerendo a junção deste segundo requerimento às suas alegações, nos termos do preceituado no artigo 669.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 do CPC.
1.3. A R., inconformada interpôs recurso da sentença (a fls. 656 e ss.), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1- Em face da prova documental apresentada pela Ré, designadamente o contrato de trabalho celebrado pelo A. com o Municipio ... para o ano letivo 2011/2012, e do horário do docente relativo a esse contrato, assim como do documento emitido pelo Municipio ... informando que o A. não faltara nem fora substituído em quaisquer atividades contratualizadas com a autarquia, é forçoso concluir que pelo menos nas horas previstas naquele horário para atividades extra curriculares, não estava ao serviço da Ré,
2- Assim, independentemente de outra prova a produzir, deveria o tribunal equacionar em termos de raciocinio objectivo quantas horas restavam por semana ao A. para cumprir as 35 horas contratualizadas com a Ré a prestar de segunda a sexta feira, desde as 9 h até às 19,30 h, levando em conta a necessidade de descanso para almoço, quer do A. quer dos utentes da Ré, assim como o tempo que iria gastar nas deslocações das Escolas ... e ... por semana para daí chegar à vila de ... e aos edificios da Ré às terças feiras, às quartas feiras e às quintas feiras, da parte da manhã, assim como para chegar a ... e às ... às segundas e às sextas feiras, da parte da tarde.
3- Análise objetiva esta que a Srª Juiz a quo não fez na apreciação da prova produzida, violando, a nosso ver, de forma manifesta, as regras da lógica e experiência comuns, que de modo notório em nosso entender ressaltam da análise daquele documento.
4- E deveria a Srª Juiz a quo, tendo em conta os termos do depoimento de parte do próprio A, além do que ficou propriamente na assentada, valorar os depoimentos das testemunhas ouvidas, e em função da conjugação dos diversos depoimentos, dar por provado que as horas de atividade prestadas pelo A. à Ré à data do procediemnto disciplinar eram as indicadas pelas responsáveis das diversas valências desta e descritas no chamados relatórios juntos aos autos, com base nos quais a Direcção da Ré concluiu que o A. não estava a cumprir o horário - as 35 horas semanais que se comprometeu prestar à Ré, apesar de continuar a receber a remuneração contratualizada em função dessas 35 horas.
5- Consequentemente, deveria o tribunal a quo ter declarado provado que o A. registava de forma incorreta e falseada as horas que prestava à Ré, fazendo o registo de um número de horas semanais na designada folha de registo de presenças - doc. 14-A junto aos autos- mas praticando outro, em número de horas bastante aquém daquelas aí registadas, como acontecia, entre outras situações, no âmbito da natação às sextas feiras com as crianças do Jardim de Infância, assim como resultou confessado pelo A. em relação ao registo das horas realizadas no CAO, na Unidade de Saúde e nos Lares.
6- Mais devendo o tribunal, tendo em atenção todos os depoimentos prestados e designadamante os de D..., E..., F..., G..., H..., I..., J... e K..., designadamante nas partes supra referenciadas e transcritas, considerar que o registo feito pelo A. naquelas folhas de registo de presenças era feito conscientemente, de forma irregular, falsa, a fim de evitar que a Ré facilmente controlasse o número de horas que o A. estava a prestar-lhe por semana.
7- De facto, os depoimentos prestados pelas diversas testemunhas, fossem elas indicadas pela Ré ou pelo A., sendo que a maioria era comum, foram prestados de forma serena, espontânea e sincera, coincidentes na sua maioria uns com os outros, pelo que deverão ser valorados e tidos em conta para apreciação dos factos inscritos também nestes 4 quesitos.
8- Sendo, a nosso ver, de todo injustificado o fundamanto apresentado pela Srª Juiz a quo para a não valorização dos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, e consequente resposta negativa aos factos constantes dos quesitos 14, 17, 18 e 22, além de incongruente com a fundamantação que no primeiro parágrafo da pag 10 da sentença acaba por apresentar relativamente ao tempo que o A. faria no ATL além das 19.30 h, assim como na resposta positiva aos quesitos 37 e 38.
9- Na verdade, tendo em atenção o teor dos depoimentos de E... e de J..., não podem tais situações ser consideradas senão muito esporádicas, sem qualquer relevância para efeitos de cumprimento do contrato de trabalho estabelecido com a Ré, tanto mais não lhe ter sido pedido, nunca, que ficasse para além das 19,30 h nas duas situações sinalizadas ao longo dos anos em virtude de esquecimento ou outros motivos imprevistos dos pais das crianças.
10- E o mesmo se diga da resposta dada aos quesitos 37 e 38, levada aos pontos 25 e 26 da matária de facto provada na sentença sob recurso, sendo que sobre esses factos se pronunciaram as testemunhas D..., G..., educadoras de infância, assim como H..., de cujos depoimentos, como se transcreveu, se deve concluir que o acto de arrumar os objectos usado era tarefa simples e rápida, de poucos minutos atento o lugar onde os mesmos eram arrumados, nem resultando desses depoimentos que o A. fizesse qualquer recolha de apontamentos e estudo da evolução individual de cada criança, pelo que nessa parte tais factos previstos no quesito 38 nem deviam ter sido dados como provados.
11- Consequentemente deveria o tribunal ter julgado provados os factos vertidos nos referidos quesitos 14, 17, 18 e 22, com a eventual correcção, quanto ao quesito 17, de que o número de horas máximo que o A. dedicava à Ré não ia além das 25 horas semanais.
12- Razões pelas quais deverá considerar-se ter havido erro notório na apreciação da prova produzida em julgamento, com errada resposta dada à matéria de facto contida nos referidos quesitos, resposta essa que deverá ser alterada para resposta positiva, nos termos concretos alegados na anterior conclusão.
13- Efetivamante, resulta da prova produzida que no horário de expediente entre as 9 h e as 19,30 h, de segunda a sexta feira, apesar de registar como tendo prestado à Ré as 35 horas contratualizadas, o A. não prestava esse número de horas à Ré, prestando dentro desse mesmo horários 20 horas à Câmara Municipal ... e não mais de 25 h à Ré.
14- E, ao registar da forma como registava as horas que semanalmente prestava à Ré, iludindo-a de que cumpria o número de horas que com a mesma contratualizou, quando não era verdade, deve considerar-se ter estado o A. a usar de má-fé para com a Ré, comportamanto esse determinante da perda de confiança que a Ré nele depositava e que é necessário manter em qualquer relação laboral.
15- E em consequência da prova que deverá considerar-se feita dos factos inscritos nos quesitos 14, 17 e 18, deve concluir-se ter o A. de forma consciente e reiterada, pelo menos no ano de 2012, faltado ao cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, deixando de prestar semanalmente 10 das 35 horas que contratualizara com a Ré.
16- Uma vez que, não dedicava mais de 4 horas por semana na Unidade de Saúde, não dedicava mais de 7 horas por semana no CAO, não dedicava mais do que 7,5 horas no CATL, não dedicava mais do que duas horas no Jardim de Infância, não dedicava mais do que 50 minutos na Creche, não dedicava mais do que uma hora, alternadamente, nos Lares, nem dedicava mais do uma hora e quarenta na natação com crianças à sexta feira nem dedicava mais do que uma hora na natação com os idosos à quarta feira, somando no total, o máximo de 25 horas semanais.
17- Causando assim elevado prejuizo à Ré, quer em termos de retribuições pagas, relativas a cerca de 28,5 % da remuneração devida ao A, quer em termos organizacionais da própria Ré em virtude das demais funcionárias acabarem por vir a saber que o A. apesar de não cumprir o horário contratado recebia como se cumprisse.
18- Ao decidir em sentido contrário, a decisão sob recurso que declarou ilícito o despedimento do A. e a sua consequente reintegração, violou o disposto, designadamante, no nº 1, al.s d), e) e g) do nº 2 do art. 351 conjugado também com o disposto nas al.s b), c) e f) artigos 128, ambos do Código do Trabalho
19- Efetivamente, em face dos factos provados, designadamente quanto ao procedimento da não entrega do contrato de trabalho, e dos que se deram como provados e daqueles que se pretende sejam declarados agora provados, quanto à forma de registo das presenças e ao não cumprimento das horas contratualizadas com a Ré, não é exigível à Ré a manutenção do contrato de trabalho celebrado com o A., atendendo à total perda de confiança no mesmo em virtude desse seu comportamento astucioso tido para com a mesma, tanto ao nível da não entrega do contrato de trabalho que lhe fora dado para assinar, como ao nível da forma de registo das suas presenças nas diversas valências, e consequente falta de assiduidade com incumprimento continuado do número de horas contratadas com a Ré e em virtude das quais estava a ser remunerado.
20- Devendo, com efeito, considerar-se praticamente impossível a manutenção do vinculo laboral a partir do momento em que a Direcção da Ré (Mesa Administrativa) toma conhecimento de tais factos.
21- Consequentemente, deve ser revogada tanto a decisão de declaração da ilicitude do depedimento e reintegração do A., e substituída por outra que decida lícito e justificado o despedimento do A. promovido pela Ré, com as demais consequências legais, assim como deverá ser revogada a decisão de condenação da Ré a título de indemnização ao A. por danos morais, quer por, sendo o despedimento lícito, não haver lugar à mesma, quer por, ainda que tal não viesse a acontecer, não ter resultado provado qualquer prejuízo moral relevante para efeitos de indemnização nos termos do nº 1 do art. 496 do CC.
22- Efetivamente, o alegado estado de nervosismo que o A. invoca nos autos em virtude do despedimento não foi criado intencionalmente pela Ré, nem a nosso ver por culpa da Ré, atentas as circunstâncias supra invocadas em virtude das quais foi promovido o despediemnto do A.
23- Por outro lado, a não se entender assim, sempre tal decisão de condenação em indemnização deveria ser alterada para montantes muito inferiores, para menos de metade do fixado, atendendo também aos valores que normalmente os tribunais aplicam em situações desta natureza.
Razões pelas quais, dando provimento ao presente recurso, revogando as decisões proferidas e das quais se recorre, Farão V. Exªs a costumada Justiça.”
1.4. Respondeu o A. recorrido (a fls. 790 e ss.), pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“1. O despedimento do Autor é ilícito uma vez que não se verificou nenhum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa enunciado no artigo 351º nº1 do Código de Trabalho;
2. A Ré não descreveu de forma circunstanciada os factos imputados ao Autor na Nota de Culpa limitando apresentar os mesmos em peças processuais, desconhecendo o Autor até ao desencadear do processo judicial os motivos para os quais havia sido despedido;
3. O Autor sempre realizou o seu trabalho de forma diligente e com zelo como resulta da inexistência de qualquer processo disciplinar contra este;
4. Não ficou provado, pelo contrário, que o Autor tivesse um comportamento culposo que pressupusesse um acto ilícito e censurável assente numa acção ou omissão de que resultasse a violação de deveres legais ou obrigacionais;
5. Ficou provado, a falta de reclamações por parte dos utentes e a ausência de faltas durantes todos estes anos;
6. O Autor é um trabalhador diligente, leal, pontual, assíduo e tais comportamentos resultam da assinatura correta das folhas de presenças, do registo de horário correto e correspondente ao ordenado pela Ré e ainda desenvolvia todas as actividades com bastante motivação a todos os utentes;
7. Todo o trabalho desenvolvido na Câmara Municipal ... era de acordo com o ordenado pela Diretora de Serviços da Ré, de molde a que o Autor pudesse exercer as suas actividades em ambas instituições, cumprindo pontualmente e de forma assídua o horário da Ré;
8. Tanto assim é que pelo depoimento da testemunha L..., colaboradora da secretaria na área da contabilidade, que afirmou nunca ter descontado uma falta ao Autor por este ser assíduo e pontual;
9. A falta de devolução do contrato de trabalho como motivo para justificar a subsistência da relação de trabalho deve ser entendido apenas como a forma que a Ré trata os seus trabalhadores: autoridade e intimação;
10. A Ré como Santa Casa da Misericórdia onde devia apelar aos princípios e valores morais está envolta de um poderio económico e político que tudo o que é a sua pretensão (ou dos seus membros) ordena e faz, violando os princípios basilares de direito e de um Estado de Direito;
11. Não se entende como passados anos da entrega de uma “minuta de um contrato de trabalho”, passados dias de trabalho por parte do Autor sem qualquer interpelação por parte da Ré, esta lembrou-se de despedir o Autor com base na falta de entrega dessa mesma minuta ou melhor dando à escolha: “ou entregas o contrato assinado” ou “és despedido”;
12. Entendeu bem o Tribunal de que a própria Mesa Administrativa, legal representante da Ré, no final do ano de 2009 deliberou ainda aumentar o vencimento ao Autor o que é claramente demonstrativo da confiança entre a Ré e o autor não pondo sequer em causa a subsistência da relação laboral;
13. O Tribunal decidiu bem quanto à declaração da ilicitude do despedimento do Autor e a sua consequente reintegração não violando qualquer disposição legal alegada pela Ré;
14. Mais decidiu bem o Tribunal quanto ao pagamento de uma indemnização ao Autor por danos morais em virtude do conhecimento do processo de despedimento que causou ao Autor um estado de stress e nervosismo bem como se sentiu vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas que se relaciona.
15. Estado este do Autor criado intencionalmente pela Ré, atenta a forma e postura em todo o processo de despedimento.”
1.5. O A. interpôs igualmente recurso da sentença (fl.s 698 e ss.), rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Desde o ano de 2006 até à data do despedimento que o Recorrente vinha a desempenhar as seguintes funções: físicas, desportivas, natação e extracurriculares no ATL;
2. O Autor foi contratado pela Recorrida com a categoria de Professor do Ensino Básico, Variante de Educação Física, em 2006;
3. O Recorrente tem habilitações que decorrem da sua licenciatura em Professores do Ensino Básico, variante Educação Física e Mestrado;
4. O Recorrente não é Técnico de Reabilitação, tendo tido apenas uma formação certificada, de 30 horas, com presenças sem ter obtido qualquer avaliação final. Esta formação apenas foi concluída em novembro de 2009 e não confere qualquer grau;
5. As funções que desenvolveu na SCMCD eram do conhecimento desta que as publicitava em diversos flyer, site e jornais assumindo a categoria profissional do Recorrente como Professor de Educação Física e não como Técnico de Reabilitação;
6. As actividades físicas, desportivas e de natação praticadas pelo Autor devem ser praticadas por um licenciado na área da Educação Física e não na área da Saúde e as atividades extracurriculares do ATL devem ser praticadas por um Professor do Ensino Básico (tudo dentro das habilitações que o Autor possui que é Professor do Ensino Básico e também tem a Variante de Educação Física);
7. O Recorrido tem contribuído para o jornal da SCM ... “M...” e para os jornais locais com conteúdos relacionados com as actividades desenvolvidas, inclusivamente na instituição ora Ré, sobre desporto e actividade física;
8. A categoria profissional do trabalhador deve ser aferida não em face da designação dada pela entidade empregadora mas, em razão das funções efectivamente por ele exercidas, em conjugação com a descrição das funções próprias de cada actividade;
9. Decorre do próprio contrato colectivo de trabalho aplicável ao ensino particular e cooperativo a categoria de professores licenciados e profissionalizados, cujo valor à hora é de 62,15 euros;
10. O Recorrente dava aulas de educação física bem como desenvolvia actividades recreativas em artes decorativas, festas de aniversário, trabalhos manuais, ginástica a crianças dos 2 anos, bem como exercia actividade física com as crianças do jardim de infância (salas 3,4,5 anos), adaptação das crianças do jardim de infância ao meio aquático – natação – Salas dos 3,4 e 5 anos e fazia o acompanhamento das crianças que frequentavam o Centro de Actividades dos tempos Livres da Instituição, na realização de trabalhos de casa, nas visitas de estudo, preparação e organização de actividades com as crianças nas Festas de Natal e festas de Final do Ano Lectivo realizadas no centro Municipal ... como resulta do certificado de trabalho emitido pela Recorrida;
11. A Recorrida é um estabelecimento de ensino uma vez que possui valências de ensino tais como: creches, educação pré escolar, apoios educativos noutros ciclos de ensino nomeadamente ATL (Actividades Tempos Livres), valências essas adstritas ao Recorrente e a onde desempenhava as suas funções;
12. A Instituição presta serviço a diversos níveis referindo expressamente o Apoio Pedagógico;
13. O Recorrente desempenhava actividades extracurriculares no ATL: educação física e natação bem como faz constar a avaliação periódica das crianças em cada um dos períodos lectivos, sendo a referida avaliação do conhecimento dos Encarregados de Educação;
14. O Tribunal “a quo” devia, com o devido respeito, requalificar o trabalhador como Professor do Ensino Básico variante de Educação Física uma vez que este desempenhava todas as funções atributivas desta categoria profissional e condenar a Requerida a reintegrar o mesmo com essa categoria e atribuir-lhe a correspondente remuneração prevista no âmbito do já citado CCT.;
15. E em consequência condenar a Recorrida a pagar Subsídio de Natal; Subsídio de férias; Férias não gozadas durante a suspensão, Remunerações correspondentes aos meses em que esteve suspenso; Pagamento da componente não letiva que foi efetuada ao longo destes anos nas horas de folga e juros de mora à taxa legal, até à data da sua liquidação;
16. O Recorrente estava a exercer as funções sob a direcção e autoridade da Recorrida, com o horário de trabalho fixado por esta e com a remuneração proposta pela mesma desde o ano de 2006;
17. O subsídio de refeição só deixou de ser pago a todos os seus funcionários a partir da circular 02/2012 do mês de Janeiro, devendo a Recorrida ser condenada a pagar os subsídios de refeição ao Recorrente até à data dessa referida circular;
18. O Tribunal “a quo” violou o nº 1 do art 118º do CT/2009 ao não requalificar a categoria profissional do Recorrente em Professor do Ensino Básico variante de Educação Física, categoria esta em conformidade com as funções que este sempre desempenhou na Recorrida;
19. Verificando-se em concreto que o trabalhador exerce um leque de funções enquadrável numa determinada categoria prevista em instrumento colectivo de trabalho, o empregador deve atribui-lha – também formalmente – e retribuí-lo em consonância;
20. De igual modo, se a retribuição auferida for inferior à categoria atribuída – ou que devia ser atribuída – pelo empregador, o trabalhador tem direito à retribuição prevista para tal categoria;
21. O A./Recorrente desenvolvia funções pedagógicas correspondentes à categoria de Professor do Ensino Básico, pelo que devia proceder o pedido de reconhecimento da categoria profissional de Professor do Ensino Básico, variante Educação Física.
22. Em suma, deve existir correspondência entre as funções desempenhadas, a categoria atribuída e a retribuição auferida.
Pelo exposto, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido douto acórdão que revogue a decisão objecto deste recurso Assim se fará a costumada JUSTIÇA.”

1.6. A R. apresentou contra-alegações a este recurso (a fls. 760 e ss.).
Concluiu as mesmas do seguinte modo:
1- Esta versão do A. quanto à sua alegada contratação com a categoria de professor não corresponde à verdade dos factos, pelo que não foi acordado em momento algum a contratação do A. como professor, e as atividades desenvolvidas pelo A. nas diversas valências da Ré também não preenchem essa categoria profissional, independentemente das habilitações do A, o qual, aliás, como confessou, mesmo ainda antes de licenciado já desenvolvia aquelas atividades, no ano de 2006, demonstrando ele próprio que a posse da licenciatura não era necessária à realização de tais atividades.
2- Demonstrando o próprio A., pelos documentos que juntou sobre textos por si publicados, que nunca fora objetivo da Ré ministrar um curso de educação física, ou aulas de educação física integradas em qualquer plano educativo nacional, mas sim, exercitar capacidades fisicas e melhorar a saúde e bem estar dos utentes.
3- Aliás, é nesse sentido o depoimento prestado por N... e por F..., testemunhas indicadas pelo A., que consigo trabalharam, como declarou este último ao minuto 25 que aquilo ali não era uma escola, ali não era nenhum plano escolar que tínham que cumprir, ou o N... ao minuto 9, esclarecendo que o objetivo era melhorar (a saúde) e que nunca atribuíam classificações.
4- De resto, foi sempre como técnico de reabilitação que todos os documentos assinados pelo A., quer elaborados pelo próprio, quer só assinados, desde o documento entregue à Segurança Social no início do contrato, (doc. 2 D junto pela Ré com o articulado de motivação), quer os recibos de vencimento desde o 1º, em Setembro de 2009, quer as atas do CAO, quer o aplicativo de monotorização da RNCCI da Unidade de cuidados continuados, juntos com a resposta, quer o referido curriculum vitae apresentado pelo A. em 2011, assim como a própria ata da reunião da Mesa Administrativa da Ré nº 27/2009, datada de 26/8/2099, da qual consta a decisão de contratação do A. como técnico de reabilitação, que os mesmos identificam o A.
5- Além disso, como ficou provado e é a arealidade, a Ré não é uma instituição de ensino, a Ré não se substitui a qualquer escola, a Ré não desenvolvia qualquer programa curricular, pelo que a Ré não necessitava para desenvolver as atividades que o A. veio a desenvolver, de pessoa licenciada, como o próprio A. reconheceu no seu depoimento ao dizer que já em 2006 prestava as mesmas funções para a Ré ainda sem estar licenciado.
6- Assim, não deve a categoria profissional com que a Ré contratou o A. ser alterada, nem cabe ao A., como bem decidiu a Srª Juiz, qualquer valor a título de diferenças salariais
7- Quanto ao início do contrato em termos de trabalho subordinado, ficou provado que o mesmo apenas foi celebrado com efeitos a partir de Setembro de 2009, sendo completamante infundamentado o alegado pelo A. no sentido de ter sido desde 2006, ou tão pouco em Janeiro de 2009, alegação aquela, aliás, que está em contradição com a sua insistente alegação de que entrou para a casa em Janeiro de 2009,
8- Dos depoimentos prestados, resulta, quanto a nós, notório que o A. trabalhou para a Ré como trabalhador independente até Agosto de 2009, fazendo as horas que entendia e sendo-lhe pagas as horas que apresentava, sem qualquer controle sobre a efetiva prestação dessas horas, como referiu P..., e que em Setembro de 2009 começou a trabalhar como exercendo trabalho subordinado, sujeito aos termos de um contrato escrito que não assinou, mas que fora elaborado para o efeito e apresentado ao A. pelo funcionário da Ré W....
9- Sendo igualmente demonstrativo da versão da Ré o próprio documento - extrato bancário que o A. apresenta como sendo seu e pelo qual, quer fazer crêr que os valores por si recebidos ao longo de alguns meses de 2009, como sendo num mês 546 euros, noutro mês 820 euros, noutro mês 1330 euros, noutro 790 euros, noutro mês 970 euros e noutro ainda 1.414 euros, como sendo resultado de trabalho subordinado no âmbito de um contrato de trabalho, uma vez que esses valores demonstram, sim, por si só, a irregularidade de pagamentos que não se vê num contrato normal de trabalho, como resulta, aliás, da última página desse documento referente ao ano de 2010, assim como das anteriores referentes aos últimos meses de 2009, com referência à verba líquida de 615.48 €, após descontos de IRS e SS sobre os 732,00 € ilíquidos.
10- De igual modo, também quanto ao subsidio de alimentação ficou provado que o A. apenas não almoçava nos refeitórios da Ré porque não quis, motivo pelo qual também não lhe assiste qualquer razão neste ponto do recurso.
Razões pelas quais devem as conclusões do A. recorrente ser julgadas totalmente improcedentes e, consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso Assim decidindo, farão Vossas Exªs justiça.
1.7. Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 919, fixando-se o efeito suspensivo ao recurso interposto pela R..
No mesmo despacho, foi decidido indeferir a requerida aclaração da sentença considerando que o A. não arguiu a nulidade da sentença nos moldes previstos nos arts. 77º do CPT e 615º do NCPC, nem suscitou a sua reforma nos termos previstos no art. 616º do NCPC e por a aclaração da sentença não encontrar actual cabimento legal (cfr. art.5º, nº1 e 7º, nº1 a contrariu sensu, do diploma preambular da Lei 41/2013, de26/6).
1.8. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer no sentido de que deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto apresentada pela R. e de ser mantida a factualidade provada, improcedendo ambos os recursos e sendo mantida a sentença.
Apenas o A. respondeu a tal Parecer nos termos documentados a fls. 956-957.
Foi entretanto requerido pelo A. se lhe pague a retribuição a que normalmente teria direito por força do depósito efectuado, requerimento que foi indeferido por despacho da ora relatora e documentado a fls. 953 e verso.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – do cumprimentos dos ónus legais prescritos para a impugnação da decisão de facto (questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer);
2.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito à resposta aos pontos 14., 17, 18., 22., 37. e 38. da base instrutória (conclusões 1.ª a 13.ª do recurso da R.)
3.ª – da justa causa para o despedimento do A. (conclusões 14.ª a 21.ª do recurso da R.);
4.ª – da indemnização por danos não patrimoniais (conclusões 21.ª a 23.ª do recurso da R).
5.ª – do direito do A. a retribuições intercalares (conclusão 15.ª, primeira parte, do recurso do A.);
6.ª – da data a que deve reportar-se a contratação do A. pela R. como trabalhador subordinado (conclusões 1.ª, 2.ª e 16.ª do recurso do A.);
7.ª – da classificação profissional do A. recorrente como Professor do Ensino Básico, variante de Educação Física, o que implica previamente se responda à questão de saber se ao contrato celebrado entre as partes é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo invocado pelo A. (conclusões 2.ª a 13.ª, 14.ª, 18.ª e 19.ª do recurso do A.);
8.ª – do direito do A. a diferenças salariais (conclusões 14.ª, 15.ª e 19.ª a 22.ª do recurso do A.);
9.ª – do direito do A. a subsídio de refeição (conclusão 17.ª do recurso do A.).
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As duas primeiras questões reportam-se à fundamentação de facto da decisão final e as demais atinem já à sua fundamentação de direito.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto suscita a questão prévia de dever ser imediatamente rejeitado o recurso da R. na parte relativa à impugnação da decisão de facto por apenas na conclusão 6.ª ter a recorrente indicado o nome das testemunhas suporte das pretextadas alterações, quando o CD suporte dos depoimentos possibilita a individuação das passagens da gravação.
Quanto ao recurso do A., diz também o mesmo ilustre Magistrado que o A., pese embora evidencie discordâncias com a decisão de facto, não a impugnou, o que o A. veio a refutar na resposta que apresentou.
A reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pela lei processual civil não se destina a julgar de novo toda a matéria de facto, mas antes a sindicar concretos pontos dessa matéria que, em função de determinados meios de prova, se revelem incorrectamente julgados, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida e aponte com precisão, quer os concretos pontos impugnados, quer os elementos ou meios de prova que implicam, decisão diversa da produzida[2].
É por este motivo que assumem especial importância os deveres da parte de individualizar tal factualidade nas alegações e de a concretizar, ainda que pela sintética indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, nas conclusões da peça recursória, bem como a especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, segundo a perspectiva divergente que explicita na peça recursória.
O que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um “novo julgamento” – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido tem sustentação bastante nas provas produzidas ou se, pelo contrário, deve concluir-se com a necessária segurança que a convicção do tribunal de 1.ª instância quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação, sendo distinta a convicção firmada na 2.ª instância perante a prova produzida.
A propósito dos requisitos para a impugnação da decisão de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações, o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, tal como sempre decidimos à luz do correspondente artigo 685.º-B do Código de Processo Civil revogado, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º].
Assim, quanto às conclusões, o critério subjacente à definição da sua conformidade com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto situam-se na mesma lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso e a sua inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria. Como resulta da parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais nele previstas (regime que corresponde ao artigo 685.º-B, n.º 1 do anterior CPC). Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[3]. Pretende-se deste modo prevenir o uso injustificado do recurso e delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Não tem recebido uma resposta unânime da jurisprudência a questão de saber se todas as especificações exigidas na lei para a impugnação da decisão de facto, sob pena de rejeição da impugnação, devem levar-se às conclusões do recurso.
Cremos haver contudo algum consenso no sentido de que, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária pelo menos a indicação, nas conclusões dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda. Embora se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação[4], a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente é imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
3.1.2. No caso em análise, a R. recorrente indica claramente no recurso os pontos da matéria de facto que pretende ver julgados de modo diverso: os que resultam da resposta aos pontos 14., 17., 18., 22., 37. e 38. da base instrutória.
E identifica as testemunhas cujos depoimentos pretende ver reapreciados em 2.ª instância para ver alteradas tais respostas (vide a conclusão 6.ª).
Apesar de não especificar nas conclusões p. ditas as passagens da gravação destes depoimentos em que se funda, não deixa de indicar claramente no decurso das alegações, por referência à gravação, os excertos que pretende ver reapreciados, localizando aqueles depoimentos, transcrevendo os excertos dos mesmos em que se funda e indicando qual o sentido da decisão que pretende (provados os primeiros quatro quesitos que assinala e não provados os dois últimos), pelo que entendemos não ser caso de rejeição do recurso em matéria de facto no que diz respeito à R.
Assim, e tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do tribunal a quo sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos, conhecer-se-á do recurso interposto pela R. nesta sede, na medida em que é possível descortinar nas conclusões os concretos segmentos da decisão de facto que pretende ver modificados e, conjugando as conclusões com as alegações, os fundamentos probatórios que, no seu entender, demonstram os apontados erros de julgamento, improcedendo a suscitada questão prévia no que diz respeito ao recurso da R.
3.1.3. Já quanto ao recurso do A. a conclusão não pode ser a mesma.
Efectivamente, o A. recorrente não especifica minimamente nas suas conclusões os concretos pontos de facto elencados na sentença que considera incorrectamente julgados em conformidade com o corpo das alegações. Esclarece-se que impugnar especificadamente os factos é enumerá-los um a um, para que o tribunal de recurso identifique, sem margem para dúvida, quais os pontos de facto que deverá apreciar, o que o recorrente, in casu, não fez em qualquer das 22 conclusões que elenca, não sendo minimamente claro, sequer, que nelas está a questionar a decisão de facto. Apesar de ao longo do corpo das alegações exprimir a sua discordância com a decisão que ficou corporizada nas respostas à base instrutória – e, mesmo aí, sem cumprir cabalmente os ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil e emitindo considerações genéricas sobre a matéria factual e jurídica, sem uma delimitação precisa entre o momento em que questiona a decisão de facto e o momento em que questiona a decisão de direito –, não fez reflectir minimamente nas conclusões tal discordância quanto aos factos, não individualizando nestas quaisquer concretos pontos de facto de que discorde e nunca referindo que pretende, quanto a determinados pontos de facto, uma diferente decisão (ou seja, que os mesmos devessem julgar-se como provados, ou não provados, ou provados em moldes diferentes dos indicados pela 1.ª instância).
Em suma, o A. recorrente não indica que impugna a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo nas conclusões que delimitam o âmbito de cognição deste tribunal de recurso, nem nelas formula qualquer pretensão específica no sentido de ser alterado, e em que termos, um qualquer ponto da matéria de facto que o tribunal a quo elencou na sua sentença, pelo que deve considerar-se que não integra sequer o objecto do seu recurso uma impugnação dirigida à decisão de facto da 1.ª instância.
3.1.4. Pelo exposto:
- julga-se improcedente a questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no que diz respeito à impugnação da decisão de facto deduzida pela R. recorrente e proceder-se-á, quanto aos factos por ela referenciados, à reponderação da decisão de facto da 1.ª instância com reapreciação da prova produzida;
- declara-se que não integra o objecto do recurso a discordância quanto à decisão de facto que o A. recorrente esboça no corpo das suas alegações, sem que faça reflectir tal discordância nas conclusões com que delimita a apelação.
*
3.2. Vejamos, pois, se a decisão de facto corporizada nas respostas aos quesitos 14., 17., 18., 22., 37. e 38. da base instrutória padece de erro de julgamento, como alega a R. recorrente.
3.2.1. A recorrente pretende que os quesitos 14., 17., 18. e 22., se considerem provados, com uma eventual correcção no quesito 17. quanto ao número de horas máximo que o A. prestava à R. e que os quesitos 37. e 38. se considerem “não provados” (conclusões 10.ª e 11.ª).
Recordemos o teor de tais quesitos:
«14º
Além disso, em virtude da recolha de diversas informações pelas diferentes valências, verificou-se que o A. não estava a cumprir o horário de trabalho semanal que se comprometeu realizar, sem que, apesar disso, informasse a Mesa Administrativa da Instituição, continuando a receber uma compensação por um número de horas que não dedicava a esta instituição?
(…)
17º
Verificou-se que as horas semanais dedicadas a esta instituição pelo A. não iam além das 23,45 h, ficando assim muito aquém das 35 h contratadas?
18º
Além disso, o A. contabilizava e registava um horário nos registos de presenças e praticava outro, como acontece na atividade semanal de 3 h e 30 m, a desenvolver às sextas feiras nas piscinas, das 9 h às 12,30 h, quando na verdade não exercia essa atividade para além de 2 horas, fazendo regularmente como fez no dia 12 de Junho de 2012, que iniciou a mesma após as 9,20 h e terminou às 11,15 h?
(…)
22º
Trabalho esse a desenvolver dentro do mesmo horário de expediente em que devia prestar atividade nas valências da Ré, e regista como prestado?
(…)
37º
Antes do início dos períodos lectivos, o Autor tinha de levar equipamento, equipar-se (fato de banho e touca) bem como antes de iniciar a aula tinha de seleccionar todo o material a utilizar das várias prateleiras da arrecadação tais como: colchões, “esparguetes”, placas, escorrega, peças de esferovite, colocar separador da piscina, cestos das bolas, bolas, pranchas, argolas?
38º
No final da aula e depois dos alunos saírem o Autor tinha de recolocar todo o material nos respectivos lugares bem como tinha de elaborar a recolha de apontamentos acerca da aula de forma individual tais como: evolução do aluno, desempenho, presenças, dificuldades?»
A Mma. Julgadora a quo considerou os quesitos 14., 17., 18. e 22. como “não provados”. Quanto aos 37. e 38., conferiu aos mesmos a seguinte resposta: “Provado com a especificação que se reporta à actividade de natação”, o que veio a determinar os pontos 25. e 26. da matéria de facto elencada na sentença e supra transcrita.
Em fundamento da sua convicção, exarou, com relevo para estes factos, as seguintes considerações:
“A decisão da matéria de facto, no que concerne às respostas positivas, negativas, explicativas e restritivas assentou nos documentos juntos aos autos, no depoimento de parte e nas inquirições das testemunhas apresentadas em sede de audiência de julgamento.
Primeiramente, o tribunal analisou os documentos juntos aos autos e com relevo para a decisão, mormente:
- a comunicação da decisão de despedimento de fls. 3 a 8,
- o “contrato de trabalho a termo certo” de fls. 30 e 31,
- a comunicação à segurança social de fls. 32 a 36,
- o curriculum vitae do A. de fls. 37 a 40,
- a missiva de fls. 42,
-a resposta à nota de culpa de fls. 45ss,
- a comunicação de não renovação do contrato ou nota de culpa de fls. 59,
- as actas de fls. 62 e 63, 367 e 368, 369 a 371, 372 e 373, 374 e 375, 486 e 487,
- os relatórios de fls. 65, 69 a 75,
- os registos de presenças de fls. 76 a 83, 98 e 99, 473 a 485, 491 a 511, 527 a 530,
- os contratos e horários do A. relativos ao Município … de fls. 84 a 97,
- o extracto de remunerações de fls. 105 e 106, repetido em 110 e 111,
- os recibos de fls. 176 a 185, 186, e 430 a 435,
- as cópias do jornal da R. de fls. 212 a 214, 218 a 228, 232 e 233,
- as informações e prospectos da R. de fls. 234 a 247,
- os recibos de vencimento de fls. 363 a 366 e 463 a 454,
- o extracto de remunerações da segurança social de fls. 610 a 616.
De seguida, tomou-se em consideração os depoimentos de parte do A. e da legal representante da R., e a inquirição das testemunhas em sede de audiência de julgamento.
Nesta matéria foi notória a conflitualidade latente entre A. e a R., que excede largamente a intensidade do litígio laboral que em regra o tribunal constata em acções de idêntica natureza e espécie, e que se concentra na pessoa da Directora de Serviços, a testemunha Q…, mais do que até na legal representante da R., a Provedora S….
Essa animosidade contagiou a prestação dos depoimentos por parte das testemunhas, que perderam assim muita da espontaneidade e objectividade, pelo que o tribunal firmou a sua a sua convicção na prova documental pré-existente ao processo de despedimento, e na percepção que as partes e as testemunhas tinham antes daquela data.
(…)
Quanto ao (in)cumprimento de horários, as educadoras e técnicas das várias valências em que o A. trabalhava explicaram que realizaram os relatórios juntos aos autos a pedido da directora técnica e um ou dois dias antes da assembleia da R., sendo que antes dessa data nunca qualquer uma delas havia feito notar à Directora de Serviços incompatibilidades ou incumprimentos de horários.
Ademais, a testemunha Q… explicou que os horários do A. na R. eram realizados após o mesmo ter conhecimento do horário no Município, pelo seria do conhecimento da R. o horário realizado no Município, sendo o horário da Santa Casa elaborado em conformidade com aquele.
Ora, até ao início do processo de despedimento do A. só existia uma folha de presenças, o que implica que o A. tivesse que assinar a sua presença nas várias valências numa só folha, o que implica que tivesse de desdobrar /especificar as valências em que se encontrava.
(…)
Quanto à demais factualidade dada como não provada, tal ficou a dever-se a não ter sido realizada prova cabal acerca da verificação da mesma, mormente não tendo sido referida nos aludidos depoimentos, nem resultar dos documentos juntos aos autos, analisados individual ou conjuntamente, ou se encontrar em contradição com a factualidade dada como provada.”
Foram analisados todos os documentos juntos aos autos, particularmente os indicados pela recorrente, e ouvidos todos os depoimentos prestados em audiência, designadamente os depoimentos de parte do A. e da legal representante da R., a Provedora S… e o depoimento da testemunha Q…, Directora de Serviços da R., tendo-se conferido particular atenção aos excertos indicados dos depoimentos das indicadas testemunhas, designadamente os depoimentos das testemunhas D… (Educadora de Infância do Jardim de Infância da R., da sala dos 3-4 anos), E… (Técnica do ATL, responsável pelo sector), F… (professor de desporto e actividade física que no ano lectivo de 2010-2011 realizou um estágio curricular na R. e em 2012 ía por vezes nadar às piscinas de …), G… (Educadora de Infância do Jardim de Infância da R., da sala dos 4-5 anos), H… (responsável desde Maio de 2008 do Centro de Actividades Ocupacionais - CAO - dedicado a pessoas com deficiência a partir dos 16 anos), I… (Coordenadora da Creche), J… (ajudante de ocupação no ATL) e K… (trabalhador da R. que exerce, além do mais, as funções de motorista e transportava as crianças para a piscina).
E perante a conjugação dos mesmos, devemos adiantar que se nos afiguram judiciosas as considerações efectuadas pela Mma. Julgadora a quo a propósito da prova produzida quanto à matéria de facto cuja decisão foi agora questionada.
É na verdade patente a conflitualidade latente entre o A. e a R. e, dentro desta, com a pessoa da sua Directora de Serviços, a testemunha Q…, que reconheceu ter promovido a realização dos relatórios de Junho de 2012 juntos aos autos (fls. 65 e 69 a 75), sendo por ela solicitados às responsáveis das várias valências a pedido da Mesa Administrativa e já depois de eclodir o conflito que redundou no procedimento disciplinar – todos se mostram datados da véspera da data em que a R. decidiu enviar a nota de culpa ao A. (vide a acta de fls. 62-63 e o facto 18.), com excepção de um deles que lhe é, até, posterior (vide fls. 73) – sendo que alguns dos relatórios foram também redigidos ou subscritos por etsa testemunha.
É perceptível da audição da prova o contexto de animosidade da R. e particularmente desta testemunha relativamente ao A., colocando-se-nos reservas sobre a espontaneidade e objectividade das demais testemunhas que estavam sob a direcção desta testemunha, o que aconselha a que a convicção a firmar deva passar mais pela prova documental pré-existente ao processo de despedimento, e pela percepção que as partes e as testemunhas tinham antes de Junho de 2012.
Assim, quanto aos horários assinalados e praticados pelo A., as testemunhas educadoras e técnicas responsáveis pelas várias valências em que o A. exercia as suas funções explicaram efectivamente que realizaram os relatórios juntos aos autos a pedido da directora técnica em Junho de 2012 (mês em que a R. emitiu a nota de culpa – facto 18.), sendo que antes dessa data nunca qualquer uma delas havia feito notar à Directora de Serviços incompatibilidades ou incumprimentos de horários apesar de o A. prestar a sua actividade, também, para a Câmara Municipal ….
Foi aqui de particular importância para a formação da nossa convicção a referência da testemunha Q…, Directora de Serviços, efectuada logo no princípio do seu depoimento de que no início do ano, em Setembro, depois de ter conhecimento do horário que iria praticar no Município, o A. apresentava à R. as horas livres que lhe sobravam do Município para serem prestadas na Misericórdia. O que, aliás, se mostra em conformidade com que ficou provado no ponto 15. da matéria de facto – onde ficou a contar que “o horário de trabalho do Autor na R. era elaborado de forma a que este pudesse exercer as actividades extracurriculares na Câmara Municipal …” –, o qual não foi impugnado em via de recurso. Segundo a testemunha, era fixado na R. um horário de 35 horas semanais, de 2.ª a 6.ª feira, que “não era contínuo”, variava segundo a resposta social, “períodos da manhã, à tarde e ao final do dia”, sendo que os horários “de entrada” variavam durante a semana e “a hora final de saída eram as 19.30”.
Igualmente foi relevante a alusão desta testemunha Q… a que, quando saía da secretaria às 17h30 encontrava o A. a entrar, dirigindo-se para o Jardim de Infância onde estavam os alunos da valência ATL embora só tivesse de entrar às 18h, referindo que “em relação ao ATL não tenho qualquer dúvida do cumprimento do trabalhador” e afirmando que o Autor cumpria o horário em tempos lectivos e não lectivos (“em tempos lectivos é cumpridor (…) e em tempos não lectivos também”). Embora reitere que o A. não cumpria o horário que tinha sido previamente apresentado por ele e que nem sempre esses horários eram os que interessavam à R., repete mais do que uma vez que não se trata de faltas mas de um não cumprimento de horário, que era “alterado”, o que infirma a imputação constante da parte final do quesito 14. de que o A. se encontrava “a receber uma compensação por um número de horas que não dedicava a esta instituição” a qual, no que diz respeito a esta questão do incumprimento dos horários, constitui a acusação fulcral da decisão de despedimento proferida pela R.
Quanto às discrepâncias verificadas nas folhas de presenças que o A. ía subscrevendo (fls. 76 e ss., 98 e 99, 473 e ss., 491 e ss. e 527 a 530) até ao início do procedimento disciplinar, o A. explicou no seu depoimento, de modo que se nos afigurou plausível, que desde 2009 assinalava a sua presença nas várias valências numa só folha que se encontrava na “Unidade”, o que implica que tivesse de especificar na parte de baixo do documento as horas que realizava nas outras valências (como aliás resulta da assentada do seu depoimento na audiência documentada a fls. 545). E explicou que, por isso, os tempos indicados para “CAO”, onde ele ía entretanto, se mostravam compreendidos nas horas de entrada e saída na “Unidade” onde se encontrava o documento. Se é certo que, entendendo a explicitação manualmente feita pelo A. na parte inferior do documento como algo que acrescia às horas especificadas de entrada e saída na “Unidade de Saúde T…” (únicos registos em que há referências manuais na parte inferior) poderia verificar-se uma discrepância no cômputo das horas prestadas, a verdade é que, atendendo à explicação do A., se nos afigura compreensível aquele apontamento manual do cômputo de todas as valências, embora menos correcto, pois que poderia dar azo a dúvidas quanto aos tempos efectivamente cumpridos. Mas, diga-se, a recorrente não teve a este propósito dúvidas ao longo do tempo de execução do contrato nos anos de 2009 a 2012, sendo certo que o vencimento acordado tinha uma periodicidade mensal (não dependendo directa e exclusivamente do número de horas prestadas, como sucedia antes de 2009), embora, obviamente, pressupondo o cumprimento do horário estabelecido.
Acresce que o A. explicou que sempre contabilizava as horas como “tempos” que apelidou de “lectivos” de 45 minutos, o que também não resulta dos autos que tenha sido questionado pela R. ora recorrente, justificando as discrepâncias que possam emergir do registo feito pelo A. nas folhas de registo de presenças.
Neste contexto, e tendo ainda em consideração que se mostra provados nestes autos através da resposta aos quesitos 34.º e 35.º (sem que tenha sido a inerente decisão de facto impugnada no âmbito do presente recurso) que:
«15. O horário de trabalho do Autor na R. era elaborado de forma a que este pudesse exercer as actividades extracurriculares na Câmara Municipal ….
16. O A. prolongava as suas actividades na Ré até pelo menos as 19h30, chegando muitas das vezes a ultrapassar esse horário.»
é absolutamente possível que o A. cumprisse em cada semana as 35 horas de trabalho a que se havia comprometido perante a R., a despeito de se ter comprometido também perante a Câmara Municipal … a prestar-lhe um horário semanal de 20 horas.
Apesar dos documentos que titulam o contrato de trabalho com o Município, a que a R. tinha acesso antes de elaborar o horário do A. “nas horas livres que lhe sobravam do Município”, segundo diz a testemunha Q…, não está excluído que o A. sacrificasse a sua hora de almoço, ou que permanecesse para além das 19.30 a realizar actividades para qualquer das duas entidades (na R. está provado que assim acontecia “muitas das vezes”) ou, mesmo, que não cumprisse integralmente o horário acordado com o Município, como o A. relatou no seu depoimento no que concerne às horas ali assinaladas dedicadas a reuniões que, segundo diz, tinha quem lhe assegurasse na Câmara Municipal. A este propósito não deverá atender-se ao documento invocado pelo recorrente e emitido pelo Presidente da Câmara …, a pedido da R. e já depois de iniciado o julgamento da presente acção (a dizer que o A. não faltara nem fora substituído em quaisquer actividades - fls. 580-581), já que constitui um depoimento testemunhal escrito, inadmissível porque prestado à revelia das regras processuais civil que disciplinam a prestação da prova testemunhal (artigos 616.º e ss. do Código de Processo Civil em vigor no decurso do julgamento), designadamente sem a observância do indispensável princípio do contraditório a exercer em audiência e nos termos prescritos no artigo 638.º do referido Código de Processo Civil.
No referenciado condicionalismo probatório, e estando provado que “muitas das vezes” o A. ultrapassava as 19.30 nas suas actividades, cremos que não é possível fazer o raciocínio objectivo que a recorrente preconiza e que parte do indemonstrado cumprimento integral dos tempos de trabalho a prestar para as duas entidades entre as 9 horas e as 19.30 horas, para concluir que, levando em conta a necessidade de descanso para almoço e o tempo que iria gastar nas deslocações, não sobrariam ao A. horas para cumprir as 35 horas contratualizadas com a Ré a prestar de segunda a sexta feira.
Cabe lembrar que o ónus da prova dos factos que consubstanciam a justa causa de despedimento se encontra a cargo do empregador. Pese embora não exista, no Código do Trabalho, norma idêntica à da parte final do n.º 4 do artigo 12.º, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro (a revogada LCCT), segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos integradores da justa causa constantes da decisão de despedimento, é de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, constantes do Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho, e face aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil.
Na verdade, de acordo com os artigos 353.º, n.º 1 e 357.º, nºs. 4 e 5 do Código do Trabalho de 2009, cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar. É o empregador que invoca a justa causa para o despedimento, sendo de seu interesse ver reconhecido pelo tribunal que o comportamento do trabalhador se subsume à cláusula geral descrita no artigo 351º, nº 1 do CT, a fim de impedir que o trabalhador veja judicialmente reconhecidos os direitos indemnizatórios e retributivos emergentes da ilicitude do despedimento. Por seu turno na lei adjectiva encontra-se especificamente previsto um articulado do empregador que se destina a motivar o despedimento, onde apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento (artigos 98.º-I, n.º 4 e 98.º-J do CPT), iniciando-se a prova a produzir em julgamento com a oferecida pelo empregador (artigo 98.º-M do CPT).
Assim, é de considerar que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador nos termos do artigo 342.º do Código Civil[5].
No já ponderado cenário probatório da presente acção, entendemos que tal ónus não foi satisfeito no que diz respeito aos factos que ficaram relatados nos quesitos 14., 17., 18. e 22., não padecendo a decisão da 1.ª instância que os considerou “não provados” do erro de julgamento que lhe foi assacado pela recorrente.
3.2.2. No que diz respeito à resposta dada aos quesitos 37. e 38., levada aos pontos 25. e 26. da matéria de facto provada na sentença sob recurso, o mesmo deverá dizer-se.
Na verdade, a resposta restritiva que lhes foi conferida mostra-se na sua essencialidade conforme com a prova produzida e com as regras da experiência no que diz respeito aos actos de preparação e de arrumação de material que são necessários para se realizar uma actividade de natação com um grupo de crianças ou idosos.
Diz a recorrente que sobre esses factos se pronunciaram as testemunhas D… e G…, educadoras de infância, assim como H…, de cujos depoimentos se deve concluir que o acto de arrumar os objectos usado era tarefa simples e rápida, de poucos minutos atento o lugar onde os mesmos eram arrumados.
Efectivamente é o que decorre de tais depoimentos, sendo certo que o tempo despendido pelo A. nas referidas tarefas de preparação e arrumação não consta das respostas dadas pelo que é irrelevante, para a presente decisão – que não sindica qualquer descrição temporal –, a referência das testemunhas aos minutos por que perdurariam as tarefas referidas nos quesitos, já restringidos pelo tribunal a quo à actividade da natação.
Acresce que a testemunha F… (professor de desporto e actividade física na Câmara de … que realizou um estágio curricular na R. no ano lectivo de 2010-2011, acompanhando-o em todas as actividades físicas que este realizava com os utentes da R. crianças, idosos e deficientes, e ía nadar às piscinas em 2012, aí vendo o A. nas actividades de natação com os mesmos), que se afigurou isento e credível, relatou as actividades que o A. realizava a preceder as aulas na piscina (via-o lá à 6.ª feira pelas 9 horas a preparar material e colocar separadores dentro da piscina antes de os alunos estarem presentes) e não deixou de dizer que quando fez o seu estágio o A. era exemplar a cumprir e a fazer cumprir os horários marcados para as aulas, sendo sempre elogiado pela Directora de Serviços.
Deverão pois manter-se como provados os factos relatados nos pontos 25. e 26. da matéria de facto relacionados com as actividades do recorrido de preparação da natação e, no final, de arrumação do respectivo material.
Contudo, no específico aspecto da alegação da recorrente de que não resulta desses depoimentos que o A. fizesse no final da aula qualquer recolha de apontamentos e estudo da evolução individual de cada criança, há que lhe reconhecer razão pois que os depoimentos das testemunhas não incidiram expressivamente sobre tal matéria. E deverá, assim, conformar-se a resposta dada ao quesito com a prova produzida, retirando do mesmo a sua segunda parte e restringindo, nessa medida, a resposta dada.
3.2.3. Em suma, perante a reapreciação da prova a que procedemos, com a análise conjugada e crítica dos depoimentos prestados:
- entendemos que a resposta negativa aos quesitos 14., 17., 18. e 22. se mostra correcta, não se vislumbrando a tal propósito qualquer erro de julgamento;
- entendemos que a factualidade que ficou relatada na resposta ao quesito 37. deve manter-se integralmente, por ser também conforme com a prova produzida;
- alteramos a resposta ao quesito 38. de modo a que o ponto 26. da matéria de facto que lhe corresponde passe a ter a seguinte redacção:
«26. No final da actividade de natação, o A. tinha de recolocar todo o material nos respectivos lugares.»
*
3.3. Nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Assim, por documentalmente provado a fls. 4 a 9, adita-se à matéria de facto o seguinte:
«36. A decisão de despedimento referida no ponto 20. foi remetida via postal ao A., sendo deixado aviso no seu domicílio no dia 20 de Julho de 2012 (fls. 9).
37. Em tal decisão, subscrita pelos membros da Mesa Administrativa da R., consta o seguinte: Decisão …» [ficará transcrita no elenco de facto que se segue].

3.4. Os factos materiais a atender para a decisão jurídica do pleito, tendo em consideração o elenco fixado na sentença recorrida e a alteração decorrente da reapreciação da prova e aditamento oficioso efectuados nesta Relação, são os seguintes:
1.O Autor tem o grau de licenciatura do curso de Professor do Ensino Básico, variante de Educação Física, e tem o grau de Mestrado em Gestão Desportiva.
2.A Ré é uma instituição particular de solidariedade, desenvolve a sua actividade no âmbito da assistência social, possuindo dois lares de idosos, um centro de dia, uma unidade de cuidados continuados, um Centro de Actividade Ocupacional (CAO) para pessoas portadoras de deficiência, serviço de apoio domiciliário, assim como creche, jardim de infância e CATL (centro de actividades de tempos livres).
3.A R. desenvolve essas actividades em seis edifícios distintos e situados em diferentes locais da Vila de ….
4.Em Agosto de 2009 o A. foi contratado como técnico de reabilitação para iniciar funções em Setembro de 2009, a fim de prestar actividade nas diversas valências da R..
5.O A. devia desenvolver o seu trabalho prestando 35 horas semanais, a dividir pelas diversas valências da Ré, e em conformidade com a organização praticada pela, Ré mediante a retribuição mensal de 732,00€.
6.O contrato de trabalho foi acordado, e redigido por escrito, a fim de ser assinado por ambos os outorgantes, com data de 1 de Setembro de 2009.
7.Contudo, ao ser o mesmo apresentado ao ora A. pelo funcionário da Secretaria da Ré, W…, antes de iniciar funções, o A. solicitou àquele funcionário que lho deixasse levar para ler melhor, e que lho entregaria logo a seguir.
8.O que o referido funcionário aceitou, dado o A. já ser conhecido pelos funcionários da Ré, onde havia já trabalhado como trabalhador independente.
9.Existia uma relação de confiança entre a Sra. Provedora da R. e o A..
10. Por carta registada com AR, em 31-1-2012, recebida pelo A., a Directora de Serviços da R. pediu ao A. a entrega do dito contrato.
11. Mas, o A. nunca entregou o contrato assinado, não respondeu àquela carta, nem nunca disse não ter de o entregar.
12. No final do ano de 2009 a Mesa Administrativa da R. aceitou aumentar o vencimento do A. pagando-lhe 900,00€ mensais.
13. Além disso, o trabalhador continuava a prestar dentro do horário diário normal, das 9h às 17h30, mais de vinte horas semanais a outras instituições, como por exemplo à Câmara Municipal …, no âmbito das referidas atividades extra curriculares.
14. Em 2009 o A. celebrou contrato com a Câmara Municipal … a fim de lhe prestar 18 horas semanais no âmbito das actividades escolares extra curriculares, em 2010 e em 2011/2012 contratualizou com aquela autarquia ainda mais duas horas semanais, com prestação de serviço fora da Vila de …, … e …, freguesia das …, localidades cuja distância exige sempre, cerca de quinze minutos na deslocação de … às mesmas.
15. O horário de trabalho do Autor na R. era elaborado de forma a que este pudesse exercer as actividades extracurriculares na Câmara Municipal ….
16. O A. prolongava as suas actividades na Ré até pelo menos as 19h30, chegando muitas das vezes a ultrapassar esse horário.
17. Em face da omissão de entrega do referido contrato, dado conhecimento do facto e das diligências feitas no sentido da obtenção do mesmo à Mesa Administrativa (Direcção) da Ré em reunião de 5/6/2012, assim como os relatórios elaborados sobre o cumprimento desse contrato por parte do A., a Mesa Administrativa da Ré concluiu não poder manter a confiança necessária no referido trabalhador, e, nessa medida, não renovar o contrato, sendo possível, ou promover o respectivo despedimento por razões imputáveis ao trabalhador, dando início ao respectivo processo disciplinar.
18. A Mesa Administrativa da Ré decidiu enviar carta datada de 12/6/2012, registada, com AR, ao A., dando conhecimento da sua decisão de não renovação do contrato, caso o A., apesar de não ter assinado o contrato de trabalho assumisse o que havia sido contratado, ou caso assim não entendesse devendo considerar a mesma como nota de culpa com vista ao seu despedimento, atentos os motivos invocados na mesma resultantes de factos que haviam acabados de ser transmitidos à Mesa Administrativa.
19. Em 3/7/2012 o A. respondeu à nota de culpa, negando, então, a forma de contratação, assim como as cláusulas do contrato acordado, e dizendo porque é que não entregava o contrato.
20. E no seguimento foi proferida pela Mesa Administrativa em 17 de Julho de 2012 decisão de despedimento com invocação de justa causa.
21. As actividades desenvolvidas pelo Autor no estabelecimento da Ré foram: Actividades físicas e desportivas na creche, jardim-de-infância, ATL e C.A.O, Lares Sector I, Sector II e UCCI; natação no jardim de infância, nos Lares (I e II) e actividades extracurriculares no ATL.
22. Até 17-7-2012 o Autor a exerceu estas actividades: físicas, desportivas, natação e extracurriculares no ATL.
23. Os beneficiários das actividades eram crianças de diversa faixa etária, bem como idosos.
24. No Centro de Actividades Ocupacionais (C.A.O.) havia 16 utentes com variadas deficiências.
25. Antes do início da actividade de natação, o A. tinha de levar equipamento, equipar-se (fato de banho e touca), bem como tinha de seleccionar todo o material a utilizar das várias prateleiras da arrecadação tais como: colchões, “esparguetes”, placas, escorrega, peças de esferovite, colocar separador da piscina, cestos das bolas, bolas, pranchas, argolas.
26. No final da actividade de natação, o A. tinha de recolocar todo o material nos respectivos lugares.
27. A Ré fornece almoço a todos os seus funcionários, facto que foi comunicado ao A. pelos serviços administrativos da Ré, nunca o A. o tendo solicitado.
28. O A. não recebeu qualquer subsídio de refeição durante os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
29. A título de formação profissional, no ano de 2009 não foi paga ao autor a quantia de 283,00 €, no ano de 2010 a quantia de 283,00 €, no ano de 2011 a quantia de 283,00 € e no ano de 2012 a quantia de 263,72 €.
30. O Autor a partir da data do conhecimento do respectivo processo começou a andar com stress e nervoso, ficando deprimido e muito afectado física e psiquicamente, tendo sido obrigado a recorrer ao auxílio médico para ir resistindo.
31. O A. esteve de baixa médica, que se traduziu em falta de várias horas de trabalho.
32. O A. sentiu-se profundamente vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relaciona diariamente.
33. O A. matriculou-se para a frequência de doutoramento em ciências do desporto em 10-8-2012.
34. Em 27-9-2012, o A. comunicou à Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física de … a sua desistência de frequência.
35. Em 28-9-2012 o A. comunicou ao senhorio a denúncia do contrato de arrendamento.
36. A decisão de despedimento referida no ponto 20. foi remetida via postal ao A., sendo deixado aviso no seu domicílio no dia 20 de Julho de 2012 (fls. 9).
37. Em tal decisão, subscrita pelos membros da Mesa Administrativa da R., consta o seguinte:
«Decisão
Processo Disciplinar: B…
A Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia …, no âmbito do processo disciplinar que move contra o seu trabalhador B… com intenção de despedimento, tendo em atenção o alegado na nota de culpa e o disposto nos art.s 351 e 357 do CT, conclui o seguinte:
1- Notificado o trabalhador da nota de culpa, este consultou os elementos do processo disciplinar, apresentou resposta contestando os factos descritos na nota de culpa e indicou duas testemunhas para serem ouvidas a alguns pontos da resposta à nota de culpa.
2- Notificado para apresentar as testemunhas por si indicadas no dia 11 de Julho pelas 14 h a fim de serem ouvidas através de instrutor nomeado para o efeito, Dr U…, advogado com escritório em …, veio através do seu mandatário, Dr V…, por fax datado de 10/7/2012, enviado às 19,58 horas desse dia, informar da impossibilidade das testemunhas comparecerem nesse dia no escritório do referido instrutor.
3- Em face dessa informação, foi no dia 11/7/2012, pela mesma via- fax, informado o mandatário do trabalhador que poderia promover a comparência das referidas testemunhas no escritório do instrutor do processo, Dr U…, no dia 17 de Julho, pelas 10 h, a fim de serem ouvidas.
4- Contudo, por fax de 16/7/2012, enviado às 20,40 horas desse dia, o mandatário do trabalhador informou de novo não ser possível ao trabalhador assegurar a sua presença, pelo que, atendendo às razões já expostas na resposta à nota de culpa, prescinde da audição das mesmas.
Em face do exposto e em conformidade com a nota de culpa enviada ao trabalhador, considera-se provado:
5- Que o trabalhador B… fora contratado por esta Instituição em Agosto de 2009, para iniciar a sua actividade em 2 de Setembro de 2009 pelo período de um ano, que poderia ser renovado caso fosse essa a intenção de ambas as partes.
6- A actividade a desenvolver pelo trabalhador traduzir-se-ia na prestação de 35 horas semanais no conjunto das diversas valências da instituição, promovendo diversas actividades físicas junto dos utentes, incluindo natação, recebendo como contrapartida a remuneração de 732,00 €,
7- Com a assinatura desse contrato o trabalhador comprometia-se ir deixando de prestar esse tipo de actividades para outras instituições dentro do horário normal de trabalho.
8- Na altura da celebração do dito contrato a termo certo, foi-lhe entregue o respectivo contrato elaborado, especificando aquelas cláusulas, para o trabalhador assinar.
9- Contudo, antes de assinar, o trabalhador disse ao funcionário da Instituição, W…, que lho deixasse levar para ler melhor, que depois assinaria e no dia seguinte o entregava.
10- No entanto, e sem que fizesse a entrega do mesmo, iniciou os trabalhos contratados, nunca mais tendo entregue o dito contrato, apesar das múltiplas vezes que os funcionários desta instituição lho pediram, incluindo por escrito, em 31/1/2012, conforme carta que lhe foi dirigida pela Sra Directora de Serviços da instituição.
11- E, se o trabalhador disse sempre que o ia entregar, quando lhe falavam no assunto, conforme já lhe foi solicitado outras vezes de forma verbal depois daquela data referida no ponto anterior, a verdade é que até à data do envio da nota de culpa não o entregou, considerando a Mesa administrativa da Instituição empregadora tal comportamento violador de forma manifesta e intencional do dever que era do trabalhador de entregar o dito contrato, violando assim a confiança que a Mesa Administrativa desta instituição nele havia depositado ao permitir-lhe que iniciasse os trabalhos sem que, efectivamente, tivesse entregue o referido contrato assinado.
12- Nessa medida e também pelas razões que a seguir expôs na carta / nota de culpa, a Mesa Administrativa da empregadora decidiu comunicar ao trabalhador que não lhe renovaria o contrato, devendo o trabalhador considerar terminado o mesmo no final da renovação em curso, caso, apesar de não ter entregue o mencionado contrato de trabalho, respeitando o acordado, considerasse o contrato realizado a termo certo.
13- Caso assim não entendesse, deveria considerar a referida comunicação como nota de culpa, dado que o seu comportamento levado ao conhecimento da Mesa Administrativa da Instituição empregadora, quer relacionado com este assunto, quer com o modo de exercer e cumprir as actividades para que fora contratado, havia posto em causa de forma irremediável a confiança que a referida Mesa Administrativa havia nele depositado, não havendo mais condições para que o mesmo se mantivesse ao serviço da instituição.
14- E, com a resposta à nota de culpa o trabalhador confirma, efectivamente, a convicção que a Mesa Administrativa da empregadora formou sobre o comportamento do trabalhador ao ser-lhe relatado o esforço por parte dos demais funcionários da instituição junto daquele no sentido deste entregar o referido contrato de trabalho a termo que lhe foi entregue para assinar na altura em que o mesmo foi contratado.
15- Negando que fora contratado a termo, conforme alega nos pontos 4 a 11, 16 e 17, da resposta à nota de culpa, aí fazendo considerações não correspondentes à verdade, procurando esconder a verdade com a redenominação do contrato que após elaborado lhe foi entregue, apelidando-o agora de "minuta de contrato", assim como com a data de entrega do mesmo,
16- Pelo que, pondo em causa o modo de contratação assim como as condições da sua contratação, invocando uma versão contrária aos factos, que são do seu conhecimento pessoal, demonstra a má fé com que agiu desde o primeiro momento em que foi contratado, ao solicitar lhe fosse permitido levar para casa o referido contrato e ao não o entregar no primeiro dia de trabalho, não permitindo, efectivamente, que a partir de agora a Direcção / Mesa Administrativa da empregadora continue a depositar neste trabalhador qualquer confiança, estando quebrado, irremediavelmente um elemento fundamental da relação de trabalho.
17- Tanto mais que, caso o trabalhador, entendesse defender o seu posto de trabalho, considerando ter razões legais para o fazer, sempre o poderia fazer sem recurso a esta estratégia comportamental tradutora de má-fé negocial, fazendo conforme alega nos pontos 48 e 49 da resposta à nota de culpa.
18- Isto, apesar da entidade empregadora não considerar a actividade desempenhada por este trabalhador como uma necessidade permanente, tanto mais que, o que levou à sua contratação foi uma experiência que a entidade empregadora procurou levar a cabo junto dos utentes, mas à qual pretende pôr fim em virtude de diversos factores, sejam de ordem financeira, sejam mesmo por diminuição de utentes aderentes a esta iniciativa.
19- Além disso, em virtude da recolha de diversas informações pelas diferentes valências, apesar do alegado pelo trabalhador a esse respeito na resposta à nota de culpa, após consulta dessas informações, verificou-se que o mesmo não estava a cumprir o horário de trabalho semanal que se comprometeu realizar, sem que, apesar disso, informasse a Mesa Administrativa da Instituição, continuando a receber uma compensação por um número de horas que não dedicava a esta instituição.
20- Omitindo tal informação de forma consciente, a fim de beneficiar das clausulas de um contrato que não estava a cumprir, conhecedor que é da organização da empregadora, e do diminuto controlo que estava a ser feito ao cumprimento do seu horário, face, designadamente, ao facto de distribuir as horas a prestar por diversas valências localizadas em edifícios diferentes.
21- Pondo em causa com este seu comportamento o cumprimento pelos demais trabalhadores dos seus próprios horários de trabalhos, os quais cumprem de forma zelosa sem necessidade de contínua verificação por parte de elementos da Direcção / Mesa administrativa (pessoas que não desenvolvem qualquer actividade remunerada na instituição), ou de superiores hierárquicos, num universo de 150 trabalhadores por diferentes valências e locais.
22- Isto porque, de facto, no final do ano de 2009, justificando que ia perder rendimento com a redução de horas de prestação de serviços a terceiros, solicitou aumento de vencimento, em troca de terminar com a prestação de horas a outras entidades, designadamente à Câmara Municipal no âmbito das Actividades Extra Curriculares.
23- Tendo a Mesa Administrativa desta instituição aceite, então, em face desse pedido e justificação, passar a pagar-lhe 900,00 € mensais.
24- Contudo, apesar do trabalhador ter contratualizado prestar as referidas 35 horas semanais a esta instituição, nos últimos meses, em conformidade com as folhas de presença preenchidas pelo próprio e posterior pedido de informação junto de outras funcionárias responsáveis por cada sector, verificou-se que as horas semanais dedicadas a esta instituição pelo mesmo não chegavam a ser sequer 30.
25- Tendo-se verificado que, em conformidade com os elementos informativos trazidos ao conhecimento da Mesa Administrativa e consultados pelo trabalhador no âmbito do seu direito de resposta, à data em que foi elaborada a carta / nota de culpa prestava apenas, no conjunto das valências da instituição empregadora cerca de 26 horas semanais
26- Além disso, foi nessa ocasião dado igualmente conhecimento à Mesa Administrativa desta instituição de que o trabalhador continua a prestar dentro do horário diário normal, das 9 h às 17,30 h, muitas horas, vinte e mais horas semanais a outras instituições como por exemplo à Câmara Municipal … no âmbito das referidas actividades extra curriculares.
27- Não cumprindo, também por isso, o contratado com esta instituição, prejudicando com tal comportamento os interesses da mesma, recebendo um valor de remuneração que lhe foi atribuído tendo em vista o cumprimento de um horário de 35 horas semanais, quando, afinal, não estava a executar esse número de horas, prestando horas de trabalho dentro do horário normal de trabalho para terceiros, como se não se tivesse comprometido a deixar de prestar trabalho para terceiros.
28- Além disso, apesar das expectativas que criou com a sua contratação em termos de dinamização de um conjunto de actividades inovadoras viradas para a actividade física dos utentes da instituição, a verdade é que tais actividades têm-se tomado cada vez mais repetitivas, sem qualquer inovação, provocando cansaço e falta de motivação aos utentes e consequente desistência destes nessas actividades.
29- Razões pelas quais a Mesa Administrativa da empregadora considera não haver mais condições para a manutenção da relação de trabalho entre este trabalhador e a instituição, dado que, em face dos factos supra referidos, não existem condições para manter uma relação de confiança que é necessário que exista entre ambas as partes.
30- Considerando que o trabalhador de forma consciente, voluntária, intencional e premeditada fez com que outro funcionário da Secretaria da Instituição, W…, lhe entregasse o contrato de trabalho que deveria assinar, declarando que era só para ler melhor quando a sua intenção era para não mais o entregar, como acabou por fazer, valendo-se da confiança que à data, quer a Sra Provedora da instituição, quer a Directora de Serviços nele depositavam.
31- Procurando e conseguindo, dessa forma ludibriar a Direcção desta instituição, mantendo-a convicta de que tinha assinado um contrato de trabalho a termo quando, na verdade, não o chegou a assinar e a entregar,
32- E, valendo-se dessa confiança nele depositada, foi gerindo as horas de trabalho contratadas com esta Instituição como entendeu, declarando nas folhas de presença que ultimamente lhe foi pedido para preencher e assinar que cumpria as horas contratadas, quando isso não era verdade e sabia que não era verdade, continuando a trabalhar, designadamente, nos últimos meses, para a Câmara Municipal … dentro do horário em que devia estar ao serviço desta instituição.
33- Fazendo-o, apesar de se ter comprometido deixar de o fazer na altura em que pediu aumento da sua retribuição.
34- Causando com tal comportamento lesão dos interesses patrimoniais senos da Instituição, conforme previsto, designadamente, nas al.s d) e e) do na 2 do art. 351 do Código do trabalho, ao não cumprir horários, demonstrando falta de interesse repetido pelo cumprimento com a diligência devida dos compromissos que assumiu com a instituição.
35- Actuando, de facto, com manifesta falta de lealdade para com a Mesa Administrativa, com quem contratou, assim como perante os demais funcionários da secretaria da instituição com quem contactou, a quem se comprometeu entregar o dito contrato de trabalho, ou mesmo perante os colegas de trabalho a quem fazia crer estar a cumprir o seu horário de trabalho, assinando folhas de serviço que não correspondem à verdade.
36- Factos que a Mesa Administrativa da Instituição considera graves e culposos, assim como inadmissíveis, numa organização como é a da empregadora, onde só os funcionários têm o dever de cumprir horários em troca de remuneração, onde a Direcção realiza as suas funções em regime de voluntariado, tornando inevitavelmente imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral com o trabalhador.
Razões pelas quais a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia … decide, nos termos do art. 351 e 357, ambos do Código do Trabalho, despedir com justa causa e efeitos imediatos, o trabalhador B….»
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4. Fundamentação de direito
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4.1. A primeira questão de direito a enfrentar resulta do recurso interposto pela R. e consiste em aferir se o despedimento do A., ora recorrido, se fundou em justa causa como defende a R. recorrente, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
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4.1.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica[6].
4.1.2. Invoca a R. recorrente que o A. foi despedido com justa causa, provada em processo disciplinar ao registar da forma como registava as horas que semanalmente prestava à Ré, iludindo-a de que cumpria o número de horas que com a mesma contratualizou, quando não era verdade, actuando de má fé e determinando a perda de confiança que a Ré nele depositava e que é necessária em qualquer relação laboral.
Sublinha ainda que, em consequência da prova dos factos inscritos nos quesitos 14, 17 e 18, se deve concluir ter o A. de forma consciente e reiterada, pelo menos no ano de 2012, faltado ao cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, deixando de prestar semanalmente 10 das 35 horas que contratualizara com a Ré, causando assim elevado prejuízo, quer em termos de retribuições pagas, relativas a cerca de 28,5 % da remuneração devida ao A, quer em termos organizacionais da própria Ré em virtude das demais funcionárias acabarem por vir a saber que o A. apesar de não cumprir o horário contratado recebia como se cumprisse.
E conclui, tendo em conta os factos provados quanto ao procedimento da não entrega do contrato de trabalho, quanto à forma de registo das presenças e ao não cumprimento das horas contratualizadas com a Ré, não é exigível à Ré a manutenção do contrato de trabalho celebrado com o A., atendendo à total perda de confiança no mesmo em virtude desse seu comportamento astucioso tido para com a mesma, devendo considerar-se praticamente impossível a manutenção do vinculo laboral a partir do momento em que a Direcção da Ré (Mesa Administrativa) toma conhecimento de tais factos.
A sentença recorrida, a este propósito, depois de tecer doutas considerações a propósito da justa causa de despedimento, discorreu nos seguintes termos:
“Descendo ao caso vertente, a R. imputa ao A. a violação dos deveres de lealdade, assiduidade, pontualidade, e o dever de desenvolver o seu trabalho com zelo e diligência. No entanto, do acervo factual demonstrado nos autos, não se extrai, ao contrário do que a R. alegara, que o A. tivesse assinado as folhas de presença de forma incompatível nas diferentes valências da R., nem que o mesmo registasse um horário diferente daquele que praticava, e nem que as actividades fossem repetitivas, sem qualquer inovação, acarretando a falta de motivação e a desistência dos utentes.
Com efeito, pese embora resultasse provado que o A. prestava dentro do período diário das 9h às 17h30, mais de vinte horas semanais a outras instituições, nomeadamente a Câmara Municipal …, também se demonstrou que o horário de trabalho do A. na R. era elaborado de molde a que este pudesse exercer as actividades extracurriculares na Câmara Municipal …, e bem assim, que o A. prolongava as suas actividades na R. até às 19h30, chegando a ultrapassar esse horário. Não se pode, assim, concluir que o A. infringisse os deveres de pontualidade e assiduidade.
Ademais, quanto à não devolução do contrato, não podemos considerar que mesma, por si só, é susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Note-se que a própria Mesa Administrativa da R. no final do ano de 2009 deliberou aumentar o vencimento do A., passando a pagar-lhe 900,00€ mensais, o que é demonstrativo que, pelo menos àquela data, a falta de devolução do contrato assinado, que já subsistia, não abalou a confiança da R. no A., nem a subsistência da relação de trabalho.
Face ao exposto, é nosso entendimento que não estavam reunidas, no momento de elaboração da decisão final, as condições para considerar o vínculo laboral como irremediavelmente rompido ou quebrado. O mesmo é dizer que a sanção mais gravosa, de despedimento, não deveria ter sido aplicada. Esta constatação acarreta a consideração do despedimento como ilícito ou, sem justa causa.»
E cremos que, em face da factualidade apurada, não lhe era lícito concluir de outro modo.
Aliás, é de notar que a própria recorrente faz assentar a sua tese de que se verifica justa causa de despedimento no sucesso da impugnação da decisão de facto que primeiramente deduziu, sucesso que não obteve, com excepção de um pormenor (no facto 26.) que, por si só, não é susceptível de alterar a perspectiva da globalidade da matéria de facto que ficou provada na 1.ª instância.
Na verdade, desde logo perante a nota de culpa e a decisão de despedimento era muito discutível que o aí imputado à recorrida consubstanciasse a prática de infracções disciplinares justificativas do despedimento. Aquelas peças pouco mais faziam do que enunciar factos que, em si, muito tinham de conclusivo, além de tecer considerações genéricas. Apenas se não conhece neste aresto da defesa a este propósito deduzida pelo A. na sua contestação, na medida em que a 1.ª instância sobre a mesma se não debruçou e o A. recorrente não arguiu a nulidade da sentença a título subsidiário nos termos prescritos no artigo 636.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (o mesmo se diga quanto à questão da alegada invalidade do procedimento disciplinar por não ter sido facultada ao trabalhador a consulta do original do procedimento disciplinar).
E perante os factos que se apuraram – aqueles que nos cabe apreciar –, não pode efectivamente concluir-se, como a recorrente.
Com efeito, e em primeiro lugar, os factos provados não permitem afirmar que, ao registar da forma como registava as horas que semanalmente prestava à Ré, o A. actuava de má fé e a iludia de que cumpria o número de horas que com a mesma contratualizou. Nada ficou apurado a propósito, não tendo a R. recorrente cumprido o ónus da prova que a tal respeito sobre si impendia, nos termos já referenciados.
Em segundo lugar, os factos provados não permitem também a afirmação de que o A. de forma consciente e reiterada, pelo menos no ano de 2012, faltou ao cumprimento dos deveres de assiduidade e pontualidade, deixando de prestar semanalmente 10 das 35 horas que contratualizara com a Ré e com isso causou elevado prejuízo a esta em termos de retribuições pagas e organizacionais da própria Ré. De forma alguma se pode dizer, perante o que ficou apurado nesta acção, que o A. recebia como se cumprisse as horas contratadas e não as cumpria.
É certo que, no que diz respeito ao procedimento adoptado pelo A. de não entrega do documento com o contrato acordado entre as partes que lhe foi entregue para assinar pelo funcionário da secretaria, é manifestamente censurável a sua conduta.
Com efeito, ficou provado a este propósito que o contrato de trabalho acordado entre as partes foi redigido por escrito, a fim de ser assinado por ambos os outorgantes, com data de 1 de Setembro de 2009 e que, ao ser o mesmo apresentado ao ora A. pelo funcionário, antes de iniciar funções, o A. lhe solicitou que o deixasse levar o documento para ler melhor, e que lho entregaria logo a seguir, o que o referido funcionário aceitou, dado o A. já ser conhecido pelos funcionários da Ré, onde havia já trabalhado como trabalhador independente (factos 6. a 8.). E ficou também provado que o A. nunca entregou o contrato assinado nem nunca disse não ter de o entregar, bem como que não respondeu à carta registada com aviso de recepção por ele recebida em 31 de Janeiro de 2012 em que a Directora de Serviços da R. lhe pedia a entrega do dito contrato (factos 10.e 11.).
Este comportamento não é consentâneo com a exigência geral da boa fé na celebração e execução dos contratos genericamente prevista nos artigos 227.º e 762º do Código Civil, a qual assume especial acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro e por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes.
A conduta descrita, não se demonstrando que a R. empregadora teve conhecimento ou de algum modo tolerou esta atitude do trabalhador, é disciplinarmente relevante por violadora do dever de lealdade previsto no artigo 128º, nº 1 alínea f) do Código do Trabalho e dos já assinalados deveres acessórios de conduta relacionados com a boa fé na celebração e execução do contrato, maxime atendendo a que o A. pediu ao funcionário que lhe deu o contrato a assinar que lho deixasse levar, exteriorizou que o motivo de tal era “para ler melhor” e anunciou “que lho entregaria logo a seguir”, o que faz compreender que o referido funcionário, que já o conhecia, nele tenha confiado e tenha aceite o pedido do A. de levar consigo o documento (factos 7. e 8.).
Cremos, pois, que este comportamento consubstancia infracção dos assinalados deveres gerais de boa fé e do dever laboral de lealdade e que o mesmo é culposo e grave, sendo por isso merecedor de censura disciplinar.
Contudo, apresentando-se o despedimento, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, o mesmo só deve ser aplicado no respeito pelo principio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa
Para que se verifique justa causa de despedimento nos termos prescritos no artigo 351.º do Código do Trabalho, é ainda necessário verificar se o apurado comportamento do trabalhador tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, ao “quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”.
Ora a este propósito parece-nos importante ponderar que existia uma relação de confiança entre a Sra. Provedora da R. e o A. (facto 9.), que apenas em Janeiro de 2012 a Directora de Serviços da R. pediu ao A. a entrega do dito contrato (facto 12.), volvidos mais de dois anos sobre a contratação do A., e que no decurso deste período, no final do ano de 2009, a Mesa Administrativa da R. aceitou aumentar o vencimento do A. pagando-lhe € 900,00 mensais (facto 12.). Estes factos denotam que a R. não conferiu relevância à atitude relapsa do A. que já então se verificava e, pelo contrário, entendeu por bem aumentar a contrapartida devida ao A. pela prestação da sua actividade laboral ao serviço da Santa Casa da Misericórdia. É absolutamente contrário ao alegado abalo da confiança e ao cenário de crise na relação de trabalho necessariamente pressupostos na justa causa de despedimento que, enquanto se verificava o comportamento relapso do trabalhador, a empregadora tenha fortalecido o vínculo com o incremento da contrapartida pecuniária a favor do trabalhador e o inerente aumento do seu esforço económico no sentido da manutenção do mesmo contrato.
Em suma, porque da factualidade apurada não resulta que o A. tenha prosseguido um comportamento disciplinarmente censurável que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não se tem por preenchida a cláusula geral do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
O que nos conduz à afirmação de que a R. procedeu a um despedimento ilícito, nos termos do artigo 381.º, alínea b) do Código do Trabalho.
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4.2. No que diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais, alega a recorrente que deverá ser revogada a decisão de condenação da Ré a este título, quer por, sendo o despedimento lícito, não haver lugar à mesma, quer por, ainda que tal não viesse a acontecer, não ter resultado provado qualquer prejuízo moral relevante para efeitos de indemnização nos termos do n.º 1 do art. 496.º do Código Civil, já que o alegado estado de nervosismo que o A. invoca nos autos em virtude do despedimento não foi criado intencionalmente pela Ré, nem por culpa da mesma, atentas as circunstâncias em virtude das quais foi promovido o despedimento. Alega ainda que, a não se entender assim, sempre tal decisão de condenação em indemnização deveria ser alterada para montantes muito inferiores, para menos de metade do fixado, atendendo também aos valores que normalmente os tribunais aplicam em situações desta natureza.
A sentença recorrida, sobre este aspecto, concluiu ser adequada e equitativa uma indemnização no montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
Vejamos.
A cessação ilícita da relação laboral impõe ao empregador a obrigação de pagar ao trabalhador uma indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados – artigo 389º, nº 1, alínea a) do Código do Trabalho.
In casu a recorrente pôs termo ao contrato de trabalho através de um despedimento que se considerou ilícito, pelo que não colhe o seu argumento primeiro de que praticou um acto lícito e não gerador de responsabilidade.
Ponto é que, no que concerne aos danos patrimoniais, estes mereçam, pela gravidade que assumem, a tutela do direito – cfr. artigo 496.º do Código Civil – gravidade esta que a recorrente também questiona.
Nos presentes autos ficou provado, a este propósito, que:
30. O Autor a partir da data do conhecimento do respectivo processo começou a andar com stress e nervoso, ficando deprimido e muito afectado física e psiquicamente, tendo sido obrigado a recorrer ao auxílio médico para ir resistindo.
31. O A. esteve de baixa médica, que se traduziu em falta de várias horas de trabalho.
32. O A. sentiu-se profundamente vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relaciona diariamente.
33. O A. matriculou-se para a frequência de doutoramento em ciências do desporto em 10-8-2012.
34. Em 27-9-2012, o A. comunicou à Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física de … a sua desistência de frequência.
35. Em 28-9-2012 o A. comunicou ao senhorio a denúncia do contrato de arrendamento.
É patente que a cessação ilícita de uma relação laboral causa, naturalmente, um abalo na personalidade moral do trabalhador.
No caso específico do A., ficou provado que começou a andar com stress e nervoso, ficando deprimido e muito afectado física e psiquicamente, tendo sido obrigado a recorrer ao auxílio médico para ir resistindo, ficou de baixa médica (que se traduziu em falta de várias horas de trabalho) e sentiu-se profundamente vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relaciona diariamente, o que se traduz em consequências no seu estado psicológico, anímico e de saúde com evidente gravidade e, por isso, merecedoras da tutela do direito, ao invés do que sustenta a R. recorrente.
Pelo que deverão ser ressarcidos estes danos causados pelo acto ilícito da R., colocando-se agora a questão do quantum indemnizatório.
Não sendo os incómodos morais mensuráveis a nível patrimonial, dada até a sua heterogeneidade e não reflexo patrimonial, a indemnização pela sua ocorrência visa apenas atenuar, pela atribuição pecuniária indemnizatória, as «dores morais» sofridas, minimizando o estado de abalo sofrido em consequência de tais danos.
O montante da reparação, de acordo com a primeira parte do nº 3 do artigo 496.º do Código Civil, é relegado para um juízo equitativo a formular pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil, a saber, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
No caso vertente cabe ponderar, essencialmente, a extensão e gravidade dos danos apurados, nos quais se não atende à desistência da frequência de doutoramento em ciências do desporto e a denúncia do contrato de arrendamento, por indemonstrado um nexo causal entre tais actos e o acto ilícito da recorrente (vide os factos 33. a 35.). Cabe ainda ponderar a condição económica geral do A. que se extrai do salário auferido ao serviço da R. à data do despedimento (que seria acrescido do salário auferido ao serviço da Câmara Municipal), bem como a dimensão e natureza da R. que se extrai da factualidade apurada (factos 2. e 3.) e a circunstância de a sanção disciplinar não ser completamente infundamentada, pois que o A. prosseguiu um comportamento censurável, a despeito de insuficiente para justificar o despedimento disciplinar.
Neste circunstancialismo, o quantum indemnizatório conferido ao A. – € 1.400,00 – prefigura-se, como uma quantia equitativa e adequada a compensar aqueles danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento ilícito de que foi alvo.
Improcede, também neste aspecto, o recurso da R.
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4.3. Embora incipientemente (conclusão 15.ª, primeira parte, do recurso do A.), o A. recorrente suscita a questão do direito às retribuições intercalares a que já se reportara quando formulou o pedido de aclaração da sentença por não conter esta a condenação da R. no pagamento das retribuições vencidas a partir do despedimento.
Apesar de não ser a primeira questão suscitada no recurso do A. abordar-se-á desde já atenta a sua ligação lógica com as questões suscitadas no recurso da R. que acabaram de se apreciar.
Como bem é dito no despacho que versou sobre o requerimento de aclaração que o A. formulou logo após a sentença, o A. não arguiu a nulidade da sentença nos moldes previstos nos artigos 77.º do Código de Processo do Trabalho e 615.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, nem suscitou a sua reforma nos termos previstos no art. 616.º do deste CPC, sendo certo que o pedido de aclaração da sentença não se encontra actualmente previsto na lei fora do quadro das nulidades da mesma.
Com efeito, o artigo 666.º do Código de Processo Civil actualmente em vigor, que se reporta aos “vícios e reforma do acórdão” e equivale ao artigo 716.º do Código de Processo Civil revogado, não contém qualquer referência à aclaração no seu nº 2. Eliminou-se, pois, o incidente de aclaração ou esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada, consentindo-se, porém, ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efectivamente ininteligível, nos termos dos artigos 615.º e 616.º, ao prever como causa de nulidade da sentença a ocorrência de “alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” - art. 615.º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte, do Código de Processo Civil de 2013. Além disso, cabendo recurso ordinário da decisão, todas as nulidades de que aquela eventualmente padeça hão de ser suscitadas na alegação de recurso – artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 2013.
Assim, não tendo sido arguida a nulidade da sentença, não pode nesta sede ser apreciado um eventual vício que, a este título, a pudesse afectar.
De todo o modo, não pode deixar de se notar que o A. não formulou na sua petição inicial qualquer pedido de condenação da R. no pagamento de retribuições que se vencessem a partir do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão judicial, razão por que a sentença nunca poderia conter uma condenação de tal teor.
Com efeito, como constitui jurisprudência pacífica, o trabalhador pode dispor livremente do direito às denominadas retribuições intercalares de que seja titular pela ilícita cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, se não formula contra a sua entidade empregadora os inerentes pedidos na petição inicial da acção que intente após cessada a situação de subordinação inerente ao vínculo laboral, não deve o tribunal, ex officio, condenar a empregadora nas mencionadas retribuições[7].
À face da lei adjectiva subsidiária, se o A. não deduz o pedido de condenação em importâncias referentes a retribuições, não pode o tribunal proferir tal condenação (arts. 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil).
E, tendo formulado o pedido que fez constar da sua petição inicial numa ocasião em que cessara já a situação de subordinação jurídica à R., o que acarretou a disponibilidade do direito à retribuição emergente do contrato de trabalho, não pode, também, lançar-se mão da condenação “extra vel ultra petitum” prevista no art. 74.º do Código de Processo do Trabalho.
Assim, para além de se não verificar qualquer nulidade decisória, nada há neste aspecto a censurar à sentença da 1.ª instância.
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4.4. Entrando agora nas questões suscitadas no recurso do A. relacionadas com a configuração do contrato – tempo de vigência, instrumento de regulamentação colectiva aplicável, classificação profissional do A., salário devido e subsídio de alimentação – a primeira que cabe enfrentar consiste em saber a que data deve reportar-se a contratação do A. pela R. como trabalhador subordinado.
Alega o A. recorrente que desde o ano de 2006 até à data do despedimento vinha a desempenhar funções físicas, desportivas, natação e extracurriculares no ATL, tendo sido contratado pela recorrida no ano de 2006 e exercendo desde então as suas funções sob a direcção e autoridade da recorrida, com o horário de trabalho fixado por esta e com a remuneração proposta pela mesma.
Estas suas afirmações respeitantes ao tempo por que perdurou o contrato de trabalho não têm, contudo, qualquer respaldo na decisão de facto constante da sentença, sendo certo que o A. recorrente não cuidou de impugnar tal decisão com observância dos ónus processuais prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
A factualidade apurada apenas consente que se considere firmado um contrato de trabalho em Setembro de 2009 (factos 4. a 6.), sendo neste momento pacífico entre as partes que se trata de um contrato de trabalho sem termo pois que o A. sempre o afirmou (cfr. designadamente o artigo 26.º da contestação) e a R. colocou na disponibilidade do A. o modo de vinculação, aceitando a vinculação sem termo, atento o conteúdo da missiva em que fez constar a nota de culpa remetida no âmbito do procedimento disciplinar (vide o facto 18.).
Assim, e tal como se decidiu na sentença, a condenação da R. na reintegração do A., com a antiguidade reportada a Setembro de 2009, deverá manter-se.
Improcede, nesta parte, o recurso do A., sem necessidade de outras considerações.
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4.5. Cabe agora enfrentar a questão da pretendida classificação profissional do A. recorrente como Professor do Ensino Básico, variante de Educação Física.
4.5.1. Para decidir tal questão cabe antes de mais aferir da aplicabilidade ao caso sub judice do instrumento de regulamentação colectiva invocado.
O recorrente alega ser aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo, sem que indique o fundamento de tal aplicabilidade, e conclui que o tribunal a quo devia requalificar o trabalhador como Professor do Ensino Básico variante de Educação Física, uma vez que desempenhava todas as funções atributivas desta categoria profissional, bem como condenar a recorrida a reintegrar o mesmo com essa categoria e a atribuir-lhe a correspondente remuneração prevista no âmbito do já citado CCT.
A sentença recorrida, por seu turno, discorreu a este propósito nos seguintes termos:
“No caso dos autos, sustentou o A. que desenvolveu a actividade de professor a coberto do contrato colectivo de trabalho relativo ao ensino particular e cooperativo. No entanto, da factualidade assente (pelo acordo das partes) resulta que a R., instituição particular de solidariedade, se dedica à assistência social, desenvolvendo a sua actividade no lar de idosos, centro de dia, unidade de cuidados continuados, Centro de Atividade Ocupacional para pessoas portadoras de deficiência (CAO), serviço de apoio domiciliário, creche, jardim de infância e CATL (centro de atividades de tempos livres). Desta forma, não poderá concluir-se que a R. seja proprietária ou explore qualquer estabelecimento de ensino, ou desempenhe a actividade do ensino, integrada na rede escolar e prosseguindo o plano nacional de desenvolvimento da educação.
Mais resultou assente, por acordo das partes, que o A. desenvolvia actividades físicas e desportivas (incluindo a natação) nas diversas valências da R., seja na creche e no jardim-de-infância, seja no ATL e no CAO, e bem assim nos lares de idosos, e na unidade de cuidados continuados. Ademais, os beneficiários da actividade do A. tanto eram crianças de diversa faixa etária, como idosos, como utentes com variadas deficiências. Assim, e sem prejuízo de as suas habilitações literárias lhe permitirem tal desempenho, não resultou provado que, no âmbito de actividade promovida pela R., o A. desenvolvesse funções pedagógicas correspondentes à categoria de Professor do Ensino Básico, pelo que improcede o pedido de reconhecimento da categoria profissional de Professor do Ensino Básico, variante Educação Física e respectivas diferenças salariais.”
Vejamos.
Uma convenção colectiva de trabalho constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e associações de empregadores (ou uma pluralidade de empregadores, ou um empregador) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes.
A convenção colectiva baseia-se na Constituição da República Portuguesa, que concede às associações sindicais competência para exercerem tal direito colectivo – cfr. o art. 56º da Lei Fundamental.
Além disso, constitui uma fonte de direito do trabalho - cfr. o art. 1º do Código do Trabalho.
As normas das convenções colectivas condicionam directamente o conteúdo dos contratos de trabalho por elas abrangidos na medida em que preenchem o que não foi previsto pelos respectivos sujeitos e em que se substituem às disposições contratuais individualmente clausuladas que forem menos favoráveis aos trabalhadores - cfr. o artigo 476.º do Código do Trabalho.
No que diz respeito ao âmbito pessoal de aplicação das convenções colectivas, a regra delimitativa básica consiste no chamado “princípio da dupla filiação”: as convenções colectivas obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações de empregadores e sindicatos) e ainda os empregadores que outorguem directamente, nos casos dos acordos colectivos de trabalho e dos acordos de empresa. Este princípio encontra-se plasmado no art. 496.º do Código do Trabalho nos termos do qual a convenção colectiva “obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associações de empregadores celebrantes, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”.
Como resulta do disposto no art. 492.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho, além da exigência da “dupla filiação” (que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação colectiva do respectivo “âmbito do sector de actividade”, o que nos reconduz ao sector de actividade económica que a convenção pretende abranger.
A normação plasmada na convenção colectiva pode, contudo, alargar-se total ou parcialmente, nos termos do artigo 514.º do Código do Trabalho. De acordo com o n.º 1 deste preceito, “[a] convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”.
As Portarias de Extensão são regulamentos normativos emanados da Administração (portaria ministerial) que alargam a aplicação das convenções (artigo 516.º do Código do Trabalho).
Em suma, as convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores “integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento” – artigo 514.º do mesmo Código.
O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil[8].
No caso sub judice, está arredada a aplicabilidade directa à relação dos autos dos contratos colectivos de trabalho celebrados entre a AEEP— Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, entre a mesma associação de empregadores e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE — Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU — Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, e respectivas alterações e actualizações, pois que nos articulados nada foi alegado a respeito da filiação da Ré na associação de empresas que as outorgou e as sucessivas alterações, nem a respeito da filiação do A. nas associações sindicais que as subscreveram ou em associações por elas representadas, matéria sobre a qual não foi, por isso, feita prova.
Com efeito, no artigo 1º do referido contrato colectivo de trabalho a que se reportam os autos estabelece-se que o mesmo é aplicável, em todo o território nacional, “aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes” (n.º 1), definindo-se para o efeito como estabelecimento de ensino particular e cooperativo “a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos” (n.º 2).
Não estando demonstrada a filiação do trabalhador e da entidade empregadora em nenhuma das entidades outorgantes de uma determinada convenção colectiva, a aplicabilidade deste instrumento apenas se pode buscar na existência de portaria de extensão que estenda o seu âmbito de aplicação à relação laboral firmada entre ambos[9].
Deverá pois aferir-se se, por força das portarias de extensão entretanto publicadas (que o recorrente também não identifica, mas que oficiosamente averiguamos), não deverá lançar-se mão da invocada convenção colectiva de trabalho para sindicar a classificação profissional da recorrente.
A Portaria n.º 1483/2007, de 19/11, veio estender no território do continente as condições de trabalho constantes de diversos contratos colectivos de trabalho, celebrados entre a AEEP e diferentes federações sindicais, incluindo aquele a que se reportam os autos:
“a) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes.”
No preâmbulo da aludida portaria salienta-se que a extensão se circunscreve aos empregadores filiados na AEEP com trabalhadores não representados por associações sindicais outorgantes, bem como a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante que tenham como denominador comum a comparticipação financeira do Estado em despesas de pessoal e de funcionamento através, nomeadamente, de contratos de associação, contratos simples, contratos de patrocínio e contratos de cooperação assegurando-se, assim, condições de concorrência equivalentes (acolhendo as oposições deduzidas pela ANEEP — Associação Nacional de Estabelecimentos de Educação Privados e por 13 estabelecimentos de ensino que alegavam razões de desigualdade concorrencial relativamente aos estabelecimentos de ensino que não beneficiavam daquelas comparticipações através, nomeadamente, de contratos de associação, contratos simples, contratos de patrocínio e contratos de cooperação). E esclarece-se no mesmo preâmbulo que, além de social, o objectivo da extensão é aproximar “as condições de concorrência entre as empresas do sector abrangido pelas convenções”.
Por sua vez, a Portaria n.º 25/2010, de 11/01 dispôs no seu artigo 1.º que:
“As condições de trabalho constantes das alterações dos contratos colectivos de trabalho entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, com rectificação publicada no citado Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15 de Abril de 2009, e das alterações dos contratos colectivos de trabalho entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE — Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU — Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, publicadas, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.os 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e 13, de 8 de Abril de 2009, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) Às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes.”
Também no preâmbulo desta se relatam divergências entre colégios filiados e não filiados na AEEP e os desvios concorrenciais que a extensão poderia potenciar, igualmente salientando que o objectivo da extensão, além de social, é aproximar “as condições de concorrência entre as empresas do sector abrangido pelas convenções”.
A R. recorrente é uma instituição particular de solidariedade social que se dedica à assistência social, desenvolvendo a sua actividade no lar de idosos, centro de dia, unidade de cuidados continuados, Centro de Actividade Ocupacional para pessoas portadoras de deficiência (CAO), serviço de apoio domiciliário, creche, jardim de infância e CATL (centro de actividades de tempos livres) – facto 8 – pelo que, como bem nota a sentença da 1.ª instância, não poderá concluir-se que seja proprietária ou explore qualquer estabelecimento de ensino, ou desempenhe a actividade do ensino, integrada na rede escolar e prosseguindo o plano nacional de desenvolvimento da educação.
Aliás, o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social IPSS anexo ao Decreto-Lei n.° 119/83, de 25 de Fevereiro [alterado pelos Decreto-Lei n.º 89/85, de 1 de Abril (revoga o art.º 32.º), n.º 402/85, de 11 de Outubro (revoga o n.º 2 do art.º 7.º e o art.º 11.º) e n.º 29/86, de 19 de Fevereiro (revoga o n.º 2 do art.º 94.º)] em que se incluem as Irmandades da Misericórdia [artigo 2.º, n.º 1, alínea h)] não abarca o ensino entre os objectivos legalmente definidos no seu artigo 1.º para as instituições particulares de solidariedade social.
É certo que o facto de a R. incluir nas suas valências o jardim de infância (facto 2.), que pode considerar-se integrado na educação pré-escolar (artigo 5.º da Lei nº 46/86 de 14 de Outubro - Lei de Bases do Sistema Educativo) e as actividades de tempos livres, poderia levar-nos a dizer que, nessa medida, a R. poderia qualificar-se como um estabelecimento de ensino em face da prescrição do artigo 3.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado pelo Decreto-Lei n.° 553/80, de 21 de Novembro[10], segundo o qual “são estabelecimentos de ensino particular as instituições criadas por pessoas singulares ou colectivas privadas em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco alunos ou em que se desenvolvam actividades regulares de carácter educativo” e do artigo 1.º, n.º 2 do Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular, que, como se viu, também entende por estabelecimento de ensino particular e cooperativo “a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos” (in BTE n.º 11 de 2007).
Cremos, contudo, que tal não é suficiente para qualificar a Santa Casa da Misericórdia … como um estabelecimento de ensino particular, na medida em que estas valências se inscrevem, ainda, nas actividades de “assistência social” desenvolvidas pela R. – sendo esta que patentemente prevalece – e têm um peso relativo com pouca expressão no contexto das múltiplas actividade exercidas pela Misericórdia, não sendo, em si, caracterizadoras daquela entidade.
Seja como for, e independentemente da qualificação da R. como um estabelecimento de ensino particular e cooperativo, não se verifica no caso, o condicionalismo prescrito nas Portarias de Extensão para operar a aplicabilidade do Contrato Colectivo de Trabalho invocado pelo A..
Na verdade, sendo convocável apenas a alínea a) do n.º 1 de qualquer das Portarias de Extensão identificadas – pois que a alínea b) pressupõe a filiação do estabelecimentos de ensino particular e cooperativo na associação de empregadores outorgante do CCT –, o A. não provou, como lhe competia nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, que a R. beneficiasse de “apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos” como expressamente é exigido na alínea a) do n.º1, pelas razões explicitadas no preâmbulo das Portarias, pelo que nunca poderia considerar-se aplicável à relação laboral estabelecida entre as partes o CCT invocado pelo autor.
Acresce que, como é patente, a R. Santa Casa da Misericórdia … não opera no mesmo sector económico ou numa área com semelhança económica e social àquela em que operam aqueles estabelecimentos de ensino particular a que se reportam o CCT e as Portarias, razão por que se mostra liminarmente excluída a extensão (cfr. o artigo 514.º do Código do Trabalho).
Segundo ensina Pedro Romano Martinez, “por via do regulamento de extensão, o instrumento colectivo, no que respeita a empregadores, só pode encontrar aplicação no mesmo sector económico ou em relação a uma área com semelhança económica e social e, quanto a trabalhadores, à mesma profissão ou profissões análogas ou da mesma área económica e social (artigo 575º nºs 1 e 2 do CT). Não pode, pois, estender a aplicação de uma convenção colectiva a um sector económico ou a uma profissão distintos; isto é, a situações completamente diversas e se não houver situações económicas e sociais que justifiquem (artigo575º nº 3 do CT)”[11].
Ora, enquanto a R. ora recorrida é uma instituição particular de solidariedade social e tem uma actividade essencialmente de apoio social a crianças, idosos e pessoas com deficiência, enquadrável nas divisões 87 e 88 da Classificação das Actividades Económicas (CAE) aprovada pelo Decreto-Lei nº 381/2007, de 14 de Novembro e se encontra sujeita ao regime jurídico das entidades que se dedicam à solidariedade social, os estabelecimentos de ensino particular tem uma actividade essencialmente de ensino, enquadrável na divisão 85 da CAE, pelo que dificilmente se pode conceber ser a R. uma entidade do mesmo sector económico das entidades de ensino particular ou com estas ter uma semelhança económica e social, ressalvando os pontos de contacto consubstanciados no facto de, na prossecução do seu escopo social, possuir duas valências com ligação ao ensino[12].
4.5.2. Assim, e uma vez que não se aplica directamente à relação laboral sub judice o Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo, por inverificado o princípio da filiação, e não se aplica também por via administrativa, por não se verificarem os pressupostos enunciados nas Portarias de Extensão e não se integrar a R. ora recorrida “no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”, conforme exige o artigo 514.º do Código do Trabalho, não pode proceder a pretensão do recorrente de ser profissionalmente classificado à luz de tal instrumento de regulamentação colectiva.
Deve ainda dizer-se que a pretensão do recorrente de lhe ser especificamente atribuída a categoria profissional de “Professor de Ensino Básico” nunca poderia proceder, ainda que fosse de considerar deter o seu empregador um estabelecimento de ensino, na medida em que, nos termos do artigo 6.º da Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, o ensino básico tem a duração de nove anos e ingressam nele as crianças com 6 anos de idade, terminando a obrigatoriedade da sua frequência aos 15 anos. De modo algum resulta dos factos provados que nas diversas valências da R. se ministre o ensino básico pelo que, independentemente de o A. se encontrar superiormente habilitado para desenvolver tal modalidade de ensino como Professor (o que não está em causa nos presentes autos), nunca poderia atribuir-se-lhe uma categoria profissional que não corresponde à actividade para que foi contratado e às funções efectivamente desenvolvidas na execução do contrato de trabalho (cfr. o artigo 118.º do Código do Trabalho).
Improcede o recurso no que diz respeito à pretensão de classificação profissional do A. recorrente como Professor do Ensino Básico, variante de Educação Física, por reporte ao Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo.
4.5.3. Deve contudo precisar-se que o nomen da categoria profissional que foi atribuída ao recorrente quando foi contratado – “Técnico de Reabilitação” (facto 4.) – não corresponde na sua essência às funções que ficou provado nestes autos estar o mesmo incumbido de desempenhar e ter efectivamente desempenhado em execução desse mesmo contrato.
Esta categoria profissional não vem prevista na Convenção Colectiva de Trabalho invocada pelo A. recorrente mas, sim, no CCT celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNSFP – Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (com revisões globais publicadas no BTE nº 35, de 22 de Setembro de 2009 e nº 15, de 22 de Abril de 2011).
Embora este instrumento de regulamentação colectiva não possa considerar-se aplicável à relação laboral sub judice – directamente ou por via de extensão, como melhor se explicitará – lança-se mão do mesmo a este propósito apenas porque o recorrente refuta que deva ser classificado como técnico de reabilitação e coloca em causa a sua reintegração em tal categoria profissional, pelo que se torna necessário compreender qual o conteúdo de uma categoria profissional com tal designação, sendo certo que a R. é uma IPSS, pelo que a actividade regulada na Convenção Colectiva de Trabalho que agora se cita coincide com a sua, o que indicia que as designações categoriais adoptadas possam ter um conteúdo ao menos equivalente.
Ora as funções desempenhadas pela A. recorrente, tal como ficaram apuradas, não podem efectivamente reconduzir-se ao descritivo funcional da categoria profissional de Técnico de Reabilitação, que vem definida no Anexo I ao CCT celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNSFP – Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (com revisões globais publicadas no BTE nº 35, de 22 de Setembro de 2009 e nº 15, de 22 de Abril de 2011), não incluído nos “Trabalhadores com funções pedagógicas”, mas nos “Trabalhadores de habilitação e reabilitação e emprego protegido” ou nos “Trabalhadores dos serviços de diagnóstico e terapêutica”.
Ficou na verdade provado que:
21. As actividades desenvolvidas pelo Autor no estabelecimento da Ré foram: Actividades físicas e desportivas na creche, jardim-de-infância, ATL e C.A.O, Lares Setor I, Setor II e UCCI; natação no jardim de infância, nos Lares (I e II) e actividades extracurriculares no ATL.
22. Até 17-7-2012 o Autor a exerceu estas actividades: físicas, desportivas, natação e extracurriculares no ATL.
23. Os beneficiários das actividades eram crianças de diversa faixa etária, bem como idosos.
24. No Centro de Actividades Ocupacionais (C.A.O.) havia 16 utentes com variadas deficiências.
Ora o descritivo funcional de “Técnico de Reabilitação” é definido no referido instrumento de regulamentação colectiva do seguinte modo: “Aplica determinado sistema de reabilitação numa área específica de deficientes”.
E prevêem-se ainda tipos específicos de técnicos de reabilitação com os seguintes descritivos:
“Técnico de reabilitação/fisioterapeuta. — Analisa e avalia o movimento e a postura, baseadas na estrutura e função do corpo, utilizando modalidades educativas e terapêuticas específicas, com base, essencialmente, no movimento, nas terapias manipulativas e em meios físicos e naturais, com a finalidade da promoção da saúde e prevenção da doença, da deficiência, da incapacidade e da inadaptação e de tratar, habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objectivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida.
Técnico de reabilitação/terapeuta da fala. — Desenvolve actividades no âmbito da prevenção, avaliação e tratamento das perturbações da comunicação humana, englobando não só todas as funções associadas à compreensão e expressão da linguagem oral e escrita, mas também outras formas de comunicação não verbal.
Técnico de reabilitação/terapeuta ocupacional. — Avalia, trata e habilita indivíduos com disfunção física, mental, de desenvolvimento, social ou outras, utilizando técnicas terapêuticas integradas em actividades seleccionadas consoante o objectivo pretendido e enquadradas na relação terapeuta/utente; actua ao nível da prevenção da incapacidade, através de estratégias adequadas com vista a proporcionar ao indivíduo o máximo de desempenho e autonomia nas suas funções pessoais e, se necessário, o estudo e desenvolvimento das respectivas ajudas técnicas em ordem a contribuir para uma melhoria da qualidade de vida.”
Dos factos que ficaram provados na presente acção quanto às funções efectivamente exercidas pelo A. ao serviço da R., resulta que o A. tinha a seu cargo, tão só, funções relacionadas com actividades físicas e desportivas, natação e actividades extracurriculares, não se inscrevendo a sua actividade na “habilitação e reabilitação” ou nos “serviços de diagnóstico e terapêutica”, ainda que a condição física das crianças, idosos e deficientes pudesse beneficiar da sua actividade laboral.
Aliás, as suas habilitações que resultam do facto 1. – “tem o grau de licenciatura do curso de Professor do Ensino Básico, variante de Educação Física, e tem o grau de Mestrado em Gestão Desportiva” –, embora não sejam decisivas para a qualificação da categoria profissional que efectivamente desempenha, não se adequam, também, ao tipo de funções de que se encarrega o técnico de reabilitação.
Ora, o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria contratual do trabalhador (com a inerente garantia da invariabilidade da prestação relativamente às funções para que o trabalhador foi contratado), pressupõe um princípio de efectividade, ou seja, a categoria profissional corresponde ao conjunto de tarefas que efectivamente o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal, sendo que em caso de divergência é a função efectiva que deve prevalecer.
Este princípio encontra-se consagrado no artigo 118.º, n.º 1 do Código do Trabalho, embora aí referindo a “actividade contratada” em vez da referência à categoria profissional (como sucedia no artigo 151.º, n.º s 1 e 5 do Código do Trabalho de 2003).
Seja como for, a posição do trabalhador, na organização da empresa, define-se através de um conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral, pelo que a sua categoria profissional se determina por referência à classificação normativa, quando a haja, mas sempre no quadro das funções efectivamente exercidas que podem, ou não, reconduzir-se a tarefas típicas que se encontram descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva.
Como constitui jurisprudência pacífica e há longos anos firmada, a categoria profissional deverá corresponder ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou, relevando as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores, pelo que a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador[13].
No caso vertente, não sendo possível identificar um instrumento de regulamentação colectiva como referencial normativo e porque o nomen atribuído por ocasião da contratação do A. em Agosto de 2009 – facto 4. – pode revelar-se equívoco, por se reportar no âmbito das IPSS a tarefas distintas das que o A. efectivamente exerce, deve precisar-se na condenação da R., que a reintegração do A. se efectuará para o exercício das tarefas descritas no ponto 21. da matéria de facto, pois foi das mesmas que o recorrente esteve incumbido ao longo da execução do contrato desde 2009 e são as mesmas que, por esse motivo, caracterizam a sua posição funcional no âmbito dos serviços da R. e lhe devem de novo ser atribuídas por ocasião da reintegração nos termos prescritos no artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
Só com a colocação do recorrente novamente nas funções que exercia ao serviço da R. e que continuaria a exercer se não sobreviesse o despedimento ilícito, pode dizer-se que fica reconstituída a situação que existiria caso o acto ilícito não fosse praticado.
*
4.6. No que diz respeito à questão de saber se o A. ora recorrente tem direito a diferenças salariais – a oitava a analisar, suscitada no recurso do A. –, a decisão das questões anteriores torna cristalina a sua resolução.
Alega o recorrente que, verificando-se em concreto que o trabalhador exerce um leque de funções enquadrável numa determinada categoria prevista em instrumento colectivo de trabalho, o empregador deve atribuir-lha – também formalmente – e retribuí-lo em consonância e se a retribuição auferida for inferior à categoria atribuída – ou que devia ser atribuída – o trabalhador tem direito à retribuição prevista para tal categoria, no caso a de categoria profissional de Professor do Ensino Básico, variante Educação Física.
Uma vez que não se aplica directamente à relação laboral sub judice o Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo, por inverificado o princípio da dupla filiação, e não se aplica também por via das Portarias de Extensão (por não se verificarem os requisitos nestas previstos e não se integrar a R. ora recorrida “no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”), e não procedeu a pretensão do recorrente de ser profissionalmente classificado à luz de tal instrumento de regulamentação colectiva, é manifesto que soçobra igualmente a sua pretensão de, por força da pretendida reclassificação profissional, ver reconhecido o direito a diferenças salariais entre o vencimento que auferiu ao serviço da ora recorrido e os previstos naquele inaplicável instrumento de regulamentação colectiva para a categoria profissional de Professor do Ensino Básico.
Improcede, também nesta parte, a apelação do A.
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4.7. E chegamos assim à última questão que de saber se o A. recorrente tem direito a que a recorrida lhe pague valores a título de subsídio de refeição.
A sentença recorrida, a este propósito, decidiu o seguinte:
«No que concerne ao subsídio de refeição, resultou do acervo factual assente que a Ré fornece almoço a todos os seus funcionários, facto que foi comunicado ao A. pelos serviços administrativos da Ré, nunca o A. o tendo solicitado.
Ora, extrai-se da cláusula 69º da CTT entre CNIS e FNSFP publicada no BTE nº 35, de 22/9/2009, aplicável em virtude da portaria de extensão nº 280/2010 de 24/5, que os trabalhadores têm direito ao fornecimento de uma refeição principal por cada dia completo de trabalho, podendo em alternativa ser atribuída uma compensação monetária.
Assim, no caso em apreço sendo fornecida refeição pela R., que o A. não beneficiou por não ter solicitado a mesma, não será devido ao A: o pagamento de compensação monetária, pelo que improcede, nesta perte o pedido do A..»
Alega o recorrente que o subsídio de refeição só deixou de ser pago a todos os funcionários da recorrida a partir da circular 02/2012 do mês de Janeiro, devendo esta ser condenada a pagar os subsídios de refeição ao recorrente até à data dessa referida circular.
Deve começar por se dizer que a alegação do recorrente se traduz na invocação de um facto novo em sede de recurso, pois que na 1.ª instância se limitou a alegar que o subsídio de almoço “nunca foi pago ao contrário de outras funcionárias” (artigo 177.º da contestação), sendo certo que relativamente à circular n.º 2/2012, a única posição formal que tomou no processo foi a de, após ter a mesma sido junta aos autos pela R., dizer que “impugna o conteúdo da ata nº26/2011 e correspondente circular nº2/2012, que apresenta assinaturas em folha autónoma e manuscrita apenas por punho a referência à circular 2/2012” (requerimento de 2013.01.07).
De todo o modo, inexistem nos autos factos susceptíveis de confirmar a nova alegação do recorrente, sendo certo que, como ficou provado e a sentença da 1.ª instância realçou, “a Ré fornece almoço a todos os seus funcionários, facto que foi comunicado ao A. pelos serviços administrativos da Ré, nunca o A. o tendo solicitado”, sem que da matéria de facto resulte a existência de um limite temporal para a disponibilização em espécie da refeição (facto 27.).
O que obsta – como obstou na 1.ª instância – a uma condenação da R. a este título.
Seja como for, não pode deixar de se dizer que o processo não fornece sequer elementos que permitam afirmar a aplicabilidade ao contrato de trabalho sub judice do instrumento de regulamentação colectiva invocado na sentença para fundar o direito ao subsídio de refeição.
Com efeito, não está demonstrado nos autos que a R. esteja filiada na CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade –, nem que o A. esteja filiado em qualquer sindicato federado na FNSFP – Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública – ou noutro que esteja representado pelas subscritoras do mencionado instrumento de regulamentação colectiva, pelo que, por força do já referenciado princípio da dupla filiação, tal instrumento de regulamentação colectiva não se lhes aplica directamente.
Por outro lado, analisando as Portarias de Extensão que foram publicadas a propósito, chega-se à conclusão de que as mesmas não permitem também afirmar tal aplicabilidade.
Com efeito, a Portaria nº 900/2006, de 01 de Setembro, estipula no seu n.º 1 que:
“As condições de trabalho constantes dos contratos colectivos de trabalho entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros e entre a mesma Confederação e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública publicados, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, nºs 25, de 8 de Julho de 2005, e 7, de 8 de Maio de 2006, são estendidas, no território do continente:
a) às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social que prossigam as actividades reguladas pelas convenções não filiadas na Confederação outorgante, excepto as santa casas da misericórdia, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social filiadas na Confederação outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes.”
Ora se é certo que a Portaria em causa se dirige às IPSS e a R., sendo uma Santa Casa da Misericórdia, tem a natureza jurídica de IPSS nos termos do art. 2.º do Decreto-Lei n.° 119/83, de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS), é igualmente certo que as Santas Casas da Misericórdia estão expressamente exceptuadas da extensão operada por esta Portaria na alínea a) do seu n.º 1.
Por seu turno a Portaria nº 280/2010, de 24 de Maio, mantendo as mesmas reservas extensivas, estipulou no seu n.º 1 que:
“1 — As condições de trabalho constantes das alterações dos contratos colectivos entre a CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, entre a mesma confederação e a FEPCES — Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros e, ainda, entre a mesma confederação e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, respectivamente n.º 35, de 22 de Setembro de 2009, e n.º 45, de 8 de Dezembro de 2009, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social que prossigam as actividades reguladas pelas convenções, não filiadas na confederação outorgante, excepto as santas casas da misericórdia, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;
b) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social que prossigam as actividades reguladas pelas convenções, filiadas na confederação outorgante, e trabalhadores ao seu serviço, das referidas profissões e categorias profissionais, não representados pelas associações sindicais outorgantes.”
E no seu preâmbulo explica bem que “[a] extensão exclui do seu âmbito as relações de trabalho entre santas casas da misericórdia e trabalhadores ao seu serviço não filiadas na CNIS, à semelhança de anteriores extensões em que foi reconhecida a salvaguarda da autonomia negocial daquelas instituições”, não deixando dúvidas quanto à intenção do legislador.
Inexistem pois, igualmente quanto a este instrumento de regulamentação colectiva, elementos para afirmar a sua aplicabilidade ao contrato firmado entre as partes no ano de 2009, quer por via da vinculação directa resultante de A. e R. serem partes contratantes ou por estas representados, quer por via de extensão administrativa ao sector de actividade e profissional em que ambos se inscrevem, pois que foram expressamente excluídas de tal extensão as misericórdias.
Improcedem, também neste aspecto, as conclusões da apelação do A.
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4.8. As custas de cada um dos recursos interpostos da sentença final deverão ser suportadas pelos recorrentes respectivos (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
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Em face do exposto:
5.1. julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto deduzida pela R. recorrente e altera-se o ponto 26. dos factos provados nos termos sobreditos;
5.2. aditam-se oficiosamente à matéria de facto os acima elencados pontos 36. e 37;
5.3. nega-se provimento à apelação da R. e
5.4. nega-se provimento à apelação do A.;
confirmando-se a decisão final constante da sentença da 1.ª instância, com a precisão de que a reintegração do A. deve efectuar-se para o exercício das tarefas descritas no ponto 21. da matéria de facto, colocando-se o A. a exercer novamente as funções que exercia ao serviço da R. antes do seu despedimento ilícito.
Custas de cada um dos recursos interpostos da sentença final a cargo dos recorrentes respectivos.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 16 de Junho de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Vide António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra, 2010, p. 320.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, pp. 158-159.
[4] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.02.23, Processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.09.15, Recurso n.º 2754/06.1TTLSB.L1.S1 e de 2009.04.22, Recurso n.º 153/09 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[6] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt.
[7] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.06.30, Recurso n.º Recurso n.º 1006/04, de 2009.01.07, Recurso n.º 3443/08 e de 2010.12.16, Recurso n.º 314/08.1TTVFX.L1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[8] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.05, Revista n.º 2547/01 e de 2005.03.16, Recurso n.º 4125/04, ambos da 4.ª Secção.
[9] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2010 (Recurso n.º 426/07.9TTLMG.S1, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[10] Com as alterações constantes da Lei n.º 33/2012, de 23 de Agosto. Este Estatuto foi substituído pelo novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro, que revogou o anterior Estatuto. A definição de “estabelecimentos de ensino particular” manteve-se, no seu essencial, no artigo 3.º, n.º 1 do Estatuto actualmente em vigor.
[11] In Direito do Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2007, p. 1170, a propósito do Código do Trabalho de 2003 mas com considerações que mantêm absoluta pertinência face ao artigo 514.º do Código do Trabalho de 2009.
[12] Vide fazendo um juízo comparativo similar entre uma entidade equiparada a IPSS e os estabelecimentos de ensino particular, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2014.01.16, Processo: 667/12.7T4AVR.C1, in www.dgsi.pt.
[13] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.23, Revista n.º 266/01, de 2004.06.16, Revista n.º 837/03, de 2007.11.14, Recurso n.º 1696/07, de 2009.10.21, Recurso n.º 471/09, de 2010.05.05, Recurso n.º 413/07.7TTAGD.C1.S1 e de 2012.02.156, Recurso n.º 4517/04.0TTLSB.L1.S1, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Das especificações exigidas na lei para a impugnação da decisão de facto, sob pena de rejeição da impugnação, deve levar-se às conclusões do recurso, pelo menos, a indicação dos concretos pontos de facto de cuja decisão o recorrente discorda.
II – Recai sobre o empregador o ónus da prova dos factos que consubstanciam a justa causa de despedimento.
III – Não integra justa causa de despedimento, apesar de merecedor de censura disciplinar, o comportamento do trabalhador que solicitou ao funcionário do empregador, antes de iniciar funções no ano de 2009, que deixasse levar o documento que titula o contrato a termo para ler melhor, e que lho entregaria logo a seguir, o que o referido funcionário aceitou, dado nele confiar, e que nunca entregou o contrato assinado nem nunca disse não ter de o entregar, bem como que não respondeu à carta registada com aviso de recepção recebida em Janeiro de 2012 em que a Directora de Serviços da R. lhe pedia a entrega do dito contrato, se no decurso deste período a R. aumentou o vencimento do A., o que denota que não conferiu à atitude dele relevância para pôr em crise a manutenção do contrato.
IV – As convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
V – O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito.
VI – Não se aplicam às relações de trabalho estabelecidas entre uma Irmandade da Misericórdia e os seus trabalhadores os contratos colectivos de trabalho celebrados entre a AEEP— Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, entre a mesma associação de empregadores e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE — Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU — Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, ainda que a empregadora contenha no âmbito da sua actividade social as valências de jardim de infância e actividades de tempos livres.
VII – Não sendo possível identificar um instrumento de regulamentação colectiva como referencial normativo para as funções exercidas pelo trabalhador ilicitamente despedido, deve precisar-se na condenação do empregador que a reintegração do A. se efectuará para o exercício das tarefas descritas na matéria de facto que o mesmo desempenhava antes de ser despedido.
VIII – As Santas Casas da Misericórdia não filiadas na CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade – estão expressamente exceptuadas pelas Portarias n.º 900/2006 e 280/2010 da extensão por elas operada das condições de trabalho constantes dos contratos colectivos de trabalho entre a CNIS e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros e entre a mesma Confederação e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública - publicados, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, nºs 25, de 8 de Julho de 2005, e 7, de 8 de Maio de 2006, n.º 35, de 22 de Setembro de 2009, e n.º 45, de 8 de Dezembro de 2009.

Maria José Costa Pinto