Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
123/21.2GBBAO-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: PRAZO PARA A CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
NOMEAÇÃO DE PATRONO OFICIOSO
Nº do Documento: RP20220518123/21.2GBBAO-A.P1
Data do Acordão: 05/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: De acordo com o acórdão do Tribunal Constitucional, n,º 515/2020, o prazo para a constituição de assistente interrompido por aplicação do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, inicia-se com a notificação da nomeação do patrono oficioso ao requerente do apoio judiciário (e não com a notificação dessa nomeação ao patrono)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo:123/21.2GBBAO-A.P1


Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:



1. RELATÓRIO
AA, recorrente nos autos, veio interpor recurso do despacho de a 22 de dezembro de 2021 (Referência: 87381203), que decidiu:
a) admitir BB a intervir como assistente, julgar o respetivo requerimento– além do mais - tempestivo.
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Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o arguido AA, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES:
1.) A ofendida após ter sido notificada para constituição, requereu apoio jurídico para nomeação de patrono, tendo sido a ilustre patrona nomeada a 2 de setembro de 2021, por ofício remetido vias e-mail, nessa mesma data, pela Ordem dos Advogados.
2.) No entendimento do recorrente, a ofendida teria até ao dia 13 de setembro de 2021, para requerer a sua constituição como assistente, contudo veio a fazê-lo apenas no dia 14 de setembro de 2021, portanto, um dia após o término do prazo.
3.) Perante isto, ordenou a Mm." Juiz a quo, à ofendida, a liquidação da multa processual devida, por despacho de fls. 82, datado de 30 de outubro de 2021(Ref.ª 86874781), ao qual a mesma não veio a dar cumprimento.
4.) Em vez disso, veio a ofendida insurgir-se, por simples requerimento, contra esse despacho judicial, quando o deveria ter feito, no entendimento do recorrente, por intermédio de recurso de apelação
5.) Sendo que, a Mm.º Juiz a quo, no despacho aqui em crise, veio a dar sem efeito o anteriormente decidido e a dar razão à ofendida, defendendo que a mesma em bom rigor não pretendeu sindicar o ordenado (pagamento da multa), sendo que recorrente não concorda, pelo que, também deverá ser revogado, nesta parte, o despacho aqui em crise, por violação do art.? 627, n.º 1 do Código de Processo Civil
6.) Além disso, resulta do despacho que se sindica, que o requerimento da ofendida, a solicitar a sua intervenção nos autos na qualidade de assistente, é tempestivo e por isso foi admitida, o que também não se concebe.
7.) Na verdade, a Mm.v Juiz a quo considerou que o prazo para a ofendida requerer a constituição de assistente se reiniciou a partir da data da notificação postal à ofendida da nomeação da patrona (6 de setembro de 2021), portanto, a 7 de setembro de 2021.
8.) Porém, o recorrente não partilha da interpretação feita pela Mm.ª Juiz a quo e entende que aquele prazo se inicia a partir da data da nomeação da patrona (2 de setembro de 2021), portanto, a 3 de setembro de 2021, conforme resulta do ofício da nomeação remetido pela Ordem dos Advogado via e-mail.
9.) Assim, no entendimento do recorrente, devendo se considerar a patrona notificada no dia 2 de setembro de 2021, o prazo para requerer a constituição de assistente iniciou-se no dia seguinte, a 3 de setembro de 2021, e terminou no dia 13 de setembro de 2021.
10.) E tendo o requerimento para a constituição de assistente dado entrada apenas no dia 14 de setembro de 2021, portanto, um dia fora do prazo, e não tendo liquidado a multa processual devida, apesar de ter sido notificada oficiosamente para o efeito, forçoso será concluir que aquele foi apresentado intempestivamente.
11.) Pelo que, não poderá ser a ofendida ser admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, por não reunir as condições legalmente exigidas.
12.) Por via disso, a decisão proferida pelo tribunal a quo que considerou o pedido de constituição de assistente tempestivo, violou de forma clara o art.v 68, n.º 2 do Código de Processo Penal e o 24º, n.º 5, alínea a) da Lei 34/2004, de 29 /07, tendo feito uma aplicação indevida daqueles preceitos legais violando a ratio a eles subjacente.
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O recurso foi regularmente admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito legal.
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Responderam o Ministério Público e a assistente junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando os considerandos constantes da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
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Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do CPP, procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de forma uniforme, à luz do disposto no art. 412º, nº 1, do Código Processo Penal (ao qual respeitam os normativos adiante indicados sem indicação da respetiva fonte legal), o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Das conclusões supra transcritas emerge a seguinte
questão a resolver:
- a tempestividade do requerimento de constituição da assistente: reinicio do prazo para o efeito após a nomeação de patrono.
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O recurso é, pois, restrito à matéria de direito, havendo aquela questão de ser resolvida a partir dos seguintes pressupostos incontestados pelos sujeitos processuais:
A requerente foi notificada em 11 de junho de 2021 da obrigatoriedade de se constituir assistente, no prazo de 10 (dez) dias, quanto aos factos cujo procedimento criminal depende de acusação particular, em cumprimento do disposto no art.º 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. fls. 17-18 do apenso A), pelo que no dia 12 do mencionado mês começou a correr o susodito prazo.
No dia 15 de junho de 2021, a ofendida BB (fls. 59 e ss) apresentou requerimento de proteção jurídica na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, juntando aos autos o respetivo comprovativo em 21 de junho de 2021 (cfr. fls. 16-17 dos autos principais), interrompendo deste modo o prazo para a constituição de assistente, ao abrigo do art.º 24.º, n.º 4 da Lei de Acesso ao Direito.
O mencionado requerimento de apoio judiciário foi, entretanto, deferido, tendo sido nomeada Patrona à ofendida em 2 de setembro de 2021 (cfr. fls. 57), pelo que se iniciou um novo prazo de 10 (dez) dias.
A nomeação de patrono foi notificada pela Ordem dos Advogados à beneficiária no dia 6 de setembro de 2021 (documentos de fls. 89 e 90).
A mesma nomeação foi notificada ao patrono designado, através de email enviado no dia 2 de setembro de 2021 pela Ordem dos Advogados.
A ofendida BB apresentou o pedido de constituição de assistente em 14 de setembro de 2021.
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Da tempestividade do requerimento para constituição de assistente
Invoca o recorrente que, após o despacho que ordenou a respetiva liquidação, a constituição como assistente jamais poderia ter sido admitida sem o pagamento da multa processual correspondente.
Ao caso cumpre lembrar que o despacho submetido à sindicância deste tribunal não é aquele de 30.10.2021 (sob referência: 86874781) que ordenou a liquidação da multa processual devida pela prática do ato no 1.º dia posterior ao termo do prazo, nos termos dos art.ºs 107.º, n.º 5 e 107.º-A, al. a) do Código de Processo Penal.
O despacho recorrido é, isso sim, aquele que posteriormente julgou tempestiva a apresentação do requerimento em causa, tendo sido este que conheceu no tribunal a quo da questão da tempestividade daquele, independentemente das vicissitudes processuais que o precederam.
Aqui chegados cumpre dizer que o recurso deve improceder, independentemente da posição seguida sobre o problema da notificação a considerar (patrono ou beneficiário) para efeito de inicio de contagem do prazo para requerer a constituição como assistente.
Isto porque mesmo a considerar-se a notificação eletrónica ao patrono nomeado, através de comunicação enviada por email no dia 2 de setembro de 2021 pela Ordem dos Advogados e, portanto, efetuada no dia 6 de setembro de 2021 (5/setembro, domingo), o requerimento sempre seria tempestivo, já que o prazo de 10 dias dela decorrente terminaria em 16 de setembro de 2021 [1].
Com efeito, a notificação ao patrono da sua designação é efetuada por transmissão eletrónica e presume-se efetuada no terceiro dia posterior ao da expedição ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil – ac RE 22.03.2012 (Mata Ribeiro)
www.dgsi.pt.
Mas ainda que assim não se entenda, o que só em tese se aceita, vejamos a questão de saber se o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, mesmo que o requerente do apoio judiciário dela não tenha conhecimento por via de notificação postal.
Na interpretação normativa do recorrente, que aqui não se acompanha, o prazo reinicia-se mesmo quando o interessado não conhece o patrono nomeado.
Vejamos.
O art.º 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29.04, estabelece o seguinte:
“4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”
Acrescenta o art.º 31.º do mesmo diploma legal que:
“1 - A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.
2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado”.
Como bem refere o despacho recorrido, cuja fundamentação aqui se acompanha inteiramente, o “legislador consagrou, deste modo, o sistema da dupla notificação, recaindo sobre o beneficiário do apoio judiciário o ónus de contatar o patrono nomeado, pelo que se justifica que o prazo apenas se inicie depois da notificação ao beneficiário pela Ordem dos Advogados, porquanto só neste momento o visado disporá da identificação e domicílio profissional do patrono nomeado”.
Desconhecendo a nomeação e a identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado de defesa, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr.
“Aliás, a dupla advertência imposta pelo legislador no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, visa justamente obstar a uma tal situação de impotência, e de indefesa, consubstanciadora de uma posição processual desfavorável em relação às partes ou sujeitos processuais que possam suportar a constituição de mandatário, em termos similares ao que se julgou nos Acórdãos n.ºs 98/2004 e 467/2004” – cfr. Ac TC n.º 461/2016.
De facto, cremos que só assim será salvaguardada a ratio legis subjacente à exigência da dupla notificação supra elencada – nesse sentido, v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.11.2020, proc. n.º 3878/17.5T8OAZ-A.P1, disponível em www.dgsi.pt”.
Daí que seguindo a doutrina anterior dos Acórdãos TC nºs 461/2016, 298/2018, 307/2018, e 567/2018, o Tribunal Constitucional tenha acabado por declarar no Ac nº515/2020, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do art.º 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, da norma da alínea a) do n.º 5 do art.º 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29.07, com o sentido de que “o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”.
Ora, a notificação realizada pela Ordem dos Advogados à beneficiária somente ocorreu em 3 de setembro, tendo tal missiva sido recebida por esta apenas em 6 de setembro de 2021.
Deste modo, haverá necessariamente que concluir que o pedido de constituição de assistente sob escrutínio é tempestivo, na medida em que o prazo de 10 (dez) dias conferido por lei para o efeito apenas se iniciou em 7 de setembro de 2021 e o pedido fora aduzido ao pleito em 14 de setembro de 2021.
Pelo exposto, improcede o recurso.
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3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça equivalente a quatro UCs.
Notifique.
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Acórdão elaborado pelo primeiro signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelo Excelentíssimo Juiz Adjunto.
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Porto, 18 de maio de 2022
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro
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[1] Com a introdução de mecanismos de automatização e desmaterialização do procedimento de nomeação e de notificação do advogado nomeado, esta passou a ser feita através de envio de correio eletrónico através do sistema informático próprio da Ordem dos Advogado – denominado SINOA – de acordo com os artigos 2.º e 29.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, alterada pelas Portarias n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, 654/2010, de 11 de agosto, e 319/2011, de 30 de dezembro. Enquanto isso, a notificação do beneficiário do apoio judiciário é feita via postal registada.
Embora a notificação ao patrono seja efetuada eletronicamente, isso não significa que se tenha por referência para a contagem do prazo a data da elaboração da notificação e a respetiva inserção no sistema.
Na contagem de prazos são aplicáveis as disposições do Processo Civil (art.º 37º da citada L. n.º 34/04).
Atento o disposto no n° 5 do art. 21°A da Portaria n°114/2008, com a redação dada pela Portaria n°1538/2008, de 30/12, presume-se “feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil".
Também assim o art.248º, nº1, do NCPC, quanto às notificações eletrónicas aos mandatários.
Assim, a notificação por transmissão eletrónica presume-se feita no terceiro dia posterior ao da expedição, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
Não se fez diferenciação relativamente à notificação via postal (n.º 3 do artº 254º do CPC), concedendo-se assim, também, para a expedição por via eletrónica o mesmo lapso temporal que era concedido ao envio da correspondência por via postal registada.