Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17777/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PILOTO DE HELICÓPTERO
INCÊNDIOS FLORESTAIS
PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA DO SINISTRADO
Nº do Documento: RP2021111517777/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; REVOGADA E ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo-se provado, conforme decorre da matéria de facto provada, os pressupostos de base previstos nas als. a), b), c) e d) do nº 1 do art. 12º do CT/2009, há que presumir que a contratação do sinistrado, piloto de helicópteros de combate a incêndios florestais, pela Ré para a prestação dessa sua actividade na época de incêndios florestais de junho de 2017 a Setembro de 2017 (tendo o acidente de trabalho de que resultou a morte daquele ocorrido aos 20.08.2017), consubstancia um contrato de trabalho, cabendo, por consequência, àquela o ónus da prova do contrário.
II - O facto do sinistrado emitir “recibos verdes”, não ter recebido subsídios de ferias e de Natal, não ter gozado férias, de, caso trabalhasse mais horas, não receber remuneração adicional, de, caso faltasse ao serviço, não receber a contrapartida remuneratória e de a Ré não pagar contribuições para a Segurança Social, na falta de outros factos que, de forma segura e de modo a consubstanciarem prova do contrário, não se mostram suficientes para ilidir a presunção da existência, conforme referido em I, de um contrato de trabalho.
III - Ainda que se não considerasse no sentido do referido em I e II, a reparação decorrente do acidente de trabalho sempre estaria, nos termos arts. 4º, nº 1, al. c), da Lei 7/2009, 10º do CT/2009 e 3º, nºs 1 e 2 da LAT/2009, abrangido por esta face à dependência económica do sinistrado perante a Ré, dado, em síntese, que o mesmo se encontrava inserido na estrutura organizativa da Ré, a sua actividade, se porventura rejeitada por esta, não aproveitaria a terceiros, e que prestava a sua actividade exclusivamente para a Ré, vivendo apenas dos rendimentos daí auferidos, para além de que, nos termos do nº 2 do citado art. 3º, tal dependência sempre se presumiria, sendo que não foi feita prova, pela Ré, do contrário.
IV - Auferindo o sinistrado a retribuição de €400,00 por dia de trabalho e tendo ele, de forma regular (apenas intervalada por dias de descanso), prestado a sua actividade para a Ré no período de 23.06.2017 a 20.08.2017, esta a data do acidente de trabalho, a retribuição mensal a ter em conta deve ser calculada com base na quantia diária de €400,00 vezes 22 dias e, a retribuição anual, com base na retribuição mensal vezes 12 meses, acrescida de subsídios de férias e de Natal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 17777/18.0T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1237)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, participado acidente de trabalho mortal de que terá sido vítima F… e frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do mesmo, vieram as AA., 1) B…, 2) C… e 3) D… apresentar petição inicial demandando a Ré, C…, SA, alegando em síntese que:
São, respectivamente, companheira, em união de facto, e filhas de F…, trabalhador da Ré e que, no exercício das suas funções profissionais, veio a ser vitima de acidente de trabalho mortal, ocorrido a 20 de agosto de 2017 quando pilotava, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, um helicóptero, num combate a incêndios florestais;
Pelas razões que invocam (arts. 29 a 87 da p.i.) a relação contratual estabelecida entre o sinistrado e a Ré era uma relação de trabalho subordinado e não de mera prestação de serviços, relação aquela que teve o seu início em junho de 2017, auferindo a retribuição de €400,00 por dia, mas paga mensalmente, tendo auferido em Junho de 2017, 3.200,00 €, em Julho de 2017, 9.200,00 € e de Agosto de 2017 até 20/08/2017 (data acidente), 6.400,00 € (valores sem IVA), não exercendo, no período em que trabalhou para a Ré, qualquer outra actividade profissional, vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela Ré, que constituíam a sua única fonte de rendimento e principal fonte de rendimento do agregado familiar, verificando-se os indícios elencados no art. 12º do CT/2009, que fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, para além da verificação de outra factualidade, que indica, que aponta no sentido da existência de contrato de trabalho; a Ré não tinha celebrado contrato de seguro de acidentes de trabalho, mas apenas um seguro obrigatório de ocupantes do helicóptero, com uma seguradora estrangeira, em consequência do que as AA. filhas, como únicas herdeiras legais, receberam uma indemnização, no montante de 250.000,00 €. É, assim, a Ré responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, que discrimina.
Mais diz, nos arts. 118 a 124 que “118. Como atrás se referiu a relação ou vinculo em consequência do qual a qual o falecido F… pilotava a aeronave para a ré deve ser qualificada como de trabalho subordinado, enquadrável na figura e no regime do contrato de trabalho. 119. Todavia ainda que assim não se entendesse, ou seja, ainda que se entendesse que estamos perante uma prestação de serviços, o que não se aceita mas apenas se considera por dever de patrocínio, ainda assim a presente ação deveria ser julgada procedente, pois 120. Como já resulta do acima alegado o piloto encontrava-se a trabalhar em exclusivo para a ré, 121. Não exercendo, a partir de Maio de 2017, qualquer outra actividade para alem daquela de que era beneficiária a ré, 122. Era do rendimento do trabalho que prestava para a ré que o falecido vivia, 123. Pelo que dependia economicamente do trabalho que exercia para a ré, 124. Que era a única fonte do seu rendimento (nesse sentido veja-se o doc. nº 8)” e citam ainda jurisprudência nesse sentido.
Terminam formulando os seguintes pedidos:
“NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO deve a presente ação ser julgada procedente por provada sendo a ré condenada a
a) Reconhecer que o acidente de que resultou a morte do piloto F… foi um acidente de trabalho;
b) Pagar á 1ª autora uma pensão anual e vitalícia a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, nos termos legais (art. 56 nº 2 Lei 98/2009);
c) Pagar á 2 e 3º autoras uma pensão anual, a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, até ao limite legal (art.60 nº 1 alínea c) da lei 98/2009);
d) Pagar ás autoras a quantia de € 5,561,42 € a título de subsídio por morte;
e) Ser a ré condenada no pagamento dos juros de mora a taxa legal;
(…)”

Citada, a Ré contestou alegando, em síntese e pelas razões que invoca, que celebrou com F… um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, motivo por que o acidente, que não põe em causa, não pode configurar um acidente de trabalho pelo qual a mesma seja responsável.

Citado, o Instituto da Segurança Social, IP veio, nos termos do artº 1º e 3º do DL nº 59/89, de 22/02, deduzir contra a Ré pedido de reembolso de prestações da Segurança Social (pensões de sobrevivência), no montante de € 10.619,92, acrescida do montante das pensões que vier a pagar até ao trânsito em julgado da presente acção, por força da sub-rogação legal prevista no artº 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro e nos termos do DL nº 59/89, de 22 de Fevereiro.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, consignando-se a matéria de facto assente e elaborando-se base instrutória, objecto das alterações consignadas na acta da sessão da audiência de discussão e julgamento de 18.05.2020.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento (sessões de 18.05.2020, 20.05.2020, 05.06.20208, 08.07.2010, esta com as alegações orais); nos termos e para os efeitos do despacho de 24.09.2020, a Mmª Juiz determinou a reabertura da audiência e a junção da documentação nele referida, ao que foi dado parcial cumprimento. E, aos 13.10.2020, as AA., para além do mais, juntaram o “Manual Procedimentos Combate de Incêndios Florestais” da Ré, documento esse cuja junção não foi admitida por despacho da Mmª Juiz de 23.11.2020, notificado aos mandatários das partes, via citius, com data de elaboração de 24.11.2020.

Aos 05.01.2021 o ISS juntou certidão actualizada relativa às prestações pagas.

Foi proferida resposta à base instrutória conforme consta da acta de julgamento de 07.01.2021, de que a A. reclamou, reclamação essa indeferida conforme despacho de 08.02.2021.

E, aos 26.04.2021, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido. Mais fixou à acção o valor de € 5.000,01.

Inconformadas, as AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:
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Com o douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, e julgada a acção provada e procedente e, consequentemente, a recorrida condenada nos pedidos, com as legais consequências, (…)”

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO (…), deve o recurso interposto pela Requerente, ora Apelante, junto do Tribunal a quo ser julgado improcedente, com as legais consequências.”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido: da improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e da existência de um contrato trabalho entre o sinistrado e a Ré. Mais refere o seguinte:
“Sem prejuízo do que se vem de expor, assiste também razão às recorrentes quando invocam as disposições do art.º 4.º, nº 1, alínea c) da lei 7/2009, de 12/2 e do art.º 3.º nº 2, da lei 98/2009.
Sobre esta questão, subscrevemos a doutrina do douto Ac. Rel. Porto de 19-04-2021, proferido no proc. n.º 1076/19.2T8VLG.P1 (2)[1]:
I O art.º 12.º do CT/03, na versão inicial, consagra uma presunção juris tantum, que ao operar importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte contrária o ónus de prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido (art.º 350.º/2 do CC); para que a presunção opere é necessário que cumulativamente se verifiquem os cinco requisitos enunciados nas alíneas a) a e), da norma.
II - Por efeito do disposto no art.º 12.º do CT/03, presumindo-se “que as partes celebraram um contrato de trabalho”, recaía sobre a Ré o ónus de prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido (art.º 350.º/2 do CC).
III - A extensão do regime de protecção de acidentes de trabalho consagrado na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, decorrente da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º7/2009, de 12 de Fevereiro, reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade.
IV – Demonstrado que existia por parte do sinistrado uma regularidade na prestação da actividade em benefício do Réu –ininterruptamente desde 1 de Dezembro de 2005, até ao dia 23 de janeiro de 2019, quando ocorreu o fatídico Acidente -, que estava inserido na estrutura organizacional da Ré, bem assim que o rendimento auferido da Ré representa uma parcela relevante para a composição do orçamento que constitui o suporte material da subsistência e modo de vida do agregado familiar do sinistrado, ainda que não se tivesse concluído pela existência de subordinação jurídica, pressuposto indispensável para se ter concluído estar-se perante uma relação de trabalho subordinado, sempre seria de concluir que existia subordinação (dependência) económica e, logo, que a situação em apreço se enquadraria na previsão do art.º 4.º n.º1,al. c), e art.º 10.º, da Lei 7/2009 (CT/09)”.
Conclui no sentido da procedência do recurso.
A Recorrida respondeu, discordando do mencionado parecer quanto à caracterização do contrato como contrato de trabalho, mais referindo o seguinte: “21. Por fim, no que toca à aplicabilidade do art. 3.º, n.º2 da Lei 98/2009, constata-se que apesar de ser alegada esta questão de ação ter sido superficialmente alegada, a verdade é que tal alegação não se encontra minimamente sequer reflectida no pedido, nem a título subsidiário, não tendo, como tal, sido alvo de discussão nos autos em sede de julgamento. 22. Aceitar uma modificação do pedido - que é disso que se trata - ainda que a título subsidiário, em sede de recurso, é claramente inadmissível. 23. Além disso, não estariam preenchidos os requisitos de que dependeria a aplicação de tal regime in casu.”.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
“Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos:
Confessados:
1.A Autora B… nasceu no dia 25 de fevereiro de 1968.
2.A Autora C… nasceu a 15 de maio de 1997, filha de F… e de B….
3.A Autora D… nasceu a 5 de outubro de 1999, filha de F… e de B….
4.F… faleceu no dia 20 de agosto de 2017, em …, …, Viseu, Portugal, em consequência da queda de um helicóptero (Airbus Helicopters …, nº serie …., matrícula …..),
5.Aeronave que estava a pilotar, numa missão de combate aos incêndios florestais, que a Ré exercia por força de contrato oneroso celebrado com o Estado Português, através da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
6.O Helicóptero em causa era Airbus Helicopters …, nº serie …., matrícula …..,
7.Segundo o relatório elaborado pela autoridade GPIAFF “No dia 20 de Agosto de 2017 ao final da manhã um helicóptero em missão de combate a incêndios florestais embateu com o rotor de cauda nas linhas de alta tensão, levando à separação do rotor de cauda e estabilizador vertical. A perda de controlo foi então inevitável e consequente a queda abrupta em rotação. Após o embate com o solo, de imediato deflagrou um violento incêndio que consumiu na totalidade a aeronave”.
8.Em consequência ocorreu a morte do piloto que ficou carbonizado.
9.Durante o horário o piloto ficava de prevenção dentro base e teria de pilotar o helicóptero em missões de combate aos incêndios quando solicitado pela proteção civil no âmbito do referido contrato celebrado entre a ANPC e a E….
10.Diariamente o piloto tinha de elaborar um relatório da atividade do dia que remetia ao diretor de operações da E…, o Comandante G… (indicando tempos de voo, combustível gasto, número da baldes e qualquer tipo de anomalia relevante que ocorresse).
11.A manutenção do helicóptero era feita pela E…, que dispunha de um mecânico que realizava o serviço no local.
12.Todos os dias no final do dia o piloto preenchia um formulário que remetia á Ré com o registo da sua atividade, nomeadamente: número de saídas, quantidade de baldes atirados sobre o incêndio, duração da missão, etc.
13.Todos os dias ao final do dia tinha uma conversa telefónica, ou enviava mensagem para o diretor de operações da Ré, a reportar a atividade diária.
14.Nos dias em que não estava de serviço e era substituído por outro piloto tinha de lhe passar o serviço, ou seja, dar nota do estado do helicóptero, sistemas de comunicações, etc.
15.Era a E… que elaborava a escala de serviços mensais que no final de cada mês enviava aos pilotos para ser aplicada no mês seguinte (e que continha os dias de serviço e as folgas).
16.O piloto dispunha de um ajudante que realizava tarefas de apoio, nomeadamente, colocava combustível e limpava o helicóptero.
17.A Ré entregava ao piloto um manual de operações da empresa E….
18.E um manual de procedimentos de combate aos incêndios florestais, por esta elaborado.
19.Antes do início da campanha a empresa faziam um briefing de 2 a 3 dias num local por si indicado para complemento do manual de operações de empresa e do manual de combate aos fogos.
20.Antes do inicio da campanha a E… dava formação aos pilotos, que era realizada nas instalações da E… no … do aeroporto …, na Maia, e que constava de programas CRM/crew resource management programs (interação com os GIIPS – militares da GNR que fazem o combate ao fogo),
21.De formação de uso e maneio de fogo controlado.
22.Dava treino de combate a fogos florestais e assegurava o exame correspondente.
23.E também dava formação aos seus pilotos, nomeadamente para fazer inspeções pré-voo e pós-voo, nomeadamente para permitir que estes verificassem o bom estado de funcionamento da aeronave
24.A Ré pagava mensalmente a F….
25.A E… pagou ao piloto F…, no ano de 2017, as seguintes quantias:
a.em Junho de 2017 pagou 3.200,00 € (sem IVA),
b.em Julho de 2017 pagou 9.200,00 € (sem IVA)
c.em Agosto de 2017 (até 20/08/2017 data acidente) pagou 6.400,00 € (sem IVA).
26.F… encontrava-se coletado como trabalhador independente, tendo como número de segurança social ……….. e o NIF ……….
27.A E… apenas celebrou um seguro de ocupantes do helicóptero, com uma seguradora estrangeira, em consequência do que as 2ª e 3ª Autoras, receberam uma indemnização, no montante de € 250.000,00, já paga.
28.A Ré celebrou com o Estado Português, a 7 de maio de 2013, um acordo designado por Contrato de Locação de 25 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros A) e de prestação dos correspetivos serviços de manutenção e de operação (lote 3 do concurso público nº 04/EMA/2012) junto aos autos a fls. 320 vº a 345, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29.O piloto F… emitia recibos verdes.
30.O piloto F… nunca gozou férias.
31.Nunca recebeu da Ré subsídio de férias e de Natal.
32.A Ré não pagava contribuições para a Segurança Social.
33.O Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões pagou e encontra-se a pagar pensões de sobrevivência, relativamente ao beneficiário nº ………../.., F….
34.Foram pagas pensões de sobrevivência, relativas ao período de abril de 2018 a junho de 2019, num total de € 10.619,92, como se segue:
a)à unida de facto B…, o valor de € 7.042,24, sendo o valor mensal atual de € 420,72;
b)à filha C…, no período de abril de 2018 a fevereiro de 2019e maio de 2019 a junho de 2019, o valor de € 1.772,12, sendo o valor mensal atual de € 104,32;
c)à filha D…, no período de abril de 2018 a junho de 2019, o valor de € 1.806,56, sendo o valor mensal atual de € 112,68.
Da resposta aos itens da BI:
35.A Autora B… vivia com o piloto F…, desde inícios de 1990 (resposta ao item 1º).
36.Altura em que iniciaram um projecto de vida em comum (resposta ao item 2º)
37.Com o propósito de constituir uma família e ter filhos (resposta ao item 3º).
38.Ajudando-se mutuamente (resposta ao item 4º).
39.Desde essa data passaram a coabitar, vivendo desde então sempre na mesma casa, com residência na Rua …, …, 1º, ….-… Porto (resposta ao item 5º).
40.Tendo criado as filhas referidas em 2) e 3) dos factos assentes (resposta ao item 6º).
41.Com quem sempre viveram (resposta ao item 7º).
42.Foi como casal que sempre educaram as filhas e conjuntamente exercerem as responsabilidades parentais (resposta ao item 8º).
43.A Autora B… e o seu companheiro F… sempre se apresentaram aos olhos de todos, nomeadamente família e amigos, como um casal (resposta ao item 9º). 44.As 2ª e 3ª Autoras encontravam-se em agosto de 2017 a estudar, frequentando o ensino, secundário e superior, respetivamente (resposta ao item 10º).
45.Atualmente a Autora C… frequenta o 2º ano curricular da licenciatura em Recursos Humanos do H… (resposta ao item 11º).
46.E a Autora D… frequenta o 1º ano do curso de Licenciatura em Fisioterapia do … (resposta ao item 12º).
47.Aquando do referido em 4), 5) e 6) dos factos assentes, F… pilotava o referido helicóptero por conta, no interesse da Ré E… (resposta ao item 13º).
48.Tal helicóptero era detido pela empresa E…, SA (resposta ao item 14º).
49.Em junho de 2017 a E… admitiu ao seu serviço F… (resposta ao item 15º).
50.Por acordo com a Ré E…, o F… permaneceria na base de … na qual se encontrava sediado um helicóptero da E… para o combate aos incêndios florestais (resposta ao item 16º).
51.Tal base não era fixa, podendo o piloto mudar de base de acordo com as necessidades e instruções da Ré E… (resposta ao item 17º).
52.O Autor cumpria um horário diário das 8h às 20h (até ao pôr do sol) (resposta ao item 19º).
53.Não podendo exceder as 12,00 horas por dia (resposta ao item 20º).
54.Exceto em situações de calamidade que pusessem em risco pessoas e bens, nomeadamente habitações (resposta ao item 21º).
55.Nas situações referidas em 21) o piloto ficaria para além daquele horário, mas teria de elaborar um relatório a justificar o motivo (resposta ao item 22º).
56.Relatório que o piloto teria de ser entregue á E…, aqui Ré (resposta ao item 23º).
57.O ajudante referido em 16) era alguém contratado Ré (resposta ao item 26º).
58.Os pilotos tinham de conhecer e cumprir os manuais referidos em 17) e 18) (resposta ao item 29º).
59.Os pilotos deveriam efetuar o preenchimento dos PSV e enviar até ao dia 8 do mês seguinte uma cópia via fax para a Ré (resposta ao item 30º)
60.Os pilotos que acordassem com a Ré o transporte do estrangeiro para Portugal e de Portugal para o estrangeiro das aeronaves eram remunerados à razão de € 400,00 por dia (resposta aos itens 33º, 34º e 35º).
61.Todos os treinos e formações eram feitos por pessoal da E… e, ou, por empresas contratadas por esta (resposta ao item 37º).
62.Todos estes cursos eram totalmente assegurados e pagos pela E… (resposta ao item 38º).
63.A E… pagava ao piloto € 400,00 (quatrocentos euros) por cada dia em que prestasse a sua atividade (resposta ao item 39º)
64.Desde a data referida em 15) F… não exerceu qualquer outra actividade (resposta ao item 40º).
65.Vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela E… (resposta ao item 41º).
66.Que constituíam a sua única fonte de rendimento (resposta ao item 42º).
67.Sendo este também a principal fonte de rendimento do agregado familiar, constituído pela aqui Autoras (resposta ao item 43º).
68.O piloto não se podia fazer substituir no seu trabalho, nem recorrer a substitutos ou auxiliares (resposta ao item 46º). [Adiante alterado]
69.A missão desenvolvida pela Ré, na qual o piloto F… prestava serviços, estava relacionada com o serviço de combate aos incêndios (resposta ao item 48º)
70.Que ocorria, principalmente, nos meses de junho, julho, agosto e setembro (resposta ao item 49º).
71.Para a realização destas missões, a Ré contava com pilotos integrados na sua estrutura (resposta ao item 50º)
72.E que trabalhavam sob ordem e direcção da Ré (resposta ao item 51º).
73.Além destes pilotos, durante a época de combate aos incêndios, a Ré celebrava acordos verbais com outros pilotos que vinham auxiliar na missão de combate aos incêndios (resposta ao item 52º).
74.A Ré, para preparar a missão de combate aos incêndios, que ocorre nos meses de junho, julho, agosto e setembro, contactava diversos pilotos no sentido de saber se os mesmos estavam disponíveis para cooperar com aquela durante o referido período (resposta ao item 53º).
75.Estes pilotos estavam sujeitos à realização de testes de aptidão (resposta ao item 54º).
76.A Ré ministrava aos pilotos formação relacionada com o tipo de actividade a desenvolver (resposta ao item 62º).
77.E fazia um briefing de 2 a 3 dias, antes do início da missão, cujo objectivo era consolidar os conteúdos objecto da formação (resposta ao item 63º).
78.E entregava um manual de operações e um manual de procedimentos de combate aos incêndios, os quais continham as matérias objecto da formação (resposta ao item 64º).
79.A actividade da Ré é de combate aos incêndios cujo fim último é a protecção das populações que todos os anos vêem os fogos florestais chegar às suas portas (resposta ao item 65º).
80.As formações dadas aos prestadores de serviços têm como objectivo garantir, a sua segurança e a das populações (resposta ao item 66º).
81.Bem como a adequada articulação entre as entidades envolvidas na missão de combate aos incêndios (resposta ao item 67º).
82.A formação destina-se à interacção com os militares da GNR e outras entidades que combatem os incêndios (resposta ao item 68º).
83.Finda a fase da formação, os pilotos fariam parte de uma “bolsa” da empresa e seriam chamados a prestar o serviço de combate aos incêndios de acordo com a disponibilidade que apresentassem (resposta ao item 73º). [Adiante eliminado]
84.Normalmente, a Ré fazia um planeamento quinzenal da sua actividade num documento denominado “escala”, o qual indicava as datas em que iriam prestar serviços (resposta ao item 74º). [Adiante eliminado]
85.Este planeamento era feito de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos (resposta ao item 75º). [Adiante alterado]
86.Cabendo-lhes indicar o período em que pretendiam prestar o serviço (resposta ao item 76º). [Adiante eliminado]
87.Caso não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço (resposta ao item 77º). [Adiante alterado]
88.Era prática comum que os pilotos disponíveis substituam os que se encontram de escala, a pedido destes (resposta ao item 78º). [Adiante alterado]
89.Sem que a Ré tenha de autorizar a substituição (resposta ao item 79º). [Adiante eliminado]
90.O local de prestação do serviço era definido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (abreviadamente ANPC) (resposta ao item 80º). [Adiante alterado]
91.Era a ANPC que detinha o controlo das operações, definindo as bases onde deveriam estar os pilotos, e o horário em que estariam presentes (resposta ao item 81º). [Adiante alterado]
92.Apesar do horário ser definido como das 8h:00m às 20h:00m, sofria alterações, podendo inclusive alongar-se para além desse período (resposta ao item 82º).
93.Sempre por decisão da ANPC (resposta ao item 83º).
94.A base onde prestava a sua atividade, é detida pela ANPC (ou do Estado Português) (resposta ao item 84º).
95.E encontra-se totalmente equipada para desenvolver a actividade de combate aos incêndios (resposta ao item 85º). [Adiante alterado]
96.Podendo a mesma receber elementos da GNR, dos bombeiros ou de qualquer outra entidade que esteja envolvida nesta missão (resposta ao item 86º).
97.As aeronaves são os meios mais eficazes para combater os fogos, sendo imprescindível a sua participação (resposta ao item 87º).
98.As aeronaves – helicópteros pilotados pelo F… – apenas podem combater os fogos quando há visibilidade (resposta ao item 88º).
99.O que não acontece de noite (resposta ao item 89º).
100.As aeronaves têm de estar disponíveis o maior número de horas possível (resposta ao item 90º).
101.Tendo quem as manobra de estar disponível durante aquele horário (resposta ao item 91º).
102.Ainda que o mesmo possa ser alterado, pela ANPC, de acordo com as condições do dia e as necessidades (resposta ao item 92º).
103.A Ré pagava ao piloto € 400,00 por cada dia em que este estivesse disponível para voar (resposta aos itens 94º e 95º).
104.Ficando mais horas a trabalhar, por exigência da ANPC, não receberia qualquer valor adicional (resposta ao item 96º).
105.Caso faltasse ao serviço, fosse pelo motivo que fosse, não receberia a contrapartida (resposta ao item 97º).
106.O polo era entregue ao piloto F… e aos “contratados em regime de prestação de serviços” para não terem de sujar as suas roupas (resposta ao item 98º). [Adiante eliminado]
107.Não estando obrigados a utilizá-lo (resposta ao item 99º). [Adiante eliminado]
108.A farda da empresa, utilizada pelos seus trabalhadores, era um fato de voo (resposta ao item 100º).
109.Estando estes obrigados ao seu uso (resposta ao item 101º). 110.O qual não era utilizado pelo piloto F… (resposta ao item 102º).
111.As bases dispunham de um telemóvel de serviço (resposta ao item 103º). [Adiante alterado]
112.Que não podia ser retirado de lá (resposta ao item 104º).
113.O piloto F… havia prestado serviços à Ré durante os meses de durante os meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2013, junho, julho, agosto e setembro de 2014 (reposta ao item 105º).
114.Emitiu recibos verdes (resposta ao item 107º).
115.Não recebeu qualquer subsídio (resposta ao item 108º).
116.Nem teve direito a férias (resposta ao item 109º).
117.Noutros anos, que não os referidos em 105), o piloto F… prestou serviços a outras empresas do sector (resposta ao item 110º).
118.Os relatórios entregues no final do dia pelo piloto F… destinavam-se ao controlo e manutenção da aeronave (resposta ao item 111º)
119.A operação era dirigida pela ANPC (resposta ao item 113º).
120.A ANPC determinava o momento em que o piloto deveria levantar voo (resposta ao item 114º).
121.Uma vez no ar, cabia ao piloto, de acordo com a sua experiência, prestar o serviço de combate ao incêndio que se verificasse naquele momento (resposta ao item 115º).
122.Era o piloto F… que decidia a altura do voo, onde ia buscar água, e onde largava essa mesma água que ia buscar (resposta ao item 116º).”
[Adiante serão aditados aos factos provados os nºs 123 e 124]
***
III. Fundamentação

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
São, assim, as questões suscitadas pelas Recorrentes:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a Ré é responsável pela reparação, nos termos da Lei 98/2009, de 04.09, dos danos emergentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, concretamente porque: i) a relação contratual existente entre ambos consubstancia um contrato de trabalho; ii) ou, se assim não for entendido, por virtude da dependência económica do sinistrado perante a Ré.
Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, há que apreciar da reparação devida às AA. e do reembolso à Segurança Social das pensões de sobrevivência por esta reclamado.

1.2. Há que dizer que não é posta em causa: a ocorrência do acidente sofrido, aos 20.08.2021, por F…, as circunstâncias e modo da sua ocorrência [quando pilotava helicóptero em missão de combate a incêndio florestal que a Ré exercia por força de contrato celebrado com o Estado Português/ Autoridade Nacional de Protecção Civil/ANPC]; o nexo de causalidade entre tal acidente e a morte; que a Ré não tinha transferido, para seguradora, a responsabilidade, prevista na Lei 98/2009, de 04.09, decorrente de acidente de trabalho de que aquele fosse vítima; e a retribuição de €400,00 por cada dia de trabalho.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

As recorrentes impugnam as respostas dadas aos quesitos 16, 18, 24, 25, 27, 28, 31, 32, 44, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85 e 98 da base instrutória.
As mesmas, salvo no que toca à impugnação das respostas dadas aos quesitos 44, 82, 83 e 84, deram cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e nº 2, al. a), do CPC/2013.
Quanto à impugnação das respostas aos mencionados quesitos 44, 82, 83 e 84, ainda que hajam dado cumprimento aos demais, não deram, contudo, cumprimento ao requisito previsto na al. c), do nº 1 do citado preceito, nos termos do qual “1. Quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar: a) (…); b) (…); c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Com efeito, seja nas conclusões do recurso, seja nas alegações, as Recorrentes não indicam as concretas respostas que, em seu entendimento, deveriam ter sido dadas.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…).d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
E também no Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, se entendeu, conforme respectivo sumário, que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.
Assim, no que se reporta às respostas dadas aos quesitos 44, 82, 83 e 84, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto, procedendo-se, de seguida, à reapreciação dos demais pontos impugnados.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pelas testemunhas invocadas pelas Recorrentes e por elas arroladas, I… (sessão de 18.05.2020), piloto de helicópteros, tendo prestado a sua actividade para a Ré nos anos de 2015 e 2016, e J… (sessão de 18.05.2020), militar da GNR, chefe de equipa no CMA de … em 2017 (e desde data anterior) do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS). E procedeu-se também à audição integral dos depoimentos prestados pelas testemunhas: K… (sessão de 18.05.2020), mecânico de aeronaves, trabalhador da Ré desde 2014, arrolada pelas AA; O… (sessão de 20.05.2020), secretária e administrativa da Ré, para quem trabalha desde 2014, testemunha comum às AA. e Ré; L… (sessão de 05.06.2020), piloto de helicópteros, tendo prestado a sua actividade para a Ré nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, arrolada pelas AA; M… (sessão de 05.06.2020), piloto de helicópteros, tendo trabalhado para a Ré (com contrato de trabalho) de 2011 a 31.12.2019, tendo aí exercido as funções de chefe de pilotos (e, no último ano, de director de operações), arrolado pela Ré; N… (sessão de 05.06.2020), piloto de helicópteros, trabalhando para empresa concorrente da Ré, arrolada por esta.

2.1. Passando à apreciação da impugnação

Do quesito 16 consta que “16.Ficando este, e por determinação da E…, obrigado a permanecer na base de Armamar na qual se encontrava sediado um helicóptero da E… para o combate aos incêndios florestais?”, o qual foi objecto da resposta restritiva constante do nº 50 dos factos provados: “50.Por acordo com a Ré E…, o F… permaneceria na base de … na qual se encontrava sediado um helicóptero da E… para o combate aos incêndios florestais (resposta ao item 16º).”, pretendendo as Recorrentes que a resposta seja alterada para a seguinte: “Ficando este preferencialmente por acordo, mas se tal não fosse possível era a E… que colocava o piloto na base na qual se encontrava sediado um helicóptero da E…, para o combate aos incêndios florestais”.
Sustentam a alteração no depoimento da testemunha I…, o qual, nos excertos que invoca:
À pergunta “Vocês ficam obrigados a serem colocados numa base?”, respondeu “Afirmativo”. E á pergunta “Quem é que diz qual é a base para onde vocês vão?, respondeu “Normalmente é o diretor de operações de voo da empresa”. À pergunta feita pelo mandatário da ré (no trecho 1.10:26) se a base para onde os pilotos iam era escolhida por acordo a testemunha respondeu: “A empresa é soberana, eu digo: “Dá-me mais jeito alí perto de casa.” “Está bem, eu vou ver o que posso fazer.” Saí a escala e eu tenho de ir para o Algarve. E vou”.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido o seguinte:
c)na resposta aos itens 15º a 17º, teve o Tribunal por base o depoimento da testemunha O…, funcionária da Ré, desde junho de 2014, exercendo inicialmente funções de secretariado e agora de administrativa e Recursos Humanos, já atrás identificada.
A testemunha mostrou-se, face às funções exercidas na Ré, conhecedora dos factos sobre que depôs, prestando o depoimento de forma clara, concisa e esclarecedora.
A testemunha descreveu a relação existente entre o Sr F… e a Ré que teve o seu início na campanha de 2014.
A testemunha esclareceu que a campanha se situa entre junho e setembro de cada ano, altura em que há mais fogos.
Assim, por volta de maio de 2017 entrou em contacto com todos os pilotos para pedir IBAN, designadamente com o Sr F….
A testemunha referiu que os pilotos indicavam a sua disponibilidade, designadamente os da força aérea e do exército, podendo trabalhar menos ou mais dias/horas. Referiu ainda que havia preferências por bases, podendo os pilotos demonstrar tais preferências, para estar perto de casa, porque podiam voar mais, sendo depois o comandante G… que, decidia.
A testemunha referiu ainda que os pilotos, por conveniência de serviço, porque havia mais fogos ou porque estavam a chegar ao limite das horas de serviço permitidas, poderiam ser mudados de base, mas eram ouvidos e atendia-se à sua vontade.”
O quesito em causa tinha por objecto a concreta situação do sinistrado e não a prática que, no que toca à colocação dos pilotos nas bases, era seguida pela Ré, e sendo que, no caso, nada resulta no sentido de que a colocação do sinistrado na base de … não haja ido ao encontro da sua vontade e/ou dela haja discordado e/ou manifestado à Ré essa discordância, sendo que dos depoimentos de I…, como do de O…, resulta que, se possível, as preferências dos pilotos, ligadas em regra à proximidade da residência, eram atendidas, só não o sendo se tal não se mostrasse possível, tanto mais, por um lado, que a distância entre Porto e … não é de tal modo grande que se pudesse presumir que não teria merecido o seu acordo e, por outro, que a vontade dos pilotos “sazonais”, como o era o sinistrado, que apenas prestam a sua actividade nas “campanhas” de combate aos fogos nas épocas de maior risco [de junho a Setembro] é a de poderem exercer a sua actividade, e sendo que, no caso, certo é que aquele prestou a sua actividade, pelo que aceitou essa prestação, na base de ….
E por outro lado, nem se compreende a razão de ser da alteração pretendida pelas Recorrentes, sendo certo que, no nº 51 dos factos provados, já foi dado como provado que “51.Tal base não era fixa, podendo o piloto mudar de base de acordo com as necessidades e instruções da Ré E…”.
Improcede, pois e nesta parte, a impugnação aduzida.

Dos quesitos 18 e 24 consta “18.Na base permanecia F… cerca de 20 dias, ininterruptamente?” e “24.Findos os 20 dias de trabalho ininterrupto F… sousa descansava sete dias e depois regressava para novo período de 20 dias?”, os quais foram dados como não provados, entendendo as Recorrentes que deverá dar-se como provado que: “18. na base permanecia o piloto F… um período de dias seguidos, que por regra neste tipo de trabalho era cerca de 20 dias” e “24. findo o período de dias de trabalho seguido, o F… descansava um período de cerca de 6 a 7 dias, e depois regressava para novo período de dias de trabalho seguidos”.
Sustentam a impugnação nos depoimentos de I… e J…, bem como na lista das escalas, referindo que:
- I…, nos excertos que invoca: “à pergunta “Qual é esse serviço que vocês se disponibilizam para fazer?”, respondeu: É cumprir cerca de 20 dias de trabalho numa base atribuída, do nascer ao pôr do sol, mas no período máximo de 12 horas por dia, e cumprir com a missão que é ir apagar os incêndios assim que formos determinados para isso” ; á pergunta “Nestes períodos de 20 dias de trabalho seguido de 7 dias de descanso, isto é... respondeu: “É o standard das empresas”.
- J…, no excerto que invoca, disse que o sinistrado “praticamente estava a tempo inteiro na base. Ele era... portanto, ao fim de X dias aquilo que aconteceu a todos os pilotos, ao fim de uns X dias ele era substituído para fazer uma pausa de descanso por causa das horas que fazia de vôo, ou pelos dias que fazia de vôo. Era substituído e depois do período de descanso voltava outra vez para a base e fazia outra vez o mesmo período de dias na missão.”
- E da lista de escalas verifica-se que o sinistrado, no ano de 2017, “trabalhou em … em 23 dias seguidos, apenas interrompidos por um período de 15 dias, dia 8 ao dia 15, em que foi substituído pelo piloto P…, findo o qual o piloto F…, regressou á base, tendo trabalhado ininterrupta, ente até 20 de Agosto, dia em que ocorreu o fatídico acidente.”
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, foi referido o seguinte: “na resposta aos itens 18º e 24º, teve o Tribunal por base os documentos juntos aos autos a fls. 279 a 281, a saber, as escalas de trabalho para cada um dos pilotos, sendo certo que em relação ao Sr F… (piloto nº 22) pode ver-se que o mesmo nunca esteve escalada para 20 dias seguidos.”.
A Ré, com o requerimento de 23.12.2019 e na sequência de solicitação das AA. e determinação do Tribunal, juntou aos autos as escalas de serviço dos meses de junho, julho e agosto de 2017, que não foram impugnadas e com as quais a testemunha O… foi confrontada e sobre elas depôs. E, dessas escalas, decorre que o sinistrado, que era o piloto nº 22 [com excepção de 3 localidade das 10 indicadas na escala de junho de 2017, no período de 1 a 14 de junho não consta nenhum piloto de escala e, na localidade de onde consta ter o sinistrado estado de escala a partir de 23 de junho, consta um outro piloto, de escala, de 15 de junho a 22 de junho]: trabalhou nos dias 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 de junho, 1, 2, 3 4, 5, 6 e 7 de julho, teve um período de descanso nos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 de julho, trabalhou nos dias 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de julho, teve um período de descanso nos dias 1, 2, 3 e 4 de agosto e trabalhou nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de agosto, esta a data do trágico acidente que o vitimou.
Acresce que os mencionados dias de trabalho estão em consonância com os valores pagos ao sinistrado referidos no nº 25 dos factos provados [à razão de €400 por dia de actividade/trabalho, bastando dividir o montante pago por €400,00].
Ou seja, resulta do referido que o sinistrado, no período de 23 de junho de 2017 a 20 de agosto de 2017: esteve de escala e prestou a sua actividade 15 dias (de 23 de junho a 7 de julho), a que se seguiram: 8 dias de descanso (de 8 a 15 de julho), 16 dias em que esteve de escala e prestou a sua actividade (16 de julho a 31 de julho), 4 dias de descanso (1 a 4 de agosto) e 16 dias em que esteve de escala e prestou a sua actividade (de 5 de agosto a 20 de agosto, este o dia do acidente). Daí que a leitura que as Recorrentes fazem dessas escalas (“trabalhou em … em 23 dias seguidos, apenas interrompidos por um período de 15 dias, dia 8 ao dia 15, em que foi substituído pelo piloto P…, (…)” – sublinhado nosso) não seja correcta, pois que se o período foi interrompido, como foi, já não são 23 dias seguidos.
Mas, nas respostas aos quesitos 18 e 24 deveria a Mmª Juiz, face às referidas escalas e ao depoimento de O…, ter dado resposta restritiva e explicativa com indicação dos dias em que o sinistrado esteve de escala e trabalhou e os dias de descanso, e não, como o fez, limitando-se a dar os quesitos como não provados.
Assim, alterando-se as respostas aos quesitos 18 e 24, adita-se à matéria de facto provada o nº 123 com o seguinte teor:
123. O sinistrado, no período de 23 de junho de 2017 a 20 de agosto de 2017, trabalhou nos dias 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 de junho, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 de julho, teve um período de descanso nos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 de julho, trabalhou nos dias 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de julho, teve um período de descanso nos dias 1, 2, 3 e 4 de agosto e trabalhou nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de agosto.

Do quesito 25 consta “25.A atividade relacionada com o uso do helicóptero era feita sob orientação da E… que definia as regras e dava as orientações que o piloto tinha de seguir?”, o qual foi objecto da resposta de não provado, pretendendo que seja dado como provado.
Para tanto, diz que a sentença recorrida confundiu a matéria constante desse ponto com a “autonomia técnica e operacional do piloto quando está aos comandos da aeronave (só aí é que ele é soberano, e isto para qualquer piloto e qualquer que seja a relação contratual de trabalho), e também com a noção de comando tático do CNOS/ANPC através do respectivo CNA, como resulta da clausula 10ª do Contrato de Locação da Aeronaves já referido” e, bem assim, que “não é ao domínio tático da operação que nos referimos mas sim á obrigação, que era a contrapartida do pagamento efectuado, de permanecer na base, cumprindo o manual de procedimentos da E…, enviando os relatórios e informações que esta determinava, permanecendo na base, e dentro do espaço que nesta estava reservado á E…, e usando o equipamento e material de escritório e informático que esta fornecia ao seu piloto naquela base.”
Invoca ainda o depoimento da testemunha I…, de cujo excerto resulta que a Ré “ali possuía um espaço para que o piloto descansasse e para guardar o material que era ali colocado no início da campanha e que no final regressava no helicóptero”.
E invoca também o Manual de Procedimentos da Ré, designadamente o seu ponto 6.8.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi, pela 1ª instância, referido o seguinte:
“f)na resposta ao item 25º teve o Tribunal por base, para o dar como não provado, o depoimento testemunha M…, piloto, com domicílio profissional no …, Lote ., Aeroporto…, ….-… Maia e que trabalhou na Ré desde setembro de 2011 até 31 de dezembro de 2019, começou como chefe de pilotos e no ultimo ano exerceu as funções de diretor de operações, tendo sido despedido, aceitando a extinção do vinculo, que referiu que as operações de combate ao fogo são determinadas pela ANPC – Autoridade Nacional de Proteção Civil, sendo esta que define o local da prestação do serviço, que detém o controle das operações, definindo as bases em que os pilotos deveriam estar, os horários, o prolongamento dos horários. Deste depoimento foi ainda possível aferir que, dentro da aeronave e enquanto em missão de combate ao fogo, o piloto é soberano, cabendo-lhe tomar as decisões necessárias àquela.”
À decisão da matéria de facto deverão ser levados factos concretos, e não matéria conclusiva, vaga ou genérica e/ou obscura ou ambígua, de onde não resulte, com clareza, o seu conteúdo e/ou que este possa ser objecto de diferentes leituras.
Ora, no caso, o quesito 25º é conclusivo, vago e genérico, na medida em que não se concretizam as regras e orientações que o piloto teria que seguir. Aliás, que assim é, decorre até da própria fundamentação da impugnação aduzida pelas Recorrentes que parte ou remete para outra concreta factualidade no sentido de preencher o conteúdo desse quesito e de o dar como provado (obrigação de permanência na base, de cumprimento do Manual de Procedimentos, de envio de relatórios e informações, espaço, na base, destinado à Ré, equipamento e material desta), alguma da qual já dada como provada.
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação pretendida.

Dos quesitos 27 e 98 consta que “27.O piloto quando estava em serviço, tinha de vestir um polo que era fornecido pela ré e no qual estava bordava a inscrição E…?” e “98.O pólo era entregue ao piloto F… e aos “contratados em regime de prestação de serviços” para não terem de sujar as suas roupas?”.
O primeiro (27) foi dado como não provado, pretendendo as Recorrentes que seja dado como provado;
O segundo (98), foi dado como provado, correspondendo ao nº 106 dos factos provados, pretendendo as mesmas que seja dado como não provado.
Sustentam a alteração no depoimento da testemunha I… que “disse que embora não existisse uma obrigação estrita (ou escrita?) no sentido de serem obrigados a andar com o polo a verdade é que se o diretor de operações de voo soubesse que o piloto não estava a usar o elemento identificativo da empresa “ficava chateado e podia-nos até sancionar de alguma forma”. Mais referiu que as empresas só não forneciam o fato anti-fogo porque era caro, obrigação que depois passaram a assumir. A explicação de que o polo – com logótipo da E… - era usado para o piloto não sujar a roupa, não deve ser acolhida por irrazoável e destituída de senso lógico.”
Importa, previamente, referir que, do nº 107 dos factos provados, que corresponde à resposta dada ao quesito 99, reportando-se ao polo, consta que “107. Não estando obrigados a utilizá-lo”, facto este que não foi expressamente impugnado pelas Recorrentes. Não obstante, e na medida em que impugnam a resposta dada ao quesito 27 (nº 98 dos factos provados) e deste resultando uma imposição do seu uso [“(…) tinha de (…)”], impõe-se concluir que também aquele – nº 127 - se encontra, tacitamente, abrangido pela impugnação, sob pena de uma eventual alteração da resposta ao quesito 27º (nº 98 dos factos provados) ficar em contradição com o resposta ao quesito 99 (nº 107 dos factos provados).
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi, pela 1ª instância, referido o seguinte:
“h)na respostas aos itens 27º, 98º a 102º teve o Tribunal por base o depoimento das testemunhas I…, L…, J…, O… e M…, testemunhas já atrás identificadas.
Destes depoimentos pode o Tribunal aferir que, apesar de serem distribuídas pela Ré ao Sr F… polos, aquando da sua admissão, não havia uma imposição de o usar, nem havia qualquer consequência para o mesmo pelo seu não uso.
Destes depoimentos resultou ainda que os pilotos com contrato de trabalho usavam farda de voo e eram obrigados ao seu uso.”
Que os polos eram entregues pela Ré aos pilotos contratados, segundo ela, como prestadores de serviços, para a época de junho a setembro de 2017, não merece dúvida.
O referido pela testemunha I… corresponde, efectivamente, ao alegado pelas Recorrentes. Não obstante, a mencionada testemunha não concretizou a forma como poderiam os pilotos ser “sancionados”, nem desse depoimento decorre que, mais do que uma recomendação, houvesse uma obrigatoriedade ou expressa imposição dessa utilização. J… corroborou a existência dos polos, mas não se pronunciou sobre a obrigatoriedade do seu uso. O… referiu que o polo era fornecido, mas que os pilotos nem sempre usavam, chegou a ir a bases, tendo encontrado pessoas com o polo e outras sem ele. L… referiu que tinham que usar o polo de acordo com o manual da empresa; M… referiu que na formação que era ministrada “aconselhávamos” que usassem o polo, que diziam que “ficava mal chegar alguém à base, um general, um coronel, ver toda a gente uniformizada, menos o piloto; não castigávamos, dizíamos que ficava mal, percebiam e usavam”; K…, à pergunta sobre se era obrigatória a utilização do polo, referiu que “não, havia uns que tinham fato de voo”; que não conhece nenhum piloto que se tenha recusado a utilizar o polo.
Do “MANUAL DE PROCEDIMENTOS DE COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAISda Ré de 20.04.2017, junto pelas AA. com a petição inicial e que era aplicável também, como dele resulta (e , bem assim, do nº 78 dos factos provados), aos pilotos vinculados, segundo a Ré, por “contrato de prestação de serviços”, consta, no ponto 6.8. al. ee), como competências do piloto comandante o seguinte:
“6.8. PILOTO COMANDANTE.
Depende diretamente do DOV, e sendo o representante da E… na base a esta atribuída, é o responsável máximo pela condução de toda a operação na base para a qual foi destacado, durante o período de permanência na mesma. Para que a operação se possa desenrolar de uma forma segura e eficaz ao piloto comandante compete:
(…)
ee) Garantir que todos os trabalhadores da E… na base a si atribuída se encontram uniformizados.”.
Diga-se que as AA., com o requerimento de 13.10.2020, juntaram um outro “MANUAL DE PROCEDIMENTOS DE COMBATE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS, requerimento esse no qual, segundo dizem, constaria, no ponto 6.8., al.dd), que o “piloto comandante (como era o caso do falecido F…) estava ainda obrigado a (…) manter-se uniformizado com o polo E…”, tendo a Ré, em reposta a tal requerimento, referido que esse Manual é um outro Manual que não o de 2017 e que havia sido junto com a p.i., sendo que deste, de 2017, já não consta tal obrigação.
A Mmª Juiz, por despacho de 23.11.2020, não admitiu a junção do dito “Manual”, apresentado pelas AA. com o requerimento de 13.10.2020, pelo que a ele não se poderá atender, sendo que dos autos consta, junto pelas AA., o Manual de abril de 2017 e que, à data da vinculação do sinistrado que está em causa nos autos (junho a Setembro de 2017), era o aplicável.
É certo que do “Manual” junto com a p.i., de Abril de 2017, apenas consta a al. ee) acima transcrita, sendo que a mesma faz referência aos “trabalhadores” e a que se devem encontrar “uniformizados”.
Não obstante:
Da referida prova não decorre que os polos com o logotipo da Ré fornecidos ao sinistrado e a outros contratados sob a designação, segundo a Ré, de “prestação de serviços”, o hajam sido “para não terem de sujar as suas roupas”, o que não foi referido pelas mencionadas testemunhas, nem resulta do mencionado Manual de Procedimentos.
Por outro lado, do referido Manual decorre que ao piloto comandante, como o era o sinistrado (era o único piloto na base), competia garantir que todos os “trabalhadores” se encontrassem “uniformizados”. Se é certo que a expressão “trabalhadores” está mais ligada à existência de um contrato de trabalho e não aos designados “prestadores de serviço”, o certo é que a utilização de tal expressão não pode deixar de ser entendida em sentido amplo (e a utilização, ainda que apenas de um polo, não deixa de ser um “uniforme”). E, isso, porque não só tal Manual tem como destinatários todos quantos trabalhem por conta da Ré, como não faria qualquer sentido que o piloto/comandante, obrigado que estava a zelar por que todos os “trabalhadores” estivessem “uniformizados”, estivesse ele próprio dispensado de usar o polo, este o “uniforme” que era fornecido pela Ré.
E, por outro lado, no sentido da necessidade, por indicação da Ré, desse uso aponta também o depoimento de M…, de acordo com o qual, embora não tenha dado tanta enfâse à “imposição” do seu uso e dito que não “castigavam” ninguém por não o utilizaram, referiu contudo que o mesmo era aconselhado, que “dizíamos que ficava mal chegar à base um general, um coronel, ver toda a gente uniformizada, menos o piloto” e que todos percebiam e usavam, assim como K… referiu não conhecer ninguém que o não utilizasse.
E também não faz sentido que a Ré fornecesse os polos, mas que os destinatários não tivessem que os utilizar, posto que, como já referido, não decorre, minimamente sequer, da prova que os mesmos se destinassem a evitar que o piloto sujasse a roupa.
Assim, entende-se ser de:
- Alterar a resposta ao quesito 27 e, consequentemente, aditar à matéria de facto provada o nº 124, com o seguinte teor:
124. O piloto, quando estava em serviço, devia, por indicação da Ré, vestir um polo que era por esta fornecido e no qual estava bordada a inscrição E…”;
- Dar como não provados os quesitos 98 e 99 e, consequentemente, eliminar os nºs 106 e 107 dos factos provados.

Do quesito 28 consta “28.E usava um telemóvel que era fornecido pela empresa aqui Ré?”, o qual foi objecto da resposta de não provado, pretendendo as Recorrentes, nas alegações, que seja dado como provado que “a empresa fornecia um telemóvel para que o piloto pudesse usar enquanto estivesse na base” e, na conclusão 14, que esse quesito seja dado como provado [as respostas pretendidas não são absolutamente idênticas, mas o sentido é o mesmo].
Sustenta a impugnação no depoimento da testemunha I…, que referiu que “a empresa entregava na base um computador, um iPad, uma impressora, porque é necessário imprimir uma série de documentação, vassouras... mangueiras para lavar o helicóptero, material que é entregue no início da campanha para estar à disposição do piloto. Ora esse material só pode ser destinado o piloto, pois só ele e o ajudante tinham acesso ás instalações da E… na base. Assim sendo, é irrelevante se o piloto F… de facto usava esse aparelho ou o seu telemóvel pessoal, e para comunicar com a empresa. O que é relevante é que a E… colocava á disposição do piloto vários materiais, complementares ao exercício da função principal (que era voar), mas igualmente necessários ao cabal desempenho da sus funções.”
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi, pela 1ª instância, referido o seguinte:
“i)na resposta ao item 28º, não lograram as partes convencer o Tribunal no sentido de lhe responder afirmativamente, uma vez que do depoimento das testemunhas I…, L…, J…, O… e M…, já atrás identificadas, resultou que existir um telefone na base e que, normalmente, no exercício da sua atividade os pilotos usavam os telemóveis próprios.”
Há que salientar que o quesito em causa se reporta ao telemóvel e não a outros materiais.
Por outro lado, com esta matéria, se prende o nº 111 dos factos provados (resposta ao quesito 103), do qual consta que “As bases dispunham de um telemóvel de serviço (resposta ao item 104º)”.
Da prova produzida, indicada na fundamentação do mencionado ponto, decorre, no essencial (salvo, em parte, o depoimento de L…) que a Ré fornecia um telemóvel de serviço, não resultando dessa prova que se tratasse da atribuição de um telemóvel para uso pessoal, nem de um telemóvel fornecido e/ou do Estado/ANPC.
I… referiu que existia um telemóvel fornecido pela Ré para enviar mensagens no fim do dia, para tratar de algum problema, para contactar a empresa. J… referiu que todos os pilotos tinham um telemóvel de serviço da empresa e que o sinistrado falava muitas vezes com representantes da empresa, por exemplo, sobre questões relativas à manutenção do helicóptero. O… referiu que cada base tinha um telemóvel que estava na base. L… que havia um telefone de serviço na base e, mais adiante, que nas bases em que está um mecânico havia um telemóvel, se não houvesse mecânico “usávamos o nosso próprio telemóvel”; M…, que havia um telemóvel na base.
A alegação dos factos pelas partes deve ser precisa e clara por forma a evitar que o seu conteúdo possa ser objecto de diferentes leituras ou de dificuldades na sua percepção ou, dito de outra forma, de modo a evitar ambiguidades ou obscuridades. E se o não forem, o Juiz, na decisão da matéria de facto, deve proceder aos necessários esclarecimentos.
E nessa ambiguidade ou obscuridade cai, ou poderia cair, a alegação da Ré ao dizer que “as bases dispunham de um telemóvel de serviço” [sublinhado nosso] e sem especificar que esse telemóvel fosse fornecido pela Ré. Naturalmente que as “bases”, que são do Estado/ANPC, terão um ou mais telemóveis ou telefones, mas são do Estado/ANPC. E não são estes, naturalmente, os que estão, ou deveriam estar, em causa nos autos, como a alegação e resposta poderiam induzir. O que está em causa é um telemóvel que seja fornecido pela Ré e utilizado pelo sinistrado. A formulação ampla do nº 111, pode ou poderia, pois, suscitar a dúvida sobre se seria a ANPC ou a Ré quem fornecia o telemóvel de serviço, uma vez que a “base” é composta por um conjunto de instalações afectas, não todas elas, à Ré (esta dispunha de uma divisão, nas instalações da base), mas ao Estado/ANPC.
Assim, entendemos que a Mmª juiz deveria ter dado uma resposta conjunta aos quesitos 28 (em vez de se limitar a dá-lo como não provado) e 103 (nº 111 dos factos provados) e, esta, melhor explicitada por forma a evitar ambiguidade ou obscuridade, assim se alterando o nº 111 dos factos provados (e, em conformidade, as respostas aos quesitos 27 e 103), passando a ser a seguinte:
111. As bases, incluindo a base onde o sinistrado prestava a sua actividade, dispunham de um telemóvel de serviço fornecido pela Ré, para que os pilotos o pudessem utilizar quando estivessem na base.

Dos quesitos 31 e 32 consta que “31.O piloto G…, assim como os colegas pilotos, estavam integrados na organização da Ré?” e “32.Não atuando de forma isolada ou autónoma em relação a esta?”, os quais foram dados como não provados, pretendendo as Recorrentes que sejam dados como provados.
Sustentam as alterações nos nºs 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20 e 23 dos factos provados.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi, pela 1ª instância, referido o seguinte:
“m)na resposta aos itens 31º e 32º, não lograram a Autoras demonstrar tal facto.
Efetivamente, do depoimento das testemunhas O… e M… Faria foi possível ao Tribunal aferir da vinculação dos pilotos às ordens e diretivas da ANPC, da autonomia de que gozavam quando estavam a comandar a aeronave em missão e ainda das diferenças existentes entre os pilotos da casa e os pilotos contratados como o Sr F… (a nível de farda, a nível de vencimento, a nível de faltas, da inexistência de poder disciplinar, entre outros).”
À decisão da matéria de facto deverão ser levados factos concretos, e não matéria conclusiva, vaga ou genérica.
Ora, no caso, os quesitos 31 e 32 são conclusivos, vagos e genéricos, sendo que a matéria deles constantes há-de, ou não, assentar e resultar de outra concreta factualidade. Aliás, que assim é, decorre até da própria fundamentação da impugnação aduzida pelas Recorrentes que parte ou remete para outra concreta factualidade no sentido de preencher o conteúdo desses quesitos e de os dar como provados (remete para os nºs 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20 e 23 dos factos provados).
Assim, e nesta parte, improcede a impugnação pretendida.

Do quesito 44 consta “44.Por indicação da E… o piloto, assim como aliás todos os demais pilotos que estavam ao serviço dessa empresa, tiveram de se coletar como trabalhadores independentes, ou seja profissionais liberais?”, o qual foi objecto da resposta de não provado.
Como já referido no ponto III.2., as Recorrentes, seja nas alegações, seja nas conclusões, não indicam a concreta resposta que pretendem, limitando-se a dizer que a 1ª instância não teve em conta o excerto do depoimento da testemunha I…, que invocam, não tendo, assim, dado cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, al. c), do CPC/2013, pelo que e conforme já referido, se rejeita a impugnação.

Dos quesitos 73, 74, 75, 76, que foram dados como provados, a que correspondem, respectivamente, os nºs 83, 84, 85 e 86 dos factos provados, consta o seguinte:
- “73.Finda a fase da formação, os pilotos fariam parte de uma “bolsa” da empresa e seriam chamados a prestar o serviço de combate aos incêndios de acordo com a disponibilidade que apresentassem?”, pretendem as Recorrentes que seja dado como não provado, sustentando a impugnação no depoimento de I…, de acordo com o qual “os dias de trabalho na campanha são negociados antes desta começar, dando a empresa aos pilotos cerca de 90 a 100 dias durante os 4 a 5 meses da campanha”.
- “74.Normalmente, a Ré fazia um planeamento quinzenal da sua actividade num documento denominado “escala”, o qual indicava as datas em que iriam prestar serviços?”, alegando as Recorrentes que o mesmo está em contradição com o nº 15 dos factos provados, nº este do qual consta o seguinte: “15. Era a E… que elabora a escala de serviços mensais que no final de cada mês enviava aos pilotos para ser aplicada no mês seguinte (e que continha os dias de serviço e as folgas)”;
- “75.Este planeamento era feito de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos?”, entendendo as Recorrentes que deve ser dado como não provado, sustentando a impugnação no depoimento de I… que disse que “a disponibilidade dos pilotos é manifestada logo de inicio, sendo total a disponibilidade dos pilotos civis como era o seu caso e do falecido F…, que apenas tinha como profissão a de piloto, e durante esses meses não tinha outra actividade e naturalmente queria rentabilizá-la. Só os pilotos militares poderiam fazer esporadicamente alguns voos”.
- 76.Cabendo-lhes indicar o período em que pretendiam prestar o serviço?”, entendendo as Recorrentes que deve ser dado como não provado, sustentando a impugnação no depoimento de I… referido a propósito do quesito anterior.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi, pela 1ª instância, a propósito de tais respostas, referido o seguinte:
“z)na resposta aos itens 62º a 68º, 73º ao 92º e 111º, 113º a 116º, teve o Tribunal por base os depoimentos das testemunha O… e M…, atrás melhor identificados.
As testemunhas de forma clara, concisa e esclarecedora referiram ao Tribunal as formações e briefings que antecediam cada campanha e o objetivo destas.
Referiram ainda que aos pilotos eram fornecidos manuais da Ré, a saber, os manuais de operações e de procedimentos de fls 207 a 224.
A última das testemunhas referidas esclareceu ainda qual a atividade da Ré, a forma como a desenvolve e os objetivos da mesma. Descreveu ainda o mesmo a articulação da atividade dos pilotos, no que ao combate aos incêndios diz respeito, com outras entidades como a Proteção Civil, a GNR e a ANPC.
Mostrou-se ainda relevante a leitura do “contrato de aquisição dos serviços de operação, de gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados próprios para missões do Ministério da Administração Interna, celebrado entre o Estado Português e a ora Ré e junto aos autos a fls. 262 a 278.”
Quanto ao nº 83 dos factos provados (quesito 73):
Importa referir que a resposta ao quesito 73 (nº 83 dos factos provados) é, de forma genérica, reportada aos “pilotos” e não concretamente ao sinistrado, que é o que está em causa nos autos.
Mas avançando.
I… depôs no sentido do referido pelas Recorrentes, ou seja, de “os dias de trabalho na campanha são negociados antes desta começar, dando a empresa aos pilotos cerca de 90 a 100 dias durante os 4 a 5 meses da campanha”. Mais referiu, em síntese, que: a formação, que antecede o efectivo início da actividade, é fornecida pela Ré; existem pilotos militares, que têm essa actividade (militar) mas que nas férias fazem um “extra” ou então que estão reformados, tendo as suas pensões, e que, por isso, trabalham ou podem trabalhar menos, mas que os outros (reportando-se aos pilotos “civis” contratados apenas para a campanha de fogos de junho a setembro) dependem dessa contratação, pois que só trabalham cerca de 4 meses, “o que se ganha tem de dar para o ano todo”, pelo que trabalham o máximo de dias possível; no período para que foram contratados não tinham a liberdade de ir ou não trabalhar, que é um trabalho de grande responsabilidade, que “acordamos algo, mesmo verbalmente, a palavra vale mais que tudo, neste trabalho não se pode brincar, não dá para dizer amanhã não me apetece ir trabalhar, era impensável. Perdíamos o trabalho com essa empresa e todas as outras, todas as empresas do ramo sabem a actividade de cada um”; à testemunha nunca aconteceu não ir trabalhar, mas se ocorresse, por exemplo, uma indisposição que o obrigasse a tal, avisava atempadamente para a Ré arranjar um substituto; que o referido era extensivo a todos, não apenas à testemunha, e também ao sinistrado; nos dias de descanso não podiam ir trabalhar para outra empresa, existe exclusividade; com a antecedência de um mês, mês e meio antes do início da actividade, é verbalmente acordado os dias de trabalho que irão prestar, seguindo-se a formação, o exame de voo anual, a revalidação do título, voos de treino, formação essa cujas despesas eram custeadas pela Ré.
J… referiu que o sinistrado só foi substituído para descanso.
O… referiu que as escalas eram feitas pelo comandante G…; que a Ré acordava com os pilotos a sua disponibilidade e fazia a escala; no final de cada mês, aquele enviava à testemunha as escalas para efeitos de pagamento, sendo que esta contactava os pilotos para confirmação dos dias que tinham trabalhado; à pergunta sobre se os pilotos se mantinham até ao fim das campanhas referiu que, “não necessariamente” mas, concretizando, referiu apenas um caso de um piloto, em 2014, que num exame médico lhe foi detectado um problema médico e teve de ser substituído; se um piloto estivesse cansado ou não quisesse trabalhar podia ser substituído, havia sempre pilotos de reserva para substituições. À pergunta sobre se a “bolsa de pilotos que eram contactados no início da campanha eram os que estavam disponíveis até ao fim” referiu que “sim”; que os números de dias de trabalho variavam em função da disponibilidade de cada um” e à pergunta sobre a que disponibilidade se referia, disse que “por exemplo, os pilotos que pertenciam ao exército ou força aérea, que tiravam férias nesse período”, que “ninguém era obrigado, era de acordo com a disponibilidade que tinham, há pessoas com mais disponibilidade do que outras”; à pergunta sobre se, relativamente aos pilotos que não estavam vinculados à Força Aérea, conhecia algum caso de piloto que tivesse indisponibilidade para trabalhar alguns dias, respondeu que “não me recordo, acho que não”.
L… referiu que: existia uma escala de serviço que era enviada pelo Director de Operações ou pelo chefe de pilotos uma vez por mês ou duas em função de alterações que se faziam no interesse da empresa; os pilotos das Forças Armadas eram os únicos que davam as suas disponibilidades em função das dispensas de serviço ou férias que tinham nas suas unidades militares; aos pilotos “civis” davam uma escala de serviço mensal com turnos normalmente entre 20/23 dias de serviço, seguidos de 7 a 10 dias de folga; à pergunta sobre se era possível, por exemplo, trabalhar só 10 dias, respondeu que “possível é, e acontecia por vezes a empresa assumir com vários pilotos, mas depois não vai colocar dois pilotos na mesma base”; no início da campanha combinam a quantidade de dias de trabalho, “as pessoas têm de garantir trabalho porque não trabalham mais, a empresa tem de garantir por exemplo, um mínimo de 100 dias numa campanha de quatro meses para garantir pilotos”; à pergunta se era possível dizer “amanhã não posso vir trabalhar”, referiu que nunca lhe (à testemunha) aconteceu, celebrou um contrato, assumiu um compromisso, “não me passaria pela cabeça uma atitude tão leviana” e não tem conhecimento de nenhum caso; não poderia, a testemunha, alterar os dias das escalas, quando muito poderia, se houvesse na empresa algum colega disponível, pedir autorização ao Director Geral, mas que teria que ser autorizado, nada poderia ser feito sem autorização.
M… referiu que: o Director de Operações (DO) fazia a escala de serviço, enviava à testemunha que verificava se haveria algum erro ou incompatibilidade, remetia ao DO, que assinava, e devolvia à testemunha, que por sua vez comunicava aos pilotos; existiam várias condicionantes, por ex, pilotos que pediam certa base, pilotos que não pudessem fazer fogos por questões pessoais ou familiares. Porque não podiam ou não queriam, ou tinham férias. E à pergunta sobre se era aí que havia a negociação, referiu que podia haver, mas o DO sabia que haviam pilotos que não podiam, que falava antes com os pilotos (p.ex, aniversários de filhos, idas ao tribunal); não havia, nem podia haver por parte do DO restrições, não podiam voar contrariados, era uma questão de segurança; depois das escalas podia ainda ocorrer o piloto não poder, caso em que falava com a testemunha, dando o exemplo dos pilotos militares; a escala era mensal; haviam trocas, dando como exemplo eventos inopinados por parte dos pilotos militares e recorriam então aos de reserva; os pilotos “sazonais” não precisam de justificar as faltas, mas faziam-no, “se calhar para não ficar mal visto”, mas comunicavam com antecedência; a substituição de pilotos era feita apenas por alguém que já tivesse obtido a credenciação da autoridade, se o piloto precisasse de faltar podia contactar o DO ou o chefe de pilotos, ou contactar primeiro com outro piloto, trocar a base à noite e depois falar com o DO, mas era sempre necessário falar com o DO “temos que saber onde andam os pilotos”.
Como já referido, o nº 83 (quesito 73) reporta-se, de uma forma genérica, aos pilotos, sendo que mais relevante seria a concreta situação do que se passou ou como se passou com o sinistrado. De todo o modo, da prova produzida, aliada as regras da lógica, experiência e senso comuns, decorre que poderão existir, no que toca aos pilotos “sazonais” (como tal se designando os que prestam actividade de junho a Setembro), situações diferentes, designadamente no que toca, por um lado, aos pilotos militares, cujas disponibilidades poderiam ser em função da sua outra actividade militar e consequentemente, poder a disponibilidade variar em função desta, e, por outro, no que toca a pilotos “civis”.
Desde logo, da prova produzida não resulta com clareza e de forma segura que “bolsa de pilotos” seria essa, designadamente e caso existisse, que pilotos dela fariam parte e como, concreta e efectivamente, ocorreu (se ocorreu) e se processou a elaboração das escalas dos mesmos (pilotos militares? “civis”? e que hajam, inicialmente, acordado, ou não, um número mínimo de horas? Que hajam aceitado ficar numa “bolsa” e não serem escalados?) e, sobretudo, o que ocorreu concretamente com sinistrado, designadamente aquando da sua contratação, sendo certo que este não tinha outra actividade profissional, só trabalhava na época em causa e dependia financeiramente dos rendimentos provenientes dessa actividade nesse período. Não se crê, pois, que não tivesse o mesmo, aquando da sua contratação, manifestado a sua total disponibilidade para o exercício da actividade no período em causa, disponibilidade essa que certamente manifestou à Ré aquando do contacto inicial a que se reporta o nº 74 dos factos provados, tanto mais que decorre dos factos provados que, no período de 23 de junho a 20 de agosto de 2017, data do trágico acidente, prestou a sua actividade de forma regular e contínua (só com as interrupções para descanso) e não de forma irregular, esporádica ou intermitente. E, da prova produzida, não decorre que essa disponibilidade não haja sido manifestada inicialmente, aquando da contratação.
Certamente, o que é óbvio, que o sinistrado, se foi escalado como o foi, foi porque se mostrou disponível para tal; mas já não é óbvio, nem resulta da prova produzida, que essa disponibilidade não haja sido manifestada aquando da contratação e/ou que fosse, ou tivesse que ser, confirmada a cada uma das escalas de serviço feitas pela Ré.
Entende-se, assim, que não foi feita prova cabal e segura quanto ao nº 83 dos factos provados (resposta ao quesito 73) e, muito menos o foi em relação ao sinistrado, pelo que deverá tal quesito ser dado como não provado e, por consequência, eliminado o nº 83.
Quanto ao nº 84 dos factos provados (resposta ao quesito 74), na parte em que se refere à elaboração da escala quinzenalmente, está o mesmo em contradição com o nº 15 dos factos provados (que se reporta à elaboração mensal da escala) e que foi dado como assente aquando do despacho saneador/selecção da matéria de facto. De todo o modo, sempre se diga que, de acordo com a prova produzida (O…, L…, M…) a escala era mensal, sendo que a referência feita por L… à elaboração quinzenal tinha por base alguma eventual alteração à mesma. Assim, deverá tal quesito ser, nessa parte, dado como não provado. E quanto ao demais que consta desse nº 84, é mera repetição do que já consta do nº 15 dos factos provados, não havendo que repetir. Assim, elimina-se o nº 84 dos factos provados.
Quanto aos quesitos 75 e 76 (nºs 85 e 86 dos factos provados) remete-se para o que se disse a propósito do nº 83 dos factos provados (quesito 73), pelo que o quesito 76 deverá ser dado como não provado e, consequentemente, eliminado o nº 86 dos factos provados.
Diga-se, no entanto e quanto ao nº 85, que decorre das regras da lógica e do senso comum que, no planeamento a que se reporta o nº 15 dos factos provados, a Ré tinha em conta, pelo menos, a disponibilidade manifestada pelos pilotos aquando do referido no nº 74 dos factos provados.
Assim, altera-se o nº 85 dos factos provados (resposta ao quesito 75), que passará a ter a seguinte redacção:
85. O planeamento referido no nº 15 dos factos provados era feito, pelo menos, de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos aquando do referido no nº 74 dos factos provados.

Do quesito 77 consta “77.Caso não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço?”, o qual foi objecto da resposta de provado, a que corresponde o nº 87 dos factos provados, entendendo as Recorrentes que o não deveria ter sido.
Sustentam a impugnação no depoimento de I… que “disse que ele pessoalmente nunca faltou ou deixou de ir trabalhar nem, o terá feito o piloto F… mais dizendo que se o fizessem ficaram mal vistos não só na empresa E…, mas nas outras empresa desse sector, podendo de alguma outra forma ser sancionados, trecho da gravação ao minuto 35.43 (…)”.
A fundamentação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância é a acima transcrita, a propósito do quesito 73.
O referido pela testemunha I… não determina que o quesito seja dado como não provado, sendo que desse depoimento não resulta que, na execução do contrato que vinculava a Ré e os pilotos, aquela retirasse qualquer outra consequência de eventuais faltas dos pilotos, sendo todavia de salientar que o sinistrado não faltou ao serviço como decorre das escalas de serviço (já acima mencionadas) e do nº 123 dos factos provados, acima aditado.
Assim, é de manter o nº 87 dos factos provados, devendo todavia nele explicitar-se que o sinistrado F…, salvo os dias de descanso a que se reporta o nº 123 dos factos provados, não teve outras ausências ao trabalho.
Assim, altera-se o nº 87 dos factos provados (resposta ao quesito 77), que passará a ter a seguinte redacção:
87.Caso não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço, com o esclarecimento de que J…, salvo os dias de descanso referidos no nº 123 dos factos provados, não teve outras ausências ao trabalho.

Dos quesitos 78 e 79 consta que “78.Era prática comum que os pilotos disponíveis substituam os que se encontram de escala, a pedido destes?” e que “79.Sem que a Ré tenha de autorizar a substituição?”, os quais foram dados como provados, correspondendo, respectivamente, aos nºs 88 e 89 dos factos provados, entendendo as Recorrentes que o não deveriam ter sido.
Sustentam a impugnação no depoimento de I…, que “referiu que nunca aconteceu pedir a algum outro piloto para o substituir, e que tal só sucederia se tivesse uma indisposição, mas mesmo nesse caso teria de avisar a empresa para esta o substituir e que as substituições de pilotos teria de ser autorizadas pela empresa, trecho da gravação aos minutos 43:10 e 1:10.26”
A fundamentação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância é a acima transcrita, a propósito do quesito 73.
Importa, antes de mais, dizer que o nº 68 dos factos provados, que corresponde à resposta ao quesito 46 (e que não foi impugnado), onde se refere que “68. O piloto não se podia fazer substituir no seu trabalho, nem recorrer a substitutos ou auxiliares (resposta ao item 46º)”, tal como se encontra redigido, parece estar em contradição com os nºs 88 e 89 dos factos ora em causa. E dizemos “parece” porque da fundamentação aduzida pela Mmª Juiz quanto a esse ponto decorre que a impossibilidade aí referida se reporta à substituição por pessoas/pilotos que não tivessem sido contratados pela Ré. Com efeito, em tal fundamentação refere-se que:
t)quanto à resposta ao item 46º teve o Tribunal por base os depoimentos conjugados das testemunhas I…, L…, J…, O… e M…, dos quais resultou que os pilotos, como o Sr J… forneciam a sua disponibilidade e, com base nesta, eram elaboradas pela Ré as escalas de fls. fls. 279 a 281.
Destes depoimentos foi possível também aferir que caso os pilotos não pudessem comparecer, poderiam aquelas escalas serem alteradas, desde que tal fosse comunicado à Ré.
Destes depoimentos resultou ainda que, às vezes, entre os pilotos contratados para as diversas campanhas havia troca de bases e de dias, mas estes não podiam fazer-se substituir por pessoas/pilotos que não tivessem sido contratados pela Ré.” [sublinhado nosso], o que, não obstante, não ficou esclarecido em tal ponto. E, diga-se, da prova produzida, mormente da indicada na referida fundamentação, decorre que, na verdade, os pilotos não poderiam ser substituídos por outros não contratados pela Ré, o que se impõe que fique esclarecido em tal ponto.
Quanto ao que consta dos nºs 88 (resposta ao quesito 78) e 89 (resposta ao quesito 79) dos factos provados:
A prova produzida não permite concluir que a substituição de pilotos escalados, muito menos de pilotos “civis” (por contraposição aos pilotos “militares”), fosse uma prática comum, sendo que nada foi referido quanto ao número de vezes em que tal sucedeu e com quem sucedeu, sendo que, pelo menos em relação ao sinistrado, e como decorre do nº 123 dos factos provados acima aditado, tal não ocorreu. A prova produzida, designadamente os depoimentos de O… e M… apenas resulta que ocorria, pelo menos por vezes, substituição de pilotos por algum impedimento dos mesmos (por exemplo, como referiu M…, algum impedimento inopinado dos pilotos militares ou um aniversário de filhos ou ida a tribunal), que essa substituição tinha que ser por pilotos já contratados pela Ré e que a tinham que lhe comunicar (como disse M… “temos de saber por andam os pilotos”).
Tendo, porém em conta, as obrigações assumidas pela Ré para com a ANPC, a responsabilidade da actividade em causa, o elevado número de bases, as limitações e restrições a tempos de voo (decorre dos depoimentos, designadamente de M…, que por vezes, em bases com muitos voos, era ou poderia ser atingido, durante o período de escala de um piloto, o limite de tempo de voo, se fosse ultrapassado o tempo de voo tinham que justificar, L… referiu que, na elaboração das escalas, era preciso ter em conta o número de dias de trabalho, os períodos de voo e serviços de assistência), o número de pilotos (M… referiu 35, dos quais cerca de 10 “fossem da casa”), a necessidade de organização, gestão e controlo das escalas, aliado às regras da lógica e da experiência e senso comuns, levam-nos senão mesmo à certeza de que a Ré teria que autorizar a substituição de um piloto por outro, pelos menos à dúvida séria de que não tivesse que a autorizar. Não se nos afigura que fosse o piloto a ser substituído, e não a Ré, quem decidia quem o iria substituir. Aliás, que não era, decorre do depoimento de M…, que referiu que o piloto que, em determinado dia, quisesse ser substituído ou contactava o Director de Operações (ou o chefe de pilotos) ou contactava, primeiro, outro piloto para troca de base e falava depois com o Director de Operações e que “temos que saber por onde andam os pilotos”. Ou seja, em última análise, era o Director de Operações quem decidia o piloto substituto e, mais que não fosse, pelo menos tacitamente assim era (ao chamá-lo para essa substituição).
Assim, alteram-se os nºs 68 e 88 dos factos provados, que passam a ter a seguinte redacção:
68. O piloto não se podia fazer substituir no seu trabalho, nem recorrer a substitutos ou auxiliares, não contratados pela Ré.
88. Os pilotos de escala, em caso de ausência a pedido destes, eram substituídos pela Ré por pilotos disponíveis.
E dá-se como não provado o quesito 79, eliminando-se o nº 89 dos factos provados.

Do quesito 80 consta “80.O local de prestação do serviço era definido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (abreviadamente ANPC)?”, o qual foi objecto da resposta de provado, a que corresponde o nº 90 dos factos provados, entendendo as Recorrentes que o não deveria ter sido.
Referem para tanto que tal resposta está “ em contradição com o clausulado do contrato de Locação da 25 Aeronaves (fls.262 a 278 dos autos). Deste resulta que era a ANPC que indicava as bases para onde a E… teria de colocar o piloto. Quem indicava ao piloto o local para onde deveria deslocar-se e permanecer era a E… não a ANPC” e invocam o depoimento de I… que referiu que (minuto 1:14:00) «a empresa é soberana, eu digo: dá-me mais jeito ali perto de casa. “Está bem eu vou ver o que posso fazer”. Sai a escala e eu tenho de ir para o Algarve. E vou».
A fundamentação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância é a acima transcrita, a propósito do quesito 73.
No quesito em questão (e respectiva resposta), não se diz ou concretiza a “prestação do serviço” a que se reporta, devendo a alegação dos factos e respostas aos quesitos serem formuladas de modo claro.
É evidente que não era a ANPC, que não celebrou qualquer contrato com os pilotos, quem procedia à afectação e distribuição dos pilotos pelas bases, nem isso decorre da prova produzida, sendo, todavia, aquela quem definia o local onde a prestação do serviço acordado entre ela e a Ré deveria ser prestado.
De todo o modo, para evitar eventuais equívocos, como parece decorrer do que alegam as Recorrentes, altera-se o nº 90 dos factos provados (resposta ao quesito 80), que passa a ter a seguinte redacção:
90. O local de prestação do serviço acordado entre a Ré e a Autoridade Nacional de Protecção Civil (abreviadamente ANPC) era definido por esta.

Do quesito 81 consta “81.Era a ANPC que detinha o controlo das operações, definindo as bases onde deveriam estar os pilotos, e o horário em que estariam presentes?”, o qual foi objecto da resposta de provado, a que corresponde o nº 91 dos factos provados, entendendo as Recorrentes que o não deveria ter sido.
Sustentam a impugnação no Contrato de Locação, do qual decorre que “ a ANPC tinha o controle tático da missão. Não o controle da gestão dos meios da empresa nem, de pessoal, administrativo, disciplinar ou o que mais seja. Na verdade o piloto reportava á empresa para quem trabalhava, não á ANPC.”.
A fundamentação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância é a acima transcrita, a propósito do quesito 73.
Do nº 91 dos factos provados não se nos afigura que decorra, ao contrário do parece ser entendido pelas Recorrentes, que fosse a ANPC quem fazia “o controle da gestão dos meios da empresa nem, de pessoal, administrativo, disciplinar”, nem que os pilotos a ela reportassem, nem que fosse ela, ANPC, a fazer a concreta distribuição dos pilotos pelas bases (piloto A para a base X, piloto B para a base Y). No ponto em causa não se diz que era a ANPC que definia os pilotos que deviam estar nas bases ou que definia as bases e os pilotos que nelas deviam estar. O que se diz é, apenas, que definia as bases onde deveriam estar os pilotos.
Não obstante, e para evitar eventuais equívocos, altera-se o nº 91 dos factos provados (resposta ao quesito 81) que passará a ter a seguinte redacção:
91. Era a ANPC que detinha o controlo das operações, definindo as bases onde a Ré deveria prestar o serviço e onde, para a prestação deste, esta deveria colocar os pilotos por si contratados, assim como era a ANPC que definia o horário em que os mesmos deveriam estar presentes.

Dos quesitos 82 e 83 consta que “82.Apesar do horário ser definido como das 8h:00m às 20h:00m, sofria alterações, podendo inclusive alongar-se para além desse período?” e que “83.Sempre por decisão da ANPC?”, os quais foram objecto das respostas de provado, a que correspondem os nºs 92 e 93 dos factos provados.
A sustentar a impugnação alegam que o horário é indicado pela ANPC e estabelecido no âmbito do contrato celebrado entre a mesma e a Ré, mas não é aquela que o impõe ao piloto, pois não existe qualquer relação contratual entre este e a ANPC e que, quem comunica ao piloto o horário que ele vai cumprir, é a Ré, mas não indicam as respostas que, em seu entender, deveriam ter sido dadas.
Como já referido no ponto III.2, as Recorrentes não deram, seja nas conclusões, seja nas alegações, cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. c), do CPC/2013, pelo que se rejeita, nesta parte, a impugnação.
De todo o modo, sempre se dirá que o alegado pelas Recorrentes não colide com as respostas, não consubstanciando o alegado mais do que mera “contra-argumentação” ao eventual valor do facto a retirar em sede de subsunção dos factos ao direito.

Do quesito 84 consta que “84.A base onde prestava a sua atividade, é detida pela ANPC (ou do Estado Português)?”, o qual foi dado como provado, correspondendo ao nº 94 dos factos provados, dizendo que a resposta é incorrecta.
Dizendo embora que a resposta é incorrecta, não indicam, contudo, seja nas alegações, seja nas conclusões, a resposta que pretendem que seja dada, alegando apenas que “A resposta é incorrecta uma vez do depoimento da testemunha J… no trecho da gravação ao minuto 1:47:30 (CD ficheiro 20200518093013-15260729-2871474 gravação dia 18/05/2020) esta refere que o piloto “ estava num gabinete que era próprio só para ele e onde ele fazia o trabalho de expediente diário onde tinha um lugar para descansar....”.
Como já referido no ponto III.2., as Recorrentes não deram, seja nas conclusões, seja nas alegações, cumprimento ao requisito previsto no art. 640º, nº 1, al. c), do CPC/2013, pelo que se rejeita, nesta parte, a impugnação.

Do quesito 85 consta “85.E encontra-se totalmente equipada para desenvolver a actividade de combate aos incêndios?”, o qual foi objecto da resposta de provado, a que corresponde o nº 95 dos factos provados, entendendo as Recorrentes que não deveria ter sido dado como provado.
A sustentar a alteração referem que “como resulta da cláusula 8ª do Contrato de Locação e Prestação de Serviços de Manutenção e Operação, na base da ANPC a E… mantinha um espaço próprio cedido por aquela onde esta mantinha os seus equipamentos e onde o piloto permanecia e onde havia material e equipamento levado pela empresa E…”. Invoca também o depoimento de I… que “respondeu dizendo que “Sim, um pacote que sempre que se abre uma base, umas caixas que transportamos para a base com todo o equipamento necessário para o desenrolar da missão”, e “existe uma check list de material que no final da campanha retorna á base”.
A fundamentação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância é a acima transcrita, a propósito do quesito 73.
Para além do telemóvel da Ré, as testemunhas referiram que: I…, no sentido do que é mencionado pelas Recorrentes; O… referiu também que a Ré tinha na base material de escritório, calculadora, impressora. J… que o sinistrado estava num gabinete próprio, só para si, onde tratava do expediente diário e que tinha um lugar para descansar, um computador e os documentos relativos ao uso da aeronave. L… que cada piloto tinha um espaço físico, ferramentas base. K… que havia a divisão do “comandante”, com secretária, documentos da aeronave, balde suplente, bateria externa, tablet.
Consta também dos nºs 6 e 7 da clª 8ª do contrato mencionado no nº 28 dos factos provados, que: “6. O LOCADOR é responsável por prover ao alojamento das tripulações e dos técnicos de MANUENÇÃO que sejam necessários à execução dos serviços objecto do CONTRATO, em termos de assegurarem o cumprimento dos níveis de disponibilidade operacional previstos na cláusula 15ª. 7. Sem prejuízo do direito de utilização referido no nº 3, o LOCADOR obriga-se a realizar as benfeitorias necessárias e úteis ao funcionamento das BASES DE OPERAÇÃO como centros de MANUTENÇÃO e OPERAÇÃO, designadamente, equipando-as com mobiliário, equipamento e instrumentos de oficina, climatização, e comunicações fixas e móveis”.
Assim, altera-se o nº 95 dos factos provados (resposta ao quesito 85), que passará a ter a seguinte redacção:
95. Com excepção do referido nos nºs 6 e 7 da clª 8ª do contrato mencionado no nº 28 dos factos provados e de alguns bens móveis pertencentes à Ré, designadamente, um telemóvel, ipad, impressora, material de escritório, a base encontrava-se equipada para desenvolver a actividade de combate aos incêndios.
Importa, a terminar, dizer que não vemos razão para desvalorizar, pelo menos totalmente e nas partes em que a presente reapreciação se suportou, os depoimentos das testemunhas I… e L…, pese embora no ano de 2017 os mesmos não prestassem a sua actividade (pilotos) para a Ré. Com efeito, ainda que assim seja, os mesmos já a haviam prestado nos anos anteriores (o primeiro, em 2015 e 2016 e, o segundo, em 2013, 2014, 2015 e 2016 a 2016), sendo que o contrato de locação das aeronaves era o mesmo, não decorreu da prova que os procedimentos e práticas da Ré se tivessem alterado em 2017 (do que a Ré não fez qualquer prova ou contraprova) relativamente ao que foi por eles vivenciado e que relataram, que os mesmos mantiveram relações com o sinistrado, e que os seus depoimentos são, em parte, corroborados pelos depoimentos de outras testemunhas (J…, O…, K…, M…).

2.2. Em face do exposto, é a seguinte a decisão da matéria de facto provada, já com as alterações por nós acima introduzidas:

1.A Autora B… nasceu no dia 25 de fevereiro de 1968.
2.A Autora C… nasceu a 15 de maio de 1997, filha de F… e de B….
3.A Autora D… nasceu a 5 de outubro de 1999, filha de F… e de B….
4.F… faleceu no dia 20 de agosto de 2017, em …, …, Viseu, Portugal, em consequência da queda de um helicóptero (Airbus Helicopters …, nº serie …., matrícula …..),
5.Aeronave que estava a pilotar, numa missão de combate aos incêndios florestais, que a Ré exercia por força de contrato oneroso celebrado com o Estado Português, através da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
6.O Helicóptero em causa era Airbus Helicopters …, nº serie …., matrícula ……,
7.Segundo o relatório elaborado pela autoridade GPIAFF “No dia 20 de Agosto de 2017 ao final da manhã um helicóptero em missão de combate a incêndios florestais embateu com o rotor de cauda nas linhas de alta tensão, levando à separação do rotor de cauda e estabilizador vertical. A perda de controlo foi então inevitável e consequente a queda abrupta em rotação. Após o embate com o solo, de imediato deflagrou um violento incêndio que consumiu na totalidade a aeronave”.
8.Em consequência ocorreu a morte do piloto que ficou carbonizado.
9.Durante o horário o piloto ficava de prevenção dentro base e teria de pilotar o helicóptero em missões de combate aos incêndios quando solicitado pela proteção civil no âmbito do referido contrato celebrado entre a ANPC e a E….
10.Diariamente o piloto tinha de elaborar um relatório da atividade do dia que remetia ao diretor de operações da E…s, o Comandante G… (indicando tempos de voo, combustível gasto, número da baldes e qualquer tipo de anomalia relevante que ocorresse).
11.A manutenção do helicóptero era feita pela E…, que dispunha de um mecânico que realizava o serviço no local.
12.Todos os dias no final do dia o piloto preenchia um formulário que remetia á Ré com o registo da sua atividade, nomeadamente: número de saídas, quantidade de baldes atirados sobre o incêndio, duração da missão, etc.
13.Todos os dias ao final do dia tinha uma conversa telefónica, ou enviava mensagem para o diretor de operações da Ré, a reportar a atividade diária.
14.Nos dias em que não estava de serviço e era substituído por outro piloto tinha de lhe passar o serviço, ou seja, dar nota do estado do helicóptero, sistemas de comunicações, etc.
15.Era a E… que elaborava a escala de serviços mensais que no final de cada mês enviava aos pilotos para ser aplicada no mês seguinte (e que continha os dias de serviço e as folgas).
16.O piloto dispunha de um ajudante que realizava tarefas de apoio, nomeadamente, colocava combustível e limpava o helicóptero.
17.A Ré entregava ao piloto um manual de operações da empresa E….
18.E um manual de procedimentos de combate aos incêndios florestais, por esta elaborado.
19.Antes do início da campanha a empresa faziam um briefing de 2 a 3 dias num local por si indicado para complemento do manual de operações de empresa e do manual de combate aos fogos.
20.Antes do inicio da campanha a E… dava formação aos pilotos, que era realizada nas instalações da E… no … do aeroporto …, na Maia, e que constava de programas CRM/crew resource management programs (interação com os GIIPS – militares da GNR que fazem o combate ao fogo),
21.De formação de uso e maneio de fogo controlado.
22.Dava treino de combate a fogos florestais e assegurava o exame correspondente.
23.E também dava formação aos seus pilotos, nomeadamente para fazer inspeções pré-voo e pós-voo, nomeadamente para permitir que estes verificassem o bom estado de funcionamento da aeronave
24.A Ré pagava mensalmente a F….
25.A E… pagou ao piloto F…, no ano de 2017, as seguintes quantias:
a.em Junho de 2017 pagou 3.200,00 € (sem IVA),
b.em Julho de 2017 pagou 9.200,00 € (sem IVA)
c.em Agosto de 2017 (até 20/08/2017 data acidente) pagou 6.400,00 € (sem IVA).
26.F… encontrava-se coletado como trabalhador independente, tendo como número de segurança social ……….. e o NIF ……….
27.A E… apenas celebrou um seguro de ocupantes do helicóptero, com uma seguradora estrangeira, em consequência do que as 2ª e 3ª Autoras, receberam uma indemnização, no montante de € 250.000,00, já paga.
28.A Ré celebrou com o Estado Português, a 7 de maio de 2013, um acordo designado por Contrato de Locação de 25 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros A) e de prestação dos correspetivos serviços de manutenção e de operação (lote 3 do concurso público nº 04/EMA/2012) junto aos autos a fls. 320 vº a 345, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29.O piloto F… emitia recibos verdes.
30.O piloto F… nunca gozou férias.
31.Nunca recebeu da Ré subsídio de férias e de Natal.
32.A Ré não pagava contribuições para a Segurança Social.
33.O Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões pagou e encontra-se a pagar pensões de sobrevivência, relativamente ao beneficiário nº ………../.., F….
34.Foram pagas pensões de sobrevivência, relativas ao período de abril de 2018 a junho de 2019, num total de € 10.619,92, como se segue:
a)à unida de facto B…, o valor de € 7.042,24, sendo o valor mensal atual de € 420,72;
b)à filha C…, no período de abril de 2018 a fevereiro de 2019e maio de 2019 a junho de 2019, o valor de € 1.772,12, sendo o valor mensal atual de € 104,32;
c)à filha D…, no período de abril de 2018 a junho de 2019, o valor de € 1.806,56, sendo o valor mensal atual de € 112,68.
Da resposta aos itens da BI:
35.A Autora B… vivia com o piloto F…, desde inícios de 1990 (resposta ao item 1º).
36.Altura em que iniciaram um projecto de vida em comum (resposta ao item 2º)
37.Com o propósito de constituir uma família e ter filhos (resposta ao item 3º).
38.Ajudando-se mutuamente (resposta ao item 4º).
39.Desde essa data passaram a coabitar, vivendo desde então sempre na mesma casa, com residência na Rua …, …, 1º, ….-… Porto (resposta ao item 5º).
40.Tendo criado as filhas referidas em 2) e 3) dos factos assentes (resposta ao item 6º).
41.Com quem sempre viveram (resposta ao item 7º).
42.Foi como casal que sempre educaram as filhas e conjuntamente exercerem as responsabilidades parentais (resposta ao item 8º).
43.A Autora B… e o seu companheiro F… sempre se apresentaram aos olhos de todos, nomeadamente família e amigos, como um casal (resposta ao item 9º). 44.As 2ª e 3ª Autoras encontravam-se em agosto de 2017 a estudar, frequentando o ensino, secundário e superior, respetivamente (resposta ao item 10º).
45.Atualmente a Autora C… frequenta o 2º ano curricular da licenciatura em Recursos Humanos do H… (resposta ao item 11º).
46.E a Autora D… frequenta o 1º ano do curso de Licenciatura em Fisioterapia do … (resposta ao item 12º).
47.Aquando do referido em 4), 5) e 6) dos factos assentes, F… pilotava o referido helicóptero por conta, no interesse da Ré E… (resposta ao item 13º).
48.Tal helicóptero era detido pela empresa E…, SA (resposta ao item 14º).
49. Em junho de 2017 a E… admitiu ao seu serviço F…. (resposta ao item 15º).
50.Por acordo com a Ré E…, o F… permaneceria na base de … na qual se encontrava sediado um helicóptero da E… para o combate aos incêndios florestais (resposta ao item 16º).
51.Tal base não era fixa, podendo o piloto mudar de base de acordo com as necessidades e instruções da Ré E… (resposta ao item 17º).
52.O Autor cumpria um horário diário das 8h às 20h (até ao pôr do sol) (resposta ao item 19º).
53.Não podendo exceder as 12,00 horas por dia (resposta ao item 20º).
54.Exceto em situações de calamidade que pusessem em risco pessoas e bens, nomeadamente habitações (resposta ao item 21º).
55.Nas situações referidas em 21) o piloto ficaria para além daquele horário, mas teria de elaborar um relatório a justificar o motivo (resposta ao item 22º).
56.Relatório que o piloto teria de ser entregue á E…, aqui Ré (resposta ao item 23º).
57.O ajudante referido em 16) era alguém contratado Ré (resposta ao item 26º).
58.Os pilotos tinham de conhecer e cumprir os manuais referidos em 17) e 18) (resposta ao item 29º).
59.Os pilotos deveriam efetuar o preenchimento dos PSV e enviar até ao dia 8 do mês seguinte uma cópia via fax para a Ré (resposta ao item 30º)
60.Os pilotos que acordassem com a Ré o transporte do estrangeiro para Portugal e de Portugal para o estrangeiro das aeronaves eram remunerados à razão de € 400,00 por dia (resposta aos itens 33º, 34º e 35º).
61.Todos os treinos e formações eram feitos por pessoal da E… e, ou, por empresas contratadas por esta (resposta ao item 37º).
62.Todos estes cursos eram totalmente assegurados e pagos pela E… (resposta ao item 38º).
63.A E… pagava ao piloto € 400,00 (quatrocentos euros) por cada dia em que prestasse a sua atividade (resposta ao item 39º)
64.Desde a data referida em 15) F… não exerceu qualquer outra actividade (resposta ao item 40º).
65.Vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela E… (resposta ao item 41º).
66.Que constituíam a sua única fonte de rendimento (resposta ao item 42º).
67.Sendo este também a principal fonte de rendimento do agregado familiar, constituído pela aqui Autoras (resposta ao item 43º).
68. O piloto não se podia fazer substituir no seu trabalho, nem recorrer a substitutos ou auxiliares, não contratados pela Ré. [Alterado; resposta ao quesito 46].
69.A missão desenvolvida pela Ré, na qual o piloto F… prestava serviços, estava relacionada com o serviço de combate aos incêndios (resposta ao item 48º)
70.Que ocorria, principalmente, nos meses de junho, julho, agosto e setembro (resposta ao item 49º).
71.Para a realização destas missões, a Ré contava com pilotos integrados na sua estrutura (resposta ao item 50º)
72.E que trabalhavam sob ordem e direcção da Ré (resposta ao item 51º).
73.Além destes pilotos, durante a época de combate aos incêndios, a Ré celebrava acordos verbais com outros pilotos que vinham auxiliar na missão de combate aos incêndios (resposta ao item 52º).
74.A Ré, para preparar a missão de combate aos incêndios, que ocorre nos meses de junho, julho, agosto e setembro, contactava diversos pilotos no sentido de saber se os mesmos estavam disponíveis para cooperar com aquela durante o referido período (resposta ao item 53º).
75.Estes pilotos estavam sujeitos à realização de testes de aptidão (resposta ao item 54º).
76.A Ré ministrava aos pilotos formação relacionada com o tipo de actividade a desenvolver (resposta ao item 62º).
77.E fazia um briefing de 2 a 3 dias, antes do início da missão, cujo objectivo era consolidar os conteúdos objecto da formação (resposta ao item 63º).
78.E entregava um manual de operações e um manual de procedimentos de combate aos incêndios, os quais continham as matérias objecto da formação (resposta ao item 64º).
79.A actividade da Ré é de combate aos incêndios cujo fim último é a protecção das populações que todos os anos vêem os fogos florestais chegar às suas portas (resposta ao item 65º).
80.As formações dadas aos prestadores de serviços têm como objectivo garantir, a sua segurança e a das populações (resposta ao item 66º).
81.Bem como a adequada articulação entre as entidades envolvidas na missão de combate aos incêndios (resposta ao item 67º).
82.A formação destina-se à interacção com os militares da GNR e outras entidades que combatem os incêndios (resposta ao item 68º).
83. Eliminado. (resposta de não provado ao item 73º)
84. Eliminado. (resposta de não provado ao item 74º no que toca ao planeamento quinzenal, sendo que, quanto ao demais, já consta do nº 15 dos factos provados)
85. O planeamento referido no nº 15 dos factos provados era feito, pelo menos, de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos aquando do referido no nº 74 dos factos provados. (Alterado; resposta ao quesito 75º)
86. Eliminado. (resposta de não provado ao item 76º).
87.Caso não comparecessem a Ré limitava-se a não pagar a contrapartida pelo serviço, com o esclarecimento de que F…, salvo os dias de descanso referidos no nº 123 dos factos provados, não teve outras ausências ao trabalho (Alterado; resposta ao quesito 77º).
88. Os pilotos de escala, em caso de ausência a pedido destes, eram substituídos pela Ré por pilotos disponíveis. [Alterado; resposta ao quesito 78]
89. Eliminado. (resposta de não provado ao item 79º).
90. O local de prestação do serviço acordado entre a Ré e a Autoridade Nacional de Protecção Civil (abreviadamente ANPC) era definido por esta. [Alterado; resposta ao quesito 80º).
91. Era a ANPC que detinha o controlo das operações, definindo as bases onde a Ré deveria prestar o serviço e onde, para a prestação deste, esta deveria colocar os pilotos por si contratados, assim como era a ANPC que definia o horário em que os mesmos deveriam estar presentes. (Alterado; resposta ao quesito 81º).
92.Apesar do horário ser definido como das 8h:00m às 20h:00m, sofria alterações, podendo inclusive alongar-se para além desse período (resposta ao item 82º).
93.Sempre por decisão da ANPC (resposta ao item 83º).
94.A base onde prestava a sua atividade, é detida pela ANPC (ou do Estado Português) (resposta ao item 84º).
95. Com excepção do referido nos nºs 6 e 7 da clª 8ª do contrato mencionado no nº 28 dos factos provados e de alguns bens móveis pertencentes à Ré, designadamente, um telemóvel, ipad, impressora, material de escritório, a base encontrava-se equipada para desenvolver a actividade de combate aos incêndios. [Alterado] (resposta ao item 85º).
96.Podendo a mesma receber elementos da GNR, dos bombeiros ou de qualquer outra entidade que esteja envolvida nesta missão (resposta ao item 86º).
97.As aeronaves são os meios mais eficazes para combater os fogos, sendo imprescindível a sua participação (resposta ao item 87º).
98.As aeronaves – helicópteros pilotados pelo F… – apenas podem combater os fogos quando há visibilidade (resposta ao item 88º).
99.O que não acontece de noite (resposta ao item 89º).
100.As aeronaves têm de estar disponíveis o maior número de horas possível (resposta ao item 90º).
101.Tendo quem as manobra de estar disponível durante aquele horário (resposta ao item 91º).
102.Ainda que o mesmo possa ser alterado, pela ANPC, de acordo com as condições do dia e as necessidades (resposta ao item 92º).
103.A Ré pagava ao piloto € 400,00 por cada dia em que este estivesse disponível para voar (resposta aos itens 94º e 95º).
104.Ficando mais horas a trabalhar, por exigência da ANPC, não receberia qualquer valor adicional (resposta ao item 96º).
105.Caso faltasse ao serviço, fosse pelo motivo que fosse, não receberia a contrapartida (resposta ao item 97º).
106. Eliminado. (resposta de não provado ao item 98º).
107. Eliminado. (resposta de não provado ao item 99º).
108.A farda da empresa, utilizada pelos seus trabalhadores, era um fato de voo (resposta ao item 100º).
109.Estando estes obrigados ao seu uso (resposta ao item 101º). 110.O qual não era utilizado pelo piloto F… (resposta ao item 102º).
111. As bases, incluindo a base onde o sinistrado prestava a sua actividade, dispunham de um telemóvel de serviço fornecido pela Ré, para que os pilotos o pudessem utilizar quando estivessem na base. [Alterado] (resposta ao item 103º).
112.Que não podia ser retirado de lá (resposta ao item 104º).
113.O piloto F… havia prestado serviços à Ré durante os meses de durante os meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2013, junho, julho, agosto e setembro de 2014 (reposta ao item 105º).
114.Emitiu recibos verdes (resposta ao item 107º).
115.Não recebeu qualquer subsídio (resposta ao item 108º).
116.Nem teve direito a férias (resposta ao item 109º).
117.Noutros anos, que não os referidos em 105), o piloto F… prestou serviços a outras empresas do sector (resposta ao item 110º).
118.Os relatórios entregues no final do dia pelo piloto F… destinavam-se ao controlo e manutenção da aeronave (resposta ao item 111º)
119.A operação era dirigida pela ANPC (resposta ao item 113º).
120.A ANPC determinava o momento em que o piloto deveria levantar voo (resposta ao item 114º).
121.Uma vez no ar, cabia ao piloto, de acordo com a sua experiência, prestar o serviço de combate ao incêndio que se verificasse naquele momento (resposta ao item 115º).
122.Era o piloto F… que decidia a altura do voo, onde ia buscar água, e onde largava essa mesma água que ia buscar (resposta ao item 116º).
123. O sinistrado, no período de 23 de junho de 2017 a 20 de agosto de 2017, trabalhou nos dias 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 de junho, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 de julho, teve um período de descanso nos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 de julho, trabalhou nos dias 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de julho, teve um período de descanso nos dias 1, 2, 3 e 4 de agosto e trabalhou nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 de agosto. [Aditado – resposta aos quesitos 18 e 24]
124. O piloto, quando estava em serviço, devia, por indicação da Ré, vestir um polo que era por esta fornecido e no qual estava bordada a inscrição E…. [Aditado – resposta ao quesito 27]
***
3. Da responsabilidade da Ré pela reparação dos danos emergentes do acidente em apreço

Tem esta questão por objecto saber se a Ré é responsável pela reparação, nos termos da Lei 98/2009, de 04.09, dos danos emergentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, estando assente, e não sendo posto em causa, que este, aos 20.08.2017, foi vítima, no tempo e local de trabalho, do acidente mortal em causa nos autos.
Na sentença recorrida entendeu-se que a Ré ilidiu a presunção, a que se reporta o art. 12º, nº 1, do CT/2009, da existência, entre a mesma e o sinistrado, de um contrato de trabalho, pelo que considerou que aquela não é responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, ocorrido aos 20.08.2017, que o vitimou, tendo-a absolvido do pedido.
Do assim decidido discordam as AA/Recorrentes, para tanto entendendo que: i) a relação contratual então existente entre o sinistrado e a Ré consubstancia um contrato de trabalho; ii) ou, se assim não for entendido, por virtude da dependência económica do sinistrado perante a Ré.
A Ré/Recorrida, quanto ao referido em i), pugna pela inexistência de um contrato de trabalho e, quanto ao referido em ii), alega que: “H. Por fim, quanto a alegação de que, mesmo que estivéssemos no âmbito de um contrato de prestação de serviços ainda assim a ação deveria ter sido julgado procedente, importa ter presente aquilo que foi vertido pela ora a Recorrente na petição inicial. I. Compulsada a referida petição inicial, constata-se que apesar de ser alegada esta questão de ação ter de proceder ainda que não reconhecido o vínculo como sendo de trabalho, a verdade é que tal alegação não se encontra minimamente sequer reflectida no pedido, nem a título subsidiário, não tendo, como tal, sido alvo de discussão nos autos em sede de julgamento. J. Aceitar uma modificação do pedido - que é disso que se trata - ainda que a título subsidiário, em sede de recurso, é claramente inadmissível. K. Pelo que terá de improceder o alegado pelas recorrentes também neste ponto”.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que a relação contratual então existente entre o sinistrado e a Ré consubstancia um contrato de trabalho e, bem assim que, mesmo que não consubstanciasse, sempre seria a Ré responsável pela reparação das consequência do acidente face ao disposto no art. 3º, nº 2, da Lei 98/2009, de 04.09 (LAT/2009), parecer esse ao qual respondeu a Recorrida discordando no que toca à existência de contrato de trabalho e, quanto à responsabilidade nos termos do citado preceito, mantendo posição similar à defendida nas contra-alegações.

3.1. Se o vínculo contratual então existente entre o sinistrado e a Ré consubstancia, ou não, um contrato de trabalho

Dispõe o art. 283º, nº 1, do CT/2009 que “1. O trabalhador e seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional” e art. 3º da LAT/2009, sob a epígrafe “Trabalhador abrangido”, que: “1. O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2. Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços. (…)”.
O regime de reparação de acidentes de trabalho previsto na Lei abrange os trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, pelo que comecemos por apreciar da existência, ou não, entre o sinistrado e Ré de um contrato de trabalho.

Tendo em conta a data a que se reportam os factos é aplicável ao caso o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (CT/2009).
O art. 11º do citado Código define o contrato de trabalho como sendo «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas».
O contrato de prestação de serviço encontra-se definido no artº 1154º do Cód. Civil como sendo «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» e, o do mandato (modalidade da prestação de serviços).
Das definições legais apontadas resulta, como elemento diferenciador essencial do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, a sujeição, no contrato de trabalho, da pessoa contratada à autoridade e direcção do contratante (subordinação jurídica), a qual se traduz na prerrogativa deste dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da actividade (e na obrigação, por parte daquele, de as receber), sendo que no contrato de prestação de serviços, a pessoa contratada não está sujeita a ordens ou instruções do contratante, agindo com autonomia na prossecução do resultado a que se comprometeu.
Por outro lado, conquanto ambas as figuras se destinem, em última análise, a obtenção de um determinado resultado pretendido pelo contratante, avulta das referidas definições legais que o contrato de trabalho tem por objecto o exercício da actividade ou a disponibilidade do trabalhador para essa actividade, enquanto que, no de prestação de serviços, o objecto consiste, essencialmente, na obtenção de um resultado.
Como é sabido, a questão da existência ou não de um contrato de trabalho constitui, frequentemente, umas das questões de maior melindre e que mais dúvidas suscita na sua aplicação prática.
Por isso, e perante a dificuldade, por vezes, da determinação do tipo contratual através do método subsuntivo, têm sido, pela doutrina e jurisprudência, apontados diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos - da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica (método tipológico).
Assim, como indícios internos, apontam-se usualmente: a natureza da actividade concretamente desenvolvida; o carácter duradouro da prestação; o local da prestação da actividade (em estabelecimento do empregador ou em local por este indicado); a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador); a existência de horário de trabalho; a necessidade de justificação de faltas; a remuneração determinada pelo tempo de trabalho; o exercício da actividade por si e não por intermédio de outras pessoas; o risco do exercício da actividade por conta do empregador; a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho; o exercício do poder disciplinar; o gozo de férias e inserção no correspondente mapa; o pagamento de subsídios de férias e de Natal; o nomen juris atribuído pelas partes.
Como indícios externos, são designadamente apontados: a exclusividade da prestação da actividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica); a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente; a filiação sindical.
O ónus da prova da existência do contrato de trabalho (em caso de não verificação dos pressupostos de facto que constituem a base de aplicação da presunção de laboralidade consagrada no art. 12º do CT conforme adiante melhor se dirá) compete ao trabalhador. E, para o efeito e tendo em conta os mencionados factores indiciários, há que ter presente que sendo a subordinação jurídica elemento essencial do contrato de trabalho e da sua distinção de outras figuras afins, os referidos factores indiciários, individualmente considerados, assumem peso relativo, devendo, perante o concreto circunstancialismo de cada caso, serem apreciados e sopesados de forma global.
Mas, tendo presente a dificuldade de prova, pelo trabalhador, da existência do contrato de trabalho, mormente da subordinação jurídica, e visando facilitar essa sua tarefa, veio o legislador do CT/2003, de forma inovatória, introduzir, no seu art. 12º, uma presunção de laboralidade, de tal sorte que, verificados que fossem, de forma cumulativa, todos os pressupostos nele previstos, se presumia a existência de contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova; por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art. 350º, nº 2, do Cód. Civil), sendo de salientar que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
O art. 12º do CT/2003, na sua redacção original, adoptou, com vista à consagração dessa presunção, o critério dos factos índices habitualmente utilizados pela doutrina e jurisprudência na definição, e distinção, do contrato de trabalho em relação a outras figuras contratuais, designadamente o contrato de prestação de serviços; e muito embora a eventual não verificação de algum ou alguns dos pressupostos de base da existência da presunção não impedisse, pela análise de toda a matéria de facto apurada, a eventual conclusão no sentido da existência do contrato de trabalho, dado que os pressupostos contidos nesse preceito eram de verificação cumulativa a aplicação prática da referida presunção mostrou-se de pouca utilidade.
A redacção original da mencionada presunção veio então a ser alterada pela Lei 9/2006, que passou a dispor que “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob a ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”, redacção esta que, apesar do desiderato da figura da presunção, parecia até ser mais exigente do que o próprio conceito de contrato de trabalho [o facto presumido], cuja prova essa presunção visaria facilitar ou agilizar, pelo que cabia questionar qual a utilidade prática de tal presunção.
Entretanto, e perante as críticas apontadas, veio então o CT/2009, no seu art. 12º, nº 1, adoptar nova redacção, a saber:
Artigo 12.º
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
Esta nova redacção alterou de forma significativa os pressupostos da verificação da referida presunção, pois que, para que ela seja aplicável, deixou de ser exigível a verificação cumulativa dos requisitos que então se previam, bastando-se agora o art. 12º com a verificação de “algumas das seguintes características” [que a seguir enumera]. Ou seja, tais pressupostos deixaram de ser de verificação cumulativa: não bastando a existência de uma só característica, basta todavia a existência de duas (ou mais).
Ao “trabalhador” cabe, pois, alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de actuação da presunção. E, provados tais pressupostos, há que presumir que existe um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova; por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art. 350º, nº 2, do Cód. Civil), sendo de salientar que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido. É necessário que faça a prova de factos que levem à conclusão de que não existe um contrato de trabalho ou de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho. Existindo tal presunção e, exigindo-se, como se exige, a prova do contrário, a eventual dúvida reverte contra o empregador.
Importa também referir que, do elenco dos pressupostos base de actuação da presunção, o legislador não atribui valor mais ou menos reforçado a algum ou alguns deles, bastando como referido um mínimo de dois dos referidos pressupostos para que se tenha por presumida a existência de um contrato de trabalho.

3.1.1. Revertendo ao caso em apreço:
Quanto ao pressuposto base previsto na al. a), do nº 1 do art. 12º- “a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado”:
O mesmo encontra-se preenchido tendo em conta que a prestação da actividade era prestada em local (base) na qual a Ré levava a cabo a execução do contrato de prestação de serviços que havia celebrado com o Estado Português/ANPC – nºs 5, 9, 28, 50, 51, 69, 73 dos factos provados.
Quanto ao pressuposto base previsto na al. b), do nº 1 do art. 12º - “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade”:
O mesmo encontra-se também preenchido, pois que o helicóptero com o qual o sinistrado prestava era detido pela Ré, para além de que era desta o telemóvel de serviço existente na base, assim como outros instrumentos (ipad, impressora, material de escritório) e manuais, fornecendo a Ré o equipamento de vestuário (polos)– nºs 17, 18, 48, 78, 111 e 124 dos factos provados.
Quanto ao pressuposto base previsto na al. c), do nº 1 do art. 12º - “o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma”:
O mesmo encontra-se também verificado, pois que o sinistrado cumpria um horário diário, das 8h00 às 20h00 (até ao por do sol) e trabalhava nos dias em conformidade com as escalas de serviço elaboradas pela Ré – nºs 52 e 15 dos factos provados- para além de que não podia ultrapassar 12 horas, excepto nas situações de calamidade que pusessem em risco pessoas e bens, nomeadamente habitações, caso em que teria que elabora um relatório a justificar o motivo e a entregar à Ré (nºs 53, 54 e 55).
Quanto ao pressuposto base previsto na al. d), do nº 1 do art. 12º - “seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma”:
O mesmo encontra-se também verificado, pois que o sinistrado auferia mensalmente uma contrapartida pela sua actividade, calculada com base na quantia de €400,00 por dia em que prestava a sua actividade e sendo que, como decorre das quantias auferidas referidas no nº 25 os factos provados (bastando dividir tais quantias pelo valor de €400,00/dia) e também do nº 123 dos mesmos, o sinistrado, no período em que prestou a sua actividade para a Ré, o fez com carácter de regularidade, e não de forma esporádica ou pontual, actividade essa que, no período de 23.06.2017 até 20.08.2020, data da ocorrência do acidente, foi prestada durante 47 dias, apenas interpolada por dias de descanso.
Quanto ao pressuposto base previsto na al. e), do nº 1 do art. 12º- “o prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”:
Da factualidade provada não decorre que o mesmo se verifique.
Ou seja, no caso, dos cinco pressupostos verificam-se quatro, pelo que há que presumir que o vínculo contratual entre o sinistrado e a Ré consubstanciava um contrato de trabalho e, assim sendo, competia à Ré a prova do contrário, isto é, a prova de factualidade que permita concluir no sentido de que o vinculo não era esse, mas sim outro.
E, desde já adiantando, se dirá que tal prova não foi feita.
Com efeito:
Desde logo, é irrelevante a natureza da actividade prosseguida pela Ré – combate aos incêndios e interesses que tal combate visa salvaguardar – sendo que tal em nada impede que a actividade levada a cabo pelo sinistrado o fosse em regime de contrato individual de trabalho, nem mesmo a natureza sazonal dessa actividade (período de junho a Setembro, este o de maior risco de fogos florestais) pois que, se se porventura entendesse que não seria de recorrer ao contrato de trabalho sem termo, sempre poderia a Ré equacionar socorrer-se do contrato de trabalho a termo certo (art. 140º, nº 2, al. e), do CT/2009), para além de que nada invoca no sentido de que tal não seria possível.
Também é irrelevante que o local da prestação do serviço pela Ré fosse nas bases do Estado/ANPC e que o horário em que os pilotos contratados pela Ré deveriam estar presentes, ou suas alterações, fosse definido por aquela, ANPC, assim como que fosse esta a detentora da base (nºs 90 a 94), que os relatórios entregues no final do dia pelo sinistrado se destinassem ao controlo e manutenção da aeronave (118), que a operação fosse dirigida pela ANPC (nºs 91 e 119), que era esta quem determinava o momento em que o piloto deveria levantar voo (nº 120), que, uma vez no ar, cabia ao piloto, de acordo com a sua experiência, prestar o serviço de combate ao incêndio que se verificasse naquele momento (nº 121) e que era o sinistrado que decidia a altura do voo, onde ia buscar água, e onde largava essa mesma água que ia buscar (nº 122).
Tal factualidade em nada obsta ou contraria a existência de um contrato de trabalho. O vínculo contratual a que o sinistrado estava adstrito era entre ele e a Ré, não com a ANPC, sendo à Ré, e não à ANPC, a quem cabia criar e gerir as condições que lhe permitissem executar e levar a cabo o contrato de prestação de serviços que celebrou com aquela entidade. E, quanto ao nº 122, cabe o referido no âmbito da autonomia técnica do piloto e nas suas funções e competências de piloto de combate a incêndios, sendo a ele que compete a avaliação dos riscos e da situação com que, em concreto, se depara.
E não se descortina qualquer interesse no facto de a base poder receber elementos da GNR, bombeiros ou qualquer outra entidade envolvida na missão (nº 96), o que em nada desvirtua ou colide com a presunção da existência de contrato de trabalho.
É também irrelevante que as aeronaves, no caso o helicóptero, fosse imprescindível, que as mesmas só pudessem combater os fogos quando haja visibilidade e não durante a noite, que tenham, bem como os respectivos pilotos, que estar disponíveis o maior número de horas possível e durante o horário das 8h00 às 20h00 (ou enquanto houver visibilidade) e/ou que tal horário pudesse ser alterado pela ANPC– cfr. nºs 98 a 102 - sendo que, mais uma vez, tal em nada obsta ou contraria a existência de um contrato de trabalho. Como já referido, o vínculo contratual a que o sinistrado estava adstrito era entre ele e a Ré, não com a ANPC, sendo à Ré, e não à ANPC, que cabia criar e gerir as condições que lhe permitissem executar e levar a cabo o contrato de prestação de serviços que celebrou com aquela entidade. Poder-se-ia, porventura e eventualmente, dizer (o que se admite como mera hipótese de raciocínio) que sairia mais económico e/ou conveniente à Ré a vinculação por via de um contrato de prestação de serviços do que por via de um contrato de trabalho (designadamente, face aos encargos com a segurança social, seguro de acidentes de trabalho, pagamento de subsídios de férias e de Natal, trabalho suplementar, limitações legais em matéria de tempo de trabalho e outras obrigações legais em matéria de contrato de trabalho). Mas isso são factores que não descaracterizam, obstam ou contrariam a existência de um contrato de trabalho.
Quanto à organização das escalas em função da disponibilidade manifestada pelo sinistrado, provou-se apenas que: era a Ré E… que elaborava as escalas de serviço mensais e que no final de cada mês enviava aos pilotos para serem aplicadas no mês seguinte (nº 15); a Ré, para preparar a missão de combate aos incêndios, que ocorre nos meses de junho, julho, agosto e setembro, contactava diversos pilotos no sentido de saber se os mesmos estavam disponíveis para cooperar com aquela durante o referido período (nº 74); e que tal planeamento era feito, pelo menos, de acordo com a disponibilidade demonstrada pelos pilotos aquando do contacto referido no nº 74 (nº 85). Ora, tal não descaracteriza, obsta ou contraria a existência de um contrato de trabalho. Naturalmente quando o beneficiário da actividade contrata alguém para lhe prestar actividade, ainda que o faça no âmbito de um contrato de trabalho, fá-lo de acordo com a disponibilidade manifestada por quem presta a actividade e que é aceite pelo beneficiário. Ou, dito de outro modo, mesmo num contrato de trabalho, o empregador não contrata um trabalhador para o exercício de determinada actividade em período em que, aquele, referiu de antemão que a não poderia prestar e, se o empregador aceita contratar, é porque aceitou a “disponibilidade” referida pelo trabalhador. E, no caso, há que, e por um lado, salientar que não só não se provou que a disponibilidade do sinistrado não fosse total, como o contrário (disponibilidade total) se retira da matéria de facto provada, tendo em conta os nºs 25 e 123 dos factos provados, donde resulta o número de dias trabalhados, tanto mais conjugado com os nºs 64, 65, 66 e 67 dos factos provados [de acordo com os quais o sinistrado, desde que foi admitido ao serviço da Ré, não exerceu qualquer outra actividade, vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela Ré e que constituíam a sua única fonte de rendimento, bem como a principal fonte de rendimento do agregado familiar].
E, por outro lado, também não foi feita prova de que, a cada momento ou a cada escala que a Ré fez, haja previamente contactado o sinistrado por forma a “confirmar” ou não que o mesmo estaria “disponível” para prestar a sua actividade nos dias em causa nas escalas.
Em matéria de substituições do sinistrado, não fez a Ré prova de que os pilotos se poderiam, sem o seu conhecimento e/ou consentimento, fazer substituir por pilotos “disponíveis” (de entre os contratados pela Ré) e sendo que do nº 68 dos factos provados decorre que o piloto não se poderia fazer substituir por pilotos não contratados pela Ré, nem a auxiliares.
Quanto ao facto do sinistrado ter, em 2015 e 2016, prestado actividade para outras entidades do sector (nº 117 dos factos provados), tal é irrelevante, sendo que isso em nada obstaria ou colidiria com a possibilidade de existência de um contrato de trabalho com a Ré em 2017, que é o período (junho a Setembro de 2017) que está em causa nos autos.
Provou-se também que o sinistrado emitiu “recibos verdes”, não recebeu qualquer subsídio, nem teve direito a férias e a Ré não pagava contribuições para a Segurança Social (nºs 29, 30, 31, 32 114, 115 e 116 dos factos provados).
No que se reporta ao não gozo de férias, durante a execução do contrato e dado o período limitado no tempo por que foi celebrado, não faria sentido, nem se justificaria, que gozasse férias.
É certo que o não pagamento da retribuição correspondente aos proporcionais de férias não gozadas, bem como dos proporcionais dos subsídios de férias e de natal (ou o seu não pagamento às AA. herdeiras do sinistrado), assim como a emissão de “recibos verdes” (ou seja, colectado como trabalhador independente) e o não pagamento, pela Ré, de contribuições à Segurança Social, poderia apontar no sentido da inexistência de um contrato de trabalho. Porém, pode também consubstanciar uma violação das normas próprias do contrato de trabalho, pelo que, e na falta de outros factos que, de forma segura e de modo a consubstanciarem prova do contrário, isto é prova de que o contrato não é um contrato de trabalho, não se mostram suficientes para ilidir a presunção de que existe um contrato de trabalho, mormente no caso pois que, neste, não são acompanhados de outros factos que, como referido, apontem seguramente no sentido da existência de um contrato de trabalho. Aliás, para além dos factos integradores da presunção da existência de contrato de trabalho, no caso vários outros mais apontam nesse sentido do que no da prestação de serviços, designadamente os referidos nos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, formação que era ministrada pela Ré (nºs 20 a 23, 61, 62, 76,77), 50, 51, 55, 56, 16 e 57, 59, 64, 65, 66, 67, 68 dos factos provados.
E o mesmo se diga quanto aos factos provados constantes dos nºs 104 e 105, de acordo com os quais mesmo que o piloto trabalhasse mais horas, não receberia qualquer remuneração adicional (nº 104) e, caso faltasse ao serviço, fosse por que motivo fosse, não receberia a contrapartida (nº 105), os quais podem também consubstanciar violação das normas que regem o contrato de trabalho, factos esses que, na falta de outros que, de forma segura, consubstanciem prova do contrário, isto é prova de que o contrato não é um contrato de trabalho, não se mostram, no caso, suficientes para ilidir a presunção de laboralidade.

Entendemos pois que a Ré/Recorrida não fez prova do contrário e, assim, que não ilidiu a presunção de que o vínculo contratual então existente entre a mesma e o sinistrado é um contrato de trabalho.
E, assim sendo, impõe-se concluir que a Recorrida é responsável, nos termos dos arts. 3º, nº 1, e 7º, da LAT/2009 e 283º, nº 1, do CT/2009, pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que o sinistrado foi vítima aos 20.08.2017.

3.2. Da responsabilidade da Ré decorrente da dependência económica do sinistrado

Como já referido, alegaram ainda as AA./Recorrentes, seja na petição inicial, seja do recurso, que, mesmo que se considerasse que não existiu, entre o sinistrado e a Ré, um contrato de trabalho, sempre seria esta responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho nos termos do art. 3º, nºs 1 e 2, da LAT dada a dependência económica do sinistrado à Ré.
Por sua vez, defendeu a Recorrida, nas contra-alegações, que “I. Compulsada a referida petição inicial, constata-se que apesar de ser alegada esta questão de ação ter de proceder ainda que não reconhecido o vínculo como sendo de trabalho, a verdade é que tal alegação não se encontra minimamente sequer reflectida no pedido, nem a título subsidiário, não tendo, como tal, sido alvo de discussão nos autos em sede de julgamento. J. Aceitar uma modificação do pedido - que é disso que se trata - ainda que a título subsidiário, em sede de recurso, é claramente inadmissível. K. Pelo que terá de improceder o alegado pelas recorrentes também neste ponto” e argumentação semelhante aduziu na resposta ao parecer do Ministério Público.
De dizer também que, na sentença, para além de se ter considerado que a Ré ilidiu a presunção da existência de contrato de trabalho e, com esse fundamento, ter absolvido a Ré, nada foi dito quanto ao fundamento relativo à dependência económica.
Ainda que se haja concluído que a Ré não ilidiu a presunção da existência de um contrato de trabalho e que, assim, a responsabilidade da Ré decorre da existência de tal contrato, não se deixará de dizer, designadamente para o caso de assim se não entender, que às AA. assistiria razão e que sempre seria a Ré responsável por tal reparação, como adiante se dirá.

3.2.1 No entanto, e previamente, há que dizer improcede a alegação da Recorrida de que não se poderia conhecer de tal “questão” porque, embora alegada na petição inicial, não se encontra reflectida no pedido, não tendo a 1ª instância dela conhecido.
Dispõe o art. 3º da LAT, sob a epígrafe “Trabalhador abrangido”, que: “1. O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2. Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços. (…)”.
A responsabilidade da Ré por via da dependência económica do sinistrado não consubstancia “questão”, muito menos autónoma, que carecesse da formulação de outro pedido que não o formulado na petição inicial.
A questão é a da responsabilidade da Ré pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, sendo a responsabilidade por via, não da existência de um contrato de trabalho, mas da dependência económica do sinistrado à entidade para quem presta serviço, um outro fundamento que integra a causa de pedir da única e verdadeira questão em causa, que é, como referido, a da responsabilidade da Ré, sendo que o pedido a extrair, num ou noutro caso, é o mesmo (condenação da Ré na reparação infortunística prevista na LAT).
E, na petição inicial, as AA. alegaram o mencionado fundamento do direito à reparação e à responsabilidade da Ré, bem como os factos correspondentes, não tendo que formular qualquer outro pedido para além daquele que formularam na petição inicial.
Aliás, e diga-se, a reparação emergente de acidente de trabalho tem natureza indisponível, como decorre dos arts. 12º e 78º da LAT, pelo que a responsabilidade da Ré, com o referido fundamento, sempre teria que ser apreciada, conforme decorre do disposto no art. 74º do CPT.
De dizer ainda que a sentença recorrida, ao ter considerado que as AA, porque o sinistrado e a Ré não estavam vinculados por um contrato de trabalho, não tinham direito à reparação dos danos emergentes do acidente e que a Ré não era por eles responsável, sem ter atendido à existência de dependência económica do sinistrado à Ré, ou presunção dessa existência, incorreu em erro de julgamento, decorrendo o direito das AA. da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do CPC/2013).
Improcedendo a “impossibilidade” invocada pela Recorrida nas contra-alegações, bem como na resposta ao parecer do Ministério Público, vejamos se às AA. sempre seria devido o direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho pela alegada dependência económica do sinistrado à Ré, sendo esta responsável por essa reparação.

3.2.2. Para além do já transcrito art. 3º da LAT/2009, dispõe o art. 4º, nº1, al. c) da Lei nº7/2009 de 12.02 – que aprovou o CT/2009, que “ O regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283º e 284º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, aplica-se igualmente: a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10º do Código do Trabalho” e, no art. 10º do CT/2009, sob a epígrafe “Situações equiparadas”, diz-se que “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
Como decorre do art. 3º, nºs 1 e 2 da LAT/2009, e dos citados arts. 4º, nº 1, al. c), da Lei 7/2009 e 10º do CT/2009, o âmbito da aplicação daquela (LAT) não se restringe ao trabalhador vinculado por contrato de trabalho, âmbito de aplicação esse que é mais amplo, abrangendo também os trabalhadores que, embora não se encontrem vinculados por um contrato de trabalho, trabalham contudo por conta de outrem, a este estando economicamente subordinado, mais se estabelecendo, no nº 2 do art. 3º, uma presunção dessa dependência.
Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, pág. 191, ainda que no âmbito da pretérita Lei 100/97, de 13.09 (art. 2º, nº 2) e do DL 143/99, de 30.04 (art. 12º.nº 3), mas que mantém actualidade face à Lei 98/2009, refere que “A parte final do nº 2, do artigo 2º, da Lei considera também trabalhadores por conta de outrem os que possam ser considerados na dependência económica da pessoa servida, quando prestem, (…), um determinado serviço. À pessoa servida (que não é entidade empregadora, no sentido normal do termo) compete provar que assim não é.
Por sua vez, Manuela Bento Fialho, in Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, 5ª série, nº5, Dezembro de 2007, pág. 160, refere que “Assim, para efeitos de abrangência do regime legal aplicável, os trabalhadores presumem-se na dependência económica da pessoa para quem prestam serviço. Esta presunção reveste-se de grande utilidade para efeitos de qualificação de um sinistro ocorrido na pessoa de trabalhadores que, embora prestando serviços, não estão vinculados por contrato de trabalho, já que o direito à reparação é atribuído aos trabalhadores por conta de outrem. Desta forma, este conceito é alargado também a prestadores de serviço, que, por efeito da aplicação da norma, podem beneficiar de toda a protecção legal a que nos reportamos e, bem assim, a todos os que, na acção respectiva, não consigam provar a existência de contrato de trabalho”.
E, no acórdão desta Relação do Porto, de 19.04.2021, Processo 1076/19.2T8VLG.P1[3], referiu-se que:
“Conforme sintetiza o Ac. do STJ de 22-01-2015 [Proc.º 81/11.7TTGMR.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas]: [1] A extensão do regime de protecção de acidentes de trabalho consagrado na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, decorrente da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade.
Como igualmente elucida o citado aresto do STJ, que adiante seguiremos de perto, a determinação do conteúdo da norma do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 98/2009, encontra-se a partir do disposto no artigo 10.º do Código de Trabalho e do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, diploma que aprovou o Código do Trabalho em vigor. Estabelecendo a primeira das normas que a disciplina estabelecida no Código do Trabalho para as matérias ali discriminadas é aplicável nas situações de prestação de trabalho sem subordinação jurídica, desde que seja feita numa situação de dependência económica; e, a segunda, que a extensão do regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, abrange o [al.c] “prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua actividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho”, retira-se que o regime dos acidentes de trabalho, é aplicável a trabalhador que preste o seu serviço numa situação de dependência económica do beneficiário do serviço prestado, quando essa prestação ocorra numa situação de ausência de subordinação jurídica.
Mas se fazer esse percurso e chegar àquela conclusão não oferece dificuldades interpretativas, o mesmo não é de dizer quanto à questão, verdadeiramente fulcral, de determinar o sentido e alcance da expressão “dependência económica”.
A este propósito, mais precisamente, sobre a determinação do âmbito das situações abrangidas pela equiparação estabelecida no art.º 10. º do CT, Bernardo da Gama Lobo Xavier [e outros, na obra conjunta Manual do Direito do Trabalho, 2.º Edição, Verbo, 2014, p. 345/346], observa o seguinte:
-« (..) há situações de trabalho autónomo de extrema semelhança ao trabalho subordinado no plano económico-social, o que levou o legislador a equiparar certos contratos de prestação de serviço a contratos de trabalho.
Na verdade, a circunstância de as normas de tutela características do direito do trabalho pressuporem a existência de um contrato de trabalho (entre quem presta a actividade laboral e aquele que dela se aproveita) leva a que fiquem fora da sua alçada situações em que se justificaria conceder ao prestador do serviço tutela semelhante à que existe para os trabalhadores subordinados. Assim o trabalhador autónomo que, em sua casa, trabalha em exclusivo para uma fábrica de calçado, assegurando o seu sustento e da respectiva família apenas com as receitas obtidas com a execução das operações que a fábrica lhes encomenda (coser sapatos, a um tanto por par), poderá encontrar-se numa situação de dependência económica e social semelhante àquela em que se encontram os trabalhadores subordinados da mesma fábrica, É a chamada «subordinação económica», que alguns designam como «para-subordinação». A proximidade entre as duas situações levou a que, na generalidade dos países e entre nós, desde há muito, se tenha procurado estender ao trabalho autónomo economicamente dependente a proteção dada ao trabalhador subordinado.
É precisamente o que sucede através da figura dos contratos equiparados, a que se referia o art.º 13.º do CT/2003 (..). O CT reformulou esse texto, estabelecendo o art. 10.º (..).
Trata-se, pois, de situações em que não existe subordinação jurídica, já que o trabalhador é autónomo, mas existe subordinação (dependência) económica. Segundo MONTEIRO FERNANDES, haverá dependência económica nos casos de debilidade contratual do prestador de serviços (exclusividade de emprego e de salário na esfera económica de outrem) e em que o processo produtivo do prestador de serviços esteja incorporado no processo produtivo da pessoa servida”.
No Acórdão do STJ que vimos acompanhando, em elucidativa fundamentação que nos permitimos transcrever, lê-se o seguinte:
«Este Supremo Tribunal já decidiu que as sobreditas “equiparações” – designadamente a da L.A.T. para os efeitos previstos nesse diploma – não visaram alterar a conceptualização típica do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviço, por forma a que um vínculo desta última natureza possa beneficiar, sem mais, da protecção legalmente conferida ao primeiro.
Conforme se anota no Acórdão de 19/11/2005 (Recurso n.º 2334/05) – e se reforçou no Acórdão de 9/5/2007, em que o ora relator interveio como adjunto – a falada “equiparação” “... tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei”. [L.A.T.) – (..).
É dizer que um contrato assumidamente tido como prestação de serviço jamais confere ao prestador a protecção consagrada no domínio da sinistralidade laboral: estamos, nesse caso, perante trabalhadores independentes, que exercem uma actividade por conta própria e que “... devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei” (artigo 3.º da L.A.T.).
O esforço que a doutrina e a jurisprudência têm produzido no sentido de fixar o âmbito das mencionadas “equiparações” ilustra, a nosso ver, essa apontada função residual.
Vejamos, a título de exemplo, a delimitação traçada pelo Prof. Pedro Romano Martinez:
“No art. 2.º n.º 2, da L.A.T alarga-se o conceito de acidente de trabalho aos infortúnios que ocorram com quem não seja trabalhador por conta de outrem, de modo a abranger aqueles que tenham contratos equiparados (como o caso do trabalho no domicílio), os praticantes, aprendizes e demais formandos, bem como outros trabalhadores, sem contrato de trabalho, mas que prestem uma actividade na dependência económica da pessoa servida. A situação não se altera substancialmente atendendo ao disposto no art. 18.º da Lei n.º 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho.
O problema reside em saber quando se deve considerar que existe dependência económica nos termos do art. 2.º, n.º 2, da L.A.T.. Por um lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família.
A integração no processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o factor relevante para a existência de dependência económica, pode ser coadjuvada com a continuidade no exercício da actividade, pois, por via de regra, não haverá integração num processo produtivo empresarial se a actividade é desenvolvida de forma esporádica. Não sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de algum modo, excluir do âmbito da Lei dos Acidentes de trabalho os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial (art. 8.º, n.º 1, alínea b), da LAT e art. 292.º n.º 1 do CT).
Por outro lado, a dependência económica pressupõe que a actividade desenvolvida por quem presta o serviço só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o trabalhador autónomo realizar certa actividade, cujo resultado, sendo rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.
Na dúvida em relação a dada actividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual o serviço é prestado (art. 12.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 143/99) (in “Direito do Trabalho”, 3.ª edição, Junho de 2006, páginas 819 a 821 – ..).
A delimitação assim operada demonstra, à saciedade, que um contrato, definitivamente qualificado como prestação de serviço, está fora do âmbito proteccionista da sinistralidade laboral.»[3]
3 - A dependência económica torna-se, assim, título bastante para legitimar a extensão do regime de protecção de acidentes de trabalho consagrado naquela lei, prendendo-se o disposto no referido n.º 2 do artigo 3.º daquele diploma com este fundamento de extensão da tutela e não podendo ser interpretado fora do mesmo.
Na verdade, reforçando a protecção do trabalhador sinistrado, prevê aquele dispositivo que, «quando a lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços».
Estabelece esta norma uma presunção, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, a favor do trabalhador sinistrado, que faz decorrer da mera prestação de trabalho a demonstração da dependência económica do trabalhador relativamente ao beneficiário do trabalho prestado e, por essa via, a protecção decorrente do regime de acidentes de trabalho.
Conforme referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, nas presunções «supõe-se a prova de um facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido»[4].
Fica assim o trabalhador dispensado, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do mesmo código, de demonstrar esta dependência económica que é um dos pressupostos do seu direito à reparação dos danos derivados de acidente de trabalho de que seja vítima, invertendo-se em relação a este facto o ónus da prova.
Contudo, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 350.º, «as presunções legais podem (…) ser ilididas mediante prova em sentido contrário», pelo que o onerado com o efeito probatório derivado da presunção pode afastar o facto presumido que da mesma deriva, fazendo prova em sentido contrário, afastando por essa via os pressupostos do direito que contra si seja invocado».
II.3.2.2 Revertendo ao caso, importa começar por referir que a extensão do regime de protecção de acidentes de trabalho consagrado na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, por via do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade, num propósito de equiparação de protecção, parafraseando o Ac. do STJ citado, que “(..) tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei”.
(…)
É inquestionável que existia por parte do sinistrado uma regularidade na prestação da actividade em benefício do Réu, nomeadamente, ininterruptamente desde a celebração do contrato, em 1 de Dezembro de 2005, até ao dia 23 de janeiro de 2019, quando ocorreu o fatídico acidente.
Por outro lado, como se conclui na apreciação da primeira questão, o sinistrado estava inserido na estrutura organizacional da Ré, outro pressuposto fulcral para que se possa concluir pela existência de dependência económica para os efeitos em causa.
Por último, cingindo-nos ao plano exclusivamente económico, que também dever ser ponderado e correlacionado, mas que não é o decisivo, pelas razões que o Tribunal a quo refere pode igualmente considerar-se que o sinistrado estava dependente dos rendimentos que auferia em contrapartida da execução da actividade de fogueiro para a Ré, para assegurar a normal subsistência, sua e do agregado familiar.[fim de transcrição]

3.2.3. Revertendo ao caso em apreço, no que toca à diferença entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços remete-se para as considerações tecidas no ponto III.3.1. e 3.1.1. do presente acórdão.
E, tendo em conta a matéria de facto provada, não se pode concluir, muito menos de forma segura e inequívoca, que o vínculo contratual então existente entre as partes consubstancie um contrato de prestação de serviços [de modo a que se pudesse concluir que recairia sobre o sinistrado, e não sobre a Ré, a obrigação de efectuar contrato de seguro de trabalhador independente] e sendo que era à Ré que competiria tal prova – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.
Desde logo, no sentido da exclusão do contrato de prestação de serviços [mas sim da existência de contrato de trabalho] militam os factos, a que acima fizemos referência e para onde se remete [ponto III.2.2.], integrantes dos pressupostos de base de actuação da presunção de laboralidade. E, para além desses, outros ainda se podem acrescentar que não abonam no sentido dessa modalidade contratual (prestação de serviços), mas sim no sentido do contrato de trabalho, designadamente os referidos nos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, formação que era ministrada pela Ré (nºs 20 a 23, 61, 62, 76,77), 50, 51, 55, 56, 16 e 57, 59, 64, 65, 66, 67, 68 dos factos provados.
Por outro lado, e no que se refere à dependência económica, de toda a referida factualidade decorre que o sinistrado estava inserido na estrutura organizacional da Ré, para além de que prestava a sua actividade em exclusividade para a Ré.
Acresce que a actividade prestada pelo sinistrado só aproveitava à Ré, beneficiária da mesma, “de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros”, pois que, sendo porventura o seu trabalho rejeitado pela Ré, não poderia o mesmo ser aproveitado por outrem.
E, no que toca ao plano económico, que também deverá ser tido em conta, provou-se que o sinistrado prestava a sua actividade apenas para a Ré, pois que não exercia qualquer outra actividade, vivendo exclusivamente dos rendimentos pagos pela Ré, que constituíam a sua única fonte de rendimento e sendo este também a principal fonte de rendimento do agregado familiar (nºs 64 a 67).
De esclarecer que ao preenchimento do conceito de dependência económica do sinistrado não obsta o curto período da actividade que havia sido contratada – meses de junho a setembro de 2017-, pois que, não obstante, tal se verificou face à sazonalidade da mesma (época de maiores riscos de incêndios florestais) e durante esse mesmo período (apenas não concluído por virtude do acidente de trabalho em apreço nos autos), sendo que, nesse período, se verificou uma regularidade na prestação do trabalho.
De todo modo, e a terminar, certo é que, face à presunção de dependência económica prevista no art. 3º, nº 2, da LAT, era à ré que competia o ónus da prova da factualidade que permitisse concluir no sentido de que tal dependência não se verificava, prova essa que não fez.
Ou seja, também por via do referido fundamento, seria a Ré a responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.

4. Da reparação devida às AA.

Dispõem os artigos 57º, 59º, 60º, 64º e 71º da LAT/2009 que:
- Art. 57.º (Titulares do direito à pensão por morte): “1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado: a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto; b) (…); c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º; (…)”.
- Art. 59º (Pensão ao cônjuge, ex-cônjuge e pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado): “1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte: a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto - 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho; (…)”;
- Art. 60.º (Pensão aos filhos): “1 - Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições: a) Idade inferior a 18 anos; b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado; c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado; d) Sem limite de idade, quando afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho. 2 - O montante da pensão dos filhos é o de 20 % da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40 % se forem dois, 50 % se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80 % da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe.
- Art. 64.º (Acumulação e rateio da pensão por morte): “1 - As pensões por morte são cumuláveis, mas o seu total não pode exceder 80 % da retribuição do sinistrado. 2 - Se as pensões referidas nos artigos 59.º a 61.º excederem 80 % da retribuição do sinistrado, são sujeitas a rateio, enquanto esse montante se mostrar excedido. 3 - Se durante o período em que a pensão for devida aos filhos qualquer um deles ficar órfão de pai e mãe, a respectiva pensão é aumentada para o dobro, até ao limite máximo de 80 % da retribuição do sinistrado. 4 - As pensões dos filhos do sinistrado são, em cada mês, as correspondentes ao número dos que têm direito a pensão nesse mês.”.
- Art. 71º (Cálculo): “1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.4. Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. 5. Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos. (…). 7. Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio. 8. O disposto nos nºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador. 9. O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro. (…)
A A. B… vivia em união de facto com o sinistrado, como decorre dos nºs 35 a 43 dos factos provados.
As AA. C… e D… eram filhas do sinistrado (nºs 2 e 3 dos factos provados).
A A. C… nasceu aos 15.05.1997, frequentando, à data do acidente de trabalho (20.08.2017), o ensino secundário e, actualmente, o 2º ano curricular da licenciatura em Recursos Humanos do H… (nº 44 e 45). A A. D… nasceu os 05.10.1999, frequentando o 1º ano do curso de Licenciatura em Fisioterapia do … (nº 46).
Assim sendo, estão, nos termos dos arts. 57º, 59º e 60º, preenchidos os pressupostos do direito à reparação por parte das mencionadas beneficiárias.

No que toca à retribuição anual a atender está provado que: o sinistrado auferia a retribuição de €400,00 por dia de prestação de trabalho, tendo sido admitido ao serviço em junho de 2017 para a prestação da sua actividade de piloto na época de incêndios florestais até Setembro de 2017; prestou trabalho nos dias referidos no nº 123 dos factos provados; auferiu, em junho, julho e agosto de 2017 as quantias mencionadas no nº 25 [que estão aliás em consonância com a retribuição de €400,00 e número de dias referido em 123]; e que, no dia 20.08.2017, sofreu o acidente de trabalho em apreço nos autos.
Em face do referido e do disposto no citado art. 71º, nºs 1, 2 e 3, a retribuição anual do sinistrado corresponderá a €400 por dia x 22 dias de trabalho por mês [ou seja, excluindo dois de descanso por semana] x 14 meses [incluindo, pois, subsídios de férias e de Natal], sendo, assim, de €123.200,00, como se passará a explicar.
A pensão devida a sinistrado ou, em caso de morte, aos respectivos beneficiários, visa reparar, não a concreta perda de rendimentos que aquele auferiria ao serviço do empregador se não fosse o acidente, mas sim a perda futura da capacidade de ganho do sinistrado, tendo por base a retribuição normal que aquele auferia à data do acidente e não já, necessariamente, o que o mesmo auferiu, tendo o legislador ficcionado, para tal efeito, o que o sinistrado, com base na retribuição normal do dia do acidente, poderia vir a auferir no futuro, independentemente da concreta situação futura que se pudesse verificar. E diz ainda a lei (art. 71º, nº 3) o que se entende por retribuição anual, ficcionando e determinando que esta corresponderá a 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios e de Natal, conceito esse que se abstrai do efectivo recebimento, ou não, de tais subsídios.
No sentido da retribuição anual acima referida pronuncia-se o Acórdão do STJ de 13.07.2006, Proc. 06S1958, in www.dgsi.pt, o qual, tirado embora no âmbito da Lei 100/97, mantém todavia, no âmbito da LAT/2009 [Lei 98/2009], actualidade e cujos ensinamentos são transponíveis para o caso em apreço, aresto esse no qual se refere o seguinte:
Não auferindo o trabalhador uma retribuição mensal, mas uma retribuição à hora, o valor a considerar para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária parcial terá ser a retribuição diária, conforme resulta da citada disposição do artigo 26°, n.° 1, e esta retribuição não pode deixar de ser a que resulta do produto de 9 (horas) x € 5,50, que corresponde a € 49,50.
No que concerne ao cálculo da pensão por incapacidade permanente absoluta, a lei manda considerar a retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado, entendendo-se como tal o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
A circunstância de o trabalhador ainda não ter completado um ano ao serviço do réu não impede que se calcule, com base nos elementos que se apuraram nos autos, qual o montante anual que o trabalhador normalmente auferiria se prosseguisse a sua actividade.
A norma do artigo 26°, n.° 2, ao reportar-se à retribuição anual ilíquida, não pretende significar que a pensão é calculada com base nas remunerações efectivamente auferidas durante um ano. Antes pretende fornecer um método para calcular a retribuição normalmente auferida pelo trabalhador tomando por base o período temporal de um ano.
Por isso mesmo é que a apontada norma do artigo 26°, n.° 4, não toma como ponto de referência a retribuição concreta, mas antes um valor abstracto que resulta da multiplicação da retribuição mensal por doze.
Nestes termos, nada obsta, tal como fizeram as instâncias, que se calcule a retribuição anual por referência aos montantes que o autor recebeu durante o período em que se manteve ao serviço do réu, tomando por base, para esse efeito, a retribuição horária, que era efectivamente praticada, e o tempo de serviço diário prestado. E, do mesmo modo, a retribuição diária, para efeito de ser calculada a indemnização devida por incapacidade temporária, poderá ser fixada, de acordo com o disposto no artigo 26º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, a partir dessa mesma retribuição horária.
É certo que o n.° 5 do artigo 26° prevê um diferente critério de cálculo da retribuição, que tem por base a média dos dias de trabalho e das remunerações auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente, remetendo, na falta destes elementos, para o prudente arbítrio do juiz. No entanto, esta disposição aplica-se apenas às situações em que a retribuição do dia do acidente não representa a retribuição normal, e parece, por isso, abranger apenas os casos em que o trabalhador não tem uma retribuição fixa, ou porque não trabalha todos os dias úteis, ou porque efectua trabalho de diferente natureza que é remunerado de forma variável.
Não é este o caso dos autos já que se provou que o sinistrado auferia uma remuneração determinada, embora referente ao período horário, sendo por isso possível calcular a retribuição mensal e a retribuição anual através da projecção do valor hora.”.
Diga-se ainda, fazendo o paralelismo com a situação de um contrato de trabalho a termo (ou sem termo) de duração inferior a um ano, que a retribuição anual a atender para os efeitos em questão é, não aquela que o trabalhador efectivamente auferiria ou auferiu até ao termo do contrato, mas sim a que o trabalhador auferiria na totalidade dos 12 meses do ano, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, como se o contrato tivesse duração igual ou superior a um ano.
No caso, a retribuição do sinistrado no dia do acidente, de €400,00 por dia de trabalho, correspondia à sua retribuição normal. E, assim, não sendo essa retribuição diferente da sua retribuição normal, apenas haverá que calcular a retribuição mensal por reporte ao número de dias de trabalho, sendo o número de dias a atender o de 22[4] dias de trabalho por mês [descontando, a um período de 30 dias, dois dias de descanso semanal], esse o número de dias úteis, em média mensal dos 12 meses do ano [22 dias esses que correspondem também à média mensal dos meses seja de junho a Setembro de 2017, seja de julho a Setembro, período para o qual foi acordada a prestação de trabalho pelo sinistrado]. A essa retribuição mensal x 12 meses acrescem os subsídios de férias e de natal de montante igual, cada um deles, ao da retribuição mensal.
Diga-se que, na petição inicial, as AA. alegavam que o sinistrado trabalhava 23 dias por mês, pelo que a sua retribuição anual seria de €128.800,00 [400 x 22 x 14, incluindo os subsídios de férias e de Natal].
As AA. não fizeram, contudo, prova de que entre o sinistrado e a Ré haja sido acordado que aquele trabalharia, em cada um dos meses de duração do contrato, 23 dias por mês. Pese embora, no mês de julho, o sinistrado haja trabalhador 23 dias, trata-se, porém e apenas, de um mês, sendo certo que, se não fosse o acidente, se desconhece se teria sido acordado que em agosto e setembro o mesmo trabalharia ou estaria previsto trabalhar 23 dias em cada um desses meses.
E, por outro lado, a Ré também não fez prova de que haja acordado com o sinistrado a prestação de trabalho inferior à média mensal de 22 dias (úteis) de trabalho, tanto mais que, em julho, o sinistrado trabalhou por período superior – 23 dias [e quanto ao mês de junho, decorre dos factos provados que o sinistrado foi admitido nesse mês (nº 49), que teve formação em período anterior a 23 de junho e que nesta data começou a prestar a sua actividade remunerada como decorre dos nºs 25.a) e 123 dos factos provados]. De todo o modo, ainda que, porventura, o período acordado tivesse sido inferior a esses 22 dias de trabalho [este o correspondente a um trabalhador a tempo inteiro], tal seria irrelevante tendo em conta o nº 9 do art. 71º da LAT, nos termos do qual “o cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.”. Ou seja, nunca poderia a retribuição mensal a atender ser inferior a €400/dia x 22 dias, esta a correspondente ao que o sinistrado auferiria se trabalhasse a tempo inteiro.
Afigura-se-nos pois que o sinistrado auferia, à data do acidente, retribuição certa, a qual correspondia à sua retribuição normal do dia do acidente, não sendo a situação enquadrável nos nºs 4 e 5 do art. 71º, sendo que o número de dias de trabalho a atender é, como se disse, o de 22 dias por mês.
Mas, ainda que, porventura, se entendesse que, face ao numero de dias que trabalharia mensalmente, a retribuição mensal (que não a diária, pois esta era sempre de €400 por dia de trabalho) seria diferente da retribuição “normal”, sempre se dirá que, nos termos do nº 5 do citado art. 71º e pelas mesmas razões já referidas, o número de dias a atender para efeitos da retribuição mensal seria o de 22 dias.
Continuando a percorrer o art. 71º, o sinistrado, à data do acidente, também não se encontrava em nenhuma das situações previstas no nº 7 do citado preceito, pelo que este também não é aplicável.
E o caso não consubstancia também situação de trabalho não regular ou de trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador. Nem o sinistrado estava vinculado por um contrato de trabalho a tempo parcial, nem, muito menos, a mais do que um empregador, sendo que trabalhava apenas para a Ré (nºs 64 a 66 dos factos provados). E, por outro lado, o sinistrado, no período em que prestou a sua actividade remunerada - de 23 de junho a 20 de agosto de 2017, esta a data do acidente de trabalho - fê-lo, não de forma irregular, mas sim regular, actividade essa que apenas foi intercalada por dias de descanso. Nem decorre da factualidade provada que a sua contratação se destinasse à prestação de actividade irregular. Aliás, o vínculo entre o sinistrado e a Ré consubstanciava um contrato de trabalho como se deixou dito nos pontos III.3.1. e 3.1.1. do presente acórdão. Não se enquadra pois o caso na situação prevista no nº 8 do art. 71º.
Não decorre também que a contratação do sinistrado consubstanciasse contrato de trabalho a tempo parcial, a que se reporta o nº 9 da citada disposição. Mas, ainda que o fosse, a retribuição a atender sempre seria a que corresponderia ao trabalho a tempo inteiro, ou seja, €400,00 x 22 dias.
Deste modo, e concluindo, a retribuição anual do sinistrado a ter em conta era, nos termos do citado art. 71º, nºs 1, 2 e 3, a de €123.200,00 (€400 x 22 dias úteis x 14 meses).
Tem pois a A. B… direito à pensão anual e vitalícia, actualizável, de €36.960,00 (123.200 x 30%) até à idade da reforma por velhice e à pensão de €49.280,00 (123.200 x 40%) a partir dessa idade.
As AA. C… e D… têm direito, cada uma, à pensão anual, actualizável, de €24.640,00 até aos 22 anos e 25 anos, até frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado e curso de nível superior ou equiparado.
Não há lugar ao rateio de pensões uma vez que o total das pensões não excede 80% da retribuição do sinistrado.
As pensões são devidas desde 21.08.2017, dia imediato ao da morte do sinistrado, devendo ser pagas, até ao 3º dia de cada mês e na residência das AA., em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, correspondentes a 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro (arts. 72º e 73º da LAT).

As AA., nos termos do art. 65º da LAT, têm ainda direito ao subsídio por morte, igual a 12 vezes o valor de 1,1 do IAS à data da morte, este de €421,32 em 2017 (Portaria 4/2017, de 03.01), pelo que têm as AA. direito, a tal título, à quantia de €5.561,42, sendo metade devido à A. B… e, a outra metade, às AA. C… e D….

Têm ainda as AA. direito, nos termos dos arts. 804º, 806º e 559º, todos do Cód. Civil e 135º do CPT, sobre todas as mencionadas quantias, a juros de mora, à taxa legal, sendo os mesmos, sobre as pensões, devidos desde a data em que cada uma das prestações deveriam ter sido pagas (805º, nº 2, al. a), do Cód. Civil) e, sobre o subsídio por morte, desde a data da citação (citado 805º, nº 1), tudo até integral pagamento.

Importa, a terminar, dizer apenas que a Ré não transferiu, para companhia seguradora, a sua responsabilidade pelo risco emergente de acidente de trabalho que o sinistrado fosse vítima como impõe o art. 79º, nº 1, da LAT/2009, pelo que lhe cabe suportar a reparação acima mencionada.
E, esclarece-se, a tal reparação não obsta o contrato de seguro de ocupantes do helicóptero celebrado pela Ré com uma seguradora estrangeira e em consequência do qual as 2ª e 3ª Autoras receberam uma indemnização, no montante de € 250.000,00, já paga (nº 27 dos factos provados). Com efeito, tal seguro não consubstancia o contrato de seguro de acidentes de trabalho imposto pelo citado art. 79º e pelo art. 81º da mesma, nem substitui a necessidade de celebração deste e não desonera a Ré da obrigação de reparação nos termos previstos na LAT/2009.

5. Do reembolso ao ISS, IP

O ISS, IP/CNP veio, nos termos dos arts. 1º e 3º do DL nº 59/89, de 22.02, e 70º da Lei nº 4/2007, de 16.01, deduzir pedido de reembolso de prestações da Segurança Social, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 10.619,92, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, e os respectivos juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, referentes a pensões de sobrevivência pagas às AA. B…, C… e D… por virtude da morte do sinistrado, montante aquele referente às pensões pagas no período de abril de 2018 a junho de 2019.
Ficou provado, conforme nºs 33 e 34 dos factos provados, que o “Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões pagou e encontra-se a pagar pensões de sobrevivência, relativamente ao beneficiário nº ………../.., F… e que foram pagas pensões de sobrevivência, relativas ao período de abril de 2018 a junho de 2019, num total de € 10.619,92, como se segue: a) à unida de facto B…, o valor de € 7.042,24, sendo o valor mensal atual de € 420,72; b) à filha C…, no período de abril de 2018 a fevereiro de 2019 e maio de 2019 a junho de 2019, o valor de € 1.772,12, sendo o valor mensal atual de € 104,32; c) à filha D…, no período de abril de 2018 a junho de 2019, o valor de € 1.806,56, sendo o valor mensal atual de € 112,68.”.
Deve pois a Ré ser condenada a reembolsar o ISS, IP no mencionado montante, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, bem como nas pensões de sobrevivência que, após essa data, hajam sido e venham a ser pagas às AA., acrescido de juros de mora desde a data do pagamento das mesmas até integral pagamento.
Às quantias devidas às AA. a título de pensões e respectivos juros de mora poderá a Ré deduzir as quantias devidas ao ISS, IP a título de reembolso das pensões de sobrevivência pelo mesmo pagas às AA. e respectivos juros de mora (nos montantes que sejam devidos às AA).
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente, em consequência do que se revoga a sentença recorrida e se decide:

I. Reconhecer que o F… foi vítima, aos 20.08.2017, de um acidente de trabalho de que lhe resultou a morte ocorrida nesse dia;

II. Condenar a Ré, E…, SA, a pagar à A. B…, com efeitos a partir de 21.08.2017, na residência desta, a pensão o anual e vitalícia, actualizável, de €36.960,00 até à idade da reforma por velhice e a pensão de €49.280,00 a partir dessa idade, pensão essa que deverá ser paga até ao 3º dia de cada mês, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, correspondentes a 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral pagamento;

III. Condenar a Ré, E…, SA, a pagar a cada uma das AA. C… e D…, com efeitos a partir de 21.08.2017, na residência destas, a pensão anual, actualizável, de €24.640,00 até aos 22 anos e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado e curso de nível superior ou equiparado, pensões essas que deverão ser pagas até ao 3º dia de cada mês, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, correspondentes a 1/14 da pensão anual, pagos nos meses de junho e novembro, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral pagamento;

IV. Condenar a Ré, E…, SA, a pagar às AA. B…, C… e D… a quantia de €5.561,42, a título de subsídio por morte, sendo metade devido à A. B… e, a outra metade, às AA. C… e D…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento;

V. Condenar a Ré, E…, SA, a pagar ao Instituto de Segurança Social, ISS, IP a quantia de €10.619,92 a título de reembolso pelas pensões de sobrevivência por este pagas às AA. B…, C… e D… no período de abril de 2018 a junho de 2019, bem como as demais quantias que, a tal título, hajam sido pagas e venham a ser pagas às mencionadas AA. após junho de 2019, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento e desde, sobre quantia de €10.619,92, da data da citação e, sobre as demais, desde a data do pagamento das mesmas às AA.
Às quantias devidas às AA. a título de pensões e respectivos juros de mora poderá a Ré deduzir as quantias devidas ao ISS, IP a título de reembolso das pensões de sobrevivência pelo mesmo pagas às AA. e respectivos juros de mora (nos montantes que sejam devidos às AA).

Custas, em ambas as instâncias, pela Ré.

Nos termos do art. 120º, nºs 1 e 3, do CPT altera-se o valor da acção, o qual se fixa em €800.632,70 [€36.960x 14,373 + €24.640 x 4,406 + €24.640 x 5,871 + 5.561,42 + €10.619,92] – preceito citado e Portaria 11/2000.

Porto, 15.11.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] (2)consultável em: www.dgsi.pt/(...)
[2] Para melhor percepção, mantém-se o formato da letra- Garamond- quanto a matéria dada como provada pela 1ª instância e não alterada; utiliza-se o formato Times New Roman relativamente às alterações introduzidas.
[3] In www.dgsi.pt, relatado pela ora segundo adjunto.
[4] Por arredondamento pra o mais próximo.