Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/14.6TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: SUSPENSÃO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO
REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA
OBRAS INOVADORAS
PORTÕES DE ACESSO A LOGRADOURO COMUM
ALTERAÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO
Nº do Documento: RP201505111167/14.6TBGDM.P1
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por remissão do artigo 383.º, nº 1 do CPCivil, são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente: a) deliberação contraria à lei, estatutos ou contrato; b) a qualidade de condómino e c) a alegação que da execução da deliberação pode decorrer dano apreciável.
II - No conceito de inovação a que se refere o artigo 1425.º do CCivil cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como também as modificações na afectação ou destino da coisa comum.
III - Para efeitos dessa disposição, obras inovadoras são apenas aquelas que trazem algo de novo. De criativo, benefício das coisas comuns do prédio já existentes, ou que criam outras benéficas coisas comuns; ou pelo contrário, obras que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes, com prejuízo para os condóminos.
IV - Por essa razão, não pode ser considerada obra inovadora a alteração de horário durante o qual os portões de acesso ao logradouro comum deviam estar abertos de forma ininterrupta.
V - E, por assim ser, a aprovação de deliberação que procedeu a tal alteração não carecia de maioria qualificada do capital investido de, pelo menos, dois terços.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1167/14.6TBGDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar-1º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- Por remissão do artigo 383.º, nº 1 do CPCivil, são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente: a) deliberação contraria à lei, estatutos ou contrato; b) a qualidade de condómino e c) a alegação que da execução da deliberação pode decorrer dano apreciável.
II- No conceito de inovação a que se refere o artigo 1425.º do CCivil cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como também as modificações na afectação ou destino da coisa comum.
III- Para efeitos dessa disposição, obras inovadoras são apenas aquelas que trazem algo de novo. De criativo, benefício das coisas comuns do prédio já existentes, ou que criam outras benéficas coisas comuns; ou pelo contrário, obras que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes, com prejuízo para os condóminos.
IV- Por essa razão, não pode ser considerada obra inovadora a alteração de horário durante o qual os portões de acesso ao logradouro comum deviam estar abertos de forma ininterrupta.
V- E, por assim ser, a aprovação de deliberação que procedeu a tal alteração não carecia de maioria qualificada do capital investido de, pelo menos, dois terços.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, casado, residente na Rua …, …, .º Esq., …, veio requerer procedimento cautelar de suspensão provisória da deliberação da Assembleia de Condóminos contra Condomínio do Edifício sito na Rua …, números …, …, …, … e …, …, Gondomar, representado pela senhora administradora C…, moradora na Rua …, …, .º Esqº, ….-… …, peticionando a suspensão da deliberação tomada por aquela Assembleia em de 29 de Abril de 2014.
Para tanto alega, em síntese, que os prédios que compõem o condomínio beneficiavam de logradouro, parcialmente expropriado pela D…, SA, o que motivou a que no final de 2013 fosse refeito o muro divisório da via publica, tendo sido modificado o portão poente a fim de ser permitida a passagem de veículos pesados de mercadorias. Antes da expropriação o portão poente mantinha-se aberto das 07h45m às 20h 30 de segunda a sexta-feira.
A partir de 12.03.2014 foram entregues comandos aos condóminos, tendo a assembleia deliberado o livre acesso ao logradouro, com a manutenção dos portões sempre abertos das 07h 30m às 20h30 de segunda a sábado, o que permite o acesso de terceiros, o risco para as crianças que ali brincam e para os condóminos, com a devassa da sua propriedade.
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Regularmente citado, o requerido não deduziu oposição.
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Considerados confessados os factos articulados pelo requerente, o tribunal lavrou decisão a indeferir a providência requerida por falta da verificação de um dos seus pressupostos.
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Não se conformando com o assim decidido veio o requerente interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
1-A manutenção dos portões permanentemente abertos permite o livre acesso ao logradouro do condomínio por terceiros, estranhos ao mesmo.
2-A livre utilização por terceiros do logradouro colide com o direito de utilização e fruição do mesmo pelo condómino e constitui ofensa ao seu direito de “compropriedade”.
3-A deliberação que regulamenta a forma de utilização de partes comuns obriga a maioria qualificada do capital investido de pelo menos dois terços.
4-A deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 29-04-2014 viola assim a Lei.
5-A revogação da decisão de fls. e sua substituição por outra que julgue procedente providência cautelar é de inteira e sã justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa decidir:
a)- saber se perante a factualidade dada como provada deve, ou não, ser decretada a providência requerida.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que o tribunal recorrido deu como provados:
1º)- Em 29 de Abril de 2014 foi realizada Assembleia Extraordinária de Condóminos do Edifício sito na Rua …, números …, …, …, … e …, …, Gondomar, de que o requerente é condómino.
2º)- Como da acta resulta foi aprovado por maioria o seguinte: “Submetida tal matéria a deliberação dos condóminos, veio a ser aprovada, por maioria, de acordo votação indicada imediatamente infra, a alteração do funcionamento dos dois portões de acesso ao logradouro do condomínio (dos lados nascente e poente) devendo ambos estar ininterruptamente abertos das 07H30 às 20H30, de segunda a sábado.”
3º)- O referido em 2.2. era o ponto único da Ordem de Trabalhos.
4º)- O requerente é condómino do prédio constituído em propriedade horizontal sito na rua …, números …, …, …, … e …, …, Gondomar, titular inscrito no registo do direito de propriedade da fracção autónoma designada pela letra “G”.
5º)- O requerente, esteve presente na assembleia e votou contra a deliberação tomada, emitindo da declaração de voto.
6º)- A requerida é igualmente condómina do mesmo prédio, e a administradora do condomínio, nomeada em 2 de Fevereiro de 2007.
7º)- O condomínio em causa é composto por dois edifícios, implantados num logradouro de utilização comum, para onde dão acesso as entradas dos respectivos imóveis, as garagens afectas às habitações e os armazéns que integram o edifício de serviços nas traseiras.
8º)- O imóvel possuía a configuração que resulta da fotografia aérea de 26/06/2007, conforme cópia a fls. 34.
9º)-Três portões de acesso, sendo um a poente para trânsito de veículos, um pequeno portão central para pessoas, e um terceiro portão a nascente para trânsito de veículos, sendo os portões para veículos de manobra eléctrica.
10º)- Em Dezembro de 2008 o D…, S.A. tomou posse administrativa de parte do logradouro para a construção da E… e destruiu o muro e retirou os portões, e ocupou uma parte do logradouro, e veio a expropriar a parcela assinalada na planta a fls. 35 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido ara todos os efeitos legais.
11º)- Na sequência da expropriação foi, em final de 2013, pela administração do condomínio refeito o muro divisório da via pública de acordo com o novo limite resultante da expropriação e repostos o portão pré-existente a nascente para transito de veículos, o portão central para pessoas, e,
12º)- O portão poente para trânsito de veículos, foi modificado por forma a permitir, como solicitado pelos condóminos titulares das fracções do edifício das traseiras, o trânsito de veículos pesados de mercadorias.
13º)- Os portões possuem accionamento eléctrico e os respectivos comandos foram disponibilizados aos condóminos após a respectiva montagem, sendo que alguns dos condóminos recusaram recebê-los.
14º)- Previamente à expropriação, o portão a poente, e que dá acesso directo à frente dos armazéns do edifício nas traseiras, mantinha-se aberto das 07,45 horas às 20,30 horas de segunda a sexta-feira, sendo o portão a nascente usado mediante o accionamento do respectivo comando.
15º)- A partir de 12 de Março de 2014, foram entregues os respectivos comandos dos portões e passou a ser encerrado e operado com o respectivo comando o portão a Nascente.
16º)- O portão a poente nunca pode ser encerrado, mesmo durante os fins-de-semana, pois alguns moradores, condóminos ou mesmo estranhos têm colocado veículos automóveis no logradouro que impedem que o mesmo possa ser fechado.
17º)- A configuração actual do portão a poente foi prevista de forma a poder assegurar o trânsito de veículos pesados ao edifício onde se encontram os armazéns, como aliás já ocorria, permitindo uma vão livre de cerca de treze metros.
18º)- Enquanto ambos os portões se mantiveram abertos, verificou-se uma completa devassa do logradouro do prédio, com a sua utilização por terceiros para estacionamento, realização de manobras de inversão de marcha, etc., etc., como se tratasse de uma via pública.
19º)- Ao pretenderem que ambos os portões se mantenham abertos durante toda a semana e parte do fim-de-semana, os condóminos que são os proprietários dos armazéns, como aliás resulta da própria acta, pretendem manter aquele “status quo” em prejuízo dos restantes condóminos.
20º)- Com a possibilidade de utilização por quem quer que seja, nomeadamente por terceiros estranhos ao edifício.
21º)- Que utilizam esse logradouro para realizar inversões de marcha, circulando em redor do edifício de habitação, como se publico fosse.
22º)- O logradouro tem sido utilizado como local de estacionamento, quer por terceiros estranhos ao edifício, nomeadamente por “clientes” dos armazéns.
23º)- Situação que se agravou com a actividade que os utilizadores dos armazéns aí vêm fazendo, que passaram a utilizar em beneficio próprio e quase exclusivo o logradouro comum.
24º)- Estacionando os seus funcionários e clientes livremente no logradouro, a que têm acesso sem qualquer controle.
25º)- Nomeadamente os “alunos” da escola de condução que é explorada na fracção “H”.
2.26. A circulação de veículos automóveis de terceiros pelo logradouro constitui, além do mais, um perigo para os condóminos habitacionais, e para a circulação destes no logradouro, pessoas de idade e/ou menores seus filhos ou netos.
27º)- O livre acesso incontrolado ao logradouro permite que o mesmo seja usado por terceiros e no passado dia 27 de Março antes de implementado o encerramento do portão a policia teve de se deslocar ao local pois aí se encontraria “escondido” um veículo automóvel furtado.
28º)- Já foi aí colocado uma carrinha de um estranho ao condomínio para proceder a uma reparação na mesma.
29º)- E, o constante trânsito em redor do edifício de habitação origina ruídos e desgaste que prejudicam de sobremaneira o descanso e tranquilidade dos seus habitantes.
30º)- E, como refere a acta ora em crise, pretende-se o uso indiscriminado do logradouro, como verdadeira via publica fosse, como aliás resulta da justificação que alinham na acta ora posta em crise.
31º)- Alguns condóminos foram já insultados pelo facto de reclamarem pelo abuso por parte de terceiros que colocam abusivamente veículos no logradouro, frente às respectivas garagens, dificultando as manobras de entrada e saída dos seus próprios automóveis.
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III- O DIREITO

Como supra se referiu a única questão que vem colocada no presente recurso prende-se com:
a)- saber se perante a factualidade dada como provada deve, ou não, ser decretada a providência requerida.
O tribunal recorrido indeferiu o decretamento da providência ancorado no facto de a deliberação aprovada, em assembleia de condóminos, não violar qualquer disposição legal imperativa, regulamento do condomínio ou contrato.
Deste entendimento dissente o recorrente fundamentado na circunstância de que a alteração/modificação da forma como são usadas as partes comuns, necessitaria se não da unanimidade, pelo menos de uma maioria de dois terços do capital investido para poder ser eficaz e tomada validamente, sendo que, a deliberação da assembleia de condóminos cuja suspensão se requer, foi tomada por maioria simples.
Quid iuris?
A providência cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos rege-se, por remissão do artigo 383.º do CPCivil, pelo disposto nos artigos 380.º e ss. do mesmo diploma legal.
Ora, estatui 380.º do CPCivil “Pressupostos e fomalidades”, no seu nº 1 o seguinte:
Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
O deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos depende, portanto, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a)- a aprovação de deliberação contraria à lei, estatutos ou contrato;
b)- a justificação da qualidade de condómino;
c)- a alegação que da execução da deliberação anulável pode decorrer dano apreciável.
Como refere o Prof. Lebre de Freitas[1] “os factos de que resulta a ilegalidade da deliberação e os que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão. A prova de uns e outros deve ser oferecida com a petição inicial (artigos 303º, nº 1 e 384º, nº 3), bastando, quanto à ilegalidade, a prova sumária correspondente ao fumus boni juris (...)”.
Como acima se mencionou, o tribunal concluiu que, no caso concreto, falhava o requisito da ilegalidade da deliberação.
A deliberação que fundamenta o objecto da presente providência é a seguinte:
Submetida tal matéria a deliberação dos condóminos, veio a ser aprovada, por maioria, de acordo votação indicada imediatamente infra, a alteração do funcionamento dos dois portões de acesso ao logradouro do condomínio (dos lados nascente e poente) devendo ambos estar ininterruptamente abertos das 07H30 às 20H30, de segunda a sábado”.
Reconhece a lei um conceito amplo de invalidade que abrange as deliberações anuláveis, tanto por desconformidade com a lei como com o regulamento de condomínio aprovado.[2]
Neste conspecto, refere o recorrente que alteração/modificação da forma como são usadas as partes comuns, necessitaria se não da unanimidade, pelo menos de uma maioria de dois terços do capital investido para poder ser eficaz e tomada validamente.
Será que assim é?
Estabelece o artigo 1425.º do CCivil que:
1- As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
2- Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.
Importa, desde logo, dizer que as obras aqui previstas e que integram a qualificação de “inovações”, são aquelas que dizem respeito às partes comuns-cfr. o seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos.
Maioria que não faria sentido se as obras fossem concretizadas no interior de cada habitação pelo próprio proprietário e em prol deste, e sem qualquer interferência nos direitos dos restantes condóminos.
Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o artigo 1422.º, nº 2, al. a) do CCivil.[3]
Nesta circunstância o legislador impõe, como é natural, apenas que se respeite a segurança e a linha arquitectónica do edifício, de modo a preservar as relações de boa vizinhança e o justo equilíbrio de vivência social entre diversas pessoas, e não prejudicar estas. Para além de se pretender preservar a segurança do imóvel e de quem lá habita e a parte estética do edifício.
Relativamente às partes comuns, o nº 2 do artigo 1425.º do CCivil prevê que não serão permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como comuns.
Resulta claramente do regime legal citado que o legislador optou por não definir o que são obras inovadoras nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação, deixando, portanto, esse papel para a jurisprudência que deverá, caso a caso, enquadrar no referido conceito as obras que os condóminos realizarem e que, em face do caso concreto e das circunstâncias fácticas apuradas, possam ser consideradas como tal.
Destarte, a questão que importa responder é a seguinte:
Afinal o que são obras inovadoras? Em que consistem tais obras?
Dúvidas não existem de que inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas.
Etimologicamente “inovar” é nada mais, nada menos, do que “criar”, “fazer algo de novo”, “trazer algo de novo” àquilo que está.
Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que já existe, algo de “criativo”, introduzindo uma “novidade”, ou seja, algo diferente daquilo que está.
São aquelas que alteram a edificação no seu estado original.[4]
Inovadoras serão também aquelas obras que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes com prejuízo para os condóminos ou introduzam modificações na sua afectação ou destino, alterando o seu estado primitivo, alterações que tanto podem ser de substância, como de forma (especialmente o nº 1 do citado artigo 1425.º), como modificações relativas ao seu destino ou afectação da fracção do imóvel (especialmente o nº 2 da mesma disposição).[5]
Feito o recorte da forma descrita daquilo que, pensamos, serão obras inovadoras, não cremos, salvo o devido respeito, que no caso em apreciação a simples alteração do horário de funcionamento dos portões de acesso ao logradouro comum traduza qualquer inovação.
Como resulta da factualidade supra descrita o condomínio em causa é composto por dois edifícios, implantados num logradouro de utilização comum, para onde dão acesso as entradas dos respectivos imóveis, as garagens afectas às habitações e os armazéns que integram o edifício de serviços nas traseiras.
O imóvel possuía três portões de acesso, sendo um a poente para trânsito de veículos, um pequeno portão central para pessoas, e um terceiro portão a nascente para trânsito de veículos, sendo os portões para veículos de manobra eléctrica.
Em Dezembro de 2008 o D…, S.A. tomou posse administrativa de parte do logradouro para a construção da E… e destruiu o muro e retirou os portões, e ocupou uma parte do logradouro.
Na sequência da expropriação foi, em final de 2013, pela administração do condomínio refeito o muro divisório da via pública de acordo com o novo limite resultante da expropriação e repostos o portão pré-existente a nascente para transito de veículos, o portão central para pessoas e, o portão poente para trânsito de veículos, foi modificado por forma a permitir, como solicitado pelos condóminos titulares das fracções do edifício das traseiras, o trânsito de veículos pesados de mercadorias.
Os portões possuem accionamento eléctrico e os respectivos comandos foram disponibilizados aos condóminos após a respectiva montagem, sendo que, alguns dos condóminos recusaram recebê-los.
Antes da expropriação o portão a poente, e que dá acesso directo à frente dos armazéns do edifício nas traseiras, mantinha-se aberto das 07,45 horas às 20,30 horas de segunda a sexta-feira, sendo o portão a nascente usado mediante o accionamento do respectivo comando.
Ora, respigando este quadro factual e tendo em conta o deliberado, verifica-se que em relação ao status quo anterior, o que apenas se alterou foi o horário durante o qual os portões de acesso ao logradouro deviam estar abertos de forma ininterrupta.
Efectivamente, antes da expropriação apenas o portão poente se mantinha aberto de segunda a sexta das 07,45 horas às 20,30 horas e o que foi deliberado é que ambos os portões, poente e nascente, deviam estar ininterruptamente abertos das 07,30 às 20,30 horas, de segunda a sábado.
Significa, portanto, que não vemos como a referida alteração possa consubstanciar obra inovadora no sentido atrás referido.
Com efeito, nem mesmo se pode dizer que houve uma modificação relativa à afectação do logradouro do imóvel. A abertura ininterrupta dos portões, nos moldes deliberados, não inviabilizou ou prejudicou a utilização do logradouro por parte dos condóminos, sendo que, a intromissão de pessoas estranhos no espaço em causa deverá ser desincentivada por outras vias.
É que, no que respeita ao uso das coisas comuns, quando sejam susceptíveis de actos de utilização individual, o princípio aplicável, como claramente resulta do disposto no artigos 1420.º, nº 1 e 1422.º, nº 1 do CCivil é o do artigo 1405.º do mesmo diploma legal: na falta de acordo sobre o uso das coisas comuns, a qualquer condómino é lícito servir-se delas, contanto que as não empregue para fim diferente daquele a que se destinam e não prive ou outros consortes do uso a que igualmente têm direito.[6]
Ora, não vemos que a deliberação objecto da presente providência impeça qualquer condómino de servir-se do logradouro em causa para os fins a que está destinado.
Ademais, importa sopesar que a assembleia de condóminos é o órgão supremo do condomínio e delibera segundo o princípio maioritário, cada condómino dispondo nela (artigo 1430.º, nº 2 do CCivil) de tantos votos quantos as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem atribuída à sua fracção, nos termos do artigo 1418.º, nº 1 do diploma citado.
Como assim, uma vez aprovadas nos termos vertidos na lei, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na assembleia ou, participando, nela se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.
Resulta, assim, do exposto que a aprovação da deliberação tomada, não tendo por objecto qualquer obra inovadora nos termos sobreditos, não carecia, como sustenta o recorrente, de maioria qualificada do capital investido de, pelo menos, dois terços, ou seja, não houve qualquer violação da lei.
Diga-se, aliás, que verificando-se a situação estatuída no nº 2 do artigo 1425.º do CCivil atrás transcrito (inovações que possam prejudicar qualquer dos condóminos na utilização, quer das coisas próprias, quer das comuns), nem com o voto da maioria qualificada a que se refere o nº 1 do mesmo preceito se pode fazer a inovação, contra a vontade do condómino lesado.[7]
Por outro lado, apesar de resultar provado que antes da data da realização da referida assembleia o portão ponte apenas estava completamente aberto entre as 07,45 horas às 20,30 horas de segunda a sexta-feira, a verdade é que do regulamento junto aos autos não resulta essa limitação, nem foi junta pelo requerente qualquer acta onde tal tenha sido deliberado.
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Ora, não tendo ficado demonstrado, ainda que de forma indiciária, que a deliberação cuja suspensão se requer viole qualquer disposição legal, regulamento do condomínio ou contrato, bem indeferida foi a providência requerida por falta de um dos requisitos legais estabelecidos na lei.
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Destarte, improcedem, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada, mantendo-se, pois, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 11 de Maio de 2015.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
______________
[1] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2001, pág. 91.
[2] Importa, porém, que se diga que este regime, não pode valer para todos os vícios, devendo, pois, a disposição que o consagra ser objecto de uma interpretação restritiva. Assim se os condóminos tomarem deliberações de conteúdo contrário a normas imperativas, a sanção aplicável não pode deixar de ser a nulidade. Por outro lado se a assembleia interferir no direito dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas (direito de propriedade) ou nos direitos de uso que a alguns deles hajam sido atribuídos sobre as partes comuns, as respectivas deliberações devem considerar ineficazes-cfr. neste sentido Henrique Mesquita, A Propriedade horizontal no Código Civil Português in RDES, XXIII, pág. 140 e 141.
[3] Neste sentido Henrique Mesquita, obra citada pág. 139, nota 139.
[4] No mesmo sentido cf. João Alves, in “Propriedade Horizontal”, Coimbra Editora, pág. 116.
[5] Neste sentido cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/01/86, in CJ, T. I, pág. 160.
[6] Cfr. Henrique Mesquita obra citada, págs. 130 e 131.