Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15469/19.1T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: DESPACHO JUDICIAL
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP2020062215469/19.1T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho que decide, “determinar que a R. junte documentos referentes a factos que competia à A. conhecer e alegar, quando tal junção se destina a permitir à A. conhecer e concretizar tais factos e quantificar pedidos na petição inicial a aperfeiçoar”, admite recurso, desde logo, se a acção em que é proferido tiver valor de recurso (cfr. art.629º do CPC) e, nos termos da al. k), não da al. d), ambas, do nº 2 do artigo 79º-A do CPT, porque o que está em causa não é uma decisão sobre admissão ou rejeição de meio de prova indicado pelas partes nos articulados.
II – As “infracções” cometidas no processo, apenas, representam uma nulidade processual, em particular, as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º do CPC -, as quais só constituirão nulidade quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 15469/19.1T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1
Recorrente: B…, S.A.
Recorrida: C…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Vem o presente recurso, por apenso à acção declarativa comum, Proc. nº 15469/19.1T8PRT, à qual foi atribuído o valor de €30.000,01, intentada por C… contra B…, S.A., interposto de despacho nela proferido em 02.12.2019.
Naquela a A. veio requerer que julgada procedente e provada, em consequência, seja “a Ré condenada:
1- A pagar-lhe as diferenças salariais verificadas em virtude da diminuição da retribuição desde Maio de 2019 inclusivé, no valor de € 1.083,31 mensais até decisão final.
2- A pagar-lhe o subsídio de férias do ano de 2019 em falta no montante de € 1.012,16 e acréscimos legais.
3- A pagar-lhe a sua retribuição em falta referente ao mês de Março de 2019 no montante de € 60,00 e acréscimos legais.
4- A pagar-lhe o subsídio de alimentação em falta referente aos anos de 2009 (de Agosto a Dezembro), 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e Janeiro de 2018, cuja liquidação não é possível de momento, tendo em conta informação que vai requerer quanto aos dias de trabalho prestados nesses anos e acréscimos legais.
5- A pagar-lhe o valor aos três dias de férias que indevidamente lhe foram retirados em substituição dos de nojo devidos pelo falecimento do seu pai e acréscimos legais para cuja liquidação não dispõe à data de elementos que irá solicitar à Ré.
6- A fazer a actualização salarial que lhe for devida desde 2014, em resultado do Acordo Colectivo de Trabalho.
7- À conclusão da sua avaliação de desempenho relativo ao ano de 2018.
8- A pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, estes no montante de € 5.000,00, aqueles cujo montante se deixa para liquidação de sentença, porque não é possível liquidá-los definitivamente na presente data, na medida em que se alteram todos os meses.
9- A reconhecer à Autora o seu direito a uma ocupação efectiva traduzida no exercício de funções equivalentes às de Regional Manager que desempenhou até Maio/2019.”.
Indicou como “meios de prova, entre outros:
R. que a Ré junte aos autos as seguintes informações:
- Os dias em que esteve ao serviço durante os meses de Agosto a Dezembro de 2009, todos os meses de 2010 a 2015 e Janeiro de 2018, para cálculo do subsídio de alimentação devido.
- O valor correspondente aos três dias de falta que lhe foram cortados em 2010.
- O valor correspondente à actualização salarial que lhe é devida desde 2014”.
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Oportunamente, a Ré contestou, por excepção e impugnação, concluindo que, “devem ser declaradas procedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de não liquidação dos pedidos, absolvendo-se a r. da instância e, em qualquer caso, ser a presente acção declarada improcedente, por não provada, absolvendo-se a r. do pedido com todas as consequências legais”.
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Após, pelo Tribunal “a quo” foi proferido o despacho recorrido, em 02-12-2019, do seguinte teor:
«Findos os articulados, cumpre formular um convite de aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos do disposto no art.º 61.º do C.P.T..
Efetivamente, como refere a Ré, a Autora peticiona vários valores sem que alegue factos suficientes à sua liquidação por parte do Tribunal.
Assim, peticiona diferenças salariais sem fundamentar o valor devido (valor contratado?; por referência a tabela salarial?, e qual); peticiona uma atualização salarial desde 2014 sem referir qual o ACT aplicável, quais os requisitos nele previstos para as atualizações, a existirem; formula um pedido de danos patrimoniais, sem os concretizar; peticiona subsídios de alimentação sem referir quais os dias que trabalhou e não recebeu subsídio de alimentação (pese embora para tal efeito careça das informações que solicita sejam fornecidas pela Ré); peticiona o pagamento de despesas médicas e medicamentosas, mas não quantifica esses pedidos.
Assim, convida-se a Autora a concretizar tais pedidos, juntando aos autos nova petição inicial corrigida.
Previamente, e porque se mostra essencial a tal concretização, notifique a Ré para, em 10 dias, juntar aos autos:
- registo dos dias em que a Autora esteve ao serviço entre Agosto a Dezembro de 2009; todos os meses de 2010 a 2015 e Janeiro de 2018;
- registo de dias de férias gozadas em 2010 e informar “o valor correspondente aos três dias de falta que lhe foram cortados em 2010.”
Juntos os documentos pela Ré, concede-se à Autora o prazo de 10 dias para juntar petição inicial corrigida em conformidade com o exposto, convidando-se a mesma a juntar aos autos os seus recibos de vencimento, podendo a Ré pronunciar-se sobre a petição corrigida no prazo de 10 dias.
Notifique.».
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Inconformada com este a Ré veio arguir a sua nulidade junto do tribunal “a quo” e interpôs recurso, cujas alegações terminou com as seguintes Conclusões:
“1.ª - O Despacho com a ref.ª 409730022 é nulo, por determinar que a R. junte documentos referentes a factos que competia à A. conhecer e alegar, quando tal junção se destina a permitir à A. conhecer e concretizar tais factos e quantificar pedidos na petição inicial a aperfeiçoar.
2.ª - Para conhecer o conteúdo do seu direito e fundamentar os pedidos, a A. dispunha e devia ter desencadeado previamente à acção o procedimento previsto para o efeito no art.º 1045.º do CPC.
3.ª - Os documentos juntos num processo servem para provar factos e não para os obter, quando não houve razão e factos que justificassem a decisão a determinar que a R. procedesse a junção dos documentos.
4.ª - O Tribunal não se pode substituir à A. e transferir para a R. o ónus de carrear para os autos factos e fazer prova quando essa obrigação é da A..
5.ª - O Despacho violou assim o disposto nos art.ºs 410.º, 411.º, 429.º e 1045.º do Código de Processo Civil, sendo nulo nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 1, Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca e deve ser decretado.
6.ª - Por outro lado, ao invés de convidar a A. a corrigir a petição inicial, o Tribunal devia ter julgado procedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de não liquidação dos pedidos.
7.ª - Todas as acções carecem de um pedido e de uma causa de pedir, constituindo esta a narração do facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico que é pretendido, pelo que a A. tem alegar os necessários factos, enunciar os direitos e quantificar os pedidos, o que não aconteceu nos autos.
8.ª - A A. não alegou factos que permitissem ao Tribunal apreciar os pedidos, sendo que houve pedidos que não foram liquidados.
9.ª - Porém, tal omissão não se traduziu numa mera insuficiência de factos mas numa absoluta falta de factos que eram pessoais da A. e tinha obrigação de conhecer.
10.ª - E a A. também podia ter liquidado os seus pedidos porque os factos que o permitiam tinham que ser do seu conhecimento.
11.ª - Face aos requisitos legais, a petição inicial é inepta por falta de alegação dos factos que fundamentam os pedidos e por indeterminação dos mesmos pedidos, o que conduz à nulidade de todo o processo (art.º 186.º do CPC).
12.ª - Face a tal nulidade ou vício da petição inicial, a R. devia ter sido absolvida da instância, em vez de haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento daquele articulado, ainda por cima determinando-se que previamente a R. juntasse elementos para a A. poder concretizar os factos.
13.ª - Os art.ºs 27.º e 61.º do CPT não impõem o dever do Juiz "salvar" a petição inicial numa situação como a dos autos, que foi a falta absoluta de factos, o que impedia a existência da própria causa e o conhecer dos pedidos.
14.ª - O decidido convite ao aperfeiçoamento também representa uma alteração da causa de pedir e dos pedidos ilícita e à revelia do disposto nos art.ºs 264.º e 265.º do CPC.
15.ª - Face ao modo como a A. estruturou a sua acção e pedidos, o Tribunal deveria ter considerado os pedidos ineptos e absolvido a R. da instância.
16.ª - Ao não o fazer e ao convidar ao aperfeiçoamento, o Despacho também infringiu, essencialmente, o disposto nos art.ºs 27.º e 61.º do Código de Processo do Trabalho e nos art.ºs 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), 264.º, 265.º, 576.º e 578.º do Código de Processo Civil, que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido supra exposto, o que se impõe seja corrigido.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Ex.ªs, doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao Recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
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Notificada da arguição de nulidade e da interposição do recurso pela Ré, a A. veio responder à arguição e suscitar a questão da inadmissibilidade do recurso, nos termos que constam da sua alegação e sem formular conclusões, termina requerendo que se desatenda a arguição de nulidade, julgue inadmissível o recurso interposto ou improcedente com as consequências legais.
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Após, em 17-02-2020, no Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho:
“Da nulidade do despacho datado de 02/12/2019 (ref. 409730022):
Invoca a Ré a nulidade do despacho em causa, “(…) porquanto determinou a junção de elementos que competia à A. conhecer, sendo que, caso esta carecesse de tais elementos deviam ter desencadeado previamente à acção o procedimento processualmente previsto para o efeito.”
Considera que, “Caso a A. necessitasse de tais elementos para apurar a existência ou o conteúdo do seu direito e para construir a fundamentação do seu pedido, devia ter lançado mão do mecanismo previsto no art.º 1045.º do CPC e previamente à acção, caso se verificasse os requisitos para tal, o que a A. também nem sequer alegou.”
Entende que “(…) o Tribunal, ignorando o dever de impulso processual, substitui-se à A., e determinou a junção aos autos de um meio de prova, sem a necessária alegação dos factos que é suposto aquela traduzir.” E que tal despacho “(…) é, assim, nulo por se traduzir num acto de instrução sem razão e sem factos que justifiquem esse acto, e por se tratar duma substituição inaceitável do dever de impulso que compete a quem se arroga ao direito que pretende ver acautelado.”
Conclui que o despacho em causa “(…) violou o disposto nos art.ºs 410.º, 411.º, 429.º e 1045.º do Código de Processo Civil, pelo que o mesmo é nulo, nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 1, Código de Processo Civil (…)”
A Autora respondeu, pugnando pela improcedência da invocada nulidade.
Cumpre decidir:
Findos os articulados, a Autora foi convidada a concretizar determinada matéria alegada, tendo-se previamente determinado que a Ré juntasse aos autos o registo dos dias em que a Autora esteve ao serviço entre Agosto a Dezembro de 2009; todos os meses de 2010 a 2015 e Janeiro de 2018; registo de dias de férias gozadas em 2010 e informar “o valor correspondente aos três dias de falta que lhe foram cortados em 2010.”
É contra esta parte do despacho que a Ré se insurge, por entender que o Tribunal se substituiu à Autora no dever de impulso processual, tendo praticado um acto de instrução sem razão e sem factos que justifiquem esse acto.
É certo que não se olvida o meio processual previsto no art.º 1045.º do CPC a que a Autora poderia ter recorrido em fase prévia à presente ação, por forma a dotar-se de elementos para melhor poder concretizar os factos que invoca e exercer os direitos que entende serem devidos.
Porém, com o devido respeito por diversa opinião, no caso dos autos a Autora alega um reduto factual mínimo que permite identificar a causa de pedir e o pedido formulados na ação, apenas carecendo, quanto a alguns aspetos concretos, de maior concretização, nos termos do despacho aqui posto em causa. Concretização de factos que melhor poderá ser cumprida caso a Ré forneça os elementos documentais solicitados.
Assim, considera-se não ter sido cometida qualquer nulidade, circunscrevendo-se o despacho em causa nos poderes deveres do juiz em ordenar o regular andamento do processo, convidando as partes a suprir imprecisões na concretização de matéria de facto oportunamente alegada, bem como à junção de documentos – cfr. art.º 590.º, n.º 2, al. b) e c) do C.P.C..
Termos em que julgo improcedente a invocada nulidade.
Custas do incidente a cargo da Ré, fixando a taxa de justiça em 1UC – cfr. art.º 527.º, nºs 1 e 2 do C.P.C. e art.º 7.º, n.º 4 do RCP.
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Interpõe a Ré recurso do mesmo despacho.
A Autora entende que o recurso é legalmente inadmissível em face do disposto no art.º 590.º, n.º 7 do C.P.C..
No caso, a parte do despacho sobre a qual a Ré se insurge é aquela em que a mesma é notificada para junção de documentos, por entender que foi praticado um acto de instrução sem razão e sem factos que justifiquem esse acto.
Assim, o recurso incide sobre um meio de prova, pelo que é legalmente admissível –cfr. art.º 79.º-A, n.º 2, al. d) do C.P.T..
Termos em que admito o recurso interposto pela Ré, como apelação, para o Tribunal da Relação do Porto, com efeito devolutivo, e subida em separado – cfr. artigos 83.º, n.º 1 e 83.º-A, n.º 1 e 2, do C.P.T..”.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, por considerar, que dado o recurso dizer respeito a questão eminentemente processual civil, lhe estar vedada a possibilidade de emitir aquele, por inaplicabilidade do artigo 87º, n.º 3, do CPT.
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Cumpridos os vistos, nos termos do nº 2 do art. 657º, do CPC, há que apreciar e decidir.
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Questão Prévia:
- Inadmissibilidade ou não do recurso.
A. A/recorrida, nos termos e com os fundamentos que invoca no seu requerimento de resposta ao recurso da Ré vem defender que deve ser proferido despacho de indeferimento daquele, nos termos do art. 641º, nº 2, al. a) do C.P.Civil, desde logo, porque considera que a decisão não admite recurso
Fundamenta a sua pretensão alegando, em síntese, que “diz o artigo 590º nº 2 al. c) do C.P.Civil que findos os articulados pode o juiz determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias ou o conhecimento no todo ou em parte do mérito da causa no despacho saneador. E diz o nº 4 daquele preceito que incumbe ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões dos articulados. Finalmente diz o nº 7 ainda da supra citada norma que não cabe recurso do despacho do convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados. Não restam dúvidas que o douto despacho ora em crise se contém na previsão do artigo 590º do C.P.Civil.”.
Que fosse desse modo, não o decidiu o Tribunal recorrido, admitindo-o, por julgar ser o mesmo “legalmente admissível –cfr. art.º 79.º-A, n.º 2, al. d) do C.P.T.”, referindo que “no caso, a parte do despacho sobre a qual a Ré se insurge é aquela em que a mesma é notificada para junção de documentos, por entender que foi praticado um acto de instrução sem razão e sem factos que justifiquem esse acto”, ou seja por considerar que “o recurso incide sobre um meio de prova”.
Que dizer?
Desde logo, que não assiste razão à recorrida. Pese embora, também, não mereçam a nossa concordância os fundamentos invocados pelo Tribunal “a quo”, para decidir quanto à sua admissibilidade.
Pois, sempre com o devido respeito, por diferente entendimento, não se suscitam dúvidas que, o despacho recorrido é admissível, uma vez que como bem se referiu no despacho que o admitiu, o que está em causa, “a parte do despacho sobre a qual a Ré se insurge é aquela em que a mesma é notificada para junção de documentos” e, esta parte do despacho é susceptível de recurso. E é-o, não por como naquele se considerou “incidir sobre um meio de prova e a recorrente entender que foi praticado um acto de instrução sem razão e sem factos que justifiquem esse acto”, mas sim, por o despacho recorrido, como a recorrente alega, “determinar que a R. junte documentos referentes a factos que competia à A. conhecer e alegar, quando tal junção se destina a permitir à A. conhecer e concretizar tais factos e quantificar pedidos na petição inicial a aperfeiçoar.”.
Ou seja, o recurso não é admissível, nos termos em que o considerou o Tribunal “a quo” – al. d) do nº2 do artigo 79º-A do CPT – por não incidir sobre um meio de prova porque, na verdade o que está em causa não é uma decisão sobre admissão ou rejeição de meio de prova indicado pelas partes nos articulados. Igualmente o recurso não cabe na previsão do artigo 590º, nº2, al. c) e nº7 do CPC pelas razões já referidas (a junção de documentos pela Ré com vista à Autora apresentar nova petição onde concretize determinados factos).
Sem dúvida, o despacho recorrido (na parte em que ordena a junção de documentos pela Ré) é recorrível, admite recurso, desde logo, porque a acção tem valor de recurso (cfr. art.629º) e, porque a Ré/recorrente se considera prejudicada, com o que nele foi decidido, (tendo, por isso legitimidade para recorrer, cfr. 631º) arguindo até a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 195º junto do Tribunal recorrido, como supra se deixou exposto e, pugnando pela sua revogação quer por discordar da parte do mesmo em que se convida a A. a concretizar pedidos e juntar aos autos nova petição inicial corrigida e, fundamentalmente, por discordar da parte em que nele, previamente, foi ordenada a sua notificação para, em 10 dias, juntar aos autos documentos que o Tribunal “a quo” considera mostrarem-se essenciais àquela concretização do convite efectuado à A..
Deste modo, sem qualquer dúvida, ao contrário do que defende a recorrida, o recurso (na parte é que ordena a junção de documentos pela Ré) é admissível, ainda, que não o seja nos termos em que o foi pelo tribunal “a quo”, mas atento o disposto na al. k), do nº 2, daquele art.º 79.º-A do C.P.T.
Improcede, assim, a questão prévia suscitada pela recorrida.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho – diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos a questão, única, a decidir e apreciar consiste em saber, se o Tribunal “a quo” errou e o despacho recorrido é nulo, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e devidamente documentados nos autos.
Vejamos.
A recorrente, com os fundamentos que invocou no requerimento dirigido ao Mº Juiz “a quo” e sintetizou nas conclusões veio arguir a nulidade do despacho recorrido, nos termos do disposto no art.º 195º, nº 1, pedindo que seja decretada a sua nulidade, “por determinar que a R. junte documentos referentes a factos que competia à A. conhecer e alegar, quando tal junção se destina a permitir à A. conhecer e concretizar tais factos e quantificar pedidos na petição inicial a aperfeiçoar.”.
Quanto à invocada nulidade, nos termos que constam da resposta que apresentou ao recurso, a recorrida considera que deve ser desatendida.
Apreciando, o Tribunal “a quo”, conforme consta do despacho, de 17.02.2020, que se deixou supra transcrito, julgou improcedente a invocada nulidade, por considerar “não ter sido cometida qualquer nulidade, circunscrevendo-se o despacho em causa nos poderes deveres do juiz em ordenar o regular andamento do processo, convidando as partes a suprir imprecisões na concretização de matéria de facto oportunamente alegada, bem como à junção de documentos – cfr. art.º 590.º, n.º 2, al. b) e c) do C.P.C.”.
Vejamos, então.
Adiantando que, em nosso entendimento, assiste razão à recorrente.
Sempre, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não só errou, aquando da prolação do despacho recorrido, como errou quando se pronunciou sobre a inexistência da invocada nulidade daquele, não só por errada interpretação do decidido no primeiro mas, também, por errada interpretação dos fundamentos invocados pela recorrente, para justificar a arguida nulidade daquele.
Senão, vejamos.
O despacho recorrido proferido, findos os articulados, nos termos do disposto no art. 61º, do CPT, contém duas partes, distintas uma da outra. Por um lado, o convite à A. para que concretize os pedidos, cujo montante deixou para liquidação de sentença, juntando aos autos nova petição inicial corrigida, após a junção aos autos dos documentos que, por outro lado, aquele ordenou a notificação da Ré para juntar, por se mostrarem essenciais à concretização que se convida a A. a fazer.
E, é precisamente, quanto à parte do despacho que lhe é dirigida, que a Ré veio arguir a sua nulidade. E, como consta da sua alegação, invoca ser o mesmo nulo “por determinar que a R. junte documentos referentes a factos que competia à A. conhecer e alegar, quando tal junção se destina a permitir à A. conhecer e concretizar tais factos e quantificar pedidos na petição inicial a aperfeiçoar”, como já referimos.
Daí que tenhamos dito, que no despacho que se pronunciou sobre a arguição da nulidade, o Tribunal “a quo” errou, não só por errada interpretação do decidido no primeiro mas, também, por errada interpretação dos fundamentos invocados pela recorrente. E, por isso errou quando considerou não ter sido cometida qualquer nulidade “– cfr. art.º 590.º, n.º 2, al. b) e c) do C.P.C.”.
Justificando.
Comecemos, por analisar o que dispõem os dispositivos em causa.
O art. 61º, do CPT, no âmbito do qual foi proferido o despacho recorrido, sob a epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados”, dispõe:
“1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 a 7 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º do presente Código.
2 - Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa.”.
Por sua vez, aquele art. 590º, correspondente ao (art. 234º-A/508º CPC 1961), sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, dispõe:
“(...).
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.”.
E, o referido art. 27º, do CPT, sob a epígrafe “Dever de gestão processual”, dispõe: “1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz deve, até à audiência final:
a) Mandar intervir na acção qualquer pessoa e determinar a realização dos actos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação;
b) Convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.”.
Ora, atento o que decorre destes dispositivos, se é certo, ao contrário do que defende a recorrente, veja-se conclusão 6ª da sua alegação, ser legítimo o convite dirigido à A., nos termos constantes do despacho recorrido, atento o disposto no nº 1, do art. 26º e na al. b), do nº 2, daquele art. 27º, ambos do CPT, já na parte em que determina a notificação da Ré, nos termos e para os efeitos, nele referidos, junção de documentos aos autos com vista a servirem de fundamento para a A. concretizar os pedidos e apresentar nova petição corrigida, já não podemos deixar de concordar, com a recorrente. Essa parte do despacho é nula porque, o que à mesma é ordenado, consubstancia um acto que não está previsto no art. 590º, nº2 ou no art. 27º, nº2 do CPT.
Ao contrário do que foi considerado no despacho, supra transcrito, que se pronunciou sobre a arguida nulidade, naquela parte o despacho recorrido, não tem suporte legal, o mesmo não se encontra circunscrito nos poderes deveres do juiz em ordenar o regular andamento do processo, uma vez que a junção de documentos, que lhe é permitida ordenar, nos termos do nº 2, do art. 590º, al c), é, apenas, “com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador”, (cujo conhecimento não foi anunciado no despacho recorrido) coisa bem diversa do que determinou a notificação da Ré, para juntar aos autos os documentos em causa.
Não estando tal notificação prevista/permitida nos art.s 590º, nº2 e 27º, nº2 do CPT (note-se: com vista à concretização da petição inicial cujo convite foi formulado à Autora) foi cometida infracção.
Como bem refere a recorrente na sua alegação “O previsto no art.º 429.º n.º 1, parte final, do CPC não visa suprir a falta de concretização dos factos em que a A. sustenta a sua pretensão mas, apenas, fazer prova, mediante documentos que se encontram em poder da parte contrária, de factos concretos previamente alegados.”.
Acrescendo, que sempre essa notificação e junção aos autos desses documentos, na fase processual em que ocorreu, configuraria a prática de um acto inútil – que não é lícito praticar, conforme art. 130º -, basta colocar a hipótese de a A., no âmbito do livre exercício dos seus direitos, não acatar o convite de concretização que lhe foi efectuado.
Cremos, assim, face ao que se deixa exposto que na parte, em que no despacho recorrido se ordena a notificação da Ré, para juntar documentos, ocorre infracção, como já dissemos.
E, tendo sido cometida infracção cumpre, então, analisar se se está perante a nulidade prevista no art. 195º, como defende a recorrente.
Dispõe, este, art. 195º, correspondente ao (art. 201º CPC 1961), sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos”, que:
“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.”.
Regressando ao caso, foi praticado acto – a notificação da Ré para juntar documentos tendo em vista possibilitar à Autora a concretização de determinados factos constantes da petição inicial – que as leis processuais (laboral e civil) não admitem.
No entanto, tais leis não cominam, expressamente, a nulidade para o caso.
Resta, deste modo, analisar se a “irregularidade” cometida pode influir no exame ou na decisão da causa. E salvo o devido respeito, não se nos afigura que o despacho proferido, na parte que a recorrente se insurge contra o mesmo, possa influir no exame ou na decisão da causa, pelo que não se poderá concluir pela sua nulidade, nos termos invocados pela recorrente.
Ou seja, quando assim acontece, não podemos ter por verificada qualquer nulidade processual, em concreto, nos termos prescritos naquele nº1, do art. 195º.
Pois, como bem referem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in “Manual de Processo Civil”, 1985, pág.s 387 e ss.), a propósito das nulidades processuais, em concreto, as “nulidades secundárias”, atípicas ou inominadas, que são genericamente aquelas a que se refere o art. 195º, invocado pela recorrente, os desvios processuais constituirão aquelas, “desde que relevantes”. E prosseguem, “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa”. O que, como já dissemos, reiterando o necessário respeito, não se nos afigura seja o caso, na parte, do despacho recorrido contra a qual a recorrente se insurge.
Acrescendo que, a notificação ordenada à Ré, para juntar os documentos em causa, atento o requerido pela A., em sede de meios de prova, sempre poderia considerar-se, apenas, prematura, já que como decorre da petição inicial, o Tribunal “a quo” terá de apreciar os meios de prova pela mesma requeridos e entre eles o facto da A., ter requerido “... que a Ré junte aos autos as seguintes informações:
- Os dias em que esteve ao serviço durante os meses de Agosto a Dezembro de 2009, todos os meses de 2010 a 2015 e Janeiro de 2018, para cálculo do subsídio de alimentação devido.
- O valor correspondente aos três dias de falta que lhe foram cortados em 2010.
- O valor correspondente à actualização salarial que lhe é devida desde 2014”.
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Improcede, assim, a apelação, sendo certo que, a primeira parte do despacho é irrecorrível, atento o disposto no referido nº7 do art. 590º.
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III - DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se nesta Secção, ainda que por fundamento diverso, em julgar improcedente a apelação.
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Custas pela apelante.
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Porto, 22 de junho de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Carvalhão