Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
891/16.3T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
NULIDADE DA CESSÃO
CLÁUSULA CUM POTUERIT
Nº do Documento: RP20180627891/16.3T8PVZ.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS, N.º 836, FLS.222-227)
Área Temática: .
Sumário: I - O cedente tem o dever de garantir a existência, a validade e a legitimidade do contrato cedido, assegurando não se tratar de relação contratual nula, anulável, prescrita, etc.. Essa constatação decorre do facto de não ser admissível ceder o que não existe nem o que não se tem. Se o contrato base for nulo, nula também será a sua cessão, com responsabilidade do cedente diante do cessionário.
II – A cláusula cum potuerit, prevista no artigo 778º, nº 1, CC, demanda que para exigir o cumprimento, o credor terá de alegar e provar duas situações:
1ª que o devedor dispõe de meios económicos bastantes para efectuar a prestação, e
2ª que este cumprimento não o deixa em situação precária ou difícil.
O activo Imobilizado é formado pelo conjunto de bens necessários à manutenção das actividades da empresa pelo que esses bens não podem ser alienados, sem mais, pois podem fazer perigar essa actividade e, em consequência, colocar o devedor em situação precária ou difícil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 891/16.3T8PVZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
B…, S.A., com sede no …, …, …. - … …, Santo Tirso, intentou acção declarativa comum contra C…, com sede na Rua …, n.º …, …. - … …, Santo Tirso, pedindo que julgada procedente por provada a presente acção seja o réu condenado a pagar à autora o montante de 252.750,00 Euros (duzentos e cinquenta e dois mil e setecentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas judiciais.

Alegou, em síntese, que em 23 de Dezembro de 2013, por documento particular, D… cedeu à autora o crédito que detinha sobre o C…, resultante de prestações acessórias, no montante global de 252.750,00 euros. A referida cessão de créditos foi comunicada ao Clube que, apesar de interpelado para o efeito, nunca liquidou a referida quantia à autora, o que mesma reclama nesta acção.

O réu contestou, impugnando a matéria invocada, defendendo que o C… é uma associação sem fins lucrativos com personalidade jurídica, que não tem capital social e, nessa medida, também não lhe podem ser feitas prestações acessórias de capital, nem os sócios, no caso os associados, estão obrigados a efectuá-las, razão pela qual inexiste o crédito alegadamente cedido, pois que não se pode transmitir aquilo que não existe ou que não se tem. Alega também que, na verdade, D…, enquanto Presidente do Clube, sempre geriu o mesmo de forma autocrática, e, à semelhança de outros presidentes, contribuiu financeiramente para o desenvolvimento da actividade do Clube, com várias entregas financeiras ao réu, lançadas na contabilidade do clube em conta corrente aberta, existindo um acordo entre as partes de que os reembolsos das quantias assim recebidas seriam feitos quando e se houvesse fundos suficientes para tanto. Deste modo, não tendo o Clube verba para o efeito, pois que não tem lucros de exercício há mais de três anos, o alegado crédito é inexigível.

Cumprido o contraditório, afirma a autora que lhe foi transmitido pelo cedente que a referência a prestações acessórias no documento de cessão se trata de um lapso de escrita/redacção, e que dúvidas não existem que esse crédito existe, estando registado na contabilidade do Clube como dividas a terceiros. No que ao alegado acordo entre as partes se refere afirma que não logrou o réu demonstrar ou provar que foi, de facto, celebrada entre as partes um acordo de pagamento com uma cláusula cum potuerit, e ainda que o tivesse demonstrado, não apresentou qualquer prova da sua impossibilidade de liquidar o valor em divida.
Juntou aos autos um extracto de conta (fls. 136 verso), em nome de D…, com um total de saldo devedor de 252.750,00 euros, extracto esse que não foi objecto de qualquer impugnação pelo clube réu.

Findos os articulados, e proferido respectivo despacho saneador, em audiência prévia designada para esse efeito, realizou-se então a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu em obediência ao formalismo legal, como consta da respectiva acta.

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o réu do pedido.

B…, LDA veio interpor recurso, concluindo:
1. O recurso é de matéria de facto e de direito;
2. O tribunal a quo deveria ter dado como não provado os factos constantes dos pontos 11, 15 e 16, nos termos supra fundamentados;
3. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que “Nessa reunião, D… disse-lhes que o contrato de cessão de créditos ajuizado de um mero documento contabilístico se tratava, no sentido de que correspondia a uma alteração do titular do crédito, nunca tendo transmitido ou assegurado que o mesmo não seria exigido”, em alteração do facto dado como provado sob o ponto 18;
4. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que “O réu tem activo imobiliário, nomeadamente o estádio de futebol, um pavilhão, um campo sintético e um pequeno relvado, bem como receitas, nomeadamente, renda pela utilização do estádio paga pela SAD no valor de 2.500,00 Euros mensais, quotas dos sócios, patrocínios da câmara, mensalidades das formações e publicidade.”;
5. O tribunal a quo deveria ter dado como provado que “O réu tem possibilidades de liquidar o valor reclamado, nomeadamente através de um plano de pagamentos em prestações ou de troca de serviços, conforme já conversado em reunião com a administração da B…”;
6. Nos termos do artigo 405.º do Código Civil, as partes têm a faculdade, dentro dos limites da lei, de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver;
7. É o chamado princípio da liberdade contratual, dimensão mais visível do princípio da autonomia privada, que permite às partes, nomeadamente, a introdução de uma cláusula cum potuerit;
8. Qualquer cláusula a introduzir pelo réu teria sempre que ter a concordância e aceitação do mutuário D…, o que não aconteceu, conforme resulta do seu depoimento;
9. Não tendo o mutuário D… acordado na introdução daquela cláusula, a mesma não existe e como tal não pode ser imputável à Autora;
10. Resulta claro dos depoimentos das várias testemunhas, bem como dos depoimentos de parte, que a existir um acordo de exigir o crédito apenas quando o réu puder pagar se trata de um “acordo de cavalheiros” ou de um “compromisso de honra”;
11. Como ensina Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, p. 382, “estas convenções são combinações sobre matéria que é normalmente objecto de negócios jurídicos, mas que estão desprovidas de intenção de efeitos jurídicos”, ficando, neste caso, o devedor dependente apenas da honorabilidade do credor que concordou com aquela cláusula;
12. O mesmo carece de qualquer relevância ou efeito jurídico, muito menos quando não há sequer aceitação ou concordância do credor quanto ao mesmo;
13. Nunca poderia o cumprimento de tal “acordo de cavalheiros” ser exigido ao mutuário D… e, em consequência, à ora Autora;
14. A cláusula cum potuerit admite a possibilidade de a prestação só ser exigível tendo o devedor a possibilidade de cumprir, nos termos do artigo 778.º, n.º 1 do Código Civil;
15. A cláusula pressupõe a existência da divida e da obrigação de pagamento;
16. O Réu confessa que não há qualquer obrigação de pagamento e que o acordado era não pagar;
17. Ainda que se entenda que foi acordada pelas partes a sujeição do contrato de mútuo a uma cláusula cum potuerit e que a mesma tem eficácia jurídica e, como tal, pode ser imputável à Autora, “nem por isso deixa de ter direito à prestação, apenas não conseguindo obter o pagamento na altura pretendida por subsistir a dúvida de que o vencimento se verificou e ter ele de ver tal dúvida ser resolvida contra si” – neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.11.2002, relator Silva Salazar, disponível em www.dgsi.pt;
18. Uma vez que a cláusula com potuerit não determina a inexistência jurídica da obrigação de cumprir, nunca poderia o tribunal a quo ter julgado totalmente improcedente a acção;
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se o Recorrido a pagar à Recorrente o valor peticionado, julgando-se a acção totalmente procedente e assim se fazendo, JUSTIÇA!

O C… apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se a recorrente pode exigir do réu, nesta altura, o cumprimento do contrato objecto da cessão de créditos que celebrou com D….

II - Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes:
Factos provados
1º. A autora enviou ao réu, que as recebeu, as cartas datadas de 02/09/2015 e
16/05/2016, juntas como documentos 2 e 3 com a petição inicial cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2º. O réu, C…, é uma associação sem fins lucrativos com personalidade jurídica.
3º. Entre as épocas 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010 foi Presidente da Direcção do réu D….
4º. Nos mesmos mandatos era Presidente do Conselho Fiscal, E…, pai daquele D… e na última época (2010/2011) o próprio D….
5º. Na época 2010/2011, D… fez parte de uma comissão administrativa e conselho fiscal.
Mais se provou que:
6º.Em 23 de Dezembro de 2013, por documento particular, D… declarou ceder à B…, Lda., pelo preço de 245.000,00 Euros, o crédito que detinha sobre o C…, resultante de prestações acessórias, no montante global de 252.750,00 euros, nos termos do doc. 1 junto com a p.i. aos autos e cujo teor aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
7º. A referida cessão de crédito foi comunicada ao C… por D…, por carta que enviou ao Clube, em data não concretamente apurada, mas que terá sido recebida pelo réu entre Dezembro/2013 e Janeiro/2014.
8º. Apesar de interpelado para o efeito, o réu nunca liquidou a referida quantia.
9º. O réu não tem lucros do exercício há mais de 3 anos.
10º. Os exercícios contabilísticos do réu, tal como os mandatos dos respectivos órgãos, são anuais, iniciam-se em 01 de Julho e terminam em 30 de Junho.
11º. A gestão do réu era conduzida de forma autocrática pelo respectivo Presidente da Direcção, D…, que tinha o poder de pôr e dispor, de decidir como se fazia ou desfazia, poder que exercia de modo efectivo, sem que lhe fossem levantadas questões ou dúvidas pelos demais membros dos órgãos sociais.
12º. Os Presidentes do réu actuavam de modo directo e indirecto para que a capacidade financeira do Clube fosse pelo menos suficiente para prosseguir os seus fins, para cumprir orçamentos, orçamentos que aqueles Presidentes preparavam de acordo com as suas próprias possibilidades.
13º. Os Presidente da Direcção e do Conselho Fiscal sempre encontraram fórmulas para, através das suas empresas, das empresas de que eram sócios/accionistas e gerentes/administradores, contribuir financeiramente para o desenvolvimento da actividade do réu, designadamente para que pudesse celebrar contratos de transferência (“compra”) de jogadores de futebol e pudesse acorrer outras obrigações de pagamento da sua responsabilidade.
14º. Durante o período em que fez parte dos órgãos do clube D… terá efectuado várias entregas financeiras ao réu, sendo tais montantes lançados na contabilidade do clube, manifestando-se o seu recebimento numa conta corrente aberta em nome de D….
15º. Entre as partes existia um acordo – que permanece – no sentido de que o réu reembolsaria/reembolsará D… das quantias recebidas se e quando puder.
16º. D… conhecia a situação económica e financeira do réu, bem sabendo que este não tinha qualquer possibilidade de o reembolsar daquelas quantias, aceitando que os dinheiros que entregasse ao Clube só lhe seriam reembolsados se e quando este o pudesse.
17º. Quando recebeu a carta de comunicação de cessão do crédito, alguns dos membros da Direcção do réu contactaram o cedente do crédito e reuniram com o mesmo na sede da autora – de que, à data, o cedente era administrador – e manifestaram a sua estranheza e preocupação com o teor daquela carta.
18º.Nessa reunião, D… sossegou-os, dizendo-lhes que o contrato de cessão de créditos ajuizado de um mero documento contabilístico se tratava, ficando tudo na mesma.
19º. Por força da conta corrente estabelecida entre D… e o réu, em 30/04/2013 a mesma apresentava um saldo devedor de 252.750,00 euros, tal como resulta do documento junto a fls. 136 verso, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados e levados aos temas de prova, e outros que tivessem interesse e/ou relevância para a boa decisão da presente causa, designadamente que fora transmitido à autora pelo cedente que a referência a prestações acessórias se tratava de um lapso de escrita/redacção e que o clube tem possibilidades de liquidar o valor reclamado.

III – Do mérito do recurso
Continua no presente recurso a apelante a pugnar pela condenação do réu a pagar-lhe o montante de 252.750,00 Euros, acrescido dos juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas judiciais.
Para tal invocou que em 23 de Dezembro de 2013, por documento particular, D… cedeu à autora o crédito que detinha sobre o C…, resultante de prestações acessórias, no montante global de 252.750,00 euros. A referida cessão de créditos foi comunicada ao Clube que, apesar de interpelado para o efeito, nunca liquidou a referida quantia à autora, o que mesma reclama nesta acção.
Como bem se salientou na sentença, o réu C… é uma associação sem fins lucrativos com personalidade jurídica, não detendo capital e não podendo, por isso, ter prestações acessórias de capital.
Com efeito, os clubes desportivos são as pessoas colectivas de direito privado, constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos, que tenham como escopo o fomento e a prática directa de modalidades desportivas (artigo 26.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, Lei n.º 5/2007, de 15 de Janeiro).
Em Portugal, as prestações acessórias são um instituto recente recebido em 1986 com Código das Sociedades Comerciais.
Não existe obrigação de efectuar prestações acessórias sem cláusula contratual. Assim, só poderá nascer uma obrigação de fazer prestações acessórias quando o contrato o determinar (209.º/1 e 287.º/1). O contrato deve fixar os elementos essenciais da obrigação e especificar se as prestações são onerosas ou gratuitas. São dois os requisitos da cláusula contratual: (1) deve conter os elementos essenciais da obrigação; (2) deve especificar o carácter gratuito ou oneroso da prestação.
É, pois, manifestamente impróprio falar de prestações acessórias com esta carga jurídica relativamente a pessoas colectivas de direito privado, constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativo. E, como assim é, a própria recorrente acrescentou, posteriormente, que lhe foi transmitido pelo cedente que a referência a prestações acessórias no documento de cessão se trata de um lapso de escrita/redacção, e que dúvidas não existem que esse crédito existe, estando registado na contabilidade do Clube como dividas a terceiros.
Assim, tais entregas só podem enquadrar-se em contratos de mútuo.
O mútuo é um negócio consensual ou formal, conforme o seu valor, sendo exigível escritura pública ou documento particular autenticado se exceder 25.000,00 euros, e documento assinado pelo mutuário se exceder 2.500,00 euros.
É uma formalidade ad substantiam cuja inobservância determina a nulidade do contrato (artigo 220º do Código Civil).
Inobservada a forma exigida por lei, o contrato de mútuo é nulo e, por força do carácter retroactivo da declaração de nulidade e da relação de liquidação que se institui entre as partes, o mutuário fica constituído na obrigação de restituição da quantia mutuada (artigo 289º, nº 1 do Código Civil).
Explicita-se correctamente na sentença que se desconhece em que datas concretas e em que montantes exactos foram constituídos os mútuos.
Só se apurou que durante o período em que fez parte dos órgãos do clube D…. terá efectuado várias entregas financeiras ao réu, sendo tais montantes lançados na contabilidade do clube, manifestando-se o seu recebimento numa conta corrente aberta em nome de D….
E, caso os contratos de mútuo sejam inválidos, a cessão será nula por impossibilidade legal do objecto. – artigo 280º do C. Civil.
Com efeito, o cedente tem o dever de garantir a existência, a validade e a legitimidade do contrato cedido, assegurando não se tratar de relação contratual nula, anulável, prescrita, etc.. Essa constatação decorre do facto de não ser admissível ceder o que não existe, nem o que não se tem. Se o contrato base for nulo, nula também será a sua cessão, com responsabilidade do cedente diante do cessionário.
Seja como for, a prova efectuada no processo foi contundente relativamente aos seguintes factos provados:
11º. A gestão do réu era conduzida de forma autocrática pelo respectivo Presidente da Direcção, D…, que tinha o poder de pôr e dispor, de decidir como se fazia ou desfazia, poder que exercia de modo efectivo, sem que lhe fossem levantadas questões ou dúvidas pelos demais membros dos órgãos sociais.
12º. Os Presidentes do réu actuavam de modo directo e indirecto para que a capacidade financeira do Clube fosse pelo menos suficiente para prosseguir os seus fins, para cumprir orçamentos, orçamentos que aqueles Presidentes preparavam de acordo com as suas próprias possibilidades.
13º. Os Presidente da Direcção e do Conselho Fiscal sempre encontraram fórmulas para, através das suas empresas, das empresas de que eram sócios/accionistas e gerentes/administradores, contribuir financeiramente para o desenvolvimento da actividade do réu, designadamente para que pudesse celebrar contratos de transferência (“compra”) de jogadores de futebol e pudesse acorrer outras obrigações de pagamento da sua responsabilidade.
14º. Durante o período em que fez parte dos órgãos do clube D… terá efectuado várias entregas financeiras ao réu, sendo tais montantes lançados na contabilidade do clube, manifestando-se o seu recebimento numa conta corrente aberta em nome de D….
15º. Entre as partes existia um acordo – que permanece – no sentido de que o réu reembolsaria/reembolsará D… das quantias recebidas se e quando puder.
16º. D… conhecia a situação económica e financeira do réu, bem sabendo que este não tinha qualquer possibilidade de o reembolsar daquelas quantias, aceitando que os dinheiros que entregasse ao Clube só lhe seriam reembolsados se e quando este o pudesse.
17º. Quando recebeu a carta de comunicação de cessão do crédito, alguns dos membros da Direcção do réu contactaram o cedente do crédito e reuniram com o mesmo na sede da autora – de que, à data, o cedente era administrador – e manifestaram a sua estranheza e preocupação com o teor daquela carta.
18º.Nessa reunião, D… sossegou-os, dizendo-lhes que o contrato de cessão de créditos ajuizado de um mero documento contabilístico se tratava, ficando tudo na mesma.
Assim o afirmaram, categoricamente, F…, sócio do réu e contabilista do clube, K… também contabilista do réu, G…, economista, ligado desde 2013 à autora, e sócio do réu e ainda H…, I…, e J…, anteriores presidentes do clube réu.
Perante esta assentada, há que concluir que as entregas foram sujeitas à denominada cláusula cum potuerit, prevista no artigo 778º, nº 1, CC, o qual dispõe que “se tiver sido estipulado que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a possibilidade de cumprir”.
Neste caso, “para exigir o cumprimento, o credor terá de alegar e provar que o devedor dispõe de meios económicos bastantes para efectuar a prestação, sem que esta o deixe em situação precária ou difícil”- vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 4ª edição, pág 45 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, III, pág. 232.
Este entendimento remonta ao Código Civil anterior, cujo artigo 743, § único, de forma muito clara, dispunha: “ Se o tempo da prestação for deixado na possibilidade do devedor, não pode o credor exigi-la forçadamente, excepto provando a dita possibilidade”.
Na situação é manifesto que a recorrente não fez esta prova, nem sequer alegou factos relevantes quanto a este aspecto.
O que alega é que:
- “O réu tem activo imobiliário, nomeadamente o estádio de futebol, um pavilhão, um campo sintético e um pequeno relvado, bem como receitas, nomeadamente, renda pela utilização do estádio paga pela SAD no valor de 2.500,00 Euros mensais, quotas dos sócios, patrocínios da câmara, mensalidades das formações e publicidade
- “O réu tem possibilidades de liquidar o valor reclamado, nomeadamente através de um plano de pagamentos em prestações ou de troca de serviços, conforme já conversado em reunião com a administração da B…”;
Ora, o activo Imobilizado é formado pelo conjunto de bens necessários à manutenção das actividades da empresa, caracterizados por se apresentarem na forma tangível (edifícios, máquinas, etc.).
Como se referiu, para exigir o cumprimento, o credor terá de alegar e provar duas situações:
1ª que o devedor dispõe de meios económicos bastantes para efectuar a prestação, e
2ª que este cumprimento não o deixa em situação precária ou difícil.
É bom de ver que se o activo imobiliário é composto pelos bens necessários à manutenção da actividade da empresa, os mesmos não podem ser alienados, sem mais, pois podem fazer perigar essa actividade e, em consequência, colocar o devedor em situação precária ou difícil.
Quanto ao plano de pagamentos ou troca de serviços, a alegação é conclusiva pelo que não permite ajuizar, em termos factuais, se o réu dispõe de meios económicos para cumprir sem ficar em situação precária ou difícil.
Decorrentemente se rejeita a impugnação da matéria de facto por irrelevante.
E o recurso não merece qualquer acolhimento.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 27 de Junho de 2018
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante