Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1440/15.6PTAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: PENAS ACESSÓRIAS
CÚMULO JURÍDICO
Nº do Documento: RP201611091440/15.6PTAVR-A.P1
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1030, FLS.182-190)
Área Temática: .
Sumário: As penas acessórias devem ser cumuladas juridicamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 1440/15.6PTAVR-A.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 1440/15.6PTAVR do Tribunal da Comarca de Aveiro – Aveiro – Instância Local – Secção Criminal – J3 foi julgado o arguido:
B…

E após audiência, por sentença de 14/4/2016 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, tendo em atenção os critérios enunciados e os legais juízos expressamente expostos, decide-se:
a) Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares que foram cominadas ao arguido B… nos presentes autos n.º 1440/15.6PTAVR e no processo n.º70/15.7GTAVR, condenando-o na pena única de 7 (sete) meses de prisão;
b) Suspender a execução dessa pena única, pelo período de um ano, com acompanhamento de regime de prova, nos termos já definidos nos presentes autos;
c) Ainda, no âmbito do cúmulo, condenar o arguido na pena unitária de 30
(trinta) meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
Sem tributação (cfr., tabela III, a contrario, anexa ao Regulamento das Custas Processuais)”.

Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões:
1) Inconformado com a parte da sentença em que se decidiu efetuar o cúmulo meramente material das penas acessórias, o arguido interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de direito, defende a realização do cúmulo jurídico e esta sua tese encontra sustentação na doutrina e na jurisprudência que tem vindo a defender a realização de cúmulo jurídico nos casos de concurso de penas acessórias.
2) Conquanto se aceite que os artigos 77.º e 78.º do Código Penal reconhecem às penas acessórias especificidades relativamente às penas principais – decorrentes da sua função adjuvante que, aliás, ninguém põe em causa – entende-se que, do seu teor enunciativo, não se deve retirar qualquer argumento decisivo a favor ou contra as teses em confronto. Pode dizer-se que tais preceitos só singularizam as penas acessórias relativamente a situações em que estas não concorrem entre si, estando apenas adjacentes a uma das penas principais.
3) Com efeito, o n.º 4 do artigo 77.º limita-se a dizer que as penas acessórias são sempre aplicadas em caso de concurso, não obstante uma das incriminações em concurso as não prever como auxiliadoras dos seus efeitos. Isto é, este preceito refere-se ao quando mas não ao como devem ser aplicadas as penas acessórias, quando concorram duas ou mais de idêntica natureza.
4) Por sua vez, o n.º 3 do artigo 78.º parece visar prevenir situações de pura redundância, como sucederá – quedando-nos pelo direito penal rodoviário – quanto a um dos crimes tiver sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir e a outro uma medida de segurança de cassação ou de interdição da concessão do título de condução de veículo a motor, sendo, então, de considerar que a primeira se torna desnecessária face à segunda.
5) Por fim, como bem se realça no acórdão da Relação do Porto de 2/5/2012, proferido no processo 319/10.2PTPRT.P1 – a respeito do argumento da pretendida “incoerência” entre os regimes de cúmulo jurídico das penas acessórias e de cúmulo material das sanções do Código da Estrada – “mais grave do que essa incoerência (relativa a contraordenações e respetivas sanções), seria uma incoerência entre o regime do cúmulo jurídico das penas principais e o das penas acessórias (que são verdadeiras penas)”.
6) Com efeito, o artigo 134.º do Código da Estrada, no seu nº 3, manda cumular materialmente todas as sanções aplicáveis a contraordenações previstas no mesmo diploma e não só as acessórias. Ora, apesar da pretensa “assimetria”, ninguém sustenta que as penas aplicáveis aos crimes rodoviários se cumulem materialmente, até porque tal implicaria uma direta violação da lei.
7) Acresce, esta norma especial apenas se aplica às sanções (coimas e sanções acessórias) previstas no Código da Estrada e no exclusivo âmbito das contraordenações rodoviárias.
8) No regime geral das contraordenações e coimas aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10, na versão atual, prevê-se também uma regra de cúmulo jurídico das coimas, o que também se aplica às sanções acessórias, atento o princípio da acessoriedade (cfr. o seu art. 19.º e sgs.).
9) O que acontece, pois, é que o legislador penal não previu direta ou expressamente o regime de cúmulo aplicável às penas acessórias, não bastando, para conclusão da tarefa interpretativa, o mero apelo ao argumento literal, antes havendo que recorrer ao elemento racional ou teleológico.
10) Atento o princípio da legalidade que vigora quanto à lei criminal, é proibida a analogia e também a interpretação extensiva em detrimento do arguido (cfr. o art.º 3.º do Cód. Penal, bem como o art. 29.º da CRP).
11) A pena acessória de proibição de conduzir de conduzir (verdadeira pena) imposta em sentença condenatória é muito diferente, em termos de natureza e finalidades, da sanção acessória de inibição de conduzir (sanção administrativa) prevista no Código da Estrada, não podendo ser aqui aplicado o regime do cúmulo material que vale apenas no direito contraordenacional definido no Código da Estrada (direito de natureza administrativa).
12) O direito de contraordenação social e o direito criminal não são coincidentes, são diferentes nos seus pressupostos, fundamentos e finalidades, com axiologia normativa autónoma e independente.
13) O ilícito criminal de justiça e o direito rodoviário previsto no Código da Estrada são regimes muito diferentes e de difícil articulação, conforme resulta do Ac. do STJ n.º 2/2013, publicado no DR-I-S, de 08/01/2013, para cuja argumentação e jurisprudência fixada agora também se remete neste aspeto.
14) É conhecida a posição crítica de Figueiredo Dias relativamente ao sistema de penas acessórias adotado pela versão originária do Código Penal de 1982, com “uma função preventiva adjuvante da pena principal, de que o sistema penal não pode ou não quer prescindir”. Aí sustentava: “Um tal conteúdo, porém, é de todo insuficiente e inadequado para caraterizar o instrumento político criminal a que pertença uma pena, ainda que acessória. Para tanto torna-se – até jurídico-constitucionalmente – indispensável que aquele instrumento ganhe um específico conteúdo de censura do facto, por aqui se estabelecendo a sua necessária ligação à culpa (…)” – cfr. Direito Penal Português, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, página 96.
15) Mais adiante, o mesmo Professor enfatiza a necessidade de, “de lege ferenda”, dotar o ordenamento jurídico-penal português “de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados”, que teria “por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”- cfr. Obra citada, páginas 164- 165.
16) Ora, como se sabe, a aludida pena acessória de proibição de conduzir foi introduzida no artigo 69º do Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, sofrendo, depois, a atualização inserida pela Lei nº 77/2001, de 13/7.
17) Foi partindo da natureza de verdadeiras penas das penas acessórias e da sua necessária conexão à culpa, que o Professor Faria Costa desenvolveu o seu estudo «Penas acessórias: cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, n.º 3945, Julho-Agosto de 2007, páginas 322 a 328.
18) Com efeito, no referido estudo, a página 326 daquele ano e número da RLJ, este académico considera que “(…) se estamos a tratar de uma verdadeira pena, então a sua medida é sempre a medida da culpa e toda a medida da pena que ultrapasse a medida da culpa é absolutamente ilegal, e, logo, o que se pretende em última análise é que na aplicação concreta da medida da pena, levando em linha de conta a moldura penal abstrata, se encontrem presentes os princípios da perequação dos mínimos e máximos. Em termos legais, estas duas ideias acabadas de expender encontram-se previstas nos artigos 40.º, n.º 2, e 71.º, ambos do CP. Não há, como se está a ver, razão alguma para que esse raciocínio não seja válido para as penas acessórias. E efetivamente é-o, sendo consensual, no seio da doutrina e da jurisprudência, que a medida da pena acessória é igualmente encontrada através daqueles critérios”.
19) De seguida, o mesmo autor [acompanhando, nesta parte, de perto, Figueiredo Dias explicita os fundamentos da opção do legislador penal pelo sistema do cúmulo jurídico – salientando que só este permite efetuar um exame conjunto dos factos e da personalidade do agente, para perceber se se trata de alguém com tendências criminosas ou se está a viver uma conjuntura criminosa por fatores exógenos – e conclui que só por esta via é possível chegar à pena justa.
20) Finalmente, rematando a sua exposição, reacentua que as penas acessórias são verdadeiras penas e que também “só o sistema do cúmulo jurídico se revela consentâneo na escolha da pena acessória única”.
21) Posto isto, considera-se, que não pode existir uma incoerência entre o regime do cúmulo jurídico das penas principais e o das penas acessórias (que também são verdadeiras penas).
22) Não estão em causa nestes autos penas acessórias de diferente natureza e com diversos efeitos, estão aqui em causa duas penas acessórias de proibição de conduzir previstas no art. 69.º, n.º 1, do Cód. Penal (da mesma espécie e da mesma natureza).
23) A pena acessória de proibição de conduzir é fixada de acordo com os critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa e a gravidade dos factos, sendo graduada no âmbito de uma certa moldura legal e por forma a salvaguardar o princípio da não automaticidade previsto no art. 65.º do Cód. Penal, bem como a proibição de penas acessórias fixas.
24) Qualquer cúmulo jurídico de penas acarreta sempre um benefício para a pessoa visada, mas tal privilégio é justificado pela ponderação conjugada dos factos e da personalidade do agente, o que leva à fixação de uma pena conjunta (cfr. os arts. 77.º e 78.º do Cód. Penal).
25) No âmbito da punição do concurso de crimes estão em causa razões de justiça material e de igualdade, visando-se alcançar um benefício para o condenado e nunca um prejuízo.
26) Se fosse de efetuar o cúmulo material das referidas penas acessórias, estar-se-ia a tratar a pena acessória de forma muito mais severa que a própria pena principal.
27) Que no caso concreto, tendo o condenado de cumprir integralmente as penas acessórias durante 30 meses, atenta a sua idade (nascido em 1040) e prazo de revalidação da mesma de dois em dois anos (DL n.º 37/2014, de 10 de março, que altera o Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho), implica a caducidade da carta de condução e ainda a necessidade de efectuar uma prova prática caso pretenda obter novo título de condução. O custo que esta sujeição implica transforma esta numa terceira pena, dada a escassez de rendimentos do agregado familiar do arguido (cfr. Plano de Reinserção Social – Suspensão da Execução da Pena, elaborado pela DGRSP, onde consta “O arguido, tal como a esposa, encontram-se, ambos, reformados, auferindo, respectivamente, a quantia de € 195 e de € 325 mensais”).
28) Deve-se assim proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias de proibição de conduzir aqui aplicadas tendo sempre em vista realizar os princípios da culpa, da pena justa e proporcional e da unidade do sistema jurídico-penal e olhando aos fins, à natureza e aos pressupostos do concurso de crimes e do respetivo cúmulo jurídico e dado que estamos perante verdadeiras penas, não sendo sequer permitido o recurso à analogia para determinar qualquer pena como resulta do art. 3.º, n.º 3, do Cód. Penal – cfr., sobre esta temática e neste preciso sentido do cúmulo jurídico, o estudo do Sr. Prof. Faria Costa, in RLJ, Ano 136.º, n.º 3945, Julho-Agosto de 2007, Coimbra Editora, p. 322-328, bem como o Ac. do TRL de 25/06/2003, do qual foi relator o Sr. Juiz Des. Dr. Carlos Sousa, in CJ, Tomo III-2003, p. 144-145, o Ac. do STJ de 21/06/2006, do qual foi relator o Sr. Juiz Cons. Dr. Soreto de Barros, in CJ-AC-STJ, Tomo II, p. 223-224, o Ac. do TRC de 09/09/2009, do qual foi relator o Sr. Juiz Des. Dr. Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt/jtrc, bem como o Ac. do TRP de 02/05/2012, do qual foi relator o Sr. Juiz Des. Dr. Pedro Maria Vaz Pato, no processo n.º 319/10.2PTPRT.P1, Ac. do TRC de 12/09/2012 (relator: Des. Dr. Alberto Mira), in CJ, T-IV, p. 32-34, Ac. do TRP de 03/04/2013 (relator: Des. Dr. Ernesto Nascimento), no processo abreviado n.º 151/11.6PTPRT.P1, doutrina e jurisprudência para as quais também se remete.”

O MºPº respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer em 14/6/2016 no sentido da improcedência do recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“II – Fundamentação de facto
I.1 – Matéria de facto provada
Com relevo para a determinação da pena única a aplicar, provou-se que:
1. O arguido foi condenado, no presente processo, por sentença proferida em 10.11.2015, transitada em julgado em 11.12.2015, em razão da prática, em 20.10.2015, de um crime de condução em estado de embriaguez na pena «proibição de conduzir veículos motorizados durante dezoito meses e na pena de cinco meses de prisão, suspensa, na sua execução, por um ano com regime de prova;
2. A condenação foi consequência de o arguido, livre e voluntariamente, ter conduzido um veículo ligeiro de passageiros, com uma taxa de álcool no sangue não inferior a 1,564.
3. O arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado em 26.10.2015, no âmbito do processo n.º 70/15.7GTAVR, em razão da prática em 06.09.2015 de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de proibição de conduzir por 12 meses e na pena de 4 meses de prisão suspensa, na sua execução, por um ano com regime de prova.
4. A condenação foi na sequência de o arguido, livre e voluntariamente, ter conduzido um veículo ligeiro de passageiros, com uma taxa de álcool no sangue não inferior a 1,680.
**
5. O arguido entregou a carta de condução, para cumprimento das ditas penas acessórias, no dia 6 de Novembro de 2015.
6. O arguido, na presente data, encontra-se a ser acompanhado pelos Serviços de Reinserção Social, ao abrigo deste processo, em que já foi definido um regime de prova com a concordância do arguido, incluindo medidas de sensibilização para a prevenção rodoviária e visando o tratamento do alcoolismo.
7. O arguido concluiu quatro anos de escolaridade e começou a trabalhar com doze ou treze anos de idade.
8. Trabalhou na agricultura, numa fábrica e como operário da construção civil, estando actualmente reformado.
9. Vive com a esposa, doméstica, em casa que lhes pertence e que foi construindo ao longo da vida.
10. Tem cinco filhos, todos já adultos, um dos quais está desempregado, tem problemas de saúde mental e vive com o arguido e esposa.
11. O arguido é considerado por pessoas que com ele convivem como trabalhador e honesto.
12. Para além das duas condenações já referidas, o arguido sofreu as seguintes condenações pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez:
a. por sentença transitada em julgado em 08.11.2010, em consequência de factos praticados em 15.09.2010, na pena de oitenta dias de multa à razão diária de cinco euros e na pena de proibição de conduzir veículos motorizados por quatro meses, penas estas já extintas desde 2011 (processo 2232/10.4PTAVR, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo);
b. por sentença transitada em julgado em 09.05.2014, em consequência de factos praticados em 17.03.2014, na pena de cento e vinte dias de multa à razão diária de cinco euros e na pena de proibição de conduzir veículos motorizados por sete meses, penas estas já extintas por cumprimento desde Novembro e Dezembro de 2014, respectivamente (processo 354/14.1PTAVR, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo).
II.2 – Motivação da decisão de facto
A convicção sobre a matéria de facto provada resultou da sentença proferida nestes autos a fls. 59 a 65, do termo de desentranhamento a fls. 69 e 57, do certificado de registo criminal do arguido de fls. 87 a 92 e do plano de reinserção social elaborado pela DGRSP a fls. 100 a 106.
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É a seguinte a questão a apreciar:
Se as penas acessórias emergentes de pratica de um crime são cumuladas jurídica ou materialmente
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados e vista a decisão recorrida não se vislumbra nenhum deles.

Vejamos a questão recursiva.
Na decisão recorrida a opção fez-se pelo cúmulo material, que é fundamentada do seguinte modo:
No que tange às penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso (expresso, i.a.,no Acórdão da Relação do Porto datado de 02.05.2012, proferido no âmbito do processo n.º 319/10.2PTPRT.P1, que pode ler-se em www.dgsi.pt), de 18 e de 12 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, afigura-se que não há lugar a cúmulo jurídico, impondo-se antes a soma material das mesmas.
Tal resulta quer da consideração do teor literal das disposições legais relativas à punição do concurso de crimes (em especial do n.º 4 do artigo 77º e do n.º 3 do artigo 78º), quer da consideração da natureza material das penas acessórias (e concretamente das de proibição de conduzir veículos motorizados, com conteúdo material idêntico ao da sanção acessória de inibição de conduzir prevista para as contra-ordenações rodoviárias nos artigos 134º, 138º e 147º do Código da Estrada – sanção contra-ordenacional relativamente à qual expressamente se estabelece que o cúmulo de sanções é sempre material – e que apenas não deverão subsistir quando o agente deva sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma de cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão – cfr. artigo 78º, n.º3, do Código Penal e FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª ed., pág. 165).
Neste sentido, podem ler-se (em www.dgsi.pt), i.a., os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.06.2011, referente ao processo n.º 190/10.4GAVFR.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 07.12.2011, relativo ao processo n.º 626/10.4GAPFR.P1 e de 11.10.2006, com o n.º convencional JTRP00039553 (no último argumentando-se, além do mais, que “(...) tal conclusão decorre, desde logo, do disposto no artigo 77º, nº 4, do Cód. Penal, ao estabelecer que “as penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”. Neste preceito, consagra-se o sistema de pena conjunta, ou seja, como refere Figueiredo Dias, «cumulativamente com a pena conjunta de prisão ou de multa o tribunal condenará, nos termos do artigo 78º, nº 4, na pena acessória (incluídos efeitos da pena) ou medida de segurança que se ligue a qualquer dos factos praticados (e que, como tal, tenha sido fixada na 1ª operação). Esta solução é compreensível e aceitável de um ponto de vista político-criminal e mesmo da perspectiva da lógica do sistema da pena conjunta: por uma parte, é fruto da ideia de que, por força do concurso, os crimes singulares não perdem a sua individualidade e as suas especificidades (como aconteceria num sistema puro de pena unitária); por outra banda, solução diferente poderia conduzir o agente à prática de outro crime só para evitar uma consequência acessória que ao primeiro se ligava e cuja aplicação pretendesse muito particularmente evitar». Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 292. Mas, o entendimento da inadmissibilidade do cúmulo jurídico das sanções acessórias também resulta do nº 3, do artigo 78º, referindo que “as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão (…)”, não sendo aceitável solução que conduzisse a “(...) concluir que o regime penal, no que toca à sanção acessória de inibição de conduzir, era mais favorável do que o contra-ordenacional. Em matéria de sanções acessórias era mais favorável ao agente cometer crimes do que contra-ordenações, pois, quanto a estas haveria cúmulo material e naqueles cúmulo jurídico”).”
Mais uma vez a jurisprudência e a doutrina não são concordantes, defendendo-se ambas as posições:
- uns o cúmulo material, essencialmente porque não apenas a lei penal não prevê o cúmulo jurídico ao regular as penas acessórias e a sua regulamentação indiciar tal cúmulo ( artº 77º4 e 78º3 CP) e a não coincidência entre os diferentes fins das penas principais e das acessórias (que cremos não ser a posição maioritária cf. entre outros Albuquerque, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal, 2008, UCP Editora, pág. 226; o ac.TRP de 11/10/2006, CJ, Tomo IV, 2006,202-204 e www.dgsi.pt do seguinte teor “Não há lugar a cúmulo jurídico de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor”; ac. TRC de 29/06/2011, proc. n.º 190/10.4GAVFR.C1, www.dgsi/jtrc.pt; ac. TRP de 07/12/2011, proc. n.º 626/10.4GAPFR.P1, www.dgsi./jtrp.pt; ac. TRP de 3/12/2012 www.dgsi.pt; ac.TRC de 28/03/2012, proc. n.º 79/10.7GCSEI.C1, www.dgsi/jtrc.pt e o ac.TRP de 13.03.2013, proferido no proc. nº 1316/10.3PTPRT.P2, www.dgsi/jtrp.pt.) e o recente ac. TRP 20/4/2016 www.dgsi.pt do seguinte teor: “II – As penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados são apenas susceptiveis de acumulação material.”
- e outros o cúmulo jurídico, essencialmente em face da sua natureza de verdadeiras penas e de a sua fixação ser determinada dentro dos limites da culpa e das exigências de prevenção tal como as penas principais e das normas legais não se poder retirar uma interpretação que imponha a ausência de cúmulo jurídico. cf. entre outros: ac. STJ 21/6/2006 C.J., Acs. S.T.J., ano XIV, II, 223); ac. RLx de 25/6/ 2003 C.J., ano XXVIII, III,144; ac RC 9/9/2009 www.dgsi.pt), e nesta Relação os ac.2/5/2012 www.dgsi.pt “As razões que levam à opção do legislador pelo cúmulo jurídico das penas principais têm plena aplicação ao cúmulo de penas acessórias.”; 3/4/2013 www.dgsi.pt do seguinte teor “As penas acessórias, como penas que são, devem ser cumuladas juridicamente segundo o critério estabelecido no n.º 1 do art.º 77º do C. Penal”; 11/12/2013 www.dgsi.pt “As penas acessórias em concurso são cumuladas juridicamente”; e Prof. Faria Costa” Penas acessórias: cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, n.º 3945, Julho/Agosto de 2007, páginas 322 a 328.)

Ora afigura-se-nos que a justiça do caso exige que estando em causa uma pena acessória emergente da prática de um crime, em caso de concurso de penas acessórias e nomeadamente a proibição de conduzir veículos automóveis (prevista pelo artº 69º CP) estas estão sujeitas a cúmulo jurídico, tal como o decidiu a decisão que subscrevemos, como adjunto, no ac. RP de 30/10/2013 www.dgsi.pt: “As penas acessórias, porque de verdadeiras penas se trata, devem ser cumuladas juridicamente.”
Pois que neste âmbito há que distinguir as sanções acessórias por infracção de normas de natureza rodoviária (contraordenações) em que expressamente o artº 134º CE (DL 114/94 de 3/5) prevê que “3 - As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.”, donde resulta assim um regime especial relativo às contraordenações estradais, apesar de ter como regime subsidiário o regime geral das contraordenações, cf. artº 132º CE “As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações.” sendo que por seu lado no que respeita ao regime geral das contraordenações e neste RGCO (DL 422/82 de 27/10 na redacção do DL 244/95 de 14/9), rege o artº 19º que dispõe no seu nº1 que “ Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.”, direccionando-nos para o cúmulo jurídico das coimas – punido por uma única coima - (afastando a cumulação material) em caso de concurso de contraordenações, e sem prejuízo de o Código Penal constituir direito subsidiário em tudo o que não for contrário ao RGCO ( artº 32º ) que levaria ao mesmo regime, e o regime geral ( cumulo jurídico) do Código Penal quanto aos crimes.
Verificamos assim que o direito penal exige em caso de concurso de crimes a aplicação de uma única pena (artº 77º CP) e o mesmo ocorre com o direito contraordenacional (artº 19º RGCO: aplicação de uma única coima) e apenas o direito rodoviário afasta o cúmulo jurídico para aplicar expressamente o cúmulo material (soma das coimas).Cf. Ac RP 28/10/2009 www.dgsi.pt “Se o regime geral para o concurso de contra-ordenações consagra a regra do cúmulo jurídico para as coimas aplicadas, já com referência às contra-ordenações rodoviárias vale a regra do cúmulo material das sanções.”
Ora tendo em conta este sistema jurídico e sendo unanime a jurisprudência e a doutrina que as penas acessórias, como a proibição de conduzir veículos motorizados, aplicadas no âmbito de matéria crime (artº 69º CP), estão sujeitas na sua determinação concreta aos mesmos critérios, princípios e regras de determinação da pena principal (submissão aos princípios da culpa e dos fins das penas e critérios do artº 71º CP) sob pena de inconstitucionalidade, então, cremos, evidente se torna que a aplicação da pena acessória está submetida em todo o seu regime às mesmas regras da pena principal. E se esta impõe que em caso de concurso de crimes a pena apenas pode ser uma (única) a determinar nos termos do artº 77º CP (cumulo jurídico, tendo em conta aqueles critérios e regras) que se subordinam a uma ponderação em conjunto dos factos e da personalidade do agente referenciada àqueles “tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente “apud ac. STJ de 03/04/2013 (OLIVEIRA MENDES), e sendo a pena única fruto “ das exigências gerais de culpa e de prevenção” – F Dias, As Consequências Jurídicas do crime, Coimbra, 2005, pág. 291, e objecto de uma ponderação sobre os factos na sua globalidade e a personalidade do arguido neles revelada e se como expressa o Prof F. Dias, ob. loc. cit. “tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global …”, (cf. também STJ ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj) então sendo aplicável ao crime uma pena única principal também apenas lhe pode ser aplicável uma pena única acessória sob pena de se violarem aqueles mesmos princípios e critérios, tornando-os independentes da culpa do condenado nos factos, violando por essa via a constituição.
Compatível assim com as exigências constitucionais e legais em matéria criminal apenas é a aplicação do cúmulo jurídico quanto às penas acessórias ao contrário do que fez a decisão recorrida.
Procede por isso o recurso

Devendo ser efectivado o cúmulo jurídico quanto às penas acessórias, impõe-se que esta Relação proceda a essa aplicação, em consonância com a doutrina emergente do AFJ nº 4/2016 (DR. n.º 36/2016, Série I de 2016-02-22) com o seguinte teor: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”, que é de aplicar ao caso, não sendo necessário proceder a qualquer audiência, dado que o processo fornecesse os elementos necessários para decidir.
Assim:
Está apenas em causa a pena acessória de proibição de conduzir, pelo que partindo das considerações supra expressas sobre o cumulo jurídico, e em especial a doutrina do ac STJ 2/5/2012 www.dgsi.pt (Cons. Pires da Graça) e tendo em conta os factos apurados todos relativos ao mesmo ilícito e de igual modo os antecedentes criminais, mas também o modo e condições de vida e a sua idade que releva dados os seus 76 anos de idade, afigura-se-nos justo atentos os limites mínimo e máximo do cumulo (18 meses e 30 meses) fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em 20 meses.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência altera a decisão e condena o arguido em cúmulo jurídico na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de vinte (20) meses, mantendo-se no demais a decisão proferida.
Sem custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 9/11/2016
José Carreto
Paula Guerreiro (Vencida conforme declaração de voto junta)
Francisco Marcolino (Presidente)
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Voto vencida com os fundamentos melhor expostos no Acórdão desta Relação de 7/12/2011, por mim relatado e publicado in www.dgsi.pt, relativo ao processo nº 626/10.4GAPFR.P1, para onde expressamente se remete.

Paula Guerreiro